domingo, 24 de agosto de 2008

Guiné 63/74 - P3146: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (12): Ataque a Mansabá

1. No dia 22 de Agosto de 2008, recebemos uma mensagem do nosso camarada Raul Albino, ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, (, Mansabá e Olossato, 1968/70), com mais uma história da sua CCAÇ 2402 (*).

Caro Vinhal,
Julgo que ainda estás de serviço enquando os outros editores gozam merecidas férias.
Aqui vai mais um artigo em tempo de férias, este relacionado com a nossa Mansabá.

Um abraço,
Raul Albino


Ataque a Mansabá

Por Raúl Albino

Em 3 de Abril de 1969, um grupo inimigo estimado em cerca de 100 elementos, atacaram Mansabá de diversas direcções com Canhão sem recuo, Morteiro 82, Lança Granadas Foguete, Metralhadoras Pesadas, Metralhadoras Ligeiras e outras armas automáticas.

O ataque começou cerca das 23,15 horas e durou 45 minutos. As nossas tropas (ao nível do Batalhão) sofreram 1 morto, 10 feridos graves e 23 feridos ligeiros. Segundo o relatório da nossa Companhia, pertencer-nos-ia 3 feridos graves evacuados para o Hospital Militar 241, tendo posteriormente um dos feridos sido evacuado definitivamente para o HMP de Lisboa, além de 16 feridos ligeiros. A população sofreu 7 mortos, 12 feridos graves e 19 feridos ligeiros.

Foto 1 > Mansabá > Alguns dos feridos esperando evacuação para Bissau

Foram atingidos pelo impacto de granadas, 3 casernas, o edifício do Comando, o Posto de Rádio, a padaria, a cozinha, os balneários das Praças, a Messe de Sargentos, a residência dos Oficiais, o edifício da Administração, o depósito de água, um posto abrigo e a pista de aviões, tendo sido ainda atingidas 4 viaturas.

Foto 2 > Mansabá > Pode ver-se as marcas do impacto das munições na parede

Foto 3 > Mansabá > Um dos edifícios atingidos

Pelo fogo e manobra das tropas, o inimigo furtou-se ao contacto. Pela batida e informações posteriores constou-se que o inimigo empregou no ataque cerca de 6 Canhões sem recúo, 6 Morteiros 82 e vários Lança granadas foguete, Metralhadoras Pesadas e Ligeiras.

O BCAÇ 2851 era a Unidade responsável pelo Sub-Sector. A CCAÇ 2402 colaborou na defesa e reacção ao ataque com algumas limitações. É que o 3.º grupo de combate – que eu comandava – e o 2.º grupo de combate, tinham chegado a Mansabá dois dias atrás. Pelo meu lado e falando por mim, o sentimento que tive neste dia foi de frustração, pois não conhecia o sistema de defesa do quartel, não sabia para onde me dirigir quando o ataque estalou, restando-me procurar abrigo atrás de um pequeno muro que se estendia frente aos dormitórios.

A sensação principal que perdura na minha memória foi a da perfeita inutilidade da minha presença. Nunca tinha sentido isto antes nem voltei a sentir depois, porque em todos os inúmeros contactos que tivemos ao longo da comissão, sempre estiveram bem definidos os nossos objectivos e missões a cumprir, não dando lugar a situações de indefinição. Esta foi a excepção e, por essa razão, a minha narrativa deste evento é tão limitada. Resta-me referenciar as narrativas daqueles que assistiram a alguns acontecimentos, por se encontrarem nos próprios locais.

Foto 4 > Mansabá > Final da pista de aviação


Foto 5 > Mansabá > Um DO na zona de estacionamento das aeronaves


Fotos © Raul Albino (2008). Direitos reservados.
Legendas da responsabilidade do editor.


O número de feridos deste combate foi elevado, movimentando um grande número de helicópteros e aviões na pista de aterragem, para procederem à evacuação para Bissau dos elementos em estado mais grave, tanto das nossas tropas como da população. As fotografias acima dão uma imagem dessa situação de emergência.

O que acima foi descrito não passa de um relato sintético pelas razões que expus. Neste momento já possuo a narrativa do nosso comandante de então, o Cap Vargas Cardoso, que por coincidência desempenhava nesse dia a função de Oficial de Dia ao aquartelamento. Segundo as suas palavras ele sempre se mostrou muito crítico quanto à forma como o comando conduzia a sua actividade na sua área de jurisdição. Assemelhava-se a uma guerra programada que abria ao nascer do sol e encerrava a meio da tarde, coincidindo com o horário dos trabalhos de construção da estrada Mansabá/Farim, principal objectivo do BCAÇ 2851 naquela zona. O patrulhamento dos arredores do quartel estaria reduzido ao mínimo, só assim sendo possível que o inimigo tivesse conseguido instalar tamanho poder de fogo nas redondezas. Não estando autorizado para transcrever os seus textos, resta-me informar que ele participou activamente na defesa e resposta ao fogo do inimigo, contribuindo para a sua retirada.

No dia seguinte o General Spínola com alguns oficiais do Q.G. apresentaram-se em Mansabá para indagar dos factos ocorridos na véspera. Terá ouvido as exposições do Oficial de Dia e do Comandante de Batalhão, decidindo retirar-lhe o comando e enviá-lo para o Q.G. em Bissau. Que belo castigo, pensei eu na altura.

Recordo-me que nesse dia algo me pareceu estranho e não me agradou e que consistiu no seguinte: as instalações onde os oficiais dormiam e possivelmente também os sargentos, eram constituídas por uma fileira de pequenas moradias geminadas tipo bairro económico, tendo na sua frente um muro a todo o comprimento com cerca de 80 centímetros de altura (se a memória não me falha) onde me abriguei no momento do ataque. Na ponta dessa correnteza de casas ficava a que estava distribuída ao Comandante do Batalhão e possivelmente a mais algum Oficial Superior. Reparei nisso porque era ostensiva a muralha protectora dessas instalações, composta de bidões cheios de terra e chapas abertas de reforço, entre outros materiais, demonstrando ao inimigo que alguém importante ali se recolhia em pleno contraste com todas as outras moradias a ela ligadas. Já tendo conhecimento da opinião do Gen Spínola, pelas suas visitas a Có, sobre tudo o que se parecesse com bunkers, neste caso discriminatórios, previ que ele não iria gostar do que estava à vista, como eu também não gostei. Segundo me constou ele era um entusiasta das valas a céu aberto, coisa que a mim não me entusiasmava minimamente, apesar de compreender perfeitamente o seu ponto de vista.

No meu caso pessoal é interessante compreender qual foi o meu estado de espírito neste período de permanência em Mansabá. Vinha de Có, localidade sob a responsabilidade da CCAÇ 2402, onde toda a logística nos pertencia. O meu grupo chegou duas semanas depois da Companhia a Mansabá, precisamente dois dias antes do ataque. Lembro-me de estar fardado com a farda de saída e de ter regressado da messe após o jantar, único local que eu tinha referenciado até ao momento, pudera, com a fome não se brinca e ali é que estava a manduca fosse ela boa ou má.

Sentia-me perdido no quartel com tanta actividade produzida pelas várias unidades lá estacionadas, das mais variadas armas. Sentia-me pequenino, deslocado e super-protegido por tanta tropa e armamento, onde se incluíam blindados ligeiros e especialistas para tudo. Antes os especialistas éramos nós, mesmo que de muitas especialidades não percebêssemos patavina. Esta ilusão foi desfeita com este ataque, demonstrando que este potencial estava mal gerido, ou que, apesar de tudo, era insuficiente para cumprir os objectivos do Sector e garantir alguma segurança no quartel.

Uma semana depois do ataque, a C.CAÇ 2402 a três Grupos de Combate, foi destacada para o Olossato, deixando o meu grupo de Combate em Mansabá ainda por cerca de um mês, para reforço à protecção aos trabalhos da estrada (capinagem, rompimento, alfaltagem, etc.). Por curiosidade, nunca cheguei verdadeiramente a conhecer o aquartelamento, porque a minha missão coincidia com o horário da guerra, ou seja, arrancar ao nascer do sol, levar alguma porrada do inimigo (flagelações à distância) no local da obra, e regressar ao fim da tarde arrasado e esfomeado. Era comer qualquer coisa e deitar, para voltar a arrancar no outro dia ao nascer do sol. Acabei por fixar bem por onde saía e por onde entrava, que por sinal era o mesmo sítio. No próximo texto contarei melhor em que é que consistia a nossa actividade.

3. Para reavivar a pouca memória que o camarada Raúl Albino tem de Mansabá, tão pouco foi o tempo que lá permaneceu, junto duas fotos, legendadas de memória, que não estarão erradas, salvaguardando os quase 40 anos que nos separam daquele tempo.

