sábado, 30 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1903: Cap Cav Luís Filipe Rei Vilar, comandante da CCAV 2538, morto numa emboscada (Afonso M.F. Sousa)


1. Mensagem do nosso camarada Afonso M. F. Sousa, enviada já hoje, de madrugada:

Caro Luis,

Das pesquisas que fiz, averiguei que o Cap Cav Luis Filipe Rei Vilar (1), foi o comandante da CCAV 2538, uma das 4 companhias que integrava o BCAV 2876, do RC3 de Estremoz.

O Batalhão embarcou para a Guiné em 19 de Julho de 1969 e desembarcou em Lisboa a 11 de Junho de 1971.

Localizei um 1º cabo da CCAV 2540, do mesmo Batalhão (residente na Vila das Aves) e estive a falar com ele. Sabe pouco sobre a ocorrência que vitimou o Capitão Luis Vilar. Teve conhecimento que resultou de uma emboscada (a primeira e a única que sofreu a CCAV 2538), na área de Susana (Cacheu).

Era esta a disposição das Companhias 

Deste contacto, consegui também o telefone do furriel enfermeiro (Jesus) da CCAV 2538. Pelo adiantado da hora, não me foi possível contactá-lo. Fá-lo-ei amanhã. .

Entretanto, e como eventual acréscimo de pesquisa, remeto-vos para o Post P1261, do nosso blog, que transcrevo, em parte :

9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1261: Convívio do pessoal do BCAV 2876, em 25 de Novembro: lá estarei com o Nelson (Manuela Gonçalves)

(...) "Notícias da nossa amiga Nela [Manuela Gonçalves], nossa tertuliana e editora do Blogue Caminhos por onde andei :

"Boa noite, Luís... Apesar de uma ausência mais ou menos longa, tenho ido ao blogue com alguma frequência embora sem tecer comentários alguns. Bem, como tenho verificado que a zona de S. Domingos e Ingoré está muito ausente, aproveito para dizer que dia 25 de Novembro de 2006 vai haver um almoço de antigos elementos do BCAV 2876 - CCS e CCAV 2538, 2539 e 2540. Vou estar lá com o Nelson e procurarei saber se alguém conhece o Blogue.Tive imensa pena de não ter ido ao convívio na Ameira, mas cá em casa, a bloguista sou eu... Pode ser que no próximo almoço, lá possamos estar. Saudações amigas. Nela"´(...).

Só uma nota mais: em Fevereiro [de 1970] morre este capitão e 3 meses depois, a poucos quilómetros de distância, acontece aquela tragédia dos 3 majores e do alferes [, no chão manjaco] (2). E mais uns quilómetros a SE, em Outubro do mesmo ano, foi a fatídica emboscada de Infandre (Mansoa) (*), que vitimou quase um pelotão e, entre eles, o meu conterrâneo José Mamede (3).


Por agora é só.

Um abraço para todos.
Afonso M. F. Sousa
ex-Fur Mil Trms,
CART 2412
1968/70
___________

Nota de A. M.F. S.:

(*) de que estou a elaborar algumas referências circunstanciadas, também com o objectivo de pormenorizar ou responder à tríade ONDE, COMO e PORQUÊ.

__________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 30 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1902: Manuel Rei Vilar, França: Quem conheceu o meu irmão, Cap Cav Luís Filipe Rei Vilar, morto em Susana, em Fevereiro de 1970 ?

(2) Vd. posts de:

18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1445: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (2): O papel da CCAÇ 2586 (Júlio Rocha)

19 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1446: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (3): O depoimento do 1º sargento da CCAÇ 2586, João Godinho

27 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1465: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (4): Os majores foram temerários e corajosos (João Tunes)

6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1500: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (5): Homenagem ao Ten-Cor J. Pereira da Silva (Galegos, Penafiel)

8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1503: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (6): Fotografia dos três majores (Sousa de Castro)

12 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1519: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (7): Extractos da entrevista de Ramalho Eanes ao 'Expresso'

25 de Fevereiro de 2007 >Guiné 63/74 - P1549: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (8): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte I

6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1566: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (9): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte II

17 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1603: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (10): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte III (Fim)

(3) Vd. posts de:

3 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1641: A morte do 1º Cabo José da Cruz Mamede, do Pel Caç Nat 58 (1): Onde e em que circunstâncias ? (Afonso M. F. Sousa)

3 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1642: A morte do 1º Cabo José da Cruz Mamede, Pel Caç Nat 58 (2) : Em Infandre, a 13 km de Mansoa (Afonso M. F. Sousa)

3 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1643: A morte do 1º cabo José da Cruz Mamede, do Pel Cacç Nat 58 (3): 10 mortos em emboscada com luta corpo a corpo (César Dias)

Guiné 63/74 - P1902: Manuel Rei Vilar, França: Quem conheceu o meu irmão, Cap Cav Luís Filipe Rei Vilar, morto em Susana, em Fevereiro de 1970 ?

1. Mensagem, já retransmitida à nossa tertúlia, de Manuel Rei Vilar, que viverá em França, a avaliar pelo seu endereço de e-mail (reivilar@paris7.jussieu.fr):


Caro Luís:

Tomei conhecimento do seu blogue sobre a Guiné, que achei do maior interesse.

O meu irmão foi morto em Fevereiro de 1970. Era Capitão de Cavalaria e chamava-se Luis Filipe Rei Vilar. Ele estava localizado em Susana.

Gostava de saber mais pormenores deste trágico acontecimento que a minha família viveu, além dos que nos foram transmitidos pelas vias oficiais.

Não sei quem me poderia ajudar. Pensei dirigir-me a si. Se me pudesse dar alguma informação ou então onde ou a quem me dirigir, agradecer-lhe-ia muito. Conto visitar a Guiné-Bissau para o ano e com os meus irmãos fazer uma romagem a Susana.

Agradecendo antecipadamente, apresento-lhe os meus cordiais cumprimentos.

Atenciosamente

Manuel Rei Vilar

2.Comentário de L.G.: Querido amigo e camarada, irmão de um camarada nosso: É de grande nobreza o seu gesto. Vamos seguramente ajudá-lo na pesquisa da informação que nos pede. De momento, não tenho grandes elementos na minha posse, para além da carta de Susana. É verdade que também não tem aparecido muita gente que tenha estado naquela zona do noroeste da Guiné. Mas nós temos aqui alguns especialistas na áerea do reconhecimento e informações... Seguramente que vamos encontrar alguma pista que nos leve ao conhecimento, mais detalhado, das circunstâncias em que morreu o seu irmão. Se souber qual era a sua unidade (companhia ou batalhão), melhor ainda. Até breve. L.G.

Guiné 63/74 - P1901: O Pel Caç Nat 52 que eu comandei em 1966 (Bolama, Enxalé, Porto Gole) (Henrique Matos)


Odivelas > Encontro do pessoal metropolitano do Pel Caç Nat 52 > 16 de Junho de 2007 > De pé da esquerda para a direita: Altino (ex-Fur Mil), Cunha (ex-1º Cabo), Matos (ex-Alf Mil), Monteiro (ex-Fur Mil). À frente: Vaz.


Região Autónoma dos Açores > Ilha de S. Jorge > "Uma fotografia com uma perspectiva fora do habitual" [, as fajãs].

Fotos e legenda: © Henrique Matos (2007). Direitos reservados.


1. Resposta ao Henrique Matos (1) ao Beja Santos (2):

Caro Beja Santos:

Não sei bem por onde começar com tantas ideias e sentimentos a fervilhar na minha cabeça.

Para já queria dizer-te que, embora não tenha passado muitos meses com o 52, aqueles homens marcaram-me de forma indelével, tanto que só de imaginar como foram abandonados e o que se poderia ter passado com eles após a independência, me dava um sentimento de revolta e ao mesmo tempo de impotência, que tinha prometido a mim mesmo esquecer, esquecer, esquecer...

E assim passaram-se mais de 40 anos. Agora surgem em catadupa uma série de coisas novas que nunca imaginava. Primeiro foi a descoberta do Blogue do Luís Graça que funcionou como um despertador e em seguida, quando telefono ao Luís Cunha, 1º cabo do 52, ele me diz que já tinham encontrado o Altino e o Monteiro, ambos Fur Mil. Foi logo um disparar de telefonemas até chegarmos ao encontro que foi no passado dia 16.

O Fur Mil Vaz já estava localizado pois quando a revista do Expresso publicou um trabalho sobre prisioneiros de guerra e lá estava a fotografia dele, tratei logo de falar como director que me forneceu o contacto. Já mandei uma foto para o Blogue onde também estão elementos do 51, 54 e 56. Do 53 e 55 ninguém sabe deles.

Da formação inicial do 52 só falta encontrar o 1.º cabo Castanheira (pensa-se que tenha emigrado já que os pais viviam nos States) e com muita mágoa pensar no 1º cabo Pires que faleceu em combate.

Falta ainda o 1º cabo Victor Português que se juntou a nós mais tarde em Porto Gole como operador rádio.

Dos nossos rapazes, se é que assim os posso chamar, os nomes estão quase todos esquecidos ou baralhados. O Queta (3) deve ter uma memória com muitos megas ou gigas pois o que diz está certo e fico feliz por ele se lembrar de mim.

Não vou fechar este capítulo do folhetim sem te falar do Luís Zagalo com quem estabeleci excelente camaradagem no Enxalé e que tinha a sua ponta de loucura como todos nós. Ficou célebre a viagem que fez do Enxalé a Porto Gole de noite no Jeep Willis que lá havia.

