segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2504: BCAÇ 1860 (1965/67), o 3º Batalhão em Tite (Santos Oliveira)

Cópia da capa da brochura da História do BCAÇ 1860.
Foto: © Santos Oliveira. Direitos reservados.

O BCaç 1860 terá sido o 3º Batalhão a ocupar, melhorar e renovar aquelas Instalações de Tite (tanto, que quando regressei do Como/Cufar, saí para o almoço, Porta de Armas fora para me dirigir à Messe de Sargentos…que era no exterior), escreveu assim o nosso Camarada Fernando Santos Oliveira (2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf.ª, Como, Cufar e Tite , 1964/66), a quem devemos o envio da História do BCAÇ 1860.



Tite. Na foto, a messe de Sargentos reporta a 1964, ainda com o BCAÇ 599.
Foto: © Santos Oliveira. Direitos reservados.
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BCaç 1860
1.Mobilização
O BCAÇ 1860 foi mobilizado pelo RI 15, aquartelado em Tomar.
Veio render o BCaç 599/RI 15 em duas fases. A primeira em Abril de 1965 e a segunda em Agosto do mesmo ano.

A maioria do pessoal é originário das Províncias do Norte (Minho, Trás-os-Montes e Douro), havendo ainda alguns elementos das Beiras, do Alentejo e do Algarve.

A concentração do pessoal (1ª e 2ª fases) fez-se no RI 15. A instrução decorreu nos moldes habituais tendo-se todos, de um modo geral, adaptado bem à ideia da breve vinda para o Ultramar.

A primeira fase, depois de ter passado por Santa Margarida, embarcou em Lisboa em 23 de Abril de 1965, no N/T Uíge, tendo comparecido à cerimónia da despedida um oficial General representando Sua Exª o Ministro do Exército.

A segunda fase teve uma cerimónia de despedida no RI 15. Embarcou em Lisboa em 18 de Agosto de 1965, a bordo do N/T Niassa.

A primeira fase era enquadrada pelos seguintes elementos (1):

Ten Cor Francisco Costa Almeida, Cmdt do B Caç 1860
Cap Inf Manuel Morujão Oliveira, Of. I. e Op.
Alf Mil Casimiro Costa Ferreira, Cmdt Pel. Reconhec.
" " António Carlos Agapito, Cmdt Pel. Sapadores
2º Sarg António Firmino Silva, Corneteiro
Furr Mil José Carlos Abrantes, Enfermeiro
" " José da Silva Soares, S.A.M.
" " Artur Sá Santos, S.A.M.
" " Manuel Castanho Morais, Sapador
" " Guilherme Medeiros Pacheco, Sapador
" " Joaquim Soares Simões, Transmiss.
" " Jorge Manuel M Lajas, S.A.M.

E a segunda pelos seguintes (1):

Maj Fernando M Jasmim de Freitas, 2º Cmdt BCaç 1860
Cap Manuel Pau Preto, Cmdt CCS
Alf Fernando Barreto, Ch Sec.
Alf Mil António A P da Fonseca, Transm.
" " Joaquim Pinto, Secret.
" " José M Brito Galvão, SAM
" " Joaquim Beirão H Ferreira, SMR
1º Sarg Maurício C A C Correia, Secret. Cmd
" " João António Madeira, Secret. CCS
Furr Mil Francisco Seixas Grelo, Op Inf
" " Sérgio do Rosário Maurício, Op Inf
" " Manuel da Costa Alonso, Op Inf
" " Mozart D Sousa Pires, Transm
" " José M C Boneca, Sapador
" " José Raul R Graciano, Amanuense
" " João M Borges de Campos, SM Mec Arm Lig
" Lúcio J Dias Segurado, SM Mec Viat
" " Victor M C Costa, AM Cont Pag

Em 28 de Abril de 1965, o N/T Uíge lançou ferro em Bissau. No dia seguinte, às 07H00, todo o pessoal da 1ª fase, em LDM, fez rumo ao Enxudé.

A chegada a Tite deu-se cerca das 11H00.

Em 23 de Agosto de 1965, chegou a Bissau a 2ª fase, tendo desembarcado no Enxudé no dia imediato.

2. Actividade do BCAÇ 1860

O esforço desenvolvido pelo BCAÇ 1860 nos diversos campos em que foi chamado a intervir pode considerar-se notável.

Nas páginas seguintes serão dados elementos significativos de todas as actividades, ao longo dos quase 24 meses de comissão, sempre em Sector Operacional.

Integrado no Agr 17 e, posteriormente no Agr 1975, sempre o BCAÇ 1860 deu o melhor de seu esforço num desejo sempre presente de bem cumprir as missões que lhe foram confiadas.

No resumo das actividades do BCAÇ 1860 inclui-se o período que decorreu entre 29 de Abril de 1965 e 24 de Agosto do mesmo ano, período esse que corresponde à permanência em Sector da 1ª fase do BCaç 1860, antes da chegada do pessoal da 2ª fase.

Imediatamente após a sua chegada à Guiné, o Bat. entrou em Sector. Foi-he atribuído o Sector S1, integrado no Agr. Sul.

O referido Sector apresenta a configuração de um rectângulo com 50x30 Kms, num total de cerca de 1500 Kms quadrados de superfície.

O terreno é plano, baixo, muito recortado por cursos de água e manchas de mato denso alternando com a nudez das lalas e das bolanhas.

A população está disseminada por todo o Sector, sendo mais densas populacionalmente as áreas de Tite, a leste da estrada Tite-Nova Sintra, regiões ribeirinhas do Geba e Península de Gampará. Distinguem-se as tabancas de Foia, Nã Balanta, Iusse, Bissassema de Cima, Brambanda, Nhala, Louvado, Bária e Jabadá.

As grandes riquezas do Sector são o arroz, gado vacum, frutas, mancarra e madeiras. O porto do Enxudé tem um movimento apreciável de passageiros e carga e serve toda a região de Tite. As principais localidades são Tite, Fulacunda, S. João e Jabadá.

Em Outubro de 1966 é atribuído ao Batalhão o Sub-Sector de Empada, enquadrando as penínsulas de Darsalame e Pobreza. Concomitantemente, passa a pertencer ao BCAÇ 1860 a CCAÇ 1423, aquartelada em Empada.

Sub-Sector rico, densamente povoado por populações somente controladas pelas NT em Empada, seria nele que se viria a efectuar a Operação Nora, que levou à captura de importantíssima quantidade de material de guerra.

O Destacamento de Ualada, local aprazível, foi pomposamente denominado pelas NT de Rancho da Ponderosa.

A actividade operacional desenvolvida desde Abril de 65 foi intensa.

Inicialmente, mercê de actuações tipo golpe de mão, executados pelas CART 565 e CCAÇ 797, o IN sofreu graves revezes, particularmente nas áreas de Guebambol, Jufã e Gâ Saúde em que perdeu grande quantidade de material, sofreu muitas baixas e viu os seus refúgios destruídos.

Depois, devido às alterações introduzidas pelo IN nos seus sistemas de detecção, ao uso de numerosas armadilhas e à dificuldade de se arranjarem guias de objectivos, houve necessidade de se abandonar as actuações daquele tipo, para se lançar mão de operações tipo batida, com efectivos que oscilavam entre uma e quatro Companhias.

Embora com resultados aparentemente menos espectaculares, este tipo de acções ajudou a manter a instabilidade do IN e a causar-lhe baixas importantes. É justo realçar o magnífico apoio que o BCAÇ 1860 recebeu da FA e das FN, quer pela cedência de meios de apoio quer em acções realizadas dentro do Sector.

As acções do BCAÇ 1860 tiveram o seu clímax na Operação Nora, realizada na Península de Pobreza, Sub-Sector de Empada, em que a par de importantíssima quantidade de material capturado - porventura a maior que se capturou na Província desde o início do terrorismo - se desarticulou completamente o dispositivo IN naquela área.

Tendo sido o BCAÇ 1860 o Batalhão em Sector com menor número de Companhias Operacionais, nem por isso a sua actividade foi menor, antes das maiores, conforme o atesta o elevado número de operações realizadas e a grande quantidade de material capturado.
Ficou-se devendo estes resultados ao excelente espírito de corpo e de missão que sempre existiu em todo o pessoal do Batalhão, agindo sempre como um bloco, sem quebras nem falhas.

As actividades operacionais de rotina do BCAÇ 1860 durante a sua permanência em Sector atingiram os seguintes quantitativos:

Emboscadas - 884
Viagens ao Enxudé - 853
Patrulhamentos - 1046
Patrulhamentos de itinerários - 157
Seguranças e Escoltas- 2160
Cerco/Limpeza povoações - 38
Kms percorridos - 35729
Operações ao nível de Batalhão
data, nome da op., região e efectivos envolvidos:
  • 09Mai65, Ivo, Gambinta e Bissassema, CCav 677 e CCaç 797
  • 25Mai65, Omo, Bissassema, Tite, S. João, CCav 677 e CCaç 797
  • 06Out65, Lenda, Gamol e Gangetrá, CCaçs 1420 e 1423
  • 06Out65, Lenda, Brandão e Serra Leoa, CCaçs 797 e 1424
  • 07Out65, Lenda, Gamol, CCaçs 1420 e 1423
  • 08Out65, Busca, Gamol e Gangetrá, CCaçs 797, 1420 e 1423
  • 18Out65, Ovo, Gamol, Bária e Sancorlá, CCaçs 797, 1420, 1423, 1424 e CCav 677
  • 14Nov65, Onça, Gampará, CCaçs 797, 1420, CCav 677 e Pel Páras
  • 10Jan66, Orfeu, Guebambol, CCaçs 797 e 1487
  • 22Jan66, Ozíris, Garsene, CCaçs 797 e 1487
  • 10Fev66, Osso, Pen, Jabadá, Jufá,CCaçs 797, 1487, CCav 677 e Pel Páras
  • 09Mar66, Nebri, Gã Chiquinho, Ganduá porto, CCaçs 797, 1487 e CCav 677
  • 30Mar66, Narceja, Gã Formoso, CCaçs 797, 1487, CCav 677, GrCmds, Pel Páras
  • 07Mai66, Novato, Flaque Cibe e Flaque Lala, CCaçs 797 e 1549
  • 09Mai66, Quiriri, Mato Grande, CCaçs 797 e 1549
  • 26Mai66, Quezília, Gã Saúde, Louvado e Erga, CCaçs 797, 1487, 1549 e 1499
  • 18Jun66, Naja, Pen, Jabadá, e Jufá, CCaçs 1487, 1549, 1566, Pel Mort 1039 e GrCmds
  • 08Ago66, Nervo, Gã Formoso, CCaçs 1487, 1499, 1549 e Cª Páras
  • 29Set66, Novilho, Umbá, Braia, CCaçs 1487 e 1591
  • 06Out66, Nalú, Gâ Formoso, CCaçs 1487, 1549, 1591 e 1566
  • 16Out66, Nêspera, Caur de Baixo Beafada, CCaçs 1567 e 1423
  • 08Nov66, Queima, Gã João, Garsene, CCaçs 1487 e 1549
  • 06Dez66, Nortada, Pen, Jabadá, Jufá, CCaçs 1487, 1549, 1566 e 3ª CCmds
  • 22Dez66, Nilo, Braia, CCaçs 1487 e 1624
  • 03Jan67, Navalhada, Guebambol, CCaçs 1487 e 1624
  • 07Jan67, Neon, Gã Valentim, CCaç 1566 e CArt 1613
  • 07Fev67, Quarentena, Gã Formoso, CCaçs 1549, 1567 e 1624
  • 25Fev67, Notário, Gamol, Bária, Gangetra, CCaçs 1567 e 1624
  • 06Mar67, Nora, Pen, Pobreza, CCaçs 1549, 1567, 1587 e CArt 1614
Operações isoladas executadas pelas sub-unidades do Batalhão
  • CArt 565 - 14
  • CCav 677 - 21
  • CCaç 797 - 45
  • CCaç 1420 - 14
  • CCaç 1423 - 6
  • CCaç 1487 - 28
  • CCaç 1549 - 30
  • CCaç 1566 - 22
  • CCaç 1567 - 4
  • CCaç 1587 - 8
  • CCaç 1624 - 8
  • Pel Mort 1039 - 14
  • Cª Mil 7 - 7
Desta actividade resultou a captura do seguinte material:
  • Canhão s/r B-10, 82 mm - 1
  • Morteiro 82 - 1
  • MP Zbroyovka, 7, 62 - 2
  • MP Goryunov, 7, 62 - 5
  • MP Degtyarev, 12, 7 - 3
  • ML Degtyarev- RPD, 7, 62 - 3
  • LGF Pancerova-P/27 - 1
  • LGF RPG2 - 3
  • PM M-23, 9 mm - 1
  • coldres, capacetes, cantis, cinturões, cargas propulsoras. cunhetes, medicamentos, canos....
Em consequência da mesma actividade o IN sofreu as seguintes baixas confirmadas, além de outras estimadas:
  • Mortos - 225
  • Feridos - 78
  • Prisioneiros - 563
  • Apresentados - 61
A par da intensa actividade operacional descrita, o BCAÇ 1860 dedicou-se a grande actividade nos campos psico-social, educacional, médico e de melhoramento de aquartelamentos.