Foto 1 > Vista aérea de parte do aquartelamento de Mansabá. Esta foto não contempla a zona dos quartos dos Oficiais, da Enfermaria, Bar e dormitórios dos Praças e as diversas arrecadações.

Foto 2 > Nesta foto vêem-se os quartos dos Oficiais, com o tal murinho que o Raúl refere, falta a fortificação dos últimos quartos que seriam dos Oficiais Superiores.
Fotos e legendas: © Carlos Vinhal (2008). Direitos reservados.

___________________

Notas de CV

(*) - Vd. útltimo poste da série de 16 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3135: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (11): Partida de Có para Mansabá

(1) - Vd. poste sobre outro grande ataque a Mansabá de 11 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2526: Estórias avulsas (14): Ataque ao Quartel de Mansabá (Inácio Silva)

sábado, 23 de agosto de 2008

Guiné 63/74 - P3145: Poemário do José Manuel (22): (...) Como os dias passam devagar / Contados a riscar um calendário...


Guiné > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > Na primeira foto de cima, "eu com alguns dos nossos alunos da escola de Mampatá. O Professor Furriel Simões foi o fotógrafo".... Nas fotos a seguir, "momentos de festa e alegria com a população de Mampatá, um batuque onde se misturavam militares e nativos".

Fotos, legendas e poema © José Manuel (2008). Direitos reservados.

1. Mais um dos poemas escritos pelo José Manuel Lopes (*), em Mampatá (**), e mais três fotos (enviadas por mails de 24 e 21 de Abril de 2008, respectivamente):


Há momentos aquidifíceis de suportar
numa guerra por razões
que já perdi
por motivos
que não encontro
e assim
como os dias passam devagar
contados a riscar um calendário.

Mampatá 1974
josema
____________

Notas de L.G.:

(*) Sobre o nosso camarada José Manuel Lopes, vd. poste de 27 de Fevereiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2585: Blogpoesia (8): Viagem sem regresso (José Manuel, Fur Mil Op Esp, CART 6250, Mampatá, 1972/74)

O José Manuel Lopes, natural da Régua, é um conceituado vitivinicultor, explorando a Quinta da Senhora da Graça, com sede em Senhora da Graça, 5030-429 Lobrigos (S. J. Baptista), concelho de Santa Marta de Penaguião, distrito de Vila Real, Telef. 254 811 609. Faz também turismo de habitação.

O JoséManuel, ex- Fur Mil Inf Armas Pesadas, da CART 6250 (Mampatá, 1972/74), esclareceu-me há tempo que não chegou a completar o Curso de Operações Especiais... Foi tardiamente para a Guiné, em rendição individual.

(**) Vd. último poste desta série > 22 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3084: Poemário do José Manuel (21): O recordar dos sentidos: como é bom ver, sentir, ouvir, cheirar, saborear, falar...

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Guiné 63/74 - P3144: Dando a mão à palmatória (15): Alf Mil Rainha era comandante do Gr Cmds Centuriões (Rui A. Ferreira)

Autor: Rui Alexandrino Ferreira
Título: Rumo a Fulacunda. 2ª ed.(*)
Editora: Palimage Editores.
Local: Viseu.
Ano: 2003.[1ª ed., 2000].
Colecção: Imagens de Hoje.
Nº pp.: 415.
Preço: c. 20€.



1. Mensagem de Luís Manuel Nobreza D'Almeida Rainha, com data de 18 de Agosto de 2008, para Nuno Pestana, Palimage e Palimage Distribuição.

Assunto: Compra do Livro da Colecção Imagens de Hoje RUMO A FULACUNDA de Coronel Rui Alexandrino Ferreira

Ex.mos Senhores

Eu, Luis Manuel Nobreza D'Almeida Rainha (...), venho por este meio junto de vós para o seguinte:

Soube por intermédio de antigos Camaradas meus, ou melhor, por antigos AMIGOS de GUERRA e Camaradas, que existia um Livro que continha referências muito pouco abonatórias à cerca da minha pessoa, e cujo autor é (ou era) um Coronel Miliciano ( entrado para o Quadro), Rui Alexandrino Ferreira, denominado RUMO A FULACUNDA. Muito tenho procurado saber onde pára esse senhor para que venha publicamente desfazer tal blasfémia.

Fui Oficial Milicíano dos Comandos da Guiné Portuguesa entre 1963 e 1966. Já há algum tempo que ando a procura do Livro RUMO A FULACUNDA, como já acima referi, e por tal motivo venho junto de Vós para que me informem como o puderei obter.

Fui Condecorado com a CRUZ de GUERRA de 2ª Classe, por actos praticados em Combate, não fui para o Quadro porque não quis e o que não admito é que venha alguém afirmar e, o mais importante, publicar coisas que não são exactas.

Por tudo isto desejo uma reparação pública do sucedido.

Espero que façam o favor de me indicar a maneira como posso obter tal livro, o mais urgente possível.

Sem outro assunto me subscrevo com a maior consideração

Crachá dos Centuriões > Grupo de Comandos que combateu na Guiné sob o Comando do ex-Alf Mil Rainha (**), visado por engano pelo Rui A. Ferreira no seu livro Rumo a Fulacunda


2. Mensagem, com origem na editora Palimage, para Rui Alexandrino Ferreira, com data de 19 de Agosto de 2008.

Assunto: Fw: Compra do Livro da Colecção Imagens de Hoje "RUMO A FULACUNDA" de Coronel Rui Alexandrino Ferreira

Caríssimo Senhor Ten. Coronel Rui Ferreira

Recebi esta mensagem abaixo que lhe reenvio. Somente o Senhor Ten Coronel poderá dizer-me como proceder: creio que poderei indicar a este senhor que nos escreve como obter o livro: basta ir a uma qualquer livraria e solicitá-lo, já que as livrarias, se não dispuserem do livro, têm meios de o solicitar à distribuidora ou à editora.
Mas gostaria de saber a sua opinião sobre esta questão.

Envio-lhe agora a mensagem e ainda hoje, provavelmente, ligar-lhe-ei para conversarmos a este propósito.

Com um grande abraço,
Jorge Fragoso
Palimage
Apartado 10032
3031-601 Coimbra
http://www.palimage.pt/


3. Mensagem de Rui Ferreira, com data de 21 de Agosto de 2008, enviada ao nosso Editor Luís Graça

Assunto: Rumo a Fulacunda

Meu caro Luis

Todos os esclarecimentos para a verdade são importantes. Os que implicam com o bom nome a que todos temos direito, ainda o são mais.

E tudo isto, porquê?

Sucedeu-me, e se assumo quanto a isso a responsabilidade do que escrevi, mantendo como verdadeiro e absolutamente coincidente com a realidade, sobre a ctuação do grupo de comandos da Companhia de Comandos da Guiné, que em Dezembro de 1965, em reforço da CCaç 1420, deu de si fraca mostra do seu valor, mas lamentavelmente confundindo o grupo de Centuriões com o dos Vampiros, atribuí o seu comando ao então Alferes Rainha e não ao outro cujo nome não refiro, porque já não pertence a este mundo. (Quem pertenceu àquela Unidade sabe bem de quem se trata ou tratava).

Pela manifesta falta de rigor nessa troca de nomes de que efectivamente aquele se sente lesado, publicamente lhe peço as mais sentidas desculpas bem como lhe garanto que no próximo livro, que tenho em laboração referente à segunda comissão que cumpri na Guiné, as primeiras palavras serão para repor a verdade.

Agradeço-te publiques esta mensagem o mais rápido que te for possível.

Um grande abraço
Rui Ferreira

4. Porque a verdade deve ser reposta, sem fazer qualquer juízo de valor e sem mais comentários, aqui deixamos o pedido de esclarecimento do nosso camarada e querido tertuliano, Ten Coronel Rui Alexandrino Ferreira.

CV
_______________

Notas de CV

(*) - Vd. postes de

17 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1285: Bibliografia de uma guerra (14): Rumo a Fulacunda, um best seller, de Rui Alexandrino Ferreira (Luís Graça)

1 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1718: Lendo de um fôlego o livro do Rui Ferreira, Rumo a Fulacunda (Virgínio Briote)

(**) - O Alf Mil Luís Rainha depois do C.O.M. em Mafra, fez um estágio de Educação Física Militar e frequentou com aproveitamento o Curso de Op Especiais.
Colocado no Regimento de Cavalaria 7, em Lisboa, foi incorporado no B CAV 705/CCAV 704 e mobilizado para a Guiné.
Os primeiros mese passou-os na CCAV 704 e os restantes nos Comandos do CTIG.
Foi formado pelos então Major Monteiro Dinis, Cap Nuno Rubim, Alfs Mil Justino Godinho, Pombo dos Santos e Maurício Saraiva, Sargento Mário Dias e Furriel Miranda (participantes na Op. Tridente, com excepção dos dois primeiros) e foi contemporâneo dos Alfs António Vilaça, Neves da Silva, Vítor Caldeira, V. Briote e Cap Garcia Leandro.
Foram-lhe atribuídos dois louvores, um do Comandante da Companhia de Cavalaria 704 e outro do Comandante Militar da Guiné e mais tarde foi condecorado com a Cruz de Guerra de 2.ª Classe.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Guiné 63/74 - P3143: Blogoterapia (62): A minha vida morreu; morreram os meus amigos (Santos Oliveira)


1. O nosso camarada Santos Oliveira, ex-2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf.ª, Como, Cufar e Tite, 1964/66 (*), mandou-nos esta mensagem em 1 de Agosto de 2008.