Da ilha de S. Jorge há material para muitos capítulos, mas só vou rectificar o
nome da Caldeira de Santo Cristo e mando-te uma fotografia com uma perspectiva fora do habitual. Também vai uma foto do (re)encontro do pessoal do 52.

Uma nota para os nossos estimados edidor e co-editor. Não sei se o conteúdo deste post e dos outros que se seguirão tem algum interesse para o Blogue, pelo que ficam com total liberdade para incluir, excluir, cortar, recortar, etc. o que tiverem por bem.

Um grande abraço do
Henrique Matos

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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de:

22 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1871: Tabanca Grande (15): Henrique Matos, ex-Comandante do Pel Caç Nat 52 (Enxalé, 1966/68)

28 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1896: Encontro dos Pel Caç Nat 51, 52, 53, 54, 55 e 56 (Henrique Matos)

(2) Vd. post de 25 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1879: Henrique Matos Francisco, brindo à tua chegada e à memória do nosso Pel Caç Nat 52 (Beja Santos)

(3) Vd. post de 29 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1897: O Queta Baldé, com a sua memória de elefante, é muito superior ao grande Fernão Lopes (Beja Santos)

sexta-feira, 29 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1900: Estórias cabralianas (25): Dois amores de guerra e uma declaração: Não sou pai dos 'piquinos Alferos Cabral' (Jorge Cabral)


Guiné > Região Leste > Bambadinca > Fá Mandinga > Pel Caç Nat 63 > 1969 ou 1970> O Jorge Cabral e as suas queridas bajudas mandingas... E a propósito, diz ele nesta estória nº 25, a baixo transcrita: "Contaram-me que uma bajuda que tivera um filho do Furriel X, o seguiu até Bissau, e na hora da partida do navio entrou na água com o bebé, tendo morrido ambos. Então jovem e ingénuo literato, cheguei a alinhavar uma ópera, na qual imaginava o militar em pranto, a querer lançar-se ao mar e a ser impedido pela força das armas" (JC)…

Foto: © Jorge Cabral (2006). Direitos reservados


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Fá Mandinga > 1969 ou 1970 > "O 1º Cabo Monteiro. Às costas um pequenino Alfero Cabral " (JC)...

A par da imensa tragédia que foi (com perdas e danos irreparáveis), a guerra da Guiné foi também palco (hilariante) de muitas peças do Teatro do Absurdo (envolvendo as NT, o IN, os nossos oficiais superiores, os nossos camaradas, a população local)... Jorge Cabral é um dos poucos, da nossa Tabanca Grande, que tem o engenho e a arte de nos conseguir falar (e comover), com um subtil toque de humor, de maneira descomplexada, das nossas relações com as mulheres locais (2)...

As estórias cabralianas são já um caso (sério) de sucesso, de popularidade, entre o pessoal da Tabanca Grande... Espero que o autor nos brinde, ainda antes das férias judiciais ou escolares, com essa fabulosa estória da compra, num grande armazém de Lisboa, de trinta e muitos sutiães, todos do mesmo número, que ele levou consigo, na bagagem, de regresso a Fá Mandinga, para oferecer às suas queridas bajudas, da primeira vez que veio passar férias à Metrópole... Mas não se pense, malevolamente, que ele tinha um harém: há muitos mitos a desmontar acerca do Cabral (e Cabral só há um, o de Fá e mais nenhum)... Na estória de hoje, ele vem de certo modo desmentir-se, a si próprio, ao escrever: Cabrais há muitos, e Cabrões ainda mais!...(LG)

Foto : © Jorge Cabral (2006). Direitos reservados.

1. Mensagem de ontem do Jorge Cabral: Amigo, Aí vai estória! E como sempre, Aquele Abraço. Jorge

2. Estória nº 25 da série Estórias Cabralianas.

Autor: Jorge Cabral,
ex- Alferes Miliciano de Artilharia,
comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá,
Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71.



DOS AMORES, DOS PEQUENINOS ALFEROS CABRAL E DO FALSO FILHO

por Jorge Cabral (1)

E o Amor, existiu? Não falo de mulheres grandes a partir catota, nem de bajudas a partir punho, e muito menos das rápidas e alcoolizadas visitas às casas de prazer, para... mudar o óleo.

Amor mesmo, paixão, dele para ela, dela para ele. Difícil, raro, mas aconteceu. Contaram-me que uma bajuda que tivera um filho do Furriel X, o seguiu até Bissau, e na hora da partida do navio entrou na água com o bebé, tendo morrido ambos. Então jovem e ingénuo literato, cheguei a alinhavar uma ópera, na qual imaginava o militar em pranto, a querer lançar-se ao mar e a ser impedido pela força das armas…

Por mim tive duas namoradas, a Modji Daaba, da qual já falei em prosa e verso, e a Mariama Djaló. Dois amores… E nenhuma loira, nem morena… Ambas negríssimas e muito belas. Filhos, julgo que não. Convém aliás matar de vez os boatos que então circulavam.

A certa altura, não sei bem porquê, as mulheres começaram a dar o meu nome aos filhos e, em pouco tempo, abundavam os pequeninos Alferos Cabral. Obviamente que as confusões e os equívocos surgiram. Depois de passear comigo na Tabanca, um Alferes garantia, no Bar dos Oficiais de Bambadinca, que o Cabral só em Fá Mandinga tinha mais de vinte filhos. E pior ainda, um soldado periquito em Missirá, foi acordar o Branquinho porque, estando eu de férias, ouviu as mulheres aos gritos:
- Alfero Cabral muri! Alfero Cabarl muri!

Por tudo isso não me surpreendeu o telefonema que, há cerca de cinco anos, recebi. Um guineense informava ser meu filho. Porém ele voltou a telefonar, dizendo que era a minha cara, nariz e olhos iguaizinhos, e quanto ao corpo, toda a Tabanca concordara, parecia mesmo o Cabral.

Confesso ter ficado preocupado. Um filho–homem na idade de ser avô… Mandei-o vir ao escritório, e logo que o vi, suspirei de alívio. O vigoroso mulato tinha quase dois metros, e… olhos azuis! Quanto ao local e à data de nascimento também não condiziam.
- Filho, não és! Serás primo! - afiancei-lhe.

É que Cabrais há muitos, e Cabrões ainda mais!...

Jorge Cabral
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 19 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1857: Estórias cabralianas (24): O meu momento de glória (Jorge Cabral)

(2) Convenhamos que o tema, se não é tabu, também não se presta muito a confidências na praça pública (incluindo a blogosfera)... Por puodr, no bando dos machos que já foram dominantes, não se fala muito das velhas proezas amorosas ou simplesmente sexuais... Mesmo assim, o tema já inspirou alguns dos nossos melhores prosadores... E até temos três ou quatros textos de antologia sobre as nossas bravatas sexuais e os nossos (des)amores: eu por exemplo, seleccionaria logo dois, o do Vitor Junqueira e do Virgínio Briote (a bold)... Falo aqui, não como editor, mas simples leitor do blogue (se me for permitido esse privilégio de mudar de papel como quem muda de camisa, violando a regra da isenção e da equidade)...


31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1475: A chacun, sa putain... Ou Fanta Baldé, a minha puta de estimação (Vitor Junqueira)

3 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1490: Favores sexuais furtivos em Mampatá (Paulo Santiago)

2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1484: Estórias de Bissau (10): do Pilão a Guidaje... ou as (des)venturas de um periquito (Albano Costa)

1 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1483: Blogoterapia (16): Males de amores ou... Tenho um lenço da minha lavadeira ali guardado na gaveta (David Guimarães et al)

31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1476: Blogoterapia (15) : Mulher tua (Torcato Mendonça)

24 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1314: Estórias de Bissau (8): Roteiro da noite: Orion, Chez Toi, Pilão (Paulo Santiago)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1290: Estórias de Bissau (7): Pilão, os dez quartos (Jorge Cabral)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1289: Estórias de Bissau (6): os prazeres... da memória (Torcato Mendonça)

11 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1267: Estórias de Bissau (2): A minha primeira máquina fotográfica (Humberto Reis); as minhas tainadas (A. Marques Lopes)

20 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P974: Estórias cabralianas (12): A lavadeira, o sobretudo e uma carta de amor

4 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P936: Estórias cabralianas (11): a atribulada iniciação sexual do Soldado Casto

18 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLV: Teresa: amores e desamores (Virgínio Briote)

17 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 -DXLVI: Estórias cabralianas (5): o Amoroso Bando das Quatro em Missirá

12 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXLIV: A galeria dos meus heróis (3): A Helena de Bafatá (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P1899: Documentos (1): PAIGC - O Nosso Primeiro Livro de Leitura (A. Marques Lopes / António Pimentel) (1): O português...na luta de libertação


Guiné > PAIGC > Departamento Secretariado, Informação, Cultura e Formação de Quadros do Comité Central do PAIGC > 1966 > Capa e contracapa de O Nosso Primeiro Livro.

Fotos: © A. Marques Lopes (2007). Direitos reservados.


A. Marques Lopes, ex- Alf Mil At Inf(Hoje Cor DFA, reformado), CART 1690 (Geba) / CCAÇ 3 (Barro) . Vive em Matosinhos.







1. Mensagem de A. Marques Lopes:

Caros camaradas:

Este era o livro de leitura dos primeiros anos das escolas do PAIGC durante a luta de libertação. É uma edição de 1966 do Departamento Secretariado, Informação, Cultura e Formação de Quadros do Comité Central do PAIGC. Apanhei vários destes em Samba Culo (1), mas alguém ficou com eles, depois de eu ter sido evacuado, só com a farda...Este foi-me cedido pelo nosso camarada tertuliano [António] Pimentel. Já o li. Dou-vos alguns textos a ler. Podem aprender o B-A-BA, o LHA-LHE-LHI... e ler outros textos.