Cabe aqui destacar o invulgar esforço que foi desenvolvido no melhoramento das instalações militares na sede do Batalhão. Como consequência desse esforço o actual aquartelamento de Tite pode ser considerado sem favor, como um dos melhores, senão o melhor aquartelamento de toda a Província.
Considerou-se muito importante este aspecto, porquanto para quem teve de permanecer 24 meses no mato, em constante actividade operacional, nada mais reconfortante do que umas boas instalações, onde foi possível recuperar as energias gastas nas sucessivas operações, de maneira a conseguir manter o mesmo ritmo de actividade ao longo de toda a comissão.

Deste modo se manteve o pessoal não operacional ocupado todos os dias, desde as 07H00 às 17H00, o que muito contribuíu para se manter um nível de disciplina altamente agradável, ao mesmo tempo que se conseguia que cada um praticasse , na medida do possível, no trabalho que já exercia na vida civil.
De igual modo, o esforço desenvolvido neste campo em Jabadá foi notável. Num local onde só existia uma tabanca, pode ver-se hoje um aquartelamento guarnecido por excelentes abrigo-casernas e outros edifícios construídos com o esforço dos militares ali estacionados.

A par destas actividades, desenvolveu o Destacamento de Jabadá uma intensa actividade operacional de que resultou um afrouxamento claro da pressão que o IN vinha exercendo sobre a tabanca e aquartelamento e que se cifrava em flagelações quase diárias.
Com o apoio da numerosa população, as NT ali aquarteladas construíram ainda uma pista, que permite a aterragem de aviões de pequeno curso e helicópteros.

Nos demais aquartelamentos do Sector também se mannteve actividade semelhante com o natural benefício para as populações e para as NT.
Dois anos se passaram no cumprimento de uma missão nem sempre fácil, bem pelo contrário, mas a nossa consciência diz-nos que a cumprimos o melhor que pudemos e soubemos.

O esforço pedido foi grande, é incontestável, mas a equipa que formámos tudo venceu, sem desfalecimentos, com a melhor boa-vontade e sem quebra de ritmo. Em qualquer aspecto, quer operacional, quer administrativo, quer ainda no contacto diário com as populações afectas a nós, ou até aquelas indiferentes, a nossa actividade foi grande e felizmente vimos sobejamente o proveito do nosso esforço.
No campo psico-social, procurámos em todas as oportunidades possíveis, desenvolver as actividades da população, quer criando um corpo de artífices, tão necessário à Guine, quer criando escolas no Enxudé, Ilha das Galinhas, Jabadá, Fulacunda, Empada e Tite, quer ainda fomentando-lhes a lavoura, não só com apoio técnico, mas também materialmente.
O aspecto religioso também não foi por nós descurado, dando possibilidade aos de religião moçulmana terem o seu templo para as suas orações. Para eles construímos a mesquita de Tite.

Por tudo o que nos foi permitido fazer, cremos que ao deixarmos a Guiné, deixámos uma região que sempre procurámos elevar e valorizar, constituída por homens de todas as cores, mas com um único desejo - manter Portugal Independente e Unido.


Aquartelamento de Tite. A foto da Porta de Armas é de 1964, aquando da partida do Fernado Santos Oliveira para a Ilha do Como/Cufar (BCAÇ 599).
Foto : © Santos Oliveira. Direitos reservados.

Ao regressarmos a nossas casas, embora possa parecer que a nossa missão findou, tal não sucede; ela terá que ser ainda maior e mais profunda, teremos que transmitir aos que nos rendem, aos nossos amigos e muito especialmente àqueles menos esclarecidos, os ensinamentos colhidos durante a nossa permanência, dizer-lhes que os nativos da Guiné necessitam do seu apoio e só assim poderemos afirmar que as vidas e o sangue dos nossos camaradas dados à Pátria tão abnegadamente, não o foram em vão.

Recompletamentos:
Devido a transferências foram aumentados ao efectivo do Comando e da CCS os seguintes oficiais e sargentos:
Cap Art Vítor M Torres Silva
Alf grad Capelão Francisco Borges Ávila
2º Sarg Eduardo da Silva Raposo
Furr Mil Helder M A Santos Costa
Furr Mil Rui Palmela Mealha
Sub-unidades do BCAÇ 1860
sub-unidade, sub-sector, período, cmdt
  • CArt 565, Fulacunda, antec. /10Ago65, Cap Reis Gonçalves
  • CCav 677, S. João, antec./ 20Abr66, Cap Pato Anselmo (2), Alf Ranito, Cap Fonseca
  • CCaç 797, Interv, 29Abr65/16Mai66, Cap Soares Fabião
  • CCaç 1420, Fulacunda, 11Ago65/08Jan66, Cap Caria, Alf Serigado, Cap Moura
  • CCaç 1424, S. João, 11Set65/25Nov65, Cap Pinto
  • CCaç 1423, Fulacunda e Empada, 30Out66/23Dez66, Cap Pita Alves
  • CCaç 1487, Fulacunda, 08Jan66/15Jan67, Cap Osório
  • CCaç 1549, Interv, 26Abr66, Cap Brito
  • CCaç 1566, S. João e Jabadá, 19Mai66, Cap Pala e Alf Brandão
  • CCaç 1587, Empada, 27Nov66, Cap Borges
  • CCaç 1567, Fulacunda, 01Fev67, Cap Colmonero
  • CCaç 1591, Fulacunda (treino op.), 18Ago66/01Out66, Ten Cadete
  • CArt 1613, S. João (treino op.), 03Dez66/15Jan67, Cap Ferraz e Cap Corvacho
  • CCaç 1624, Fulacunda, 05Dez66, Cap Pereira
  • Pel Mort 912, Jabadá, antec./26Out65, Alf Rodrigues
  • Pel Caç 955, Jabadá, antec./13Mai66, Alfs Lopes, Viana Carreira (3), Sales, Mira
  • Pel AM Daimler 807, Tite, antec./13Mai66, Alf Guimarães
  • Pel Art 8, Fulacunda, 10Fev66/03Mar66, Alf Machado
  • Pel Caç 56, Fulacunda e S. João, 31Out66, Alf Dias Batista
  • Pel Mort 1039, Jabadá e Tite, 26Out65, Alf Carvalho
  • Pel AM Daimler 1131, Tite, 12Ago66, Alf Antunes
  • Cª Mil 6, Empada, antec., Alf 2ª Mamadi Sambu e Dava Cassamá
  • Cª Mil 7, Tite, 05Ago65, Alf 2ª Djaló
Estas sub-unidades foram atribuídas ao BCaç 1860 durante a permanência em Sector (desde Abr65).
Contribuíu o BCaç 1860, durante a sua permanência em terras da Guiné, com a vida e o sangue dos seguintes militares, para quem vai a mais respeitosa homenagem e o agradecimento da Nação:
12Ago65, Fur Mil Júlio Lemos P Martins
12Ago65, 1º Cabo Inácio Freitas Ferreira
30Set65, Sold Aníbal A Pires
18Out65, Sold Diogo A Neves
01Nov65, Sold Manuel A A Nobre,
18Mar66, Sold Alberto T Silva
11Mai66, Sold Julde Mané
25Ago66, Sold José Maria F Carvalho
25Ago66, Sold Francisco António Lopes
06Out66, Alf Mil Carlos Santos Dias
29Dez66, Sold Malan Sambú
15Jan67, Sold António C do Nascimento
16Jan67, Sold Saliu Djassi
16Fev67, Sold Alberto Samba
01Mar67, 1ºCabo José Félix Lopes
04Abr67, Furr Mil Rui Palmela Mealha

Desaparecidos em Combate, em 07Out65, durante a op Lenda (4):

Alf Mil Vasco Nuno L de Sousa Cardoso
1º Cabo Fernando de Jesus Alves
Sold Armando Leite Nascimento
Sold José Ferreira Araújo
Sold José Vieira Louro
Sold Armando dos Santos
Quadro de Honra
Cruz de Guerra de 2ª Classe : 1
Cruz de Guerra de 3ª Classe : 3
Cruz de Guerra de 4ª Classe : 8
Mérito Militar de 4ª Classe : 5
Prémio Governador-Geral : 6
Louvores do Cmdt Chefe : 11
Louvores do Cmdt militar : 33
Louvores do Com Agr : 8
Louvores do Cmdt Batalhão : 186
Louvores do Cmdt Cª : 41
louvores do Cmdt Pel : 3
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Notas de vb:

(1) Os nomes dos restantes elementos constam na História do Batalhão, disponível no AH Mil.
(2) Transferido da CCav 489/BCav 490
(3) Esteve em formação no CICmds (Brá), tendo abandonado o curso
(4) Ver em "Rumo a Fulacunda", obra do nosso Camarada Rui Ferreira; Vd. também poste de 4 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2026: Antologia (61): Rumo a Fulacunda: uma estória que ficou por contar ou a tragédia das CCAÇ 1420 e 1423 (Rui Ferreira)
Vd também artigos de:
24 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2301: Tabanca Grande (41): Santos Oliveira, 2.º Sarg Mil de Armas Pesadas Inf.ª (Como, Cufar e Tite, 1964/66)
25 de Outubro de 2007> Guiné 63/74 - P2214: Historiografia de uma guerra (1): A questão (polémica) do início da luta armada (Abreu dos Santos)
18 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2190: PAIGC: Quem foi quem (4): Arafan Mané, Ndajamba (1945-2004), o homem que deu o 1º tiro da guerra (Virgínio Briote)
18 de Setembroe 2007 > Guiné 63/74 - P2115: Em busca de...(12): Notícias do desaparecimento de Júlio Lemos, ex-Fur Mil da CCAÇ 797, Tite, 1965/67 (Júlio Pinto)

Guiné 63/74 - P2503: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (15): Chegada a Bissau, 29 de Fevereiro, formalidades, recepção, hotéis

Guiné-Bissau >Bissau > Hotel Azalai

Guiné-Bissau > Bissau > Aparthotel Solmar

Guiné-Bissau > Bissau > Aparthotel Jordani

Fotos: AD - Acção para o Desenvolvimento (2008)

Guiledje: Simpósio Internacional > Informações úteis > Chegada a Bissau, dia 29 de Fevereiro; partida para Guileje, dia 1 de Março, às 7h00 da manhã

1. Mensagem recebida da Comissão Organizadora, com data de ontem:


Para os participantes que vierem no voo da TAP Lisboa-Bissau, no dia 29 de Fevereiro, o Simpósio terá o seu início no Aeroporto da Portela em Lisboa, onde o Doutor Leopoldo Amado, membro da Comissão Organizadora, fará questão de apresentar todos os que vêm das procedências mais diversas: portugueses, cubanos, espanhóis, franceses e guineenses.

À chegada a Bissau pelas 15h00, serão acolhidos por uma equipa da Organização do Simpósio que os apoiará nas formalidades policiais e alfandegárias.

O visto de entrada será concedido no Aeroporto Osvaldo Vieira aos participantes.

Todos serão então transportados para as respectivas unidades hoteleiras:

(i) oradores: Hotel AZALAI (Antiga Messe dos Oficiais do Quartel-General, no Bairro de Santa Luzia, ex-Hotel 24 de Setembro)

(ii) convidados: Hotéis que reservaram (Aparthotéis Solmar e Jordani) (1)Para mais informações sobre vaigens à Guiné-Bissau, vd. o portal do nosso amigo e camarada Carlos Fortunato> Guiné-Bissau (actualizado em 31/08/2007).

Receberão, também, na altura, toda a documentação do Simpósio (programa definitivo, brochura, mapa da Guiné-Bissau, etc.) e o crachá de acesso aos eventos.

Os participantes que vierem de carro (e que ainda não nos comunicaram onde ficarão alojados) terão igualmente acesso a toda a documentação no Hotel Azalai, onde se encontrará uma equipa da Organização para o seu acolhimento.

Até às 20h30 o programa é livre, podendo cada um passear calmamente por Bissau que é uma cidade tranquila, procurando as suas referências passadas.

A essa hora um veículo fará a recolha nos Aparthotéis Solmar e Jordani para transportar os participantes para uma Recepção que terá lugar na piscina do Hotel Azalai, ocasião para a primeira grande confraternização proporcionada pelo Simpósio.