Vinhal

Quero dizer-te que tentei alisar, com o ferro de engomar, o documento que pretendia digitalizar, mas ele transformou-se em fragmentos de pó.

Entretanto, lembrava-me das fotos daqueles dias negros em que, exposto ao fogo, de costas para a Mata do Cachil, chorava, sentado sobre a paliçada.

Foram alguns dias assim…

Junto as fotos referidas.

Abraço, do
Santos Oliveira

2. Hesitei entre duas séries, Blogoterapia ou Blogpoesia, para publicar este trabalho.

Optei pela Blogoterapia, porque aqui se reproduz um grito de dor pela perda de dois amigos de infância. Nesta fase da vida, a amizade verdadeira se funde e mantém-se para sempre. A distância e o tempo não as apaga. Como podemos ver, nem a morte.

Quando se está longe, carente de todos os afectos, a perda de dois amigos é ainda mais sentida, mais violenta.
CV















Cachil > De costas para a mata



3. Encontrei um fragmento, quase ilegível (também pode ser por causa das lágrimas), decerto devido ao papel onde foi escrito (papel de seda) donde se consegui coligir o seguinte:

A minha vida morreu; morreram os meus amigos.

Quando empalideci, quando chorei após a notícia tão atroz, acabada de chegar, de que os meus dois únicos amigos de infância e juventude morreram num curto espaço de tempo, julguei não aguentar mais.

Ao Manuel Couto Ferreira dos Santos e ao José Nuno Guimarães dos Santos, a minha Homenagem possível, de profunda e imensa saudade.

O primeiro foi levado por um acidente e ao segundo levou-o o cancro.

Foram companheiros até a morte nos separar.
Nada mais resta, irmãos.

Jamais encontrarei amigos assim e mesmo que os encontre, jamais serão iguais a Vós.

Cachil – Ilha do Como (Guiné)
1964/65

Num escasso tempo, somente,
Amigos de toda a Vida
Partiram, sem despedida…
E a minha Alma dormente
Sentiu-se só e perdida.

A Guerra nos separou
No tempo ou no viver
E para, assim, nos perder
...E o Guerreiro chorou
Até ao amanhecer.

Quisera ter um abraço,
Sussurro ou peito amigo,
Mas só silêncio restava.

O Grupo, deu-me o espaço
De Filhos. Mas não consigo
Esquecer a quem amava

Santos Oliveira
Fur Mil AP Inf.ª/Ranger
_____________

(*) - Vd. poste de 15 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2352: Ilha do Como: os bravos de um Pelotão de Morteiros, o 912, que nunca existiu... (Santos Oliveira)

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Guiné 63/74 - P3142: História de Vida (15): Para que se faça história (Jorge Fontinha)

1. Em 19 de Agosto, chegou até nos esta História de Vida do nosso camarada Jorge Fontinha, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791, (Bula e Teixeira Pinto, 1970/72) (*).

Este é um relato do início da guerra colonial em Angola, em que as primeiras vítimas foram civis indefesos, que apenas tinham cometido o crime de ir para aquelas paragens em busca de um futuro melhor.

Seriam estas pessoas os verdadeiros ocupantes e opressores? Ou seriam também elas vítimas de um regime que não olhava a meios para conseguir os seus fins?

Podemos perdoar a quem com armas na mão combateu o inimigo armado. Não podemos nunca esquecer e perdoar o inimigo que a sangue frio assasssinou pessoas indefesas.
CV


2. PARA QUE SE FAÇA HISTÓRIA

Por Jorge Fontinha

Iniciei a minha participação no Blog como deveria. Fui militar na Guiné e não faria sentido iniciar a série Estórias de Jorge Fontinha (**), que não fosse começando por contar o meu baptismo de fogo, como tal.

Permitam-me agora e por uma só vez, voltar alguns anos atrás e contar a verdadeira história que me levaria a constituir-me voluntário para o curso de Operações Especiais que frequentei em Lamego, no 1.º Turno de 1970, com o saudoso Capitão Valente, então Comandante daquela Unidade em Penude.

Os factos que vou relatar vão por ventura fazer pensar muito boa gente, todavia eu não poderia deixá-los no esquecimento da História e sobretudo por respeito à memória do meu único irmão o FERNANDO ALEXANDRE VENTURA FONTINHA…

Assassinado em Nambuangongo em 15 de Março de 1961. Tinha dezoito anos de idade e era paralítico dos membros inferiores

A minha história sobre a Guerra do Ultramar é iniciada precisamente no início do ano de 1961.

Tinha eu 12 anos. Havia nascido no Ambriz (Angola) em 28 de Outubro de 1948. O meu pai era Guarda-Fiscal naquela vila piscatória e, no início dos anos 50, adquiriu uma fazenda que viria a explorar até ao dia 15 de Março de 1961, durante cerca de 10 anos.

Era situada no centro do triângulo formado por Zala, Quipedro e Nambuangongo, fazendo parte do Posto Administrativo desta última.

Nos primeiros meses de 1961, encontrava-me em Luanda frequentando o Colégio dos Padres da Missão de S. Paulo, bairro onde sempre residi, quando não estava na fazenda com o meu pai e o meu irmão, 6 anos mais velho que eu. A minha mãe havia morrido em 1953, vítima de biliosa, tendo sido sepultada no cemitério de Nambuangongo.

Família em Nambuangongo por volta de 1952. Os meus pais nos extremos, eu sentado no capô da viatura. O meu irmão de pé vestido de branco.

Fotos e legendas: © Jorge Fonti (2008). Direitos reservados.

Naqueles dias do início do ano de 1961, lembro-me de ouvir na rádio e opinião pública, o ataque ao Santa Maria (1) e mais próximo, o ataque às cadeias de Luanda. Lembro-me da perseguição a fugitivos da mesma e de andar, juntamente com outros miúdos, nas Barrocas do Miramar, que nós conhecíamos muito bem, a pesquisar os esgotos que ali desaguavam!... No início, para nós miúdos do Bairro, era apenas uma aventura inocente e do conhecimento de longas brincadeiras nas redondezas do Cinema Miramar, na busca constante de furar o sistema para irmos vendo os filmes por entre as árvores e arbustos.

Até que se dá o 15 de Março. Sem saber nada do que tinha acontecido na fazenda. Só lá para o dia 20 é que tive notícias. As piores.

Chegam os primeiros sobreviventes e entre eles o meu pai, meio despido e descalço, na altura com 51 anos de idade, desfigurado e desfeito no seu íntimo. Pegou em mim e esteve uma eternidade, agarrado a chorar...


Os acontecimentos

Eram cerca das 4 horas da tarde do dia 15 de Março de 1961. A essa hora o meu pai encontrava-se a descansar no quarto, quando se apercebeu que algo se está a passar lá fora. Levanta-se, vem em direcção à porta e verifica que praticamente todos os empregados europeus, nos quais se encontrava uma senhora que desempenhava as funções de governanta e seu filho de 8 a 9 anos, juntamente com o marido, motorista do camião, se encontram barricados atrás da porta que está a ser violentamente empurrada e cortada à catanada. Logo o meu pai constata a ausência do filho Fernando...

De repente, a porta desaba e por milagre ou não, um dos empregados barricados surge de catana em punho e decepa um dos assaltantes, que apenas temiam morrer dessa forma e não a tiro, que não era considerada morte... De imediato, o grupo assaltante recua assustado, dando tempo a que todos fujam em direcção à camioneta, que previamente tinha sido preparada para transportar uma carrada de madeira para a Serração que servia de apoio àquela fazenda. É quando o meu pai dá com o meu irmão a agonizar na cabine da camioneta, com uma catanada na testa e outra no peito!...

Algum tempo antes destes acontecimentos, enquanto se tratava dos preparativos do transporte de madeira, o meu irmão que era paralítico dos membros inferiores, juntamente com o motorista e outros empregados, estavam em volta do camião. A senhora governanta que era esposa do motorista, também assistia, quando se apercebe duma certa movimentação junto ao capim. Julgando tratar-se de algumas galinhas que para ai tenham ido, começa a deslocar-se para a zona. De imediato um grupo compacto de guerrilheiros da UPA, de catana em punho, se desloca em direcção ao grupo, pondo naturalmente este em fuga para o interior da casa, aí se barricando atrás da porta de madeira.