Alfabetização, formação moral, cultura e... formação política, naturalmente. De acordo, aliás, com o Programa das Escolas do PAIGC. Mas este, que consegui de outra fonte, hei-de dar-vos a conhecer depois das minhas férias, que vão começar brevemente na Nazaré. Quem por lá passar dê uma apitadela (938013725).

Abraços e... adeus e até ao meu regresso!
A. Marques Lopes

2. Comentário de L.G.:

Obrigado aos dois Antónios. São pessoas com grande sensibilidade cultural e humana. Estes documentos são preciosos. Vamos reproduzir aqui, ao longo de vários posts, algumas das páginas do livrinho das escolas do PAIGC: a batalha do Komo (sic), Katungo, o Corpo Humano, a Verdade...


António Pimentel, ex- Alf Mil Rec Info, CCS BCAÇ 2851, Mansabá em Galomaro (1968/70). Vive no Porto.
Para muitos amigos e camaradas da Guiné, o livro não é novidade. Era frequente encontrá-lo noas assaltos a bases e acamapamentos... Para outros sim, até para os mais novos, os nossos filhos e netos... O livro era usado para alfabetizar tanto as crianças como os guerrilheiros. Nas matas, nas bases, acampamentos e tabancas controladas pelo PAIGG, também-se aprendia aler... em português., a pensar, a conhecer, a lutar e a amar em português.

Amílcar Cabral, inimigo não do Povo Português mas do regime político de Oliveira Salazar/Marcelo Caetano, fez mais pela língua portuguesa do que muitos portugueses que por lá passaram, com responsabilidades políticas e militares, ao longo de 500 anos de relações dos portugueses com os guineenses. Amílcar Cabral sabia que o português (para além do crioulo) era um das bases indispensáveis para a criação de uma identidade nacional...
Pessoalmente fiquei chocado, quando ao chegar a Contuboel em Junho de 1969 para fazer o IAO com os meus futuros soldados africanos da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 - fulas, velhos aliados dos portugueses... -, constatei que eles não falavam (nem muito menos escreviam) português...
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Nota de L.G.:

(1) Vd. posts de:

29 Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXX: A professora de Samba Culo (A. Marques Lopes)

(...) "Tenho de partir, de voltar a Portugal. Gostei muito de falar contigo, tinha mesmo necessidade de o fazer, já que, naquele dia em que nos encontrámos pela primeira vez, só eu te disse “firma lá!” e tu não me disseste nada. Percebo que nem me quizesses ouvir... E nunca mais dormi descansado até agora. (...)

"Quero pedir-te uma última coisa, que desculpes aquele meu soldado que tentou violar-te quando estavas agonizante. Conseguiste ver ainda que não o deixei fazer isso. Perdoa-lhe, era bom rapaz, um camponês minhoto que para aqui foi lançado e, sabes, é fácil perder a cabeça numa guerra de inimigos fabricados. Talvez o encontres por aí, o teu camarada Gazela matou-o em Jobel e o corpo dele por cá ficou. Deve andar, como tu, no meio desta floresta do Oio. Fala com ele agora". (...)

7 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - XLIX: Samba Culo II (A. Marques Lopes)

" (...) o que mais me impressionou nesta operação foi o seguinte: Samba Culo tinha uma escola; quando lá chegámos, vi escrito no quadro preto, em perfeito português: "Um vaso de flores". Tinha desenhado, a giz, por baixo, um vaso de flores.

"E o que nunca mais esquecerei na minha vida: quando atacámos a base, uma jovem dos seus 18 anos ficou com a barriga aberta por uma rajada de G3. E mais (coisas terríveis desta guerra!): o Bigodes, o Armindo F. Paulino (que foi, depois, feito prisioneiro pelo PAIGC e que acabou por morrer em Conakri), quis saltar para cima dela. Tive que lhe bater. Esta é uma situação que nunca me sai do pensamento... e da minha consciência.

"Tinham muitos livros em português, que era o que estavam a ensinar aos alunos (miúdos ou graúdos?). Trouxemos também (imaginem!) uns paramentos completos de um padre católico! Lembranças que se me pegaram para toda a vida" (...).

Guiné 63/74 - P1898: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (52): O ataque a Missirá de 15 de Julho de 1969, visto pelo bravo mas modesto Queta Baldé



Guiné > 1970 > Uma das imagens porventura mais emblemáticas da guerra colonial/guerra de libertação. Um guerrilheiro do PAIGC jaz morto, no chão da mata, com a sua Kalash ao lado. Foto muito provavelmente obtida no sul, na região de Tombali. A foto original (entretanto editada por nós) é do repórter fotográfico húngaro Bara István (n. 1942), que acompanhou a guerrilha do PAIGC em 1969 e 1970 (não sabemos exactamente em que circunstâncias: num das fotos, ele próprio deixa-se fotografar com uma Kalash pendurada ao pescoço, o que para um fotojornalista de hoje seria altamente reprovável, do ponto de vista deontológico; pode pôr-se a hipótese de, na época, ter lá estado apenas como simples fotógrafo, e não como fotojornalista, ao serviço do governo do seu país e da própria máquina de proganda do PAIGC, tal como acontecia com os jornalistas portugueses, autorizados a visitar o TO da Guiné: estou-me a lembrar, por exemplo, do Amândio César; recorde-se, por outro lado, que na época a Hungria fazia parte do Pacto de Varsóvia e, portanto, era um dos apoiantes do PAIGC).

Legenda, em húngaro: Bara István: Elesett PAIGC katona, Guinea Bissau, 1970. De qualquer modo, estamos gratos a este conhecido fotógrafo magiar pelas imagens sobre a guerra colonial / guerra de libertação na Guiné-Bissau que disponibilizou na sua página. Partimos do princípio que estas imagens são do domínio público. Tentámos contactá-lo por e-mail, até agora em vão, para obtermos autorização para divulgação de mais fotos da sua fotogaleria. Tudo indica que ele hoje se limita a gerir o seu estabelecimento de fotografia e artigos fotográficos, em Budapeste. Enfim, teve que fazer pela vida, como todos nós...

Fonte / Source: Foto Bara > Fotogaleria (com a devida vénia / with our best wishes...)

Guiné > Bissau > Janeiro de 1970 > "O Tigre de Missirá em Bissau... Comentário: Mais tristeza no olhar é impossível. Fui tratado pelo David Payne e passei uma semana a dormir. Nas minhas cartas, quando me despeço digo sempre que já estou sobre a acção do Vesperax. Novembro e Dezembro foram meses terríveis, as emboscadas nocturnas à volta da pista de aviação atingiram o sistema nervoso e deixei de poder dormir. Graças a este tratamento, regressou a confiança, a energia, o sabor da vida. Avizinha-se o período operacional mais tumultuoso, de Fevereiro a Abril. Depois volto a Bissau para casar [, em Abril de 1970].

Foto e legenda: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.

Mensagem do Beja Santosa, com data de 15 de Junho de 2007:

Caro Luís, no tempo em que se comemoram os 50 episódios no blogue, quero que saibas que esta aventura, que ainda não chegou a meio, é uma das etapas mais exaltantes da minha vida. Leva-me a ler e a reler o que julgava interdito ou fruto para outra época mais madura; reconduz-me a conversas e a rememorações; tudo é pretexto para dizer a verdade ficcionando e ficcionar com alguma verdade, deixando ao leitor a interpretação do que realmente aconteceu. Em cada episódio rejuvenesço, solidarizo-me, volto ao local do crime sem nenhum azedume. Por vezes dói muito, como no enterro de que aqui se fala. Recordo quando vimos um morto desfeito à morteirada, o Cherno e eu entreolhámo-nos sem falar: qual de nós tirou a vida a este homem? Nunca mais perguntei ao Cherno o que ele pensava, é indigno e deslocado. Muitíssmo obrigado pelo teu empenho em cada episódio que sai, como as minhas memórias fizessem parte do teu tempo, o do passado e do presente. Toda a camaradagem e esta bonita amizade regada em cada semana que passa, Mário.

52ª Parte da série Operação Macaréu à Vista, da autoria de Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1). Texto enviado a 15 de Junho de 2007.

15 de Julho de 1969: a gente de Madina flagelou Missirá e teve desairepor Beja Santos


A versão de Queta Baldé, o mais modesto dos bravos
Queta Baldé, artista do batuque quando era adolescente e vinha de Amedalai ao Cuor, a Enxalé e ao Oio, o veterano 126, é o meu primeiro convidado para falarmos daquele anoitecer em que a gente de Madina saiu a perder de uma flagelação que não chegou a demorar 30 minutos. O Queta irá receber um louvor pela sua acção nessa noite, conforme reza:

Em 15 de Julho de 1969, durante uma flagelação do IN, como apontador de metralhadora ligeira reagiu imediatamente ao fogo e não obstante ter sido a sua arma atingida, continuou no posto com deficiente segurança, incitando todos os seus camaradas na zona mais duramente atingida. Tal atitude concorreu para assinaláveis baixas ao IN e respectiva captura de armamento.

Entrego cópia do louvor ao Queta, ele lê, dobra a folha e começa a falar:

Não esqueci nada, os olhos e os ouvidos guardaram tudo. Viemos pelas 5 e meia da tarde, era uma coluna de duas viaturas, trazíamos chapa de bidão, chapa ondulada, sacos de cimento, petróleo e gasóleo. Nosso alfero tinha ido ao Cossé buscar seis sacos de arroz para a população civil. Arrumámos tudo, os petromaxes estavam bem acessos, uma noite calma, sem vento e sem frio. O furriel Pires informou quem, na manhã seguinte, iria com o nosso alfero a Mato de Cão. Fomos tomar banho e descansar.