Aconselha-se a todos o sacrifício de se deitarem cedo, uma vez que, na manhã seguinte, vai ocorrer a jornada mais pesada do Simpósio: a ida a Guiledje.

Como a partida será RIGOROSAMENTE às 7h00 da manhã, para se poder cumprir o programa, recomenda-se que cada um tome o pequeno-almoço às 6h30.

Todos terão um carro todo-o-terreno que os irá buscar aos respectivos hotéis e seguir de imediato em caravana para o Sul do país.

Aconselha-se a que tragam a roupa mais ligeira que tiverem, uma vez que ainda não sendo o período de mais intenso calor, ele se vai fazer sentir sobretudo entre as 12h00 e as 16h00.

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Nota dos editores:

(1) Informaçõs sobre os hotés:

(i) Azalai:

Localização: antigo QG (Bairro de Stª Luzia, Bissau)
Email: fernandesmario@iol.pt
Telemóvel: + (245) 6778261
Pessoa de contacto: Mário Fernandes (6731136)
Serviço de Quartos: 24 quartos de solteiro: 20.000 Cfa (30.000 Cfa par 2 pessoas); 17 quartos de casal: 40.000 Cfa (50.000 Cfa c/ cama adicional); 24 suites: 50.000 Cfa (60.000 Cfa c/ cama adicional). Inclui: pequeno-almoço, ar condicionado e piscina.
Restaurante: Prato principal (5.000 Cfa); entradas (2.000); sobremesa (2.500). Comida europeia e africana.

(ii) Jordani:

Localização: Av Pansau Na Isna, junto à Sé Catedral, Bissau
Telefone: + (245) 201719 Fax: + (245) 201719Telemóvel: + (245) 6624425; 7200485Pessoa de contacto: Pedro Embaló
Serviço de Quartos > 7 quartos de solteiro: 25.000 Cfa (35.000 Cfa para 2 pessoas); 3 quartos de casal: 35.000 Cfa. Inclui: pequeno-almoço, ar condicionado ou ventoinha e tvRestaurante.
Prato principal (2.500 a 5.000 Cfa); entradas (500 a 2.000 Cfa); sobremesa (1.200 a 1.500 Cfa). Comida europeia.

(iii) Solmar:

Localização: Rua Vitorino Costa, junto ao Mercado Central, Bissau
Email: solmar@mail.gtelecom.gw
Telefone: + (245) 206004 Fax: + (245) 206005Telemóvel: + (245) 6628531; 7208322Pessoa de contacto: Ussumani
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domingo, 3 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2502: Guiledje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (14): Enquadramento histórico (II): o significado da queda de Guileje

Guiné > Região de Tombali > Guileje > 22 de Maio de 1973 > Uma das fotografias-ícones da batalha de Guileje: a expressão de preocupação estampada no rosto do Major Coutinho e Lima, por detrás de uma viatura blindada ou de uma peça de artilharia... O comandante do COP5 terá, de motu proprio, decidido abandonar Guileje para salvar 600 vidas. Decisão que os seus superiores hierárquicos nunca lhe terão perdoado. Recorde-se que ele esteve preso preventivamente em Bissau, de 22 de Maio de 1973 até 12 de Maio de 1974. O auto de corpo de delito que lhe foi levantado, por despacho do General António de Spínola, de 22 de Maio de 1973, tinha a seguinte justificação: (i) Ordenou a retirada das forças sob o seu comando do quartel de Guileje para Gadamael, sem que para tal estivesse autorizado; (ii) Mandou destruir edifícios e inutilizar obras de defesa do referido quartel, bem como material de guerra e munições; (iii) não cumpriu a missão que lhe foi atribuída (*).

Guiné > Região de Tombali > Guileje > 22 de Maio de 1973 > A retirada, dramática mas ordeira, das tropas portuguesas ali estacionadas, mais a respectiva população civil, num total de 600 indivíduos, por decisão do major Coutinho e Lima, comandante do COP5, contrariando as ordens expressas do Com-Chefe, General Spínola.

Guiné > Região de Tombali > Guileje > 22 de Maio de 1973 > A população e os militares abandonaram Guileje, às 5.30h, a caminho de Gadamael.

Estas fotos, originalmente publicadas no Público, devem ser da autoria do Fur Mil Carlos Santos, da CCAV 8350 (1972/74), segundo informação do seu e nosso camarada e amigo José Casimiro Carvalho, também ele da mesma unidade (Os Piaratas de Guileje) mas que nesse dia estava em Cacine (**). Gostaríamos de confirmar esta informação junto do próprio Carlos Santos, cujo paradeiro desconhecemos. Talvez o Casimiro Carvalho nos possa ajudar nesta diligência.

Foram-nos gentilmente cedidas pelo Pepito, fazendo parte do acervo fotográfico do Projecto Guiledje.

Fotos: AD - Acção para o Desenvolvimento (2007).


II e última parte da brochura, publicada em pdf, pela organização do Simpósio Internacional sobre Guiledje, e que tem como título Guiledje: Na Rota da Independência da Guiné-Bissau (***).

Como já foi salientado, é um notável documento, objectivo, sintético, suportado na investigação historiográfica, e que nos ajuda a perceber melhor a importância estratégica que teve Guileje (e o corredor de Guileje) na estratégia do PAIGC e do seu líder histórico, Amílcar Cabral, nomeadamente a partir de 1965, e portanto o seu significado no contexto da luta pela independência.

É por outro lado um documento feito pelos guineenses que hoje podem, com orgulho, apropriar-se da sua própria história, construi-la e escrevê-la. O documento original, em pdf, de 20 páginas é ilustrada com fotografias cedidas por ex-militares portugueses que fizeram parte de unidades de quadrícula estacionadas em Guiledje, desde 1964 a 1973, incluindo vários camaradas da nossa tertúlia. É também um momento bonito, que só vem confirmar a sabedoria de Amílcar Cabral que nunca hostilizou o povo português e os portugueses, nunca os confundindo com o regime político de António Salazar / Marcelo Caetano... Amílcar Cabral gostaria certamente de ver, se fosse vivo, os inimigos de ontem transformados em amigos de hoje...

Como, de resto, temos aqui dito, no nosso blogue, o Simpósio Internacional de Guiledje não celebra a derrota de ninguém mas sim a vitória de dois povos que continuam ligados por laços históricos, afectivos, culturais e linguísticos... e querem estreitar esses laços... Guiledje (mantendo a grafia que é cara aos nossos amigos guineenses, mesmo contra os puristas da língua portuguesa para quem não existe o conjunto consonântico dj...) representa o triunfo da vida sobre a morte, a vitória da paz sobre a guerra, a primazia da memória (viva) sobre o esquecimento e o branqueamento da história, a afirmação da esperança no futuro, o reforço da amizade e da solidariedade entre os nossos dois povos... (LG).


Guiledje - Simpósio Internacional - Guiledje: Na Rota da Independência da Guiné-Bissau. Documento em pdf. 2007. 20 pp. (Com a devida vénia...)



(iv) Guiledje e a evolução da estratégia militar do PAIGC

A partir de 1968, começa a registar-se no seio do PAIGC uma acentuada tendência para a passagem de uma guerra de guerrilha para a convencional na medida em que passou a dispor de melhor e maior quantidade de armamento pesado. A partir de Março de 1970, o PAIGC intensifica os ataques sistemáticos com artilharia pesada aos quartéis fronteiriços, tais como os de Susana, São Domingos, Bigene, Guidadje, Candjambari e Barro, no Norte, e Guiledje, Gã-Turé, Bedanda, Catió e Buba, no Sul.

No que respeita concretamente à área de Guiledje-Gadamael, o PAIGC dá mostras claras, a partir de 1971, de pretender desalojar este campo fortificado. Faz manobrar as suas forças segundo dois eixos convergentes, a partir de Salancaur/Botche Sanza (por Medjo) e Kandjafra (10). Efectivos do Corpo do Exército deslocam-se da Frente de Catió para reforçar os de Buba. Esboça-se assim a primeira tentativa do PAIGC de proceder ao corte de ligações terrestres entre Gadamael e Guiledje, para reduzir a ameaça que este último quartel exercia sobre o importante centro logístico de Kandjafra, na Guiné-Conakry.

Três aspectos foram decisivos para o desalojamento do quartel de Guiledje pelas FARP: o assassínio de Amílcar Cabral que conduziu a uma Operação com o seu nome (11) e ao recrudescimento de acções militares com uma inaudita violência que denotava a existência no PAIGC de um misto de dor e de vontade de vingar o assassínio do seu líder; a utilização para além dos tradicionais morteiros 120 mm ou dos foguetões 122 mm, dos canhões 130 mm (12); o aparecimento em cena dos mísseis terra-ar Strella que retiraram por completo a supremacia aérea ao Exército português na Guiné-Bissau (13).

Estes factores viraram definitivamente o rumo dos acontecimentos em favor do PAIGC. Ao escolher os seus alvos, o PAIGC tinha como objectivo desgastar as unidades portuguesas que directamente estavam implicadas na defesa dos centros urbanos e assim libertar os corredores de infiltração e de abastecimento nas áreas fronteiriças do Norte e Sul. O Exército português seleccionou as bases do PAIGC situadas nas áreas fronteiriças com a República da Guiné-Conakry por representarem uma ameaça directa aos aquartelamentos estratégicos como Guiledje, fundamental para a defesa do Sul da Guiné (14). Mas Guiledje acaba por cair nas mãos do PAIGC, caso único em toda a guerra colonial.


(v) Do conflito militar à independência da Guiné-Bissau: o papel de Guiledje

A batalha de Guiledje foi determinante para a proclamação da independência da Guiné-Bissau a 24 de Setembro de 1973, continuando uma parte do seu território nacional sob ocupação colonial. Em 1974, já depois da tomada de Guiledje, o PAIGC continuou a pressionar os restantes aquartelamentos do Sul, sobretudo os situados em Cantanhez. É o caso de Iemberém (15) e dos destacamentos portugueses colocados na estrada asfaltada entre esta última localidade e Iemberém – eixo logístico vital que atravessa o Cantanhez e que era normalmente defendida por tropas portugueses de Cadique e Caboxanque. Todavia, os guerrilheiros do PAIGC tornaram esta estrada praticamente intransitável pelas constantes emboscadas que nela montavam ou ainda pela dinamitação constante de alguns dos seus principais troços.

Por ironia do destino, talvez a intensidade e a violência dos combates ali travadas possam explicar a inaudita rapidez e a eficácia com que, depois do 25 de Abril, aquando do impasse verificado nas negociações de Londres, Cantanhez tenha sido utilizada pelos ex-contendores como palco de intensas negociações directas entre o comando militar do PAIGC e o Comando militar português na Guiné. Esses encontros revelarem-se mais eficazes do que as formalmente realizadas em Londres, na medida em que contribuíram para o desfecho positivo das rondas negociais que se lhes seguiram, nomeadamente a de Argel, onde se rubricou o Acordo que pôs formalmente termo à guerra.

(vi) Os protagonistas de Guiledje

Guiledje permanece vivo na memória dos seus actores, independentemente do lado em que se encontravam. Na Guiné-Bissau, uns e outros vivem pacificamente, lado a lado, procurando construir um futuro de progresso comum. A consciência dos que não participaram directamente na “História” de Guiledje, a maioria da população actual, é permanentemente interpelada seja pela transmissão oral dos que nela tomaram parte activa, seja pelos vestígios da guerra, tal como ruínas de quartéis como os de Guiledje, Balanacinho ou Iemberém, carcaças de viaturas militares e até garrafas de cerveja vazias que mais não são senão testemunhos de uma história vivida e sofrida e que, por isso mesmo, resiste à erosão do tempo, que tende a moldar-lhe o imaginário colectivo.

Destaca-se, ao lado dos combatentes e dos líderes político-militares guineenses, a contribuição da população com um trabalho ciclópico no esforço de guerra. Além de contribuir com arroz e víveres em geral para a alimentação dos combatentes (16), a populaça era amiúde sujeita a privações de toda a sorte, nomeadamente ataques da aviação e de destacamentos do Exército português apeados ou ainda ataques de forças especiais heliotransportadas. Acrescente-se a contingência, sempre omnipresente, de accionarem as inúmeras minas anti-pessoal que o Exército português e o próprio PAIGC colocavam tanto a montante como a jusante do Corredor de Guiledje.

Ao lado dos seus irmãos guineenses, militares e responsáveis caboverdianos do PAIGC combateram em Guiledje pela independência, sonhada por Amílcar Cabral. Apesar de a Guiné-Bissau e Cabo Verde terem tomado rumos políticos diferentes após a independência, Guiledje é também uma página importante da História moderna de Cabo Verde e da sua luta pela independência.