Havia todavia quem não podia locomover-se com tamanha rapidez... restou ao meu irmão tentar proteger-se no interior da cabina da camioneta. Foi a sua última morada enquanto vivo...

Naquele momento, o mais urgente seria fugir de camioneta, mesmo carregada de madeira, que apesar de tudo, andava mais rápido que os guerrilheiros!

Seguiram para Nambuangongo que distava cerca de 20Km da Fazenda, com a intenção de pedir ajuda. Nada feito, esta já estava ocupada. Restava a saída para o Onzo, tendo sido inviável lá chegar. A meio do percurso, árvores abatidas na estrada barraram o caminho. A única saída seria largar a camioneta e fugir para a mata. Foi o que fizeram. Por lá andaram 3 dias e 3 noites, até que se aperceberam da ajuda militar que se aproximava e aí saíram da mata e foram recolhidos. De imediato se dirigiram à camioneta para recolha do corpo do meu irmão. Esta estava incendiada e o corpo tinha desaparecido. Terão sido recolhidos restos mortais meses mais tarde, pelo Batalhão do Coronel Maçanita.

Refúgio em Portugal

Após estes factos, o meu pai e eu fomos para um centro de refugiados, situado na redacção dum Jornal, cujo nome me não recorda, próximo da Casa Mortuária de Luanda e refiro isto, porque em vez dos actuais apoios psicológicos, eu com 12 anos, fui convidado a ir reconhecer corpos esquartejados conforme estes iam chegando do mato...

Finalmente, nos primeiros dias de Maio chego a Lisboa, numa ponte aérea para senhoras e crianças que fizeram um percurso de 3 dias com escalas, em avião da Força Aérea.

Um abraço para a Tertúlia

Camarada
jorge Fontina

OBS:-Subtítulos da responsabilidade do editor

********************  

(1) - O ASSALTO AO "SANTA MARIA"

... Em Janeiro de 1961 deu-se o assalto ao paquete "Santa Maria", incidente que na época notabilizou a contestação ao Governo de Oliveira Salazar, e introduziu a prática, depois muito difundida internacionalmente, de sequestrar navios e aviões com fins políticos.
O "Santa Maria" havia largado de Lisboa a 9 de Janeiro de 1961 em mais uma das suas viagens regulares à América Central, fazendo escala no porto venezuelano de La Guaira no dia 20. Entre os passageiros embarcados neste porto, contava-se um grupo de 20 membros da DRIL - Direcção Revolucionária Ibérica de Libertação, organismo constituido por opositores aos regimes de Franco e Salazar, cujo comandante era o capitão Henrique Galvão, que embarcou clandestinamente no "Santa Maria" um dia depois, em Curaçau, com mais três elementos da DRIL. Galvão estava exilado na Venezuela desde Novembro de 1959, e em Julho de 1961 havia concluído os planos de assalto ao "Santa Maria". Fora escolhido este paquete por ser muito superior aos diversos navios de passageiros espanhóis que na altura faziam a carreira da América Central. O capitão Galvão pretendia deslocar-se no "Santa Maria" até à colónia espanhola de Fernando Pó, no golfo da Guiné, cuja tomada permitiria em seguida efectuar um ataque a Luanda e iniciar, a partir de Angola, o derrube dos Governos de Lisboa e de Madrid.
Horas depois da largada de Curaçau, o "Santa Maria" navegava rumo a Port Everglades, na Florida, com 612 passageiros e 350 tripulantes, sob o comando do capitão da Marinha Mercante Mário Simões da Maia, quando, precisamente à 1 hora e 45 minutos da madrugada de 22 de Janeiro de1961, os 24 homens de Henrique Galvão tomaram conta da ponte de comando e da cabine de TSF, dominando os oficiais do navio. O terceiro piloto João José Nascimento Costa ofereceu resistência aos assaltantes e foi morto a tiro. Pouco depois, o "Santa Maria" alterou o rumo para leste, procurando alcançar rapidamente o Atlântico. A 23 de Janeiro, o navio aproximou-se da ilha de Santa Lúcia e desembarcou, numa das lanchas a motor, 2 feridos graves com 5 tripulantes, comprometendo a possibilidade de atingir a costa de Africa sem ser detectado. No dia 25, o paquete cruzou-se com um cargueiro dinamarquês, traindo a sua posição, o que permitiu a um avião norte-americano localizar o "Santa Maria" horas depois. Finalmente a 2 de Fevereiro o "Santa Maria" fundeou no porto brasileiro do Recife, procedendo ao desembarque dos passageiros e tripulantes. Chegou a ser considerado o afundamento do paquete, mas no dia seguinte os rebeldes entregaram-se às autoridades brasileiras, obtendo asilo político, ao mesmo tempo que o "Santa Maria" voltava à posse da Companhia Colonial de Navegação.


Navio Santa Maria > Foto retirada do site Navios no Sapo, com a devida vénia

Os passageiros do paquete assaltado foram transferidos para o "Vera Cruz", que saiu do Recife a 5 de Fevereiro, chegando a Lisboa a 14 do mesmo mês, após escalar Tenerife, Funchal e Vigo. Por sua vez o "Santa Maria" largou do Recife a 7 de Fevereiro, entrando no Tejo, embandeirado em arco, a 16 e atracando a Alcântara...

... Independentemente dos aspectos políticos que na altura rodearam o caso "Santa Maria", este incidente acabou por fazer do navio o mais famoso dos paquetes portugueses. Embora o "Infante Dom Henrique" e o "Príncipe Perfeito" fossem mais recentes, o "Santa Maria" era um navio de prestígio por excelência, situação a que não era estranho o facto de ser o único navio de passageiros português a manter uma ligação regular entre Portugal e os Estados Unidos da América.

Coincidindo com o desvio do "Santa Maria", deflagraram a 4 de Fevereiro, em Luanda, incidentes graves, seguidos, em Março, do começo da guerra no Norte de Angola. O Governo de Lisboa decidiu enfrentar a situação, enviando a partir de Abril ràpidamente e em força importantes reforços militares. Esta decisão implicou, de imediato, a requisição de diversos paquetes e navios de carga afretados pelo Ministério do Exército para efectuarem o transporte de tropas e material de guerra. A utilização esporádica para este fim de navios de passageiros portugueses vinha já do século XIX, passando a partir de 1961 a constituir uma das principais ocupações permanentes dos paquetes portugueses...

in Paquetes Portugueses de Luis Miguel Correia, com a devida vénia

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Notas de CV:

(*) - Vd. poste de 11 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3129: Tabanca Grande (82): Jorge Fontinha, Fur Mil Inf da CCAÇ 2791 (Bula e Teixeira Pinto, 1970/72)

(**) - Vd. poste de 18 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3139: Estórias do Jorge Fontinha (1): O meu batismo de fogo e da CCAÇ 2791 (Jorge Fontinha)

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Guiné 63/74 - P3141: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (2): O ataque de 22 de Junho de 1968 a Contabane


1. No dia 5 de Julho de 2008, o nosso camarada Manuel Traquina, ex-Fur Mil da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70, enviou-nos, para publicação, este relato do ataque à povoação de Contabane, ocorrido em 22 de Junho de 1968.



Companhia de Caçadores 2382 (1968/70) (*)




O Ataque a Contabane

Era o dia 22 de Junho daquele ano de 1968, a Companhia estava na Guiné havia pouco mais de um mês e, ao ser deslocada para a região de Aldeia Formosa, (Quebo) dois pelotões fixaram-se em Mampatá, os restantes bem como o Comando foram deslocados para a aldeia de Contabane. Ali parecia respirar-se a paz, a população era numerosa e bastante acolhedora, e como habitual faziam-se alguns patrulhamentos na região, que ficava a poucos quilómetros da fronteira com a Guiné-Conákri.

Naquela aldeia os militares acomodavam-se nas próprias moranças cedidas pelo chefe da Tabanca, à volta da aldeia tinham sido abertos no terreno algumas valas e abrigos, além de duas fiadas de arame farpado. Tudo parecia correr dentro da normalidade, naquela tarde eu próprio com mais quatro militares saímos no Unimog a buscar água do poço que se localizava a curta distância.

Porém já próximo do anoitecer, um dos elementos nativos que connosco efectuavam um patrulhamento, pisou um engenho explosivo, que lhe deixou um pé seriamente afectado. Este foi o primeiro sinal de que toda aquela paz não era real, o grupo recolheu à aldeia/aquartelamento, era a hora de jantar e na improvisada enfermaria o Furriel Enfermeiro Chambel com grande dificuldade, tentava encontrar uma veia onde pudesse administrar algum soro ao militar milícia, que com um pé decepado tinha perdido muito sangue.