Pelas 9 da noite, a minha mulher trouxe o arroz e a mafé, levei a colher à boca quando rebentou a primeira roquetada que caiu perto da messe. O primeiro fogo caiu entre o balneário e as moranças da família do régulo. Fui a correr para o abrigo da porta de armas, peguei na Dreyse e Seco Embaló pegou as fitas com a mão. Eles mandaram para este ataque gente mal preparada, gente que queria avançar e entrar no quartel, como se isso fosse possível connosco. Eles devem ter sofrido muito com a resposta dos morteiros e das bazucas. Nosso alfero foi para o 81 com aquele rapaz pequenino, cabelo cor de palha; Adulai Djaló, Mamadu Djau e Bacari Djassi não pararam com as bazucas, Cherno e Tunca Baldé corriam com o morteiro 81 à volta do quartel.

É então que um tiro me partiu o tapa-chamas. Tive sorte, pois a bala fez ricochete e alojou-se na palmeira do abrigo. Esperei com calma o fogo do apontador da Kalash. Apontei-lhe à cabeça, a arma calou-se. Depois fui varrendo o terreno à volta. Tudo começou com um enorme fogo, eles fizeram meia lua entre a fonte de Cancumba e a porta de armas. Surpreenderam-nos bem, mas não percebo porque é que se enervaram e avançaram para o quartel. Pensei muito, eles devem ter chegado perto de Missirá ao anoitecer , quando estávamos a entrar, e o barulho das duas viaturas confundiu-os. Depois precipitaram-se, fizeram mau uso dos morteiros, um deles foi atingido.

Terá sido nessa altura que eles retiraram com muitos feridos e deixando os mortos e as armas. Não percebo o louvor. Eu tive sorte. Nosso alfero devia ter louvado Seco Embaló, esse sim, tinha as mãos feridas, feria os lábios, aguentou a dor, sem a sua ajuda a Dreyse não tinha feito os estragos que fez.
Queta é um homem cheio de pudor. Tinha-lhe proposto uma agenda para falarmos dos acontecimentos de Julho, a começar pela flagelação do dia 15, uma patrulha de reconhecimento que fizemos com um pelotão da CCAÇ 12, a ida ao Enxalé, o acto desvairado do Benjamim Lopes da Costa, a 3 de Agosto.

Quando Queta não quer falar, o seu olhar imobiliza-se e a sua voz cicia:-Desculpa, agora não lembro, talvez mais tarde, à noite começo a pensar e junto tudo, mas talvez eu não estivesse lá e ninguém me falasse nas coisas de que falas. Desculpa, agora não posso ajudar.

Não quer falar do ataque de nervos do Casanova, não estava na emboscada em que o Benjamim me chamou "branco assassino". Mas quando lhe falei que precisava da sua ajuda por causa da operação Pato Rufia respondeu-me prontamente:
- Sim, nosso alfero escolheu-me para ir à operação, ainda me lembro de muita coisa".

As lembranças do Furriel Pires dessa noite

Voltei a encontrar-me com o Pires na Livraria Barata, na Avenida de Roma. A agenda para a conversa era praticamente livre, mas eu pedira-lhe que revolvesse a memória em torno da flagelação da noite de 15 de Julho. À semelhança da reunião anterior, falámos de tudo sem direcção nem bússola, ouvi a sua versão sobre o estado de saúde do Casanova, falámos das pequenas coisas do dia a dia, ele lembrava-se de ter ido em Junho de 69 a casa da Cristina levar-lhe uma lembrança e trazer outra, não esquecera a sua ansiedade e uma permanente curiosidade em tudo saber sobre Missirá e Finete, registou tudo e adjectivou.
-A Cristina estava preocupadíssima.

Falámos das escalas de serviço, das culturas dentro e fora do aquartelamento, reavivou-me a memória com um episódio que eu já tinha esquecido à volta da visita que o Capitão Figueiras fez a Missirá, em Outubro, quando os soldados fizeram disparos de G3 para os troncos de palmeiras, perto da fonte de Cancumba, parecia fogo de costureirinhas até os veteranos pegaram nas armas e foram até aos abrigos. O Capitão Figueiras estava siderado e não percebia porque é que eu ia ao posto de vigia ver o que se passava.

Depois a noite do 15 de Julho caiu em cima da mesa, ele tinha meticulosamente as suas anotações escritas numa folha. Não esquecera a minha gritaria para dentro do abrigo onde ele ia passando balas a vários apontadores de G3, recordava perfeitamente a bazucada que deflagrou na parede ao lado da messe, o zunir das balas a estilhaçar as telhas do depósito de víveres, as roquetadas a espatifar tudo à volta do balneário, recordava o fogo em crescendo e o súbito silêncio.

Estas duas memórias, curiosamente, esqueciam o que se passou depois. Quando desapareceram os sinais da flagelação, nenhum de nós ficou tranquilo. De facto, espaçadamente, ouviam-se tiros, uma vezes de metralhadora ligeira, outras de pistola, dentro da mata. A gente de Madina parecia querer dizer-nos que podia atacar de novo a qualquer momento. E durante horas foi assim: tiros esparsos, como se a gente de Madina tivesse um código para se reorganizar. O régulo Malã comentara:
- Tiveram baixas, estão a retirar com os feridos, estão a chamar gente que se perdeu, não se preocupe mais.

Dois guerrilheiros, caídos por um dever, junto ao arame farpado de Missirá


Preocupei-me, eram tiros a mais que se ouviram até de madrugada. Depois descansámos até ao alvorecer. Quando a luz nasceu sobre o céu do Gambiel, com o capim molhado do muito orvalho da noite, saímos para o reconhecimento. O primeiro cadáver era de um jovem manjaco que vestia caqui amarelo, jazia de olhos abertos, com a massa encefálica ao lado da calote craniana, a Kalash na mão. Começámos a ver trilhos , e perto dos cajueiros do régulo Malã vimos postas de sangue, algodão e ligaduras, mais à frente mais sangue, granadas abandonadas como se alguém tivesse interrompido uma tarefa ou aligeirasse a carga para transportar feridos. Continuámos até à fonte de Cancumba onde jazia outro corpo desmembrado, seguramente atingido por granada. No céu, pairavam os jagudis, despertos pelo cheiro do sangue.

Concluído o patrulhamento, mandei buscar dois lençóis e uma caixa de sapatos: os mortos seriam enterrados junto ao cemitério mandinga, os miolos do jovem manjaco desceriam à terra com o corpo do combatente. Lembro o protesto de alguns, que exigiam a justiça dos jagudis. Atalhei firme, repeti que queria dois lençóis limpos, duas pás, os combatentes enterram-se com todo o respeito, é uma honra que a todos assiste, caíram por um dever, o nosso dever agora era respeitá-los. Abriram-se as covas, os corpos foram depositados, o mais díficil, tive que fechar os olhos, foi sentir as minhas mãos a pegar aquela matéria escorregadia que depositei dentro da caixa de sapatos. Os soldados preparavam-se para retirar quando os surpreendi dizendo que me ia perfilar e rezar por eles.
-Partimos ao meio dia, temos de estar em Mato de Cão às 4h, vamos descansar um pouco mais.

Só a 17 é que escrevo à Cristina:

Fomos de novo atacados, pelas 21 horas de 15. Tudo inesperadamente, estávamos ainda na sopa quando verdascaram as metralhadoras e os morteiros. A rapaziada estava nos seus dias e o impacto rebelde, depois dos primeiros cinco minutos, ficou atabalhoado. A nota discordante foi a perda de um braço de uma das mulheres de Quebá Soncó, quando uma roquetada atingiu a trave principal da casa, que era um dos meus sonhos mimosos da reconstrução após o 19 de Março. De resto, a nova Missirá ficou incólume, com excepção da mangueira do poço e um bidão do balneário, esburacados. Estranhei a debandada dos rebeldes... A carta termina aqui, recomecei-a mais tarde, devo ter caído a dormir até partir para Mato de Cão.

O Queta é capaz de ter razão, fui injusto com Seco Embaló e com o seu comportamento exemplar. Mas mais injusto fui com o Cabo maqueiro Adão, que aguentou toda a noite o gravíssimo ferimento de Fatumana Soncó, que ele tratou com desvelo até chegar o helicóptero. Aturou toda a noite os escoriados, aqueles que saíram com pés descalços e rasgaram os pés, aqueloutros que se rasgaram a entrar nos abrigos, que levaram com cápsulas a ferver na cara, nos braços, peito e costas. O Adão aguentou tudo, como aguentava os reforços, as ajudas nas obras, as idas a Mato de Cão, as passagens em Finete para ajudar sinistrados.

Muitos anos mais tarde, em 1991, irei visitar Fatumana que vivia num bairro ao pé do mercado de Bandim, em Bissau, na companhia de seu filho Mamadu Soncó, de quem aqui iremos falar, no final da minha comissão, em Agosto de 1970. Foi um reencontro comovente, levei-lhe flores e o seu único braço apertou-me com força e calor. Tanto me comovi que não falámos daquela noite de 15 de Julho, em que Quebá Soncó, o marido, passou perto de mim com o seu braço na mão.