Oficiais cubanos, outrossim, treinaram e aconselharam os guerrilheiros do PAIGC. Nessa qualidade, estiveram e participaram em Guiledje com o seu saber, mas também com o seu sacrifício e sangue, o que igualmente representa, sem dúvida, um marco importante na História das relações entre os povos africanos e outros povos do mundo, entre os quais os descendentes nas Américas, ou seja, daqueles que um dia para lá foram levados como escravos.

O povo da Guiné-Conakry participou no esforço de guerra do PAIGC em Guiledje e nas frentes Sul e Leste, pagando por isso um pesado tributo. O apoio político, logístico e militar fornecido por esse país ficou para sempre registado nas mentes e corações dos combatentes e da população de Guiledje. No contexto geral da luta de libertação nacional da Guiné-Bissau, embora em menor grau, o povo senegalês também deu o seu contributo sob diversas formas.

Grupos políticos, associações e organizações, responsáveis, dirigentes e governos de vários países africanos, europeus, asiáticos, norte-americanos e latino-americanos forneceram apoio político e material à luta do PAIGC. Nessa qualidade, também participaram de forma intensa e de diversas formas na luta de libertação nacional no seu todo. Muitos desses indivíduos e grupos eram portugueses.

Porém, em Guiledje, os militares portugueses e os soldados africanos do Exército português estiveram do ”outro lado”. Ambos combateram e sofreram, e muitos deles até morreram. Apesar dos profundos males que só a guerra pode causar, é hoje forçoso o entendimento de que uns e outros faziam parte de uma máquina de guerra criada pelos poderes políticos que na altura governavam Portugal, no quadro de uma determinada ideologia. Porém, não obstante isso, a resposta do PAIGC e, particularmente, Amílcar Cabral, era a de que a luta era movida contra o regime colonial e não contra o povo português




Guiné > Região de Tombali > Guileje > Brazão da CCAÇ 3325 (Jan/Dez 1971).


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3325 (Jan/Dez 1971) > Militares levantando uma mina A/C na estrada Guileje - Gadamael.

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3325 (Jan/Dez 1971) > Pessoal do Pel Art que guarnecia um das peças 11,4 cm ali existentes, no tempo em que a unidade de quadrícula era a CCAÇ 3325, a que pertencia o Jorge Parracho, hoje coronel na reforma (****).

Fotos: © Jorge Parracho / AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Direitos reservados.



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > o Fur Mil At Inf Op Esp Casimiro Carvalho junto ao monumento aos mortos e feridos da CCAÇ 3325 (que esteve em Guileje de Janeiro a Dezembro de 1971).

Fotos: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.


(vii) Simpósio Internacional de Guiledje

Muito se sabe dos acontecimentos e do papel de Guiledje. Porém, na maior parte dos casos, trata-se de conhecimentos pessoais dos protagonistas de Guiledje. Sobretudo do lado guineense, esses conhecimentos não estão documentados, o que restringe fortemente a sua transmissão e partilha, sobretudo fora de pequenos círculos de combatentes e da população.

A transmissão, quase exclusivamente oral desses conhecimentos, coloca problemas à investigação e à escrita da História, à medida que o tempo passa e se afasta das suas fontes primárias.

Convenhamos que o desaparecimento físico dos actores directos e indirectos e as testemunhas da epopeia de Guiledje, tanto do lado guineense como do português, tornam vulneráveis a perpetuação dos conhecimentos que se encontram unicamente incrustados na memória individual, a qual tende a desaparecer.

Os recentes esforços de recolha e intercâmbio de informação sob forma escrita e outros meios têm já produzido bons resultados e revelado aspectos inéditos. Mas também indicam que o que ainda não se sabe ou não se partilhou é provavelmente muito maior.

Volvidos mais de trinta anos, os protagonistas de Guiledje reencontrar-se-ão no Simpósio Internacional de Guiledje que será organizado na Guiné-Bissau de 1 a 7 de Março de 2008. Fá-lo-ão como um acto voluntário e pela vontade assumida de aprendizagem mútua, eivados do espírito da partilha e reconciliação. Nesse
sentido, a reconciliação entre os ex-contendores é necessariamente o fruto de um processo já iniciado e, concomitantemente, de maior relevância para o Simpósio. Deste modo, Guiledje escreverá mais uma página na História da Guiné-Bissau e das relações entre os povos.

Durante o Simpósio, novas informações e conhecimentos serão produzidos através de comunicações, debates, projecção de filmes e exposições diversas, assim como encontros em Guiledje e nos outras antigos palcos de guerra de antigos combatentes, desta feita, porém, transformados estes em palcos de paz e de reconciliação. As comunicações serão feitas sobre temas históricos e sobre temas ligados à experiência de desenvolvimento económico e social na zona de Cantanhez.

Após o Simpósio, e na base dos seus resultados e recomendações, continuará o esforço de pesquisa e documentação históricas de Guiledje e da luta de libertação nacional, bem como a implementação de iniciativas de desenvolvimento socio-económico de Cantanhez.

_____________

Notas dos autores da brochura:

(10) Data muito provavelmente dessa altura a elaboração de uma ordem de batalha não datado e intitulado Operação Maimuna, de autoria de Amílcar Cabral, em que são meticulosamente esboçados os detalhes de um eventual assalto ao quartel de Guiledje, aliás, plano esse usado posteriormente, já depois da morte de Amílcar Cabral, na operação que isolou e desalojou as forças do Exercito português em Maio de 1973.

Essa conjectura fundamenta-se, outrossim, pelo facto de nessa Ordem de Batalha se prever a concentração de efectivos nos moldes realizados.

(11) Em Março de 1973, o PAIGC pôs em marcha as operações Nô Pinctha, no Norte, e Amílcar Cabral, no Sul., pois que para o sucesso do cerco a Guiledje, precisava de se intensificar as hostilidades no Norte, com o objectivo de dispersão de efectivos, portugueses.

(12) Estes canhões, com um poder de fogo de longo alcance (cerca de 30 quilómetros) foram cedidos ao PAIGC pelas autoridades militares da Republica da Guiné-Conakry no âmbito da Operação Amílcar Cabral, pese embora o facto de, ainda em vida,
Cabral ter apresentado esta solicitação ao Presidente Sékou Touré (cf. Cabral, Amílcar, Propositions – a l’intention du Camarade Responsable Suprême de la Révolution, (manuscrito/inédito). Arquivo do PAIGC, Conakry, Setembro de 1972).

(13) Em pouco espaço de tempo o PAIGC abateu várias aeronaves portugueses, desequilibrando definitivamente a situação militar a seu favor. Como reconhece um estudo português publicado em 1997 era “(…) evidente que a guerrilha evoluiu muito em matéria de conhecimento sobre a actuação contra helicópteros e aviões, e armamento antiaéreo disponível(…)”.[Corbal, Aurélio B. Aleixo (dir. Adriano Moreira), “O vector Aéreo nas Campanhas de África”, In As Campanhas de África e a Estratégia Nacional”, Instituto Nacional de Estudos Militares, 1997.

(14) Segundo Julinho de Carvalho, Comandante militar dar das FARP , a resoluta decisão do PAIGC em proceder ao assalto ao quartel de Guiledje, explica-se também, entre outras razões, pela necessidade de desobstruir as estradas que facilitariam a circulação dos tanques blindados que o PAIGC já possuía e com os quais pretendia pressionar os aquartelamentos do Exército português ao longo da fronteira Sul (Entrevista a Carlos Silva, Abril de 2007, Ilha do Sal, Cabo Verde).

(15) A tropa portuguesa ponderou variadíssimas vezes a possibilidades de abandonar Iemberém, só não o tendo feito pois estavam praticamente cercados e isolados pelas FARP, na medida em que Iemberém fica encravada na região de Cantanhez, voltada
para o Sul, para o rio Cacine e só se podia lá chegar pelo rio Cacine com barcos pequenos, os zebros e os sintex.

(16) É curioso reparar que a expressão usada entre a população sob o controlo do PAIGC para as actividades de contribuição com o indispensável arroz e outros géneros alimentícios para os combatentes era a de “midi caneca”, significando literalmente
“Medir Caneca”, ou seja, fornecer a quantidade acordada para efeitos de contribuição.

Aos elementos da população ainda eram reservadas funções como a de estafetas, para além de funções de vigilância e organização logística.


______________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de:

27 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2137: Antologia (62): Guileje, 22 de Maio de 1973: Coutinho e Lima, herói ou traidor ? (Eduardo Dâmaso / Luís Graça)

5 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2083: Em busca de... (10): Coutinho e Lima, o comandante do COP5 que decidiu abandonar Guileje e foi acusado de deserção (Beja Santos)

(**) Vd. poste de 24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1784: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (4): Queridos pais, é difícil de acreditar, mas Guileje foi abandonada !!! Guileje está à mercê deles!

(...) Cacine, 22/5/73:

Queridos pais: Vou-lhes contar uma coisa difícil de acreditar como vão ter oportunidade de ler: Guileje foi abandonada [a bold, no original], ainda não sei se foram os soldados que se juntaram todos e abandonaram o quartel, ou se foi ordem dada pelo Comandante-Chefe, mas uma coisa é certa: GUILEJE ESTÁ À MERCÊ ‘DELES’ [, em maíusculas, no original].

Não sei se as minhas coisas todas estão lá, ou se os meus colegas as trouxeram. Tinha lá tudo, mas paciência.

Se foi com ordem de Bissau que se abandonou a nossa posição, posso dar graças a Deus e dizer que foi um milagre, mas se foi uma insubordinação, nem quero pensar…

Mas… já não volto para lá!!! Não tinha dito ainda que Guileje era bombardeada pelos turras há vários dias e diversas vezes por dia. Os soldados e outros não tinham pão, nem água. Comida era ração de combate e não se lavavam. Sempre metidos nos abrigos e nas valas. A situação era impossível de sustentar. Vosso para sempre (…).



(***) Vd. poste de 2 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2499: Guiledje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (13): Enquadramento histórico (I): a importância estratégica de Guileje

(****) Vd. poste de 15 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1431: Guileje: Quem (e quando) construiu os abrigos de cimento armado (Pepito / Nuno Rubim)

(...) Mensagem do Pepito:

(...) Queria pedir-te dois apoios, embora saiba que tempo é o que tens menos:

(i) Quando aí estive no verão 2006, conheci o Coronel Jorge Parracho que me forneceu excelentes fotos, algumas das quais te enviei. Nessa altura, e por seu intermédio conheci o ex-enfermeiro de Guiledje, Vitor Manuel Rodrigues Fernandes (CCAÇ 3325) que estava na altura a digitalizar o Livro da Unidade, tendo-mo prometido logo que acabasse (em finais de Setembro). O favor que te pedia era o de, se possível, dares-lhe uma chamada (933323135) para saber se ele já concluiu o trabalho e se te poderia dar esse documento, para tu mo dares (...).

(...) Mensagem do Nuno Rubim:

(...) As unidades que terão estado sediadas [em Guileje] parecem ter sido as seguintes (indico também os contactos obtidos no teu blogue):

CCAÇ 495 (Fev 1964/Jan 1965)
CCAÇ 726 (Out 1964/Jul 1966) (contactos: Teco e Nuno Rubim)
CCAÇ 1424 (Jan 1966/Dez 1966) ( contacto: Nuno Rubim )
CAÇ 1477 (Dez 1966/Jul 1967) (contacto: Cap Rino)
CART 1613 (Jun 1967/Mai 1968) (contacto: Cap Neto) [infelizmente já desaparecio, José Neto, 1929-2007]
CCAÇ 2316 (Mai 1968/Jun 1969) (contacto: Cap Vasconcelos)
CART 2410 (Jun 1969/Mar 1970) (contacto: Armindo Batata)
CCAÇ 2617 ( Mar 1970/Fev 1971) > Os Magriços (contacto: Abílio)
CCAÇ 3325 (Jan 1971/Dez 1971) (contacto: Jorge Parracho) (*)
CCAÇ 3477 (Nov 1971 / Dez 1972) > Os Gringos de Guileje (contacto: Amaro Munhoz Samúdio)
CCAV 8350 (Dez 1972/Mai 1973) > Os Piratas de Guileje (contacto: José Casimiro Carvalho )

Guiné 63/74 - P2501: O Nosso Livro de Visitas (7): David Monteiro, ex-Fur Mil da CCAÇ 2636 (Guiné 1969/71)

Guiné > Região do Cacheu Có > CCAÇ 2636 (1969/71) > João Varanda, em Có, num posto de vigia, localizado num poilão ...O João Varanda, residente em Coimbra, foi furriel miliciano na açoriana CCAÇ 2636, que esteve na região do Cacheu: Có/Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/70) e depois mudou-se para a zona leste (Bafatá, Saré Bacar e Pirada, 1970/71)... O João foi camarada do David Monteiro, que vive hoje na cidade da Praia, onde é médico veterinário, e que gostaríamos muito que ingressasse na nossa Tabanca Grande.