Entretanto o Sargento João Boiça apercebendo-se da situação, corria de uma ponta à outra da aldeia, não parava de alertar todos para que de imediato se deslocassem para os abrigos, talvez ao tomar esta medida tenha evitado algumas mortes.

Tinha anoitecido e, de repente algumas explosões deram inicio a um ataque que se ia prolongar por cerca de três horas, as balas incendiarias atravessavam a palha que servia de cobertura à tabanca onde o ferido começava a receber o soro. Disse ao Chambel e ao Coelho que tínhamos que sair daqui imediatamente com o ferido, porém ele, já mais endurecido pela guerra, reunindo as suas débeis forças arrastou-se até á porta e, no escuro sem que nos apercebesse-mos desapareceu rastejando, só na manhã seguinte o voltámos a ver, quando da chegada do helicóptero que o evacuou bem como a outros feridos.

Foram cerca de três horas de bombardeamentos em que a aldeia reduzida a cinzas mais parecia um inferno, no final foi uma forte trovoada que, transformou a cinza em lama, onde quase não havia onde nos abrigar. Não tenho dúvidas de que nós os militares que naquela tarde fomos à água, passamos muito perto do local onde o inimigo preparava o ataque e, só não fomos feitos prisioneiros porque o objectivo era o ataque. Apesar do grande aparato e grande potencial de fogo, sofremos apenas três feridos dois dos quais de maior gravidade. Porém, quase todo o património da companhia ali ficou reduzido a cinza, os rádios, os géneros alimentícios, o equipamento de enfermagem, tudo ali ficou carbonizado, grande parte dos militares ficaram apenas com a roupa que tinham vestida. Na manhã seguinte um helicóptero evacuou os feridos, alguns militares apressaram-se a escrever um ou outro aerograma meio queimado e enlameado que foi entregue ao piloto do helicóptero, era a parte psicológica a funcionar, pretendiam partilhar aquele momento de desânimo com alguém do coração.

Contabane foi totalmente evacuada de população e militares, saímos dali moralmente destroçados, alguns apenas de calções, sapatilhas e a sua G3, mas vivos para suportar muitos outros ataques e emboscadas durante os vinte e dois meses que se seguiram. Já no termo da comissão viemos encontrar na cidade de Bissau o milícia que ao pisar a armadilha foi amputado de um pé, e que naquela cidade tentava sobrevier como engraxador de sapatos.

Neste agora passado dia 22 de Junho ao completarem-se quarenta anos sobre este ataque, quero homenagear os dois camaradas mortos não neste ataque, mas noutros que se seguiram, Furriel Ramiro de Sousa Duarte e o Soldado Elidio Fidalgo Rodrigues, pertencentes a esta Companhia, quero também saudar todos os militares da 2382, estou convencido que todos os que viveram este acontecimento o recordam e jamais esquecerão aquelas horas difíceis ali vividas.

Manuel Batista Traquina
Ex-Fur Mil
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Notas de CV:

Vd. postes de:

2 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2399: Tabanca Grande (47): Manuel Traquina, ex-Fur Mil, CCAÇ 2382 (Buba, 1970/72)

2 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2500: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (1): CCAÇ 2382 - A hora da partida

13 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2533: O cruzeiro das nossas vidas (10): Fui e vim no velho e saudoso Niassa (Manuel Traquina)

Guiné 63/74 - P3140: Os nossos regressos (14): O meu regresso e o 25 de Abril (Juvenal Amado)


1. Mensagem de Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, (Galomaro, 1972/74) com data de 9 de Agosto de 2008

Caros camaradas Carlos, Virgilio, Luis Graça e toda a Tabanca Grande

Integrado em Os Nossos Regressos, cá vai a minha visão pessoal sobre o meu próprio regresso.

As fotos da despedida do Batalhão não são muito boas mas não tenho outras. Na verdade os meus apelos aos meus camaradas para me enviarem fotos originais não tem na maioria dos casos tido muitos bons resultados. Dizem que não sabem onde isso pára, ou safam-se dizendo que a mulher é que guardou isso. Mas eles não se livram de mim assim facilmente, pois agora peço às suas esposas.

Um abraço e bom fim de semana é o que eu desejo para toda a Tabanca.
Juvenal Amado

Foto 1 > Ainda no Xime

Foto 2 > De regresso a Bissau numa LDG, sob protecção aérea

Foto 3 > Regresso a Bissau, a bordo da LDG

Foto 4 > Ainda bordo da LDG

Foto 5 > Cumeré > Despedida do BCAÇ 3872

Foto 6 > Cumeré > Despedida

Foto 7 > Cumeré > despedida das tropas

Foto 8 > Ainda a cerimónia de despedida do BCAÇ 3872

Foto 9 > Ilha da Madeira à vista


2. O meu regresso
Ppor Juvenal Amado

Na euforia da partida, quase não me lembro de entrar no Niassa.

Lembro-me de descer para os porões, onde os beliches chegavam aos quatro andares e de tão chegados uns aos outros, deram-me uma sensação de claustrofobia. Escolhi um de cima, para não ter que ficar com o nariz quase enfiado, no colchão do beliche superior. Dormíamos vestidos e calçados. A humidade era extrema. Pegava-se a nós e tudo ficava pegajoso.

Triste tratamento para quem dias antes na parada do Cumeré, tinha recebido os mais rasgados elogios, pela a nossa entrega na defesa do famoso Portugal, indivisível do Minho a Timor. (Não esquecer a passagem pelo Pilão).

Da cerimónia da despedida, recordo-me do chamamento dos mortos da 3489, (Cancolim) 3490 (Saltinho) e da CCS, uma vez que a 3491 (Dulombi) não teve mortos a lamentar felizmente. Esse momento foi sentido por todos camaradas, pois os mortos embora sendo respeitante a cada Companhia, eram também do 3872 e diziam respeito a todos nós. (A leitura do nome dos nossos mortos, é repetida num momento de profunda emoção todos os anos, quando nos juntamos e confraternizamos).

A minha bagagem era pouca. A mala dei-a ao meu camarada Aljustrel. Assim para além dos sacos com a farda, que ia entregar em Lisboa, os meus pertences resumiam-se a um pequeno saco de viagem, com uma garrafa de whisky, uma manta e uma espada Fula que ainda hoje tenho.

O cruzeiro

Para quem teve a sorte de viajar no Niassa, sabe a que me refiro. As escadarias para os porões tinham vomitado que, praticamente, não havia onde pôr as botas. O cheiro era nauseabundo.

O nosso amigo Alfredo Chapinhas enjoou praticamente desde que pôs os pés no barco. Era acarretado todos os dias, por mim e pelo Ivo, até cá cima. Embrulhávamo-lo numa manta e comprávamos-lhe batatas fritas salgadas e sumos, pois diziam que fazia bem. Ele bem se esforçava por comer, mas era difícil.

Eu e o Ivo felizmente não enjoamos e bebíamos cerveja de manhã à noite. Ficávamos praticamente todo o dia aconchegados, no lado do convés protegido do vento.

O mar esteve sempre muito agitado. Nós apreciávamos o navio de guerra que nos fazia escolta a partir de certa altura da viagem. Este estava hermeticamente fechado e as vagas varriam-no da proa à popa. Furava as ondas na vez de as subir e descer, como acontecia com o nosso.

Poucos se arriscavam a ir tomar o pequeno almoço ao refeitório, na proa do Niassa. Um dia o Ivo eu e o Aljustrel teimamos. Vamos lá ver quanto tempo aguentamos. Ao descermos as escadas, para além de nos desviarmos do vomitado, tivemos também que nos desviar dos que vomitavam, nesse preciso momento. Os lavatórios das mãos estavam indescritíveis. Por fim chegamos à mesa, nem me arrisquei a sentar no banco corrido. Estar ali, era como subir e descer três andares constantemente, num elevador completamente doido.

Não sei quem é que fugiu primeiro, mas a verdade ninguém lá ficava muito tempo. A partir daí, ia um à vez buscar as sandes à entrada e fugia logo dali.

Entretanto chegamos à Madeira, onde saíram os homens das companhias independentes, que viajaram connosco. Uma das Companhias levava uma Nossa Senhora de Fátima num andor. Já tinha despertado a nossa atenção, quando embarcaram para a Guiné.

Os oficiais e sargentos desembarcaram para visitar a ilha, mas nós não. Servimos para a tal defesa da Pátria, mas uns mais que os outros. Fomos transportados como gado e também desrespeitados como indivíduos, sem qualquer direitos.