De Jorge Amado a S. S. Van Dine

O pior de tudo é a prostração e os vírus que me deitam abaixo. Vai ser pior no próximo mês, quando eu voltar a cair na cama, totalmente exausto, doente e moralmente ferido. Por razões que aqui iremos falar em breve, vou ainda defender-me escrevendo até cair sobre a secretária, ouvindo música e sobretudo lendo e orando. É nessa semana, por coincidência, que leio duas novelas espantosas de Jorge Amado, sob o título Os velhos marinheiros.

A primeira história é "A morte de Quincas Berro Dágua". Quincas vivia na estúrdia , nas ladeiras e becos escusos de Baía. Fora respeitável até deixar de o ser, abandonara famíia, carreira e nome honrado para viver no meio de bêbedas e nos castelos das meninas. O apelido Berro Dágua ficara-lhe de uma garrafa que levara à boca e onde ele esperava cachaça saiu água que o amedrontou. Quincas morre, a respeitável família prepara velório e enterro, cheia de incomodidade. Os amigos Pé-de-Vento, Negro Pastinha, Cabo Martim e Curió aparecem no velório e quando a família parte, enfastiada, começa a noite delirante com o morto aos ombros, subindo e descendo ladeiras até chegar ao mar donde partem em saveiro, levando Quitéria, a bem amada de Quincas. Todos comem peixada, Quincas é obrigado a beber cachaça que deita fora, pois claro. Veio o temporal que os apanha quando as luzes de Baía brilhavam na distância. E foi aqui que começou a lenda. Capa do romance de Jorge Amado Os Velhos Marinheiros. Lisboa: Publicações Europa-América. 1962 (Colecção Século XX; 48). Capa de Joaquim Esteves.

Foto: © Beja Santos / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.

Escreve Jorge Amado:

Ninguém sabe como Quincas se pôs de pé, encostado à vela menor. Quitéria não tirava os olhos apaixonados da figura do velho marinheiro, sorridente para as ondas a lavar o saveiro, para os raios a iluminar o negrume. Mulheres e homens se seguravam às cordas... foi quando cinco raios sucederam-se no céu, a trovoada reboou num barulho de fim do mundo... no meio do ruído, do mar em fúria, do saveiro em perigo, à luz dos raios, viram Quincas atirar-se e ouviram sua frase derradeira. Penetrava o saveiro nas águas calmas do quebra-mar, mas Quincas ficara na tempestade, envolto num lençol de ondas e espuma, por sua própria vontade.

História não menos atribulada e divertida é a do comandante Vasco Moscoso de Aragão, um velho marinheiro de opereta que comprara o título , que exibia uma condecoração da Ordem de Cristo paga a peso de ouro e cuja popularidade veio dividir o povo de Periperi, nos arrabaldes de Baía. Uns achavam-no um aventureiro prodigioso, outros um trafulha e embusteiro de primeira água. Até que veio a prova dos 9 quando, de acordo com as leis do mar, o Comandante é chamado ao comando e o navio que vai atracar em Belém. O imediato prepara-lhe uma cilada para o pôr a rídiculo, pede-lhe as ordens finais para amarrar o navio ao cais. Sucedem-se as ordens mais insólitas do mundo: o navio deve ser amarrado com todas as amarras, com todos os ferros, com todas as manilhas, com todas as espias, com todos os strings.

Foram estendidos os cabos de aço, os traveses, enleando o navio definitivamente ao cais. Como se já não estivesse ele de tal modo preso ali com raízes tão profundas, como se as âncoras, as manilhas, os lançantes, já não o garantissem de sobejo contra as piores tempestades e os tufões mais brutais. Tempestades e tufões que nenhum serviço meteorológico previa, nem o olho mais experiente do mais temperado e velho marinheiro.

Vasco Muscoso de Aragão percebe o ridículo em que caiu, foge humilhado. Só que essa noite um tufão apoderou-se da cidade, aquele foi o único barco que resistiu em Belém do Grão-Pará. Assim nasceu outro mito, o que leva o autor a perguntar por onde anda a verdade, qual a fronteira ente o heroísmo e aldrabice.

A outra leitura é muito mais ligeira, O caso do antiquário, por S. S. Van Dine. O senhor Willard Huntington Wright, era um crítico de arte norte-americano que obrigado a estar dois anos de cama devido a um acidente cardíaco, descobriu o prazer de escrever novelas policiais e ganhou a celebridade logo com o seu primeiro livro O caso Benson. Já aqui falei desse pedante, hedonista e intelectual incorrigível que é Philo Vance, um detective amador que sabe tudo de aguarelas de Cezanne, de cerâmica chinesas e até de cães escoceses.

Este romance é por sinal fraco, presta uma grande homenagem a Edgar Wallace que Na pista ao alfinete novo forjara um homicídio praticamente indecifrável, dentro de um quarto fechado. Philo Vance move-se em ambientes de clausura, descobre que antes de um pretenso suicídio houve um crime bem premeditado a qeu se seguirão outros. E, como é timbre nalguns finais de S. S. Van Dine, no termo, quando se deslindou a verdade, pratica-se justiça sem necessidade de julgamento. Sempre que posso, abasteço-me em Bafatá com livros das colecções Vampiro, O Escaravelho de Ouro, Xis e começo a intrometer-me na ficção científica graças aos livros da colecção Argonauta.

Derreado ou não, vou ao Enxalé de surpresa e recebo os periquitos do 4º grupo de combate da CCAÇ 12 para irmos até Sancorlã, depois a Salá e fazermos uma emboscada. Mas é uma época em que escrevo febrilmente, como se estivesse a redescobrir o mundo e a encantar-me no feitiço das palavras. Escrevo faminto de amor, cada vez mais sozinho. Aprendia como escrever é a mais linda garrafa que se pode lançar no mar, à espera de resposta. Dos homens e de Deus.

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Nota de L.G.:

(1) Vd. último post desta série > 22 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1870: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (51): Cartas de um militar de além-mar em África para aquém em Portugal (5)

Guiné 63/74 - P1897: O Queta Baldé, com a sua memória de elefante, é muito superior ao grande Fernão Lopes (Beja Santos)

1. Mensagem do Beja Santos, de 26 de Junho último:

Camaradas, eram 8:30 quando o Queta chegou de caderno em punho [, ao meu gabinete de trabalho, ao Saldanha]. Na matreirice, pedi-lhe para vir ao computador para me dar um esclarecimento de umas coisinhas no mapa. Quando viu o Matos Francisco (1), olhou-o 15 segundos em silêncio absoluto e depois deu uma gargalhada que se ouviu no Campo Pequeno.

Ele que é a disciplina e o rigor no cumprimento das tarefas, descreveu-me a chegada do Matos Francisco ao pelotão, contou como se tinha rifado o destino de cada um, como trocara com outro camarada do 51 a vinda para o 52 (o 51 foi para Guileje...), disse-me que o Matos Francisco deu uma queda, que o Furriel Vaz foi apanhado à mão na região do Geba depois de ter sido punido pelo Capitão do Enxalé, que o Furriel Altino passara a Comandante interino até à chegada do Alferes Azevedo, o nº2 da lista (temos que descobrir onde anda o Azevedo, que me foi apresentado de raspão em Bissau).

O 52 estava nessa altura em Porto Gole e colaborava com uma das três companhias de polícia móvel, sobre as quais ainda não vi nenhum referência no nosso blogue. Tanto quanto me parece, são os antecessores das milícias, eram comandadas por régulos ou outros homens grandes, e a companhia de milícias que estava em Porto Gole patrulhava nas regiões de Mansoa e Bissá.

E mais não digo, o Matos Francisco que começa agora a contar a história, o filho mais novo do régulo Malã Soncó que acompanha o nosso blogue logo dará notícias para cerca de 50 mails da Guiné, que nos acompanham religiosamente. Tudo o mais que o Queta me disse vem num dos próximos episódio do nosso folhetim. Saúde para todos e que o Matos Francisco trabalhe, Mário.

2. Comentário de L.G.: Mário, espantosamente não temos uma foto, antiga e/ou actual, do teu/nosso Queta Baldé, que é um prodígio de memória... Ao fim de um ano de macaréus, o teu e o Queta formam uma parelha inseparável... Devo dizer-te que a nossa Tabanca Grande está reconhecida aos dois. L.G.
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Nota de L.G.:

(1) Vd. posts de:

22 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1871: Tabanca Grande (15): Henrique Matos, ex-Comandante do Pel Caç Nat 52 (Enxalé, 1966/68)

28 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1896: Encontro dos Pel Caç Nat 51, 52, 53, 54, 55 e 56 (Henrique Matos)

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1896: Encontro dos Pel Caç Nat 51, 52, 53, 54, 55 e 56 (Henrique Matos)

Odivelas > 16 de Junho de 2007 > Encontro dos Pel Caç Nat 51, 52, 53, 54, 55 e 56> "Uma imagem do que foi possivel juntar da formação inicial dos primeiros Pelotões de Caçadores Nativos, passados 41 anos do seu início em Bolama.

Pel Caç Nat 51 > Alf Mil Perneco (16), FurMil Carvalho (3) , Fur Mil Azevedo (1) , Fur Mil Castro (12) , 1ºCabo Ramos(4) e 1ºCabo Marques(6);


Pel Caç Nat 52 > Eu mesmo... (13), Fur Mil Vaz (15), Fur Mil Altino (11), Fur Mil Monteiro (10) e 1º Cabo Cunha (7);


Pel Caç Nat 54 > Fur Mil Viegas (9), FurMil Costa (2), 1º Cabo Januário (14) e 1º Cabo Coelho (8):


Pel Caç Nat 56 > Fur Mil Delgado (5).