Foto: ©
João Varanda (2005). Direitos reservados.

1. Mensagem de David Monteiro, de 22 de Janeiro de 2008, dirigida ao nosso camarada Humberto Reis:

Boa tarde Sr. Humberto.

Antes de mais as minhas desculpas por esse incómodo. Pois, ao consultar um site que me foi facultado por um amigo, deparei-me com algumas informações e que me levaram a recuar no tempo, uns bons 36 anos, isto é, o período em que estive na Guiné-Bissau a prestar serviço militar obrigatório.

Para começar, gostaria de me apresentar. Chamo-me David do Rosário Monteiro, sou natural de Cabo Verde, Ilha de S. Vicente e actualmente vivo na cidade da Praia (cerca de 21 anos). Sou Veterinário de profissão e neste momento sou Administrador da Agência de Regulação e Supervisão dos Produtos Farmacêuticos e Alimentares (ARFA).

Fui Fur Mil da CCAÇ 2636 que esteve na Guiné de 1969 a 1971, tendo começado por e depois em Março de 1970, mudou para Bafatá, até ao término da comissão em 1971.

Desde essa data nunca mais ouvi falar dos camaradas desse tempo e para tal gostaria, caso fosse possível, obter alguns contactos.

Os meus agradecimentos e aproveito para lhe apresentar os meus melhores cumprimentos

David Monteiro

2. Resposta de Humberto Reis em 23 de Janeiro de 2008:

Sr. Dr. David Monteiro

Como seria de esperar, a sua mensagem deixou-me satisfeito (e vai deixar todos os tertulianos também satisfeitos) por verificar do seu interesse em encontrar antigos camaradas do seu tempo de serviço militar.

Também eu estive na Guiné, de Maio de 1969 a Março de 1971 (Junho e Julho de 1969 em Contuboel, a norte de Bafatá e depois como companhia de intervenção (CCAÇ 12) aos sectores L1 Bambadinca e L5 Galomaro.

Fui algumas vezes a Bafatá, pois além de ir à civilização, tinha lá um amigo de infância, Fur Mil Sapador na CCS do BCAÇ 2856, o Cruz, que veio a casar com uma das filhas da D. Rosa, que certamente também conheceu, era a dona de um café (era, e é, pois felizmente ainda está viva e reside aqui em Portugal com uma das filhas).

Por coincidência também estive no ESQ CAV FOX, tinha um amigo de infância, o Fur Mil Espírito Santo, igualmente amigo do Cruz.

Todos os militares que passavam, ou estavam em Bafatá, iam à D. Rosa beber uma cerveja só para ver as filhas. Hoje rio-me disso quando falo com elas, pois sou visita de casa do irmão delas, que foi alferes nos pára-quedistas e mora aqui nos arredores de Lisboa.

Frequentei várias vezes a Transmontana para comer um bife com batatas fritas às 8 da manhã e beber umas cervejas 2M.

A coluna que todos os dias saía de Bambadinca para ir buscar o correio, gelo e géneros alimentícios, parava mesmo em frente à Transmontana e no regresso formava-se em frente ao café do Teófilo (pai da Rita que trabalhava nos CTT), já na estrada de saída para Bambadinca, próximo da rotunda de acesso ao Agrupamento e ao Esquadrão Fox.

Julgo que será do seu interesse visitar o nosso blogue cujo endereço é blogueforanadaevaotres.blogspot.com (2). Aí encontrará as regras de acesso ao mesmo se for do seu interesse aderir à nossa Tabanca Grande.

A partir daí o tratamento entre todos é por tu sem quaisquer distinções de postos, títulos académicos, situações profissionais, políticas, etc.

Como se verifica envio esta mensagem com conhecimento aos nossos editor e co-editores do blogue.

Com os meus cumprimentos

Humberto Reis

3. Em 23 de Janeiro de 2008 foi endereçada uma mensagem a David Monteiro:

Caro camarada David Monteiro:

Como informação complementar ao que disse o nosso camarada Humberto Reis, posso dizer-lhe que no nosso Blogue temos um tertuliano da sua Companhia. O ex-Fur Mil João Varanda (1).

Procurei também na página do nosso camarada Jorge Santos http://guerracolonial.home.sapo.pt/encontroguine.htm e encontrei dois pedidos de encontro de gente da sua Companhia.

Um deles é precisamento do João, o outro é de Virgílio Rodrigues, telemóvel 967 004 846.

Do João temos três endereços de mail que são: jvaranda@fd.uc.pt, jvarandas@fd.uc.pt e jvarandafd@hotmail.com

Aconselho a mandar mails para os três endereços, porque algum deles pode não estar activo.

Espero ter ajudado e reforço o convite do Humberto para ingressar na nossa Tabanca Grande, como é conhecido entre nós o Blogue do Luís Graça e Camaradas da Guiné que pode visitar em http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/ (o endereço que o Helder escreveu não está correcto, o que não admira por o nome ser tão grande) (2)

Pode ainda visitar a página da nossa tertúlia em http://www.ensp.unl.pt/luis.graca/guine_guerracolonial_tertulia.html.

Teremos imenso gosto em que venha a fazer parte deste grupo de ex-combatentes, que são acima de tudo amigos daquele território chamado hoje Guiné-Bissau e daquela gente, que nos marcaram para sempre.

Um abraço do camarada
Carlos Vinhal

_______________________

Notas do co-editor CV :


(1) - Vd. postes do João Varanda:





sábado, 2 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2500: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (1): CCAÇ 2382 - A hora da partida



Manuel Traquina ex-Fur Mil, CCAÇ 2382, Buba, 1968/70 (1)

1. Em mensagem do dia 1 de Janeiro de 2008, o nosso camarada, conta-nos como foi o embarque da sua Companhia no Navio Niassa

Memórias da Guerra da Guiné
1968/70

Companhia de Caçadores 2382
A Hora da Partida

Nas vésperas da partida procedeu-se ao habitual desfile nas ruas da cidade de Abrantes.

Eram três as Companhias que iam partir para a Guiné, (CCAÇ 2381, CCAÇ 2382 e CCAÇ 2383) aproximadamente num total de quatrocentos homens.

A hora da partida aproximava-se, no RI2 naquela noite de 30 de Abril do ano de 1968 valia tudo, a caserna estava um pandemónio, muitos para esquecer tinham bebido de mais.

O transporte entre o RI2 e a estação da CP de Abrantes, foi feito nas camionetas de mercadorias do quartel, depois foi o combóio especial que levou a noite quase toda para chegar ao cais de Alcântara.

Foto 1> Navio Niassa

Foto retirada do site Navios Mercantes Portugueses, com a devida vénia

De manhã quando o combóio finalmente ali chegou, acostado ao cais já se encontrava o velho Niassa e de todo o lado surgiam militares.

Combóios, camionetas, autocarros, todos ali descarregavam militares, tudo previa que aquele navio ia ficar a abarrotar.

Entretanto chegava também uma multidão de familiares e amigos que ali vinham dar um abraço de despedida aos militares que partiam, nunca se sabendo se aquele não seria o último.

A despedida foi um quadro que quem o viveu, o recorda como triste e arrepiante, com gritos, choros e desmaios.


Foto 2> Como formigas, carregando as suas bagagens, os militares foram subindo a pequena ponte até ao convés.

Foto: © Manuel Traquina (2008). Direitos reservados.

A meio da manhã o navio com alguns milhares de homens a bordo, estava pronto a levantar ferro.

Ali ao lado o Joana D’Arc permanecia ancorado indiferente a todo este espectáculo, enquanto a multidão no cais acenava e chorava.

Depois foi a vez de um Corpo de Marinheiros permanecer na posição de apresentar armas enquanto uma banda militar tocava o Hino Nacional, fazendo assim as honras militares a mais um contingente de tropas que partia para o Ultramar Português.

Era assim que a imprensa da tarde informava o acontecimento.

A pequena ponte foi retirada, e soltas foram as amarras, a sirene do Niassa anunciou a partida atroando os ares com três silvos. Foi aqui que mesmo os mais corajosos não conseguiram conter as lágrimas, procurando apoio num ou outro abraço caloroso trocado com um amigo.

Tejo abaixo, passando por baixo da então nova ponte Salazar, foi num instante que aquele navio atingiu o estuário do rio e se fez ao largo, enquanto alguns permaneciam no convés até ao longe verem desaparecer a terra portuguesa, outros preferiram descer aos camarotes deitar-se e tentar esquecer aqueles momentos de tristeza.

Manuel Batista Traquina

___________________

Nota dos editores:

(1) - Vd. post de 2 de Janeiro de 2008> Guiné 63/74 - P2399: Tabanca Grande (47): Manuel Traquina, ex-Fur Mil, CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70)

Guiné 63/74 - P2499: Guiledje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (13): Enquadramento histórico (I): a importância estratégica de Guileje








Guiné-Bissau > PAIGC > Novembro de 1970 > Belíssimas imagens obtidas algures, no sul, em região libertada, pelo fotógrafo norueguês Knut Andreasson.

Recorde-se que o fotógrafo norueguês acompanhou uma delegação sueca (tendo à frente a antiga líder do parlamento sueco, Birgitta Dahl) na visita às regiões libertadas da Guiné-Bissau, em Novembro de 1970.

Segundo o sítio da Nordic Africa Institute (uma agência dos países nórdicos, com sede na Suécia, em Upsala ), esta visita deu-lhe oportunidade de falar com Amílcar Cabral, em pleno palco da luta pela independência, e ficar a conhecer melhor o PAIGC, a guerrilha e a sua implantação no terreno.

Andreasson e Dahl publicaram mais tarde um livro em sueco sobre essa viagem. Andreasson, por sua vez, realizou uma exposição fotográfica e publicou um álbum fotográfica sobre esta visita.

A maior parte das fotos deste período foram doadas ao Nordic Africa Institute pela viúva de Andreasson. A exposição foi , por sua vez, doada à Fundação Amílcar Cabral pelo Nordic Africa Institute, sendo apresentada por Birgitta Dahl, a antiga líder do Parlamento Sueco, por ocasião das celebrações do 80º aniversário de Amílcar Cabral, em Setembro de 2004.

Fonte: Nordic Africa Institute (NAI) / Fotos: Knut Andreasson (com a devida vénia... e a autorização do NAI) (As fotografias tem numeração, mas não trazem legenda) (*)


I Parte da brochura, publicada em pdf, pela organização do Simpósio Internacional sobre Guiledje, e que tem como título Guiledje: Na Rota da Independência da Guiné-Bissau. É um notável documento, objectivo, sintético, suportado na investigação historiográfica, e que nos ajuda a perceber melhor a importância estratégica que teve Guileje (e o corredor de Guileje) na estratégia do PAIGC e do seu líder histórico, Amílcar Cabral, nomeadamente a partir de 1965.

É um documento, feito pelos guineenses que hoje podem, com orgulho, apropriar-se da sua própria história, construi-la e escrevê-la. O documento original, em pdf, de 20 páginas é ilustrada com fotografias cedidas por ex-militares portugueses que fizeram parte de unidades de quadrícula estacionadas em Guiledje, desde 1964 a 1973, incluindo vários camaradas da nossa tertúlia. (Fotografias essas que não vamos aqui reproduzir, uma boa parte delas já sendo conhecidas do nosso blogue. Vd. o documento original).

É também um momento bonito, que só vem confirmar a sabedoria de Amílcar Cabral que nunca hostilizou o povo português e os portugueses, nunca os confundindo com o regime político de António Salazar / Marcelo Caetano... Amílcar Cabral gostaria certamente de ver, se fosse vivo, os inimigos de ontem transformados em amigos de hoje...

Como, de resto, temos escrito no nosso blogue, o Simpósio Internacional de Guiledje não celebra a derrota de ninguém mas sim a vitória de dois povos que continuam ligados por laços históricos, afectivos, culturais e linguísticos... Guiledje (mantendo a grafia que é cara aos nossos amigos guineenses, mesmo contra os puristas da língua portuguesa para quem não existe o conjunto consonântico dj...) representa o triunfo da vida sobre a morte, a vitória da paz sobre a guerra, a primazia da memória (viva) sobre o esquecimento e o branqueamento da história, a afirmação da esperança no futuro, o reforço da amizade e da solidariedade entre os nossos dois povos...

Guiledje - Simpósio Internacional - Guiledje: Na Rota da Independência da Guiné-Bissau. Documento em pdf. 2007. 20 pp. (Com a devida vénia...)

Revisão e fixação de texto, para edição neste blogue: L.G.


Parte I >


(i) A estruturação das forças militares do PAIGC e as suas primeiras repercussões

A luta armada de libertação nacional foi iniciada no Sul em Janeiro de 1963. No final do primeiro semestre de 1964, a situação militar era já de grande optimismo para o PAIGC, cuja guerrilha não parava de alastrar para extensas partes do território.