A viagem com mais vomitado, menos vomitado decorreu calma. Dois dias antes de chegarmos a Lisboa, as gaivotas apareceram de volta do Niassa e nunca mais nos largaram. Foi uma enorme alegria.

Dia 4 de Abril de 1974

O Niassa está parado, para nosso desgosto, à entrada da barra. O amanhecer limpo mostra a beleza dos arredores de Lisboa. Lá estava a ponte que dentro de bem pouco tempo mudaria de nome felizmente.

O sol, sobre a cidade branca, dá-nos as boas vindas. Enquanto a partida foi a preto e branco, a chegada é a cores, tal é a luz que se abate sobre nós.

O barco leva uma eternidade a atracar. À medida que os rebocadores o fazem chegar ao cais, vamos tentando freneticamente ver onde estão os nossos familiares.

Os meus lá estavam. Um enorme chapéu de praia multicolor era o sinal. Tinha uma tarja escrita Alcobaça. Já tinha sido esse o mesmo sinal para o desembarque do meu irmão uns anos antes, quando este regressou de Moçambique.

O Comandante manda desembarcar. Abraço os meus pais irmãos, sei lá já quem lá estava. Quase não conheço a minha irmã mais nova que estava uma mulher. A felicidade é tal que salto de uns para os outros. Ainda tenho tempo para os apresentar a alguns camaradas.

Dali é direito ao RALIS. Temos que entregar os fardamentos. Os nossos trastes eram cuidadosamente inspeccionados e eu ainda estava a ver que tinha que ir à Feira da Ladra, comprar algumas peças de fardamento que me faltavam. O assunto foi resolvido com cinco escudos dados ao 1.º sargento (também eram muito bons nisto). Os sacos desapareceram como por magia e o meu número mecanográfico riscado da lista.

A 4L verde escuro, só de três velocidades, é a mesma que 27 meses me tinha levado a Abrantes, naquela triste madrugada.

Vou ao lado do meu pai. Já não sou um civil fardado, mas por impossível que pareça, não estou confortável na minha nova roupa. Os meus olhos enchem-se de paisagem verde e fresca. Quem entra em Alcobaça, vindo de Lisboa pela n.º 1, passa a Benedita, Évora e a partir de Capuchos, têm uma vista panorâmica sobre a vila, (hoje cidade) onde sobressai o Mosteiro com a sua imponência.

Alcobaça está praticamente na mesma. Os sons e cheiros, vejo de passagem algumas pessoas que conheço. Mais tarde vou cumprimentar o resto dos familiares e pessoas amigas.

Nessa noite, vou ter dificuldade em adormecer e quando acordar, não saberei bem onde estou.

Na esplanada do café Trindade, local de encontro dos jovens, recebo a primeira certeza. Já não tinha ali amigos, mas sim conhecidos, os meus amigos, tinha-me despedido deles à saída do Niassa. Ainda hoje os mantenho.
- Olha o Juvenal já cá está. Não nos vais contar estórias da Guiné pois não?

Em resultado do meu silêncio ainda acrescentou:
- Ainda bem, estava a ver que tinha que gramar com mais um herói.

Quem falava assim, nem militar tinha sido ainda. O trabalho de desinformação tinha sido competente. Aquele jovem que não sabia o que era andar debaixo de calor atroz, que quando tinha sede abria a torneira e bebia, não tinha que afastar merda de macaco e beber através de um lenço, o paludismo era-lhe vagamente familiar, que não tinha sofrido ataques nem tinham morrido camaradas ao pé dele, dava-se ao luxo de duvidar da veracidade dos meus testemunhos.
Era mais um candidato a ir bater com os costados em África e estava completamente convencido que aquilo eram só tangas. Este episódio fez-me calar muitos anos. (Ainda hoje não vou a festas onde se lancem foguetes).

Tinha um mês de férias para gozar. A seguir o meu lugar na Fábrica de Vidros Crisal de Alcobaça esperava por mim. A pouco e pouco a vida foi retomando o seu caminho.

O meu irmão mais novo seria o próximo.

... e o sonho tornou-se realidade

Eram talvez sete horas da manhã e sou acordado pela minha mãe que tinha ido ao pão:
- Filho, há uma revolução em Lisboa, a rádio está transmitir apelos à calma e só dá música Militar.

O meu pai no corredor dava pulos de contentamento. Era o 25 de Abril. Depois do Adeus... Grândola Vila Morena.

Muito honra Alcobaça, ter tido pelo o menos três jovens soldados na coluna do Salgueiro Maia. Já no 16 de Março vários jovens desta bela cidade estiveram envolvidos no levantamento.

A partir daí foi a festa de uma vida.

Uma flor em cada arma. Fim da guerra já. Nem mais um soldado para as colónias.

Quem nada tinha, tudo passou a querer. Assistiu-se ao aparecimento de democratas de longa data por todos os lados. Os mais interessantes eram os da União Nacional. Diziam que tinha sido obrigados, muitos deles a denunciar os vizinhos, colegas de trabalho etc. Fraquezas que nós percebemos.

Formam-se partidos por todo o lado e de todas as formas. Há alguns que têm tantas siglas, como tem o nosso NIB bancário hoje. Aliás as siglas passam a fazer parte do nosso dia a dia, RGE (reunião geral de estudantes), RGT (reunião geral de trabalhadores), MRPP-PCPTML, OCMLDP, MDP-CDE, PCP, LCI, LUAR, PS, PPD, CDS, os Estanilistas, Maoistas e os da 4.ª Internacional, etc. Havia para todos os gostos e ocasiões, mas nenhum se assumia de direita, não fosse ser conotado com o anterior regime. Peço desculpa aos que não são mencionados e são muitos.

As rádios transmitiam os cantores, poetas e músicas que antes só ouvíamos às escondidas, muitas delas em estações de rádio clandestinas. Todos sentiam obrigação de se envolverem. Os plenários sucediam-se uns aos outros, marchas onde o Povo estava sempre ao lado do MFA.

Talvez pela primeira vez na minha vida de adulto, tive verdadeiro orgulho naquela farda que também eu tinha envergado quase 3 anos. Os novos heróis eram humildes capitães, (os generais apareceram depois). Todos formados nas agruras da guerra colonial. Na maioria ganharam a ânsia de liberdade nos duros combates nas matas da Guiné, onde os soldados portugueses se bateram com bravura.

Dois Povos a Mesma Luta. A nossa Bandeira já não era a da opressão, mas da festa e da liberdade.

A famosa aliança POVO-MFA. A libertação dos prisioneiros políticos. O regresso dos exilados.

Importou-se palavras de ordem do Chile de Salvador Allende e Victor Jara, O Povo Unido Jamais será Vencido.

O antigamente espreitava, mascarado de democrata. A Espanha Franquista arreganhava os dentes para a nossa democracia emergente. Cá dentro tinha os seus apoiantes. Que mau exemplo que nós éramos

O 28 de Setembro 1974, Maioria silenciosa

Nas primeiras eleições fui delegado de um partido à secção de voto numa aldeia chamada Vimeiro. Lá ia levando uma carga de pancada por ter denunciado que os indivíduos da mesa de voto estavam a favorecer uns certos partidos. Para além disso as pessoas levavam folhetos com os emblemas, em quem tinham sido instruídas para votar. Começava bem a democracia.

Nas eleições seguintes aconteceu-me o mesmo em Turquel, onde era mais uma vez delegado. Fugi deitado no fundo de um carro. Companheiros que estavam noutras secções de voto foram barbaramente espancados.

O 11 de Março 1975, as nacionalizações, Reforma Agrária e o Verão Quente ... Os governos sucediam-se, o espectro do sangrento golpe fascista no Chile em 11 de Setembro de 1973 pesava sobre a nossa nova democracia.

Também eu fui candidato, delegado sindical e membro de comissão de trabalhadores. Vivi 48 horas em cada 24, tal era a rapidez em que tudo mudava.

O 25 de Novembro de 1975. Disseram, que foi para pôr Portugal novamente nos carris. Como se vê não conseguiram, a não ser para alguns. A cauda da Europa continua a ser a nossa posição, ultrapassados que fomos até pelos países de Leste da finada URSS.

Primeiros lugares talvez em Festivais de Verão, custo de vida sempre a subir, desemprego, desaparecimento da classe média, etc.

A Festa durou até às tantas e foi bonita a festa pá.

Juvenal Amado
06.08.008

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Guiné 63/74 - P3139: Estórias do Jorge Fontinha (1): O meu batismo de fogo e da CCAÇ 2791 (Jorge Fontinha)

1. Mensagem do dia 16 de Agosto de 2008, do nosso novo camarada Jorge Fontinha*, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791 (Bula e Teixeira Pinto, 1970/72).

Conforme prometido, venho com a minha primeira contribuição, para o Blogue.
E como não poderia deixar de ser, vamos começar com o Baptismo de Fogo.