"Para nosso desconsolo, e muito falamos nisso, não possível até agora encontrar os restantes elementos dos nossos pelotões que regressaram, porque tivemos algumas baixas, nem qualquer elemento do 53 e do 55".

Foto e legenda: © Henrique Matos (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem, de 25 de Junho último, do Henrique Matos, que foi o 1º comandante do Pel Caç Nat 52 (mais tarde, em 1968/69, comandado pelo nosso camarada Beja Santos) (1).

Caros Luís Graça e Carlos Vinhal:

A minha entrada hoje não tem muita história, mas talvez interesse. A CCAÇ 1439, independente, de madeirenses, que o Pel Caç Nat 52 foi reforçar em Agosto de 67, tinha dois destacamentos: Missirá e Porto Gole.

Fazíamos reabastecimentos regulares aos destacamentos, picando sempre a estrada (aquilo não era bem uma estrada, sobretudo no tempo das chuvas) na ida e regressando de imediato a abrir para não dar tempo à colocação de minas, o que nem sempre aconteceu.

A propósito de Fé e aqui fica a minha homenagem ao Zé Teixeira pelo disse no Post 1873 que me comoveu (2), havia um Alf Mil desta companhia que cada vez que comandava um reabastecimento, ia previamente rezar a um capelita que por lá havia. Acontece que era o que tinha sempre mais problemas, pelo que tinha muitas diculdades a organizar a coluna. Só não se baldava quem não pudesse (os madeirenses eram religiosos mas a superstição era maior).

Esta companhia terminou a comissão de serviço em Abril de 67 e foi substituída pela CCaç 1661 que teve inicialmente como comandante o Cap Mil Namorado Rosa (arquitecto) e permaneu no Enxalé até 21 Dezembro, altura em que mudou a sede para Porto Gole.

Esta data foi retirada do Abel Rei que pertencia a esta companhia e escreveu o livro
já referido no Blogue, Entre o Paraíso e o Inferno: de Fá a Bissá. Memórias da Guiné (1), porque eu já lá não estava.

A CCAÇ 1439 celebrou este ano os 40 anos do seu regresso com um encontro (almoço) em Leiria onde também estive. A foto irá na próxima vez, para não encher muito, uma vez que vai em anexo a foto do encontro dos Pel Caç Nat.

Fui agora mesmo espreitar o Blogue e vejo as entradas do Beja Santos (3). Bom... ainda não sei o que dizer, caramba, também tenho emoções.

A propósito da foto com farda (4), a minha foi tirada em Angra do Heroísmo, quando estava no B.I.I.17 com equipamento emprestado e foi preciso mudar o emblema ou lá como aquilo se chama, pois o outro era de infantaria.

Uma nota para desanuviar: o Beja Santos não se reconhece na fotografia, por isso mesmo não assinou... e esta, hem! (como diria o saudoso Fernando Pessa) [vd. pormenor assinalado a azul na foto do lado].

Vamos ter uma conversa por email pois tenho que lhe falar dos rapazes do nosso pelotão, do Luís Zagalo que bem conheci (Alf Mil da 1439, não é o que rezava...), de S. Jorge, minha terra, coisas que provavelmente não terão muito interesse para o Blogue.

Um abraço a todos

Henrique Matos


2. Comentário do editor blogue:

Ficamos a saber, graças ao histórico 1º comandante do Pel Caç Nat 52, que todos os Pel Caç Nat da série 50 se formaram ao mesmo tempo em Bolama, em meados de 1966. E que o primeiro sítio para onde foi destacado o Pel Caç Nat 52, chamava-se Enxalé, em frente ao Xime, do outro lado do Rio Geba... E que só depois é que foi para Missirá. Também sabemos que a malta dos Pel Caç Nat se reune anualmente. Seria bom que os os nossos tertulianos, que pertenceram a algumas dessas unidades, entrassem em contacto com o Henrique Matos. Estou-me a lembrar do Armindo Batata (Pel Caç Nat 51, Guileje e Cufar, 1969/70), Joaquim Mexia Alves (Pel Caç Nat 52, Mato Cão, 1972), Mário Armas de Sousa (Pel Caç Nat 54, Bambadinca e Missirá, 1968/70) ou Paulo Santiago (Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72), para além do Beja Santos.
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 22 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1871: Tabanca Grande (15): Henrique Matos, ex-Comandante do Pel Caç Nat 52 (Enxalé, 1966/68)

(2) Vd. post de 24 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1873: Reflexão sobre Fátima, o drama da guerra e o conflito com a Fé que nos inculcaram (Zé Teixeira)

(3) Vd. post de 25 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1879: Henrique Matos Francisco, brindo à tua chegada e à memória do nosso Pel Caç Nat 52 (Beja Santos)

(4) Vd. post de 25 de Junho de 2007> Guiné 63/74 - P1880: Uma farda universal para miliciano se identificar (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P1895: Pombal: Vitor Junqueira no Celeiro do Marquês... com os Melech Mechaya (Luís Graça)


Pombal > Celeiro do Marquês - Centro Cultural > 16 de Junho de 2007 > Actuação dos Melech Mechaya, uma banda portuguesa de música klezmer ... Lembrei-me do Vitor que, menos de dois meses antes, tinha sido o entusiástico e generoso organizador do 2º encontro da nossa tertúlia, em 28 de Abril último (1)... Mandei-lhe por e-mail a notícia da realização do concerto, informando-o, para mais, de que o tipo do violino era o João Graça, meu filho... Ele teve a gentileza de ir ouvir a banda, levando com ele a família, e de conhecer o puto... Creio que gostou de um, o João, e de outra, a banda... O João, por seu turno, adorou ter lá ido, a Pombal, e de ter tido este tratamento VIP por parte de uma camarada de guerra do pai... Enfim, foi um bonito gesto de camaradagem e de amizade, por parte do Vitor, que eu registei e apreciei... De qualquer modo, os amigos e camaradas da Guiné são assim, e os filhos dos nossos camaradas nossos camaradas são...

Talvez um dia nos possamos reunir todos, os músicos, os cantores, o Vacas de Carvalho, o Mexia Alves, o Fernando Calado, o David Guimarães, o José Sousa, o Abílio Machado, etc., mais os nossos rebentos que tocam ou cantam: o João, a Inês Santos (a conhecida cantora, filha do Carlos Marques dos Santos) e outros/as (que ainda não conhecemos)... Precisamos de fazer o inventário dos talentos da nossa Tabanca Grande, a pensar já no 3º encontro...

Vídeo > Fonte: YouTube - Melech Mechaya (2007) (com a devida vénia...).


MELECH MECHAYA:

Melech Mechaya é uma viagem festiva pela música klezmer, abraçando também momentos mais delicados e intimistas. Uma viagem pela tradição judaica, unindo aromas árabes, ritmos orientais, e momentos de simples bate-o-pé, da Hungria a Israel, dos Balcãs a Nova Iorque.

Os Melechs são:

João Graça > Violino;
Miguel Veríssimo > Clarinete;
André Santos > Guitarra;
João Sovina > Contra-Baixo;
Francisco Caiado > Percussão.

E-mail: melech.mechaya@gmail.com Telefones: 964 389 756 / 918 702 826
Página oficial > www.youtube.com/melechmechaya


Pombal > Postal > Celeiro do Marquês - Centro Cultural (Colecção Postais Ilustrados de Pombal, Portal do Município de Pombal) (com a devida vénia...)



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Pombal > 2º Encontro da Tertúlia Luís Graça & Camaradas da Guiné > 28 de Abril de 2007 > Três aspectos da visita, guiada pelo Vitor Junqueira (que é médico e natural de Pombal), ao centro histórico da cidade...

Fotos: : © Luís Graça (2007). Direitos reservados.

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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 29 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1709: Tertúlia: Encontro em Pombal (1): Malta de cinco estrelas (José Martins)


Na altura deixei escrito:

"Da mais elementar e sobretudo inadiável justiça é a palavra de agradecimento que é devida ao nosso amável e afável anfitrião, o Vitor Junqueira, e à sua família: ele, mais as suas meninas e meninos (três filhas, duas netas, um genro e e um futuro genro), não podiam ter sido mais hospitaleiros e carinhosos para connosco... Receberam-nos como só os amigos sabem e podem receber.

"Vitor, tu e a tua família é que merecem, com toda a propriedade, o epíteto de gente de 5 estrelas... Só não te digo obrigado, porque tu detestas a palavra"... (LG).

Guiné 63/74 - P1894: Louvores e condecorações (2): CCAÇ 3477, Os Gringos de Guileje (Amaro Samúdio)


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3477 (Novembro de 1971/ Dezembro de 1972) - Os Gringos de Guileje > O Munoz Samúdio, que era 1º cabo enfermeiro, junto à peça de artilharia 11.4 (e não obus 14, que o Coronel Rubim puxa-vos as orelhas!). Ao fundo vê-se a fiada de arame farpado. Last but not the least, em primeiro plano "a nossa cadela Lolita que veio de Gadamael", como fez questão de me chamar a atenção o Samúdio.

Foto: © Amaro Samúdio (2006). Direitos reservados.

1. Mensagem do Amaro Samúdio, anunciando em 27 de Mraço passado a realização do 1º Encontro dos Gringos de Guileje (19 de Maio, Montemor-o-Movo) (1), e juntando ao mesmo tempo a cópia do louvor que foi conferido à companhia ("Encontrei-o no meio de uma montanha de papéis"):


COMANDO-CHEFE DAS FORÇAS ARMADAS DA GUINÉ > QUARTEL GENERAL

Louvor concedido à CCAÇ 3477 pelo Exmº Brigadeiro Comandante Adjunto Operacional, pub1icado na Ordem nº 63 de 8-12-73 do CCFAGUINÉ.