Em cumprimento das resoluções do seu I Congresso, o PAIGC, criou em Fevereiro de 1964 o Exército Popular e a Milícia Popular. A guerrilha foi fortemente reestruturada e transformou-se mais tarde nas Forças Armadas Revolucionárias do Povo, as FARP. Foi constituído um órgão de cúpula – o Conselho de Guerra – que funcionaria como estado-maior e era dirigido pelo Secretário-Geral, Amílcar Cabral.

A criação da Milícia Popular, à qual foram confiadas tarefas de autodefesa bem como a gestão de questões de natureza político-administrativa nas regiões libertadas, permitiu a libertação de parte dos efectivos guerrilheiros. Conferiu-se assim maior poder de iniciativa e mobilidade às unidades de combate do PAIGC. Tal facto criou desde cedo imensos problemas ao Exército português.

Logo no primeiro ano de conflito, a chefia militar máxima do Exército português na então Província da Guiné foi substituída quatro vezes, apenas se registando uma estabilização em Maio da 1964, altura em que chega à Guiné o general Arnaldo Shultz, antigo Ministro do Interior português de 1959 a 1961. Após ter tomado o pulso da situação e visando dar maior operacionalidade e eficácia às tropas portuguesas perante a combatividade dos guerrilheiros do PAIGC, decidiu unificar o comando político com o comando militar da Guiné.


(ii) Guiledje e a logística de guerra do PAIGC

Antes da existência do corredor de Guiledje, a infiltração e o transporte de armamento e víveres do PAIGC eram feitos pelo trajecto Canafá-Quitafine-Cassumba-Canamina e Cubucaré. Este trajecto foi posteriormente abandonado em virtude da apertada vigilância que o Exército português passou a praticar, sobretudo após a batalha de Como (1), ao longo dos numerosos cursos de água. O PAIGC optou doravante por utilizar uma via paralela que se estendia entre Balana, Gandembel e Medjo.

Também o Exército português construiu, em Guiledje, um dos aquartelamentos mais bem fortificados nos finais da guerra. Os objectivos eram não só a de se opor ao trânsito de armamento e víveres vitais para o esforço de guerra do PAIGC, como também o da criação de uma reserva de socorro permanente e geograficamente bem colocada entre os quartéis e destacamentos do Exército português. Estes, estabelecidos ao longo da fronteira Sul, estavam expostos às investidas e ataques constantes da guerrilha.

Com o abandono do eixo Canafá-Quitafine-Cassumba-Canamina e Cubucaré, a única alternativa que surgiu para o PAIGC foi a da via terrestre até a fronteira, operando de Gandembel, Botche Cul, Botche Bunhe, Botche Djaté, Untchulbá,Tchim-Tchim Dari, Ndaba, Balana Balanta, Salancaur e Porto de Santa Clara. Os populares armazenavam armamento e munições que eram posteriormente encaminhados pelos serviços de logística do PAIGC para os diferentes destinos.

Em 1965, o PAIGC abre as hostilidades na sua Frente Leste. Mantém, contudo, o controlo sobre os seus mais importantes santuários interiores: as bases-barraca das matas do Cantanhez a Sul, e do Oio-Morés, a Norte. A partir daqui, e em ligação com bases nos países vizinhos, o PAIGC consolida posições em faixas cada vez mais vastas. Grande parte da região Sul, sobretudo em Cantanhez, passa para as suas mãos, constituindo as chamadas regiões libertadas do PAIGC. Todas as tentativas levadas a cabo pelas forças portuguesas para as recuperar saldaram-se por derrotas, que chegam mesmo, por vezes, a constituir verdadeiros desastres militares. Assim sucede por duas vezes em Cantanhez (2).

O Exército português pôs em marcha vários planos para se assenhorear do corredor de Guiledje com objectivos evidentes de interditar por um lado o trânsito de armamento e víveres e, por outro, de destruir um importante centro de recrutamento da guerrilha. O PAIGC possuía na vasta e muito rica área do Sul uma importante fonte de abastecimento essencialmente em gado, arroz e mandioca (3).

A introdução de armamento na Frente Norte era difícil senão impossível, em virtude da proibição pelo Governo senegalês do trânsito de armamento do PAIGC através do seu território. Esta situação só começou a alterar-se timidamente após 1966, altura em que foi rubricado o primeiro acordo de cooperação entre o PAIGC e o Governo do Senegal.

(iii) O Corredor de Guiledje e a evolução da guerra

O Corredor de Guiledje (também chamado Caminho do Povo e Caminho da Liberdade) (4) estende-se de Kandjafra, Simbel e Tarsaiá (Guiné-Conakry) a Gandembel, Balana, Salancaur e Unal (Guiné-Bissau). Não obstante os altos custos em vidas humanas e perdas materiais que acarretou, o Corredor acabou por funcionar para o PAIGC como o maior e mais importante corredor de infiltração e de abastecimento ao longo da guerra.

A sua função estratégica potenciou-se consideravelmente após o assalto ao quartel de Guiledje em Maio de 1973 até sensivelmente depois do 25 de Abril, quando se instituíram as tréguas entre os contendores. Camiões de fabrico russo do PAIGC (“Gaz” e “Gil”) passaram a transpor a fronteira desde Kandjafra, passando por Gandembel e parte importante do Carreiro de Guiledje no sentido Gandembel-Salancaur e Porto de Santa Clara.

António da Graça Abreu testemunha: “ (…) Com o abandono do aquartelamentode Guiledje em meados do ano passado, foi-lhes possível abrir uma estrada desde a Guiné-Conakry até às florestas situadas entre Bedanda e Iemberém. Vêm com as viaturas até bem dentro do território carregados com toneladas de material de guerra (…) (5)”.

A partir de 1965, a situação favorável ocasionada pelo corredor de Guiledje ao PAIGC passou a ser evidente. Para além de ter permitido às FARP controlar praticamente todo o Sul da Guiné, o corredor permitiu ainda estender esse controlo para a zona Centro-Oeste do território. Em reacção, o Exército português desencadeou uma série de operações militares como as de Cantanhez, Como e Quintafine. Não obstante a sua grande envergadura, essas operações não deram resultados palpáveis. O Governador Schultz optou então por colocar nessas áreas algumas forças que as pudessem (re)ocupar e outras para reagir às investidas dos guerrilheiros do PAIGC.

O PAIGC, profundamente consciente da importância estratégica do Corredor de Guiledje ali colocou uma força considerável capaz de dissuadir o Exército português:

– o 2º Corpo de Exército que irradiava normalmente a partir da região de Salancaur-Unal, com a missão de garantir a liberdade de utilização do importante nó de comunicações e o complexo logístico do Unal;

– o 3º Corpo de Exército do PAIGC que, operando a partir da região de Kandjafra, na Guiné-Conakry, tinha a missão de atacar e isolar o Exército português no extremo sul fronteiriço e assim garantir a utilização do corredor de Guiledje.

Destaca-se, nesse particular o grupo de artilharia comandado pelo lendário Tué Nangamna (6) que, sob as ordens de Amílcar Cabral, logrou destruir e isolar o destacamento de Gandembel e Balanacinho, cujo objectivo era retirar ao PAIGC a função vital que o Caminho do Povo assumia no seu esforço de guerra (7).

O Exército português tinha na altura numerosos destacamentos militares junto à fronteira com a Guiné-Conakry o que o obrigava a desmedidos esforços de reabastecimentos de munições e alimentos por meio de colunas militares. Estas envolviam normalmente grande número de viaturas, algumas delas em estado avançado de degradação, para além de numerosas forças terrestres e aéreas para a sua protecção.

No geral, as colunas militares portuguesas possuíam um arsenal bélico de qualidade inferior ao dos guerrilheiros. A guerra começou então a desequilibrar-se claramente a favor do PAIGC.

O general Schulz reconheceu: “ (…) quando cheguei à Guiné a situação era complicada, o PAIGC atacava em todas as frentes a partir do Senegal e da Guiné-Conakry e de bases onde se refugiavam no interior da Província – as matas do Sul (Cassacá, Como....) e as de Oio, Gã-turé, Cantanhez... –, chegando ao ponto de flagelar o quartel de Brá, situado entre Bissau e o aeroporto de Bissalanca, ou seja, nas barbas do poder mmilitar português, e de noite ouviam-se ataques a outros destacamentos, por vezes com alguma violência e durante largos períodos de tempo (… )” (8).

É consensual que a situação nunca mais parou de se agravar desfavoravelmente para o Exército português, exceptuando uma ou outra fase conjuntural, em que este último logrou estabelecer um tangencial e frágil equilíbrio militar. A tentativa de reocupar extensas áreas sob o controlo do PAIGC, não produziu os efeitos desejados.

O Exército português na Guiné teve que recorrer a um crescente aumento do contingente, que passou de 2000 homens em armas nos finais dos anos 50 para cerca de 10.000 em 1960 e cerca de 25.000 em 1968. Foi continuando ao longo dos anos da guerra a crescer até atingir um máximo de 42.000 efectivos, sobretudo graças ao recrutamento africano (9).

(Continua)
_______

Notas dos autores da brochura:

(1) A batalha de Como durou mais de dois meses em 1964. A operação Tridente do Exército português, cujo objectivo era o de expulsar os guerrilheiros do PAIGC da Ilha, falhou completamente e Como permaneceu como área libertada controlada pelo
PAIGC. A operação é comummente considerada a de maior envergadura no contexto das guerras coloniais portuguesas em África.

(2) Em Dezembro de 1973, sob o nome de código Estrela Telúrica já depois da tomada de Guiledje, ao todo cerca de 500 homens, ou seja, três companhias de comandos africanos, mais a conhecida 38ª de Comandos e fuzileiros, tentaram em Cantanhez enfraquecer os guerrilheiros e bases do PAIGC com uma grande operação que se prolongou por mais de uma semana, todavia, não bem sucedida.

Segundo António da Graça de Abreu, um testemunho presencial dos acontecimentos, confessa num seu livro/diário da guerra que “acho que nunca ouvi tanta porrada, tantos rebentamentos, nunca vi tantos mortos e feridos num tão curto espaço de tempo. E a tragédia vai continuar. A Estrela Telúrica prolongar-se-á por mais uma semana. Tudo começou em grande, com três companhias de Comandos Africanos, mais os meus amigos da 38ª, fuzileiros e a tropa de Cadique a avançarem sobre Cantanhez. O pessoal de Cadique começou logo a levar porrada, um morto, cinco feridos, um deles alferes, com uma certa gravidade. Ontem de manhã, dia de Natal, foi a 38ª de Comandos a embrulhar, seis feridos graves, entre eles os meus amigos alferes Domingos e Almeida, hoje foram os Comandos africanos comandados pelo meu conhecido alferes Marcelino da Mata, com dois mortos e quinze feridos O IN, confirmados pelas NT, só contou seis mortos, mas é possível que tenha morrido muito mais gente, os FIATs a bombardear e os helicanhões a metralhar não têm tido descanso" (...). Vide, Abreu, António Graça de, Diário da Guiné, Lama, Sangu e Água Pura. Lisboa: Guerra e Paz. 2007, p.175.

(3) O Sul da Guiné representa o maior espaço de produção agrícola de arroz, sendo as terras situadas na bacia do rio Cumbidjã as mais dotadas para a produção de arroz no território.

(4) Entre os soldados portugueses, vulgarizou-se a expressão Corredor da morte, referindo-se obviamente à intensidade dos combates pelo controlo do Corredor de Guiledje.

(5) Abreu, António Graça de, Diário da Guiné, Lama, Sangue e Água Pura. Lisboa: Guerra e Paz Editores S.A., 2007.

(6) Tué Nangamna, recentemente falecido, possuía como última residência o Bairro de Impantcha, nos arredores de Bissau. Tido consensualmente como dos melhores artilheiros do PAIGC, comandou cerca de 60 morteiradas em algumas operações de alto risco e responsabilidade, como a de destruição do destacamento português de Balana e de Balanacinho.

(7) Leia-se, à propósito, os diversos artigos publicados no site Luís Graça e Camaradas da Guiné, de autoria de Idálio Reis.

(8) Entrevista com o general Arnaldo Shultz, realizada a 18 de Julho de 1985, e conduzida por Josep Sanches Cervelló, In A Revolução Portuguesa. Sua Influência na Transição Espanhola, (1961-1976). Lisboa, Assírio e Alvim , 1993, p. 93.

(9) O contingente militar português foi-se africanizando na medida em que Portugal continental estava a atingir os limites máximos da sua capacidade de recrutamento, pelo que o recrutamento local que começou em 1966 e foi aumentando até 1971, se bem que na própria Guiné a população era muito limitada comparada com a das outras colónias, dado que nunca ultrapassou os 21 por cento do total dos habitantes.