Junto o texto com duas fotografias tiradas antes e no decurso da Operação, a última já durante a manhã, no regresso.

Um grande abraço para a Tertúlia,
do Camarada:
Jorge Fontinha
CCAÇ 2791

2. O meu batismo de fogo e da CCAÇ 2791
Por Jorge Fontinha

O Capitão Comandante da CCAÇ chama-me ao seu gabinete:

- Meu caro, sabe que chegou hoje o Oficial que comandará o seu Pelotão. Como porém, esta noite teremos que sair para o mato e o nosso Alferes não conhece o pessoal e dando-se ainda a circunstância de você ser o Furriel mais antigo do Pelotão, encarrego-o de o conduzir, sem contudo se fazer notar, uma vez que o senhor oficial também vai. A missão é arriscada e o pessoal terá de ser conduzido com serenidade e pulso. Vamos para o Choquemone e partimos às 2 da manhã. A missão consta de...


Foto 1 > De saída para a Operação

Duas horas da manhã de 17 de Novembro de 1970. A noite é suave e corre uma agradável brisa. O luar, na parada do quartel de Bula, faz com que as sombras do pessoal nos dêem a impressão de fantasmas movediços.

A Companhia está formada e o Alferes Miliciano, Comandante interino da Companhia de Cavalaria que iria ser rendida pela nossa, depois de a ter apresentado ao Senhor Capitão, da Companhia que iria fazer a sua 1.ª operação militar no terreno, e que por motivos de saúde não pôde ir comandá-la, mandou-a avançar em bicha. Vão saindo os pelotões: em 1.º lugar o Segundo, comandado pelo respectivo Alferes; em 2.º o Primeiro, seguindo-se um grupo de Milícias Africanos no qual vai integrado uma Secção do Batalhão que viemos render e na qual se integra o Alferes Comandante da Operação. Depois segue o nosso 3.º pelotão e, por último, o 4.º no qual eu me integro, como Furriel Miliciano.

A coluna perde-se ao longo do alto capim, que devido ao cacimbo está molhado e nos encharca a todos. O pessoal vai atento e bem disposto, embora cuidadoso e bem consciente do perigo.

A minha Secção vai completa: na 1.ª equipa, o Celestino, o Azevedo e o Monteiro olham de vez em quando para trás na esperança de ver um sinal meu. Os restantes, que estão atrás de mim, o Romão, o Cavaco, o Matos, o Pinto e o Nunes seguem-me como uma sombra a uma considerável distância. Verifico com agrado que todos vão compenetrados do seu papel. Só um problema me atormentava: antes de partirmos, o Nunes havia-me pedido que o desenfiasse porque pressentia que lhe ia acontecer qualquer coisa. Fiz-lhe ver que isso não passava duma mania e agora seguia satisfeito. No meu lugar (o 5.º na progressão em relação ao GCOMB) ia pensando em tudo isso ao mesmo tempo que não desviava os olhos do denso capim que se via em redor.

Foto 2 > No decurso da Operação

Seriam umas 3 e meia da madrugada e eu seguia embebido nos meus pensamentos, um pouco distantes dali, talvez na Metrópole, talvez em Angola, (outros temas de Guerra…), pensando em muitas coisas. De súbito ouve-se um estrondo e uma chuva de estilhaços cai em redor dos que iam naquela zona. Depois silêncio total. Ao ouvir o estrondo, pensei logo que seria uma mina e, era aconselhável que ninguém se movesse sob pena de se fazer explodir mais alguma. Olhei para trás e vi todo o pessoal abrigado, à excepção de um soldado que, no caminho, gemia e se rebolava pelo chão. Corri para ele que de barriga para baixo e a mão esquerda tentado procurar na perna do mesmo lado o pé perdido, suplicava para mim:

- Meu Furriel, mate-me, acabe comigo! Meu furriel tenha dó de mim!...

Olhei para ele emocionado mas já o homem de transmissões e o enfermeiro corriam para o local. Virei as costas. Para que me não vissem chorar. Chorei, sim, de raiva, de impotência e de ódio. Senti-me incapaz de valer àquele homem, e ele era um homem da minha Companhia, um homem do meu Pelotão, um homem da minha Secção. O Nunes! E porquê ele, meu Deus? Não me tinha dito ele, antes de sairmos do quartel, que lhe iria acontecer qualquer coisa? Por que não o desenfiei eu? Tinha feito o meu dever, bem o sei, mas se não o tivesse trazido, não estaria agora naquele estado.

Não fora ataque, não fora uma mina, não fora um turra. O que seria? Como acontece bastantes vezes, apenas um acidente. O Nunes, que era o apontador da bazuca, deixou cair uma granada desta ao chão e, ao rebentar, ceifara-lhe um pé e parte da perna. Outros soldados e o Alferes Comandante, ficaram com ferimentos menos graves e tiveram de ser evacuados.

A coluna pôs-se novamente em marcha e caminhou para a conclusão da Operação que viria a culminar com grande sucesso, e na qual o nosso pessoal se bateu com galhardia. No fim, mais alguns soldados com ferimentos ligeiros.

O meu baptismo de fogo… com aquela baixa a lamentar: o Nunes que ficou sem o pé esquerdo.

Jorge Fontinha
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 11 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3129: Tabanca Grande (82): Jorge Fontinha, Fur Mil Inf da CCAÇ 2791 (Bula e Teixeira Pinto, 1970/72)

Guiné 63/74 - P3138: Em busca de... (35): Camaradas da 1.ª COMP/BCAÇ 4815 (Fernando Barata)

1. No dia 17 de Agosto de 2008, recebemos esta mensagem do nosso camarada Fernando Barata, ex-Alf Mil da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72),

Assunto: Encontro simultâneo de todas as Companhias que passaram por Dulombi

Caro Luís

Um ex-Furriel da Companhia que nos foi render, em Dulombi, acedeu ao Blog da minha Companhia e como reside perto de Coimbra mostrou interesse em conhecer-me.

Encontro marcado para a Esplanada do Dolce Vitta e entre dois fininhos houve lugar para trocar vivências e também para me colocar um desafio ATERRADOR:

- Vamos lá organizar um Encontro simultâneo das Companhias que estiveram sediadas em Dulombi.

E é por esta razão que estou a pedir a tua ajuda no sentido conseguirmos um elo de ligação com qualquer elemento da 1.ª Companhia do BCAÇ 4815.

Pedia-te pois, que fizesses o favor de colocar um Post na Tabanca Grande de molde a conseguirmos localizar alguém da Companhia em questão a fim de tentarmos dar asas a este sonho.

Grato.
Aceita um abraço do
Fernando Barata

2. No dia 17 de Agosto foi enviada a seguinte mensagem à tertúlia

Caros Camaradas
Aqui está uma empresa verdadeiramente gigantesca.
Quem pode ajudar o nosso companheiro de tertúlia Fernando Barata?
Aqui deixo o seu apelo e o meu agradecimento pela ajuda que lhe puder ser prestada.
É fácil, é só conhecer alguém da 1.ª Companhia do BCAÇ 4815 e dizer ao Fernando Barata (fmbarata@gmail.com).

Um abraço e continuação de boas férias se for caso disso.
Carlos Vinhal

3. Agora um apelo a todos os nossos leitores. Quem conhecer alguém que tenha pertencido a 1.ª Companhia do BCAÇ 4815, faça o favor de dar notícia ao nosso camarada ou a nós (luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com).

Vai ser bonito se eles conseguirem juntar a malta toda que passou por Dulombi.

domingo, 17 de agosto de 2008

Guiné 63/74 - P3137: Em busca de... (34): Camaradas da CAÇ 726 (Aurélia de Fátima)



1. Mensagem do dia 13 de Agosto de 2008, de uma nossa leitora de nome Aurélia de Fátima, filha de Henrique Duarte, ex-combatente da Guiné da CCAÇ 726 (1).

Olá Luis
Estou a precisar de ajuda, o meu pai é ex-combatente da Guiné e precisa de encontrar, amigos da sua Companhia.

Eu sou Aurélia de Fátima Repolho Duarte, filha de Henrique Almeida Duarte que partiu para a Guiné em 29 de Dezembro de 1964 e regressou a Portugal em 1966.

O meu pai era Atirador e pertencia à Companhia 726 de Infantaria. Saiu para a Guiné do Quartel de Évora e é residente em Casebres, concelho de Alcácer do Sal, distrito de Setúbal.

Sofre da doença de stress traumático.

Fugiu ao embarque uma vez e teve 16 dias preso na prisão de Caxias e foi libertado, depois de ter sido detectada a doença. Então partiu para a Guiné como eu já referi.