Louvo a Companhia de Caçadores 3477 pela forma, digna de relevo, como se houve no cumprimento de todas as missões que lhe foram cometidas no decurso da sua permanência no Teatro de Operações da GUINÉ.

Inicialmente colocada no Sul da Província, onde permaneceu, cerca de um ano, em região particularmente sensível, levou a cabo uma intensa e bem conduzida actividade operacional, caracterizada por arreigado espírito de missão, notável agressividade e estoicismo, que lhe proporcionou, num avultado número de acções e operações, com especial destaque para Muralha Quimérica (2), obter resultados apreciáveis e criar acentuada insegurança ao IN num dos seus tradicionais corredores de infiltração.

Sofrendo várias e, por vezes, intensas flagelações ao seu aquartelamento, esta Subunidade, mercê da sua vincada determinação, elevado moral e sólido espírito de corpo, conseguiu sempre reagir pronta e eficazmente abortando todas as iniciativas inimigas.

Deslocada, posteriormente, para outro Sector, de características humanas muito heterogéneas, ainda que dispersa por vários destacamentos, construiu algumas das suas próprias instalações e desenvolveu profícua actividade em trabalhos de reordenamentos em benefício das populações locais, mantendo, simultaneamente, atento e exaustivo labor operacional integrado na segurança próxima de importantes pontos sensíveis.

Pelos serviços prestados, em campanha, a Companhia de Caçadores 3477 honrou a Arma de Infantaria e o Exército, em terras da GUINÉ PORTUGUESA, e ganhou jús ao público louvor com que é distinguida.

Quartel em Bissau, 5 de Dezembro de 1973

O Chefe do Estado-Maior

Hugo Rodrigues da Silva, Cor do CEM


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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 22 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1869: Convívios (19): Os Gringos de Guileje, a açoriana CCAÇ 3477, encontram-se ao fim de 33 anos! (Amaro Samúdio)

(2) Vd. post de 29 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1793: Operação Muralha Quimérica, com os paraquedistas do BCP 12: Aldeia Formosa, Guileje e Gadamael, Abril de 1972 (Victor Tavares)

(...) "Acção desenrolada entre 27 de Março e 8 de Abril de 1972, no sul da Guiné (Aldeia Formosa, Guileje e Gadamael).

"Esta operação, na qual participaram as CCP 121, 122, 123 e outras forças, com resultados excelentes, nas zonas operacionais de Aldeia Formosa, Guileje e Gadamael Porto, foi uma das muitas operações importantes em que intervieram os Paraquedistas do BCP 12 durante o ano de 1972.

"A zona de acção situava-se numa região que o PAIGC considerava libertada e onde os guerrilheiros se movimentavam com relativo à-vontade conforme se viria a constatar.O rio Balana separava o corredor de Guileje, que se estendia a sul entre a fronteira e ia até Salancaur Jate. A outra, a norte do mesmo rio, onde se movimentavam os grandes efectivos do Primeiro Corpo do Exército do PAIGC e que se incluía no troço do corredor de Missirá.

"Para esta operação, além das Companhias de Paraquedistas, também fizeram parte duas Companhias de Comandos Africanos assim como duas Companhias do Exército, as CCAÇ 3399 e 3477, mais a CCAÇ 18 além de um grupo especial do COE. Todas estas forças estavam sob o comando do Tenente-Coronel Parquedista Araújo e Sá, Comandante do BCP 12 tendo como adjunto o Cap Paraquedista Nuno Mira Vaz" (...).

quarta-feira, 27 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1893: Notícias de Cadique (Mário Fitas, CCAÇ 763, Cufar, 1965/66)

1. Mensagem do Mário Fitas (1):

Caro chefe da Tabanca Grande:

Lendo no nosso blogue, que haveria falta de notícias sobre Cadique (2), vou transcrever, do diário da CCAÇ 763, de Cufar, a quem os moradores de Cabolol e do outro lado do Cumbijã, baptizaram de Lassas (uma espécie de abelha da Guiné).

"22 de Dezembro de 1965 - A Companhia a 3 Gr Comb efectuou a Operação Tesoura, planeada para dar combate ao IN localizado na região de Cadique, destruindo-lhes as instalações.

"A 763 embarcou no cais de Impungueda, conjuntamente com a CCAÇ 728, tendo desembarcado no local previsto e iniciando a progressão em direcção de Cadique Iala. Cerca das 24h00 o IN flagelou as NT, não tendo estas reagido a fim de não denunciar a sua posição.Ao amanhecer as duas companhias marcharam sobre a mata de Cadique Iala a cuja batida se procedeu, ao mesmo tempo que se destruía a tabanca. O IN revelou-se no interior da mata atacando as NT e oferecendo especial resistência à CCAÇ 728, pelo que teve de se solicitar o apoio da FAP.

"Concluída a missão na região de Cadique Iala, as duas Companhias deslocaram-se para a estrada de Cadique a fim de garantir a protecção a um pelotão de Paraquedistas que ia entrar em acção. Comcluida a operação a Companhia em duas LDM no cais de Cadique Nalu, com destino a Impungueda".

De referir que na altura, na margem esquerda do Cumbijã, só existia o Aquartelamento de Bedanda. Noutras oportunidades, falarei mais deste mitico Cumbijã e das suas margens tanto esquerda, como direita.

Um abraço para todos os camaradas

Mário Fitas (Fur Mil, CCAÇ 763, Cufar, 1965/66)

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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 26 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1884: Tabanca Grande (16): Mário Fitas, ex-Fur Mil da CCAÇ 763 (Cufar, 1965/66)

(2) Vd. posts de:

27 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1891: O Cantanhez (Cadique, Caboxanque, Cafine...) e os paraquedistas do BCP 12 (1972/74) (Victor Tavares, CCP 121)

25 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1876: Restos de aquartelamentos (1): Cadique, na margem esquerda do Rio Cumbijã (CCAÇ 4540, 1972/73) (Pepito)

Guiné 63/74 - P1892: Estórias de Mansambo I (Torcato Mendonça, CART 2339) (5): O Casadinho e o Bessa, os mortos do meu Gr Comb, os meus mortos



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 > 1968 > Fotos Falantes II > Os dois primeiros mortos do Grupo de Combate do Alf Mil Torcato Mendonça: o Bessa (46) e o Casadinho (45)...

Fotos: © Torcato Mendonça (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem do Torcato Mendonça, com data de 20 de Junho último:

Luis Graça: vou ser rápido porque isto é o despejar de um impulso, de uma revolta sentida, de um flash vindo, demasiado rápido, do passado ao presente. Talvez um Psi conseguisse dizer, melhor que eu, o porquê. Li a morte de um Camarada em Madina (1). Sei que não eram relatados os pormenores à família. Sei a frieza da comunicação da morte dada aos familiares. Mas… eu conto-te, Camarada, eu conto-te e anexo – para dares uma vista de olhos – um escrito, creio que já enviado, O Natal, onde relato OS MORTOS DO MEU GRUPO, OS MEUS MORTOS.

Paro em tentativa de calma, calma com respiração funda e passa um pouco. Depois do ataque, fui apanhar o Bessa, subi ao palanque danificado, olhei à volta certamente com ódio, com vontade de acertar contas... De repente vejo, à luz amarelada das lâmpadas, algo a baloiçar e brilhando. Fixo o objecto, vejo um bocado de fio e um crucifixo, aperto os dentes, como neste momento o volto a fazer, dou uma palmada naquilo e solto um palavrão em blasfémia sentida. Ajudam-me e embrulham-no e limpam-no com carinho, revolta e choro contido, no local. Os homens também choram, porra, mesmo por dentro, dói, dói!

Passados tempos, alguém do meu Grupo e talvez da terra dele, perguntou-me:
-A família recebeu as coisas mas não o fio e o crucifixo.

Não me lembro mas creio que houve uma resposta a tentar suavizar a situação... Não faltava só o fio… parte DELE não foi também recebido… Dizia-se áà família? Creio que era duro demais, nós sentimos demasiado aquela morte. Meses depois, quando da Op Lança Afiada, veio de héli o Comandante do PAIGC Braimadicô (2). Levei-o para o meu abrigo… pois ouvi logo o nome do Camarada morto, repetido por uns e por outros.

Respeitei os meus Homens e levei-o para outro lado. Eles também não esqueceram e, certamente não sabem perdoar. Hoje, trinta e oito anos depois é difícil. O que seria naquela altura. Sabes, penso que não se podia ou era preferível, esconder certos pormenores às famílias. Só se provocava mais sofrimento. Devia era haver uma postura mais humana por parte das Forças Armadas. Análise posterior com calma.

Queria ser mais breve, alonguei-me. Senti a falta de partilhar isto, com o meu Grupo, agora… recordarmos, reflectirmos. Mas eles merecem descansar, recordar ou não. Falar nisto é doloroso ainda HOJE.

Amigo, um abraço,
Torcato Mendonça

2. Estórias de Mansambo (5) > Natal, Ano Novo, dias normais

por Torcato Mendonça (3)

Os militares da CART 2339 só passaram um Natal na Guiné. Partimos, no Ana Mafalda em meados de Janeiro/68 e regressámos em Dezembro/69 no Uíge. Portanto só o Natal de 68 lá foi passado.