O peso das milícias foi aumentando com o decurso da guerra, e nas últimas etapas, eram responsáveis por 50 por cento do contacto com os guerrilheiros do PAIGC.

Vide Cann, John P., A Contra-insurreição em África (1961-1974), O Modo Português de Fazer a Guerra. Lisboa, Atena, 1988, p. 122.

___________

Nota de L.G.

(*) Mensagem da Webmaster:

Dear Luís Graça,

I am glad to hear that you like the photos and that you use them.

Best regards,
Agneta Rodling
Information/Webb
Nordiska Afrikainstitutet
The Nordic Africa Institute
Box 1703,
SE-751 47 UPPSALA
+46-18 56 22 21

Mensagem anterior de L.G.:

Dear webmaster:

Please note that, as the founder and main editor of Portuguese blog 'Luis Graca e Camaradas da Guine' (in English, Luis Graca and Guinea-Bissau camerades), I have postd some photos from the great photographer Knut Andreasson I have found out on your Nordic Africa Insitute site as public domain material... I am very grateful for this. Best wishes. Luis Graca.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2498: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (18): Operação Punhal Resistente

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca)> 1969 ou 70 > Belíssimma vista aérea da tabanca de Samba Juli, sendo visível o perimetro de arame farpado, as valas e os abrigos individuais > Em Fevereiro de 1969, aquando o desastre do Cheche, a CCAÇ 2405 estava sediada em Galomaro, com um pelotão em Samba Juli, outro em Dulombi e um terceiro em Samba Cumbera. Samba Juli fazia parte de um conjunto de tabancas fulas, em autodefesa no regulado do Corubal, ao longo da estrada Bambadinca-Xitole, onde se incluía Dembataco e , Moricanhe (a oeste da estrada), Samba Culi, Sinchã Mamajã, Sare Adé, Afiá, Candamã, entre outras (a leste)... Tudo nomes que ainda ressoam estranhamente nas nossas cabeças: em muitas delas contávamos as estrelas à noite e esperávamos o alvorecer não sem alguma ansiedade... Nós e os nossos nharros da CCAÇ 12... Neste episódio, passado m Dezembro de 1969, Beja Santos refere a sua ida a Samba Juli, fazer um transporte de doentes, com o seu Pel Caç Nat 52, agora destacado em Bambadinca e morrendo de saudades de Missirá ... A lealdade dos fulas(ou a sua aliança política com os tugas contra o PAIGC) era paga com estes e outros serviços... (LG)

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.

Capa (deteriorada) do livro de Georges Simenon, Maigret em Nova Iorque. Lisboa: Livros do Brasdil., s/d. (Colecção Vampiro, 111). Capa de Cândido Costa Pinto. "Luís, foi assim que ficou o Maigret quando cai em Ponta Varela. Cheira ainda a água da bolanha" (BS)

Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008). Direitos reservados.

Texto enviado, em 18 de Novembro de 2007, pelo nosso camarada e amigo Beja Santos (ex-Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70):


Luis, aqui te entrego mais um texto, não sei porquê fora da medida habitual. Não te esqueças que já te enviei as ilustrações do Tennessee Williams, o livro do Simenon segue hoje pelo correio. Dou-te a notícia cheio de alegria: telefonou-me ontem o escritor Mário de Carvalho a dizer que aceita, na sessão de lançamento de Na Terrra dos Soncó apresentar o livro, com o general Lemos Pires. Tenho uma profunda admiração pela obra dele, sinto que ele está a crescer e se aproxima do Saramago e Lobo Antunes. Espero não fazer pausa até ao Natal, para depois fazer uma semana de férias. Recebe um abraço do Mário

2. Operalção Macaréu à Vista - Parte II > Episódio XVIII > OPERAÇÃO PUNHAL RESISTENTE
por Beja Santos

(i) Bambadinca, entreposto de encontros e desagravos


Já se passou um mês, Bambadinca entranhou-se finalmente na minha vida desde o cais até às tabancas próximas, desço com a toda a naturalidade até à povoação, vou palrando com militares e civis, estonteio-me com os cheiros do mercado, no cais olho ao fundo, com pudor, os palmares de Finete, subo a rampa para o quartel a conversar com Queta Baldé, Serifo Candé e Tunca Sanhá, vamos ver o estado das munições, convoco o pelotão para a revisão das armas, quero ver os carregadores dos apontadores de dilagrama, as granadas de bazuca e de morteiro.

Nisto, aproxima-se de mim o milícia Gibrilo Embaló, de Missirá, já tinha saudades deste excelente soldado, sempre amável e de uma compostura inexcedível. Olhando para o chão, pede-me para vir para o pelotão, conversamos sobre tal impossibilidade, se ele quer ser caçador nativo terá que se inscrever e depois fazer a recruta em Bolama, estou pronto a fazer uma declaração que refira as suas qualidades. Queta Baldé aproveita para lhe dizer que no seu tempo (isto é, 1966) a recruta e a especialidade eram 8 meses a fio, agora é menos, em seu entender isso é mau, reflecte-se na preparação das tropas...

Há quem esteja a ouvir a conversa e manifeste discordância, é malta da CCAÇ 12, Serifo manda calar os meninos, pergunta-lhes se eles já estiveram debaixo de fogo em Porto Gole, Enxalé, Bissá, se já subiram a Madina, se fizeram a estrada Xime-Ponta do Inglês, se entraram no Buruntoni, se sabem o que é uma emboscada de duas horas ou ver Missirá em chamas, a contar as balas, se sabem o que é ir todos os dias a Mato de Cão, depois a gritaria sobe de tom, insultam-se, vejo punhos ameaçadores, olhares chamejantes, é o momento exacto em que partimos para ver o estado das munições, eles ainda não sabem mas ao anoitecer partiremos para Fá Mandinga, daqui andaremos às voltas entre Fá de Baixo, Santa Helena e Mero, o pretexto é um recenseamento das populações, a verdade é que apareceu um grupo armado em Bricama, teme-se que tenham atravessado o Geba, um informador avançou mesmo que é gente que terá vindo através de Bucol, da base de Sinchã Jobel.

As munições estão em ordem, com uma secção ainda vamos buscar doentes a Samba Juli, chegou depois a hora do almoço. As refeições na messe, já constatei, podem ser litigiosas. O tenente Gilde apanhou dez dias de prisão por ter gritado com o major Sampaio, recordando-lhe que já se servira três vezes de leitão, havia oficiais que ainda não tinham comido, era o meu caso, que ouvi toda esta discussão aos berros na porta de vaivém, o tenente Gilde saiu aos palavrões, o major Sampaio perseguiu-o a gritar, comi o mais rapidamente que foi possível, agoniado por estas guerras da comida.

Sim, ao fim de um mês, quase esqueci os petromaxes de Missirá, o bingo a feijões na messe, as rondas de madrugada, tenho muitas saudades das conversas com o Lânsana, o gralhar das crianças, recordo agora o Natal passado, que vivemos tão intensamente. Pelo meio, o Moreira e o Abel, os meus camaradas de quarto, são muito tolerantes com os meus gostos musicais. O Moreira, no entanto, logo me advertiu:
-Pá, aquela gaja que canta em italiano e parece que está a morrer, ainda podes ouvir um bocadinho alto, não sei o que ela canta mas é bonito. Mas aquela outra gaja que está mais de vinte minutos aos berros e que consegue cantar mais alto que a música, por favor, ouve-a quando estiveres aqui sozinho.

O Moreira, afinal, gostava de La Bohème, de Puccini, e detestava o final da Salomé, de Strauss, cantada pela Inge Borkh. Até o correio aqui tem outro sabor. Recebo notícias do Fodé Dahaba, parece que a distância aumentou. O filho de Quebá Soncó, Mamadu, bateu-me à porta, dá-me um beijinho, deixa-me uma carta e foge. Afinal, pede-me material escolar e quer ir comigo a Bafatá para eu lhe comprar livros de aventuras.

Oiço a voz alta do nosso médico no corredor, o nortenho Vidal Saraiva anda furioso, vai ser ouvido nos termos do art.º 130º do RDM, foi encontrado pela polícia militar uma noite em Bissau sem a boina na cabeça, arrisca uns dias de prisão, anda apavorado, desinibe-se com este vozeirão, é assim que ele afasta os maus presságios.

Saio em direcção à secretaria, tenho o Braima Mané à minha espera. Os médicos de Bissau conseguiram pôr o seu braço direito a mexer, mas de resto tudo lhe corre mal. Veio pedir-me cinco escudos para comprar arroz, está todo sujo do barro dos adobes, pois anda a fazer uma morança no Bambadincazinho, não quer viver em Finete onde o seu irmão mais velho lhe engravidou a mulher e depois escorraçou-o da tabanca.

Na secretaria tenho alguns autos à minha espera, afago a minha caneta Montblanc, que me chegou ontem pelo correio, oferta da minha Mãe quando eu fiz o 5º ano, deixei-a em Lisboa, a que ardeu em Missirá era uma Parker 21. Aliás, toda a correspondência que passei a enviar já tem a marca da tinta Quick, a Bic é sempre um último recurso. Chega o correio, recebo um aerograma do Chico Henriques da Silva, que está agora no Olossato, passa semanas isolado num destacamento chamado Ponta Maquê, parece-me, abro um sobrescrito e sai de lá a revista O Tempo e o Modo, é um número dedicado a António Sérgio e vejo que há um artigo assinado pelo José Medeiros Ferreira (2), o Pina escreve a dizer que tem o dedo engessado e em breve regressa...

Alguém entra na sala e dá a notícia que o Pimbas, o primeiro comandante do BCAÇ 2852, já regressou a Lisboa, com o atestado de inapto... É nisto que entra de repelão o Gomes da messe, pede para me falar em particular, como sou o gerente venho imediatamente, pode haver alguma falta, afinal o motivo é outro, a queixa dos faxinas que nos limpam os quartos deixa-me embaraçado: o Cherno entrou com um balde e vassoura, vinha pronto a lavar-me o quarto, não aceitou que sejam outros a fazer a limpeza, houve discussão:
-Talvez seja melhor o meu alferes convencer esse tipo que diz que é seu guarda-costas a não voltar a aparecer aqui, ele tinha um olhar furioso, o que mais nos impressionou foi aquela quantidade de granadas de morteiro que ele trazia à volta do pescoço e na cintura, diz que é assim que anda consigo. Se aquilo rebentasse, estávamos feitos.

É assim que vivo em Bambadinca, penso que é normal na minha idade adaptar-me a isto tudo, onde eu estou a quebrar, a sentir diferenças brutais, é nas insónias, quando de manhã me levanto, depois de ouvir os camaradas a dormir bem, toda a luz do dia me magoa e me recorda o corpo moído, sem vontade de afrontar as idas à picada.

(ii) Em Fá Mandinga, o território do Jorge Cabral

Eu tinha as notas de uma ida a Fá Mandinga, nas vésperas de partir para a operação Punhal Resistente, que se realizou um pouco antes do Natal. Segundo o Jorge Cabral, comandante do Pel Caç Nat 63, ter-nos-emos conhecido em Julho, na tasca do Zé Maria (3). O 63, nessa altura, fazia de pau para toda a obra em Bambadinca, o que é hoje o nosso destino.

O Jorge Cabral recebeu-me há pouco tempo na Universidade Lusófona, onde conversámos sobre este patrulhamento a Mero e Santa Helena. Quando lhe perguntei se ele se lembrava de um ataque de abelhas que apanhámos na operação Lua Nova, perto do rio Bissari, ele confirmou tudo com o seu sorriso maroto e manhoso. E lembrava-se perfeitamente do nosso mano-a-mano a partir de Fá Mandinga, ele descendo a bolanha até ficar em frente à aldeia do Cuor, eu patrulhando Santa Helena, Fá de Baixo e depois Mero, numa tentativa de enxotar os intrusos de Madina em direcção ao Geba estreito, onde seriam apanhados pelo 63 ou no caso de atravessarem a nado terem do outro lado à espera o Alves Correia, de Missirá [Pel Caç Nat 54]. Ajudou-me a reconstituir o quartel de Fá Mandinga, de que guardo uma imagem difusa, não tendo esquecido, no entanto, a boa qualidade das instalações, que eu sempre associara a um quartel destinado a uma companhia e que precedera, de facto, a construção do quartel de Bambadinca.

Quando se entrava em Fá, tinha-se a noção de que houvera ali um centro agrícola experimental, lojas coloniais, talvez um presídio. O Cabral tudo confirmou, Fá tivera importância noutros tempos (tal como Geba, era a ponta avançada da presença colonial, até ao séc. XIX), havia uma zona de instalações antigas que estavam vedadas à tropa (tinha mesmo um guarda civil do Governo da Província), possuía excelentes instalações para a tropa ficar acantonada (4) , o quartel tinha valas e não havia abrigos, toda aquela região do Joladu era calma, sabia-se da cambança da gente de Madina, em Bissaque havia muitas tensões, os patrulhamentos eram completamente infrutíferos, os apoios das populações aos rebeldes eram uma realidade, só que nós não sabíamos os códigos de entendimento.