Espero que a memória me não atraiçoe e eu tenha arte e engenho para vos descrever tão faustosas festas. Ou seja, as Festas do Natal e Passagem do Ano de 1968/1969. Os Salões engalanaram-se; os Mestres Cozinheiros esmeraram-se e, digo mesmo, em salutar competição guardaram em segredo os menus; as Fardas de Gala foram engomadas…

E..., bom!... Não fantasiemos, pois a realidade era outra. Estávamos em Mansambo, na guerra estúpida e dura, não pertencíamos a grupo de privilégio, fantasia ou outro. Passámos por isso, o Natal e Ano Novo como muitos milhares de militares. Uns melhor outros pior por questões de afectos perdidos, por sentirem mais ou menos a falta das mulheres e filhos, das famílias e de quem gostavam.

Pessoalmente lastimo mas de pouco me lembro. Já estava acima da normalidade, chamemos-lhe assim, para sentir menos o Natal e mais a segurança. Tenho, nestes dias, pensado nisso e infelizmente deve ter sido assim. Socorro-me do Historial, de duas pequenas agendas e tento recordar.

É com esses auxiliares que vou relatar, o mais fielmente possível, aqueles dias.

Não posso dissociar o Natal do Ano Novo. Eram datas festivas, tempos com maior probabilidade de ataques do inimigo, necessidade de nos sentirmos mais ocupados. O ócio fazia-nos voar para outras paragens.

Havia, como é natural, uma maior quebra anímica. Por isso, todo esse período de tempo deveria ser ocupado com diversas tarefas. Seriam, contudo, preservados, o mais possível, os dias festivos.

Assim:

A 23 e 24 de Dezembro de 1968 houve uma Operação/patrulhamento à zona de Biro e Galoiel. Leve troca de tiros com o IN. Fuga deste, missão cumprida e regresso a Mansambo.

Véspera de Natal: os pensamentos longe, cada vez mais longe daquele lugar. Homens a pensarem nas mulheres e filhos, nas namoradas, nos pais e noutros familiares, nos amigos, no frio, nas lareiras e nas luzes a enfeitarem, ruas e presépios, na Pátria distante. Outros, muito poucos, mantinham-se atentos num desligar, mais aparente que real, virando a atenção, o cuidado para o inimigo em hipotética espreita, para lá do arame farpado.

A maioria era do Norte. A religiosidade da data era, talvez, mais sentida por eles. Mas o Natal é festa de família, penso eu. Hoje sinto-o mais assim. Parece que jantei com o meu Grupo, o tradicional bacalhau. Creio mesmo que o Capitão deu uma volta pelos vários abrigos.

Em Mansambo vivíamos em abrigos. Houve certamente o convívio possível. Não me recordo bem. O dia de Natal foi diferente certamente, com pensamentos a irem para junto dos que, lá ao longe, o faziam em sentido contrário. Talvez se tenham encontrado e abraçado a meia distância, em viagens imaginárias, com os deuses a apadrinharem. Talvez!

Entre os dias 28 e 30 de Dezembro houve coluna-auto ao Xitole. Mas o itinerário foi Bambadinca, Galomaro, Quirafo (?), Saltinho e Xitole. Uma coluna formada por bastantes viaturas civis e militares. A Intendência era responsável pela carga. Nós, um Grupo reforçado por picadores e alguns Milícias, éramos os responsáveis pela segurança e bom andamento, daquele enorme comboio com vários tipos de viaturas.

Impusémos regras rígidas. Levámos dois ou três mecânicos o que se veio a revelar de grande utilidade. Um dia de viagem para lá, outro para cá. Merecia ser relatada esta viagem. As avarias, o pó e toda uma loucura quase indescritível. Fizemos, duas ou três centenas de quilómetros (ida e volta) devido à estrada – Mansambo/Xitole – cerca de vinte quilómetros, estar ainda fechada [ou interdita].

O fim do ano aproximava-se e o dia 31 aí estava. O meu Grupo, depois do regresso do Xitole, preparava uma saída para Candamã no primeiro dia de Janeiro.

Talvez, na noite de passagem de ano, se tenha batido a zona com os [obuses] 10,5 e os [morteiros] 81 e bebido mais um copo. Mantínhamo-nos contudo bem atentos. Lá fora, poderia estar alguém pronto a estragar qualquer princípio de festa.

De repente um tiro e gritos. O Pimenta, do meu Grupo, ferira-se com a sua própria arma. Felizmente um tiro de raspão na zona abdominal. Era um faz tudo, por isso e pelo cansaço, estava encarregado dos geradores Lister que forneciam a electricidade ao aquartelamento. No dia seguinte foi evacuado para Bissau e, mais tarde, para a Metrópole. Ainda o visitei no Hospital em Bissau, dias depois, antes da minha ida para férias.

Começava o ano com um ferido, mesmo por acidente, no meu Grupo. Não gostei dos sinais. Depois da evacuação partimos para Candamã. Missão: reconstruir o pontão da Chanca na picada para Dulo Gengele. Nós fazíamos, a segurança e a ajuda, se necessária, a uma secção de engenharia de Nova Lamego, comandada pelo Furriel Zamite.

O trabalho teria que ser feito com rapidez. Questão de eficácia e principalmente segurança. Moto-serras a trabalhar no mato… não era saudável. Com a ajuda de todos, população incluída, e o saber do pessoal da engenharia, no final do dia 2 de Janeiro estava a missão cumprida.

Começamos a aprontar o material para a saída na madrugada seguinte. Um descuido, azar ou outro motivo qualquer, fez com que o Casadinho sofresse uma queimadura ligeira numa perna.

Faço aqui um parêntese para contar breve história deste militar [, o Casadinho]:

Era o Bazuqueiro do grupo. Alentejano de S. Matias, aldeola quase encostada a Beja. Cerca de dois ou três meses, após a chegada à Guiné, soube do nascimento da filha. Os meses passaram, o desgaste era grande e, como era necessário um militar da Companhia ir para Bissau – serviços de apoio logístico – foi indicado o Casadinho. Pouco tempo lá esteve. No dia 3 de Outubro, a dois meses do embarque, faleceu vítima de um desastre de viação na estrada para Bissalanca. Depois de quase dois anos de mato, muitas horas debaixo de fogo, morre, estupidamente, num acidente. Repousa no cemitério da sua terra natal. Nunca conheceu a filha.

Quando lá passo, no IP2, o carro, todos os carros que, ao longo destes anos tenho tido, abrandam sempre, aceleram e travam um pouco, num engasgar de soluço, de modo a que eu me possa voltar na direcção dele e o cumprimente. Nunca tive coragem de procurar a viúva ou a filha. Um dia…

Voltando á Guiné, a Mansambo, aos primeiros dias de Janeiro de 1969:

No dia 3, abandonámos Candamã e regressãmos à nossa Base. Havia correio fresco á nossa espera e a natural alegria. Nesse dia, após o jantar, fui ao meu abrigo. Na sala, à volta da mesa, a malta lia o correio, escrevia ou passava o tempo de outra forma. O Bessa partilhava uma garrafa de bagaço acabada de receber. Ofereceu-me um copo. Agradeci e entrei no abrigo. Ele foi para o palanque do posto de sentinela. Segundos depois um rebentamento. Aí estava mais um ataque ao aquartelamento. O estrondo inicial foi de uma roquetada que acertou no Bessa.

Durou talvez meia hora o tiroteio. Só que o meu Gr Comb sofreu o primeiro morto e o 1º Grupo um ferido grave. Terminado o ataque fui apanhar o Bessa. Embrulhei-o num lençol e não relato os pormenores. Ainda hoje os tenho bem vivos na memória. Ainda hoje aperto os dentes. Nunca esquecerei aquela morte, qualquer morte de um camarada. Por má formação, além de não esquecer, nunca perdoarei.

Ao terceiro dia, do novo ano – 1969 – o meu Grupo sofreu um morto e dois feridos, embora um muito ligeiro. No dia seguinte fizemos uma coluna para Bambadinca. Acompanhei o fechar da urna com o Soldado Bessa lá dentro. Já não regressei a Mansambo. Afoguei a raiva bebendo e dando uma volta à tabanca á procura de um amigo…

Devo ter tido um acordar difícil no dia seguinte. Não sei bem. Lembro-me que o [sargento piloto aviador] Honório me deu boleia, na sua avioneta, até Bissau com passagem por Bigene, onde consegui dar um abraço a um conterrâneo.

Dias depois, embarcava para a Metrópole para gozar o meu segundo período de férias.

Resumo:

O Natal e Ano Novo foram dias muito normais;
Operação na véspera de Natal;
Coluna ao Xitole, por Galomaro; Na noite de passagem de Ano feri
do o Pimenta;
No dia de Ano Novo ida para Candamã, fazer segurança á reconstrução de um pontão;
Findo o trabalho, dia 2, o Casadinho ligeiramente queimado numa perna;
Regresso a Mansambo, ataque ao aquartelamento e morte do Bessa;
Dia 4, em Bambadinca, fechada a urna do Bessa;
Dia 5, com passagem por Bigene, vinda para Bissau;
Dia 8 embarquei de férias para a Metrópole. Cortei as barbas a contragosto, do Capitão Vaz, da 1746, meu companheiro de viagem. A PIDE/DGS falava mais alto…

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Notas de L.G.

(1) Vd. post de 20 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1862: 42 anos depois, com emoção e revolta, sei das circunstâncias horríveis em que morreu o meu irmão... (Adelaide Gramunha Marques)

(2) Vd. post de 5 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1152: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (3): Braimadicô, o prisioneiro que veio do céu

(3) Vd. 14 de Março de 2007> Guiné 63/74 - P1594: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (1): A dança dos capitães

16 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1666: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (2/3): O Zé e o postal da tropa

25 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1785: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 239) (4): Burontoni, mito ou realidade ?