O que fizemos foi mais um patrulhamento pelas bolanhas e uma acção psico entre Mero, Santa Helena e Fá Mandinga. Era pelo bombolom que a gente de Madina chegava ao Joladu, mas nós naquele tempo nada sabíamos. E foi assim que passámos a tarde, a noite e a madrugada, entre as lamas e os mosquitos das férteis bolanhas da região de Fá, ouvindo sempre dizer que gente do mato nunca vinha à região... regressámos ao amanhecer a Bambadinca, informei os soldados que fossem dormir bem pois, a meio desta tarde iríamos partir durante dois ou três dias.

(iii) As andanças infernais da Punhal Resistente

Chegado ao quartel, fui logo falar com o major Sampaio para saber mais detalhes da batida prevista paras a região do Buruntoni, a partir do Xime. Segundo o oficial de operações, haveria dois destacamentos, um com gente de Mansambo [, CART 2404,], outro com o 52 e a gente do Xime [, CART 2520].
-Esteja descansado, os guias são muito bons. Estarei amanhã sobre vós, procurarei acompanhar as vossas rotas, vocês vão cercar o Buruntoni por terra firme, escolhi a tropa mais experimentada que disponho.

No regresso, escrevi à Cristina:

“Saí do Xime de madrugada com mais três pelotões, fugimos sempre da estrada Xime-Ponta do Inglês, junto a Ponta Varela atravessámos a estrada em direcção Gundaguê Beafada, a ideia era ao princípio da manhã juntarmo-nos com as tropas do capitão Neves em Gundaguê Futa-Fula, e daí avançarmos para o Baio e depois o Buruntoni. Ao meio dia, o guia diz que já não sabe o caminho, os soldados da região avisam-me que estamos a avançar para a Ponta do Inglês, a avioneta não nos dá indicações. Do Buruntoni os rebeldes desataram a fazer fogo de morteiro, aperceberam-se da insistência da avioneta sobre aquela área que eles controlam completamente. Pelas 5h da tarde, o guia confessa-se perdido, justificando que o capim alto alterou todas as referências.

"Se na operação de Mansambo estava um frio de esfarelar os ossos, alí era uma humidade asfixiante. Sem saber como, acampámos a 200 metros das tropas do capitão Neves, pelo meio dia do dia seguinte chamámos outra vez a avioneta, não tínhamos apoio da carta, começavam a chegar as insolações, a tropa exausta por andar às voltas, fugindo dos itinerários que se suspeitavam minados.

"A meio da tarde a avioneta deu ordens de retirada, isto debaixo do fogo do Buruntoni. Ao anoitecer partimos do Xime para Bambadinca, sempre a picar a estrada até Almedalai. No dia seguinte, já em cima do Natal, coube-nos emboscada, escolta e reforço.

"A 24, de manhã, o pelotão dividido em três secções andou pela ponte de Udunduma, Nhabijões, Madina Bonco e Galomaro, a levar e a trazer pessoas e coisas, eu fiquei nas ferroadas burocráticas dos processos por ferimentos em combate. À tarde, começou a nossa semana na Ponto de Udunduma”.


Em conversas recentes com o Pires e o Queta, pedi-lhes que me ajudassem a recordar pormenores daquela malfadada Punhal Resistente. O Pires foi sintético:
-Partimos a meio da tarde para o Xime, picámos tudo até ao quartel, naquele tempo, nada estava alcatroado. Fez-me muita confusão o fogo de obus, ao anoitecer e até sairmos para a operação. Recordo-me que andámos sem parar, desviámo-nos para junto do Corubal, ouvíamos os barcos no Geba, andámos na bolanha aos tombos, ao amanhecer houve discussão entre vários soldados e o guia, caminhámos à esquerda e à direita, a água dos cantis desapareceu rapidamente. Ou os guias não gostaram dos itinerários de aproximação e tudo fizeram para se afastar deles ou desconheciam o terreno, o capim estava muito crescido. O que interessa é que foi mais uma operação inútil, a juntar a tantas outras. Ficava-se sempre com a ideia de que inimigo era verdadeiramente inacessível.

Com Queta, natural da região, as memórias ainda estão em ebulição:
-Adulai Djaló, o Campino, ameaçou matar o guia que era de Madina, frente a Taibatá, de nome Samba. Estou certo que era um homem leal e não lhe deram as indicações mais certas. No meio da discussão, durante a manhã do primeiro dia, quando já estávamos perdidos, ele disse-me que procurava o trilho de Gundaguê Futa-Fula em direcção ao Buruntoni, mas que sabia que os sentinelas iriam certamente ver-nos na extensa bolanha à volta do Baio e do Buruntoni. Era o acampamento melhor situado naquela região do Corubal, todas as aproximações são difíceis, foi aqui que se instalou o PAIGC e logo começou a luta armada, a barraca deles ficava no mato fechado entre bolanhas. Ainda agora lembro a morte de Mário Adulai Camará, um dos nossos bazuqueiros, em 1967, nunca percebi por que é que não lhe deram uma condecoração, combateu mais de meia hora lançando fogo da bolanha para dentro da mata, nós não podíamos andar mais, tal o fogo dos morteiros 82. Aquela operação foi uma grande canseira, nosso alfero, nós não gostávamos daquelas correrias dentro da mata, era pena nunca perguntarem às pessoas da região, como eu, quais os sítios possíveis para se chegar lá. Quando atacámos Belel, em Março do ano seguinte, nosso alfero escolheu a pessoa certa, Cibo Indjai, ele escolheu o trilho possível, entrámos na barraca de Belel quando eles estavam a descansar ao almoço. Foi pena os oficiais brancos não quererem falar connosco antes das operações. Nós éramos fiéis à bandeira portuguesa, nunca pensavam em nós como gente interessada em acabar rapidamente com a guerra.


(iv) A semana Tennessee Williams

Não resisto a contar a história de um livro Maigret em Nova York, de Georges Simenon. Levava sempre no camuflado um ou dois livros revestidos em plásticos, para aguentarem as águas da bolanha e as chuvadas. Levei para o Xime o n.º 111 da colecção Vampiro, uma leitura emocionante, Maigret já está reformado em Meung-sur-Loire é procurado pelo um jovem, Jean Maura, que lhe pede que vá a Nova Iorque ver que perigos corre o pai, ideia que é corroborada pelo notário da família.

Maigret viaja num paquete transatlântico, o jovem Jean Maura desaparece à chegada, o encontro com o pai, Little John, e o seu secretário é acidentado mas Maigret continua a investigar com auxílio de colegas norte-americanos e detectives recrutados. São deambulações mirabolantes, há recordações de artistas que se lembram de uma dupla de dois irmãos, em que um deles era Little John. Há momentos fulgurantes, mas nada tem a força com um telefonema que Maigret faz a Joseph Daumale, de Nova Iorque para Bourboule, é um interrogatório a cinco mil quilómetros de distância como nunca mais lerei nas obras de Simenon. Vou devorando aos bocados, todas as pausas disponíveis são boas para ler. Nas bolanhas de Ponta Varela entrei dentro de água até à barriga, quando saí o meu livro policial deformara-se. Gostei tanto dele, no entanto, que resolvi guardá-lo até hoje, uma homenagem às leituras emocionantes, em tempos tão difíceis.

Mas as leituras da semana centraram-se em Tennessee Williams. Primeiro, li um Eléctrico Chamado Desejo, premiado com o Pulitzer. Vira a peça no teatro de São Luís, no dia dos meus anos, em 1966, na companhia do Carlos Sampaio, Eduardo Canto e Castro e José Nogueira Ramos. Mariana Rey Monteiro desempenhara Blanche DuBois, que no cinema dera a Vivien Leigh um Óscar. É um drama que nos fala da desambientação, da repressão sexual, da doença mental, as múltiplas mentiras a que por vezes nos entregamos na construção dos nossos sonhos. Blanche, que tem poses de aristocrata, vai viver para casa de Stella, a sua irmã, casada com o musculado e abrutado Stanley Kowalski. Numa atmosfera de permanente tensão, Blanche procura transmitir aos outros a ideia de um mundo refinado de onde provém, que se vem a descobrir ser fruto de uma imaginação delirante. Blanche é um caso único de mulher a caminho da meia idade que arquitecta situações amorosas, acantonada numa juventude inexistente. De ficção em ficção, Blanche irá ser internada, e a casa dos Kowalski voltará à normalidade.

A noite de Iguana que vi no filme de John Huston, com Ava Gardner, Richard Burton, Deborah Kerr e Sue Lyon nos principais protagonistas, é um outro drama de sexo reprimido, solteironas em fúria, um padre em sofrimento perseguido por uma adolescente, uma viúva sempre em festa, um avô poeta que vai recitar o seu mais belo poema e morre ao pé da sua neta tão amada. A iguana, um animal perseguido e acorrentado que o reverendo Shannon liberta naquela noite de todas as libertações, é o símbolo da verdade que se solta, da vida que é possível ser vivida. Gosto cada vez mais de Tennessee Williams e dos seus personagens em afrontamento, em que nada fica como dantes.

Aproxima-se o Natal, vivo o dissabor de não poder fazer uma festa, não tem sentido particularizar o evento no ambiente de um grande quartel. Entrego-me à pira das recordações, procuro compor uma exaltação ao Deus menino. E a 24 de Dezembro, já na noite escura, um pouco antes da nossa consoada na messe de Bambadinca os enfeites verbais conjugaram-se, todo o marulhar de saudações e saudades afluiu numa prosa poética. Afinal, o meu coração estava lá e cá, continuava a combater e, julgava eu, estava pronto a recomeçar uma vida onde se apagava a guerra da Guiné.
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Notas dos editores:

(1) Vd. o último poste desta série:

25 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2480: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (17): Cartas de Bambadinca, Dezembro de 1969

(2) Vd. poste de 15 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1282: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (1): duas baixas de vulto, Beja Santos e Medeiros Ferreira

(3) Vd. poste de 18 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1534: Estórias cabralianas (19): O Zé Maria, o Filho, Madina/Belel e um tal Alferes Fanfarrão (Jorge Cabral)

(4) Vd. poste de 27 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2135: Estórias cabralianas (26): Guerra escatológica: o turra Boris Vian (Jorge Cabral)

Guiné 63/74 - P2497: O dossiê António da Silva Batista: um caso de indignidade humana (Torcato Mendonça)

1. Mensagem do Torcato Mendonça, comentando o último poste do Paulo Santiago (1):

Paulo:

li e nem dá para acreditar. Defines, numa palavra, numa simples palavra, o que se está a passar – uma merda!

Qual Simplex ou Duplex, talvez Durex que, se não me engano, era marca de preservativo…

Então não há quem ponha cobro a esta indignidade? Creio que o V. Briote ou o Luis Graça levantaram, quanto a mim bem, a hipótese de o Camarada enterrado, como sendo o Batista, ser o Militar dado como desaparecido no relatório da Companhia. Mas isso compete ao Exército averiguar e esclarecer. É uma indignidade. Quando devolvem a paz àquele homem? Não vou reler o muito que se escreveu, mas:

(i) era bom que antes do dia 9 se obtivessem mais informações;

(ii) caso fosse necessário alguém devia acompanhar o Batista;

(iii) fazer um dossiê com tudo o que se escreveu, e interesse tenha, para apresentar se necessário a quem venha a ser chamado a tratar do assunto. Refiro-me a Militar ou a advogado. Tem que haver um processo e o Estado, o nosso Estado, é responsável;

(iv) além de ser assunto a ser tratado dentro da esfera militar, tem, caso se protele no tempo ou seja tratado de modo considerado menos correcto, uma decisão politica e nisso é responsável o Secretário de Estado e o Ministro da Defesa.

BASTA! Aquele homem merece um reparo. Tem direito, ele e muitos que se arrastam…não vale a pena continuar. Sentes ainda mais forte que eu este problema.

Um abraço a todos, neste caso, especialmente aos que têm tentado ajudar o Batista e a todos os que como ele tão injustiçados ainda estão…

Tenho uma fixação pelo Quirafo e só lá passei uma vez, duas…? Naquelas colunas malucas, antes da estrada Bambadinca/ Xitole ou Mansambo/Xitole ser reaberta.

Para ti, Camarada, um forte abraço do,

Torcato Mendonça

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Nota dos editores:

(1) Vd. poste de 1 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2494: Sr. Ministro da Defesa, parece que não há Simplex que valha ao António da Silva Batista! (Paulo Santiago)