Está um pouco esquecido, mas lembra-se do Furriel Padilha que era de Vila Real, e de quatro colegas, mas não se lembra os nomes deles, apenas se lembra onde viviam. Eram dois colegas de Vendas Novas, um de Pias e um de Castro Verde.

Aguardo resposta se possível, e desde já muito obrigada pela atenção.
Sem mais assunto de momento, me despeço com ansiedade, aguardando uma resposta. Muito obrigada.

Até breve. Cumprimentos.
Aurélia Duarte

2. Em 14 de agosto de 2008 foi enviada esta resposta

Cara senhora
Obrigado pelo seu contacto.
Por motivos de férias, estou a responder em nome do nosso editor Luís Graça.

No nosso Blogue há algumas publicaçôes sobre a CCAÇ 726 a que pertenceu o seu pai.
Se quiser aceder a estas postagens, basta escrever na janela superior esquerda da nossa página (Pesquisar no Blogue) ccaç 726 e fazer enter.

Se o seu pai não está a tratar o grave problema do stress pós-traumático de guerra, de que sofre, pode fazer uma abordagem junto da Associação dos Deficientes das Forças Armadas, em Lisboa, para pedir ajuda. Se quiser, para primeiro passo, envio-lhe o endereço do nosso camarada Luís Nabais, a fim de obter informações de a quem se deve dirigir junto daquela associação.

Com respeito a contactos com camaradas da CCAÇ 726, envio-lhe dois que para começo podem ser muito importantes. São eles:

Estevão Lopes e Tavares (*)

Estes contactos foram obtidos na página do nosso camarada Jorge Santos em http://www.guerracolonial.home.sapo.pt/

Se precisar de mais esclarecimentos, disponha.

Enregue ao seu pai um abraço de toda a tertúlia do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

Com os nossos cumprimentos
Pelos editores do Blogue
Carlos Vinhal

(*) - Números de telefones não apresentados na edição, mas que serão fornecidos a quem os solicitar.
________________

Nota de CV:

(1) - Sobre a CCAÇ 726 ver postes de:

17 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2360: A CCAÇ 726, a primeira Companhia a ocupar Guileje (2): 10 mortos e mais de metade do pessoal ferido em combate (Virgínio Briote)

14 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3060: Convívios (74): CCAÇ 726 (Guileje, 1964/66), em 24 de Maio de 2008, Arados, Benavente (Nuno Rubim)

22 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3082: Convívios (76): Ainda o 18º encontro dos bravos da CCAÇ 726 (Nuno Rubim)

Guiné 63/74 - P3136: Pensar em Voz Alta (Torcato Mendonça) (15): À noite...

Mensagem de Torcato Mendonça, ex-Alf Mil, CART 2339 (Mansambo, 1968/69), de 3 de Agosto de 2008, dirigida a Luís Graça

Caro Camarada
Tenho a informática avariada ou em férias. Mas vai um escrito. Se receberes diz-me por favor. Texto simples, de noite de ontem que se mantém hoje em abandono de sono. Vidas.
Roubo-te tempo e disso me penitencio.
Perdi todos os endereços que estavam no outlook. Sobram poucos no gmail.
O informático formatou e apagou... é obra... DIZ-ME ENTÃO.

Um abraço do
Torcato Mendonça

PENSAR EM VOZ ALTA – H (*)
Por Torcato Mendonça

1 - À noite, quando o silêncio melhor se instala, para não nos sentirmos tão sós, pomos a tocar, em fundo, música suave e, a partir daí instalamo-nos, pensamos, lemos, escrevemos ou, simplesmente, vamos trilhando caminhos num doce embalar, sonhando ou pensando – num por vezes; pensar em voz alta – permanecendo mais, ali ou além, num ou noutro ponto, esquecendo o tempo, o avançar da noite.

Aconteceu hoje, sentindo assim mais o que acabamos de ler. Tínhamo-lo feito no ecrã, ao correr do cursor. Preferimos imprimir e ler atentamente no papel. Já não se usa dizes-me tu Camarada. Talvez tenhas certa razão. Mas texto de importância, escritos que envias para quem gostas ou recebes, diz-me se não preferes o papel. Claro que sim.

Por isso li pausadamente, apreendendo e aprendendo, confirmando e questionando-me, anotando e, já numa das notas finais deste texto de vida dizem-me que: um Homem nasceu numa ilha de poetas, de flores e de mulheres bonitas. Diz-me tu se a beleza desta trilogia não te levava a querer ter nascido e a viver em semelhante lugar? Não sentes o peso forte e indissociável desta trilogia? Sentes. Eu sabia que sim. Olha eu parei e pelo silêncio da noite, pela suavidade da música, pelo teor tão diverso do texto anteriormente lido, ou, talvez, isso sim pelo somatório de tudo e porque sou assim, sonhei acordado, viajando não sei para onde, viajei e, mesmo neste primeiro dia de Agosto, quase que senti o frio de Inverno, o silêncio da neve ao cair, o caminhar na noite braço com braço, com uma mulher e sentia, ao andar, o calor dela vindo, atravessando pele de casacos, a voz, a voz dela a entrar doce neste caos de ideias, de sonhos, ia, íamos caminhando, contando confidências, alheios a tudo rumo ao desconhecido. Sim porque era um sonho de pessoas e lugares. Um sonho só de alguns. Só que a realidade é outra, quer a do texto lido quer o voltar lá sempre. Hoje, nesta data sofri, há muitos anos atrás, um ataque em Cansamba. Estava a trabalhar para a 2405 de Galomaro e para o COP7. Parou o sonho e veio, como sempre à memória. Não queria falar de guerra, nem pensar nessa brutalidade agora. Mas vem sempre, por ler textos assim, por pertencer ainda, em parte, a esse passado, àquela terra, as suas gentes e sinto e gosto mesmo sabendo não terem ainda direito a serem felizes.

Dizes-me: - Mas que sabes tu daquele terra se nela só fizeste guerra?

Certo. Estás certo. Mas talvez por isso a sinta, os sinta mais fortemente. Talvez por isso, tudo com eles relacionado é, em intensidade, por mim vivido. Que queres Camarada?! Sou assim.

- Assim como? Bem, que queres que te responda? Que queres que te diga? Foi há tanto tempo o meu regresso, foi tanto o deambular perdido ou convencido por tanto lado. Mas aquele tempo, aquela guerra é que para mim conta. É como uma segunda terra, como uma gente que sinto de forma diferente. Sabes, sei que sabes, mas repito-me: tenho dificuldade de ser de algum lugar. Dizia-te: depois de regressar ia tendo conhecimento do que se passava, ia sentindo, ia apertando os dentes, anotando mas, incompreensivelmente, anotando e guardando no fundo da memória. Era tempo de outras vidas, de outras vivências e prioridades. Por isso quis ler atentamente aquele belo escrito de vida ou vidas. Sentimos algo misto de carinho e fraternidade. Sentimos também, por fraqueza nossa, certa revolta. Muito nós sabíamos. Não sentimos ódios pois não entram na nossa vida, no modo como a atravessamos. Sentimos, isso sim, revolta connosco, com outros, poucos por nem isso talvez mereçam. São pequenas peças de um sistema abjecto da vida real. Sim Camarada lá existe mas diz-me só lá? Calas-te. Certo. Não só e muitos sistemas bem piores até são tolerados e aplaudidos.

És português como eu e por isso respondes: que havemos de fazer? Paciência, é a vida!

2 - Não te quero roubar mais tempo, menos ainda inquietar em tempo de agostos, mês de paragem de trabalho em países de primeiro mundo, como é o nosso. Só que li uma notícia a invalidar talvez sermos do primeiro mundo. Cortamos na pensão anual dos antigos combatentes e poupamos milhões. Ou seja, passa-se a pensão de 150, para 100, ou 75 Euros, em corte a 290 mil e poupa-se 13 milhões. É obra. Não ficam, alguns, tão à vontade no pagamento da factura da farmácia ou em beberem mais um copo para terem melhor sono… mas poupa-se. Os tipos já estão a ir… calma camarada não apertes os dentes. Não pedimos nada mas exigimos respeito. Começa a aborrecer Camarada, começa a aborrecer. Que dirão certos homens de muitas estrelas e galões desta poupança de tostões? Ajuda alguma missão de auxílio a povo aflito, ou à prestação de um pandur, ou lá o que é, ou F16, submarino ou eteceteras… mas... olha não te chateies Camarada… vai-se resolver pois cada vez somos menos…

3 – Estás a pensar que estou a ficar desequilibrado ou a não ter paciência por não calar. Nada disso. Não te preocupes. Agradeço a tua preocupação pela minha sanidade mental.

Digo-te que ainda hoje tenho orgulho de ter pertencido ao Exército do meu País.

Agradou-me ouvir um Militar, a sério, dizer que pertencia a seu Exército ou pensar como eu que: - Em cada dia que passa e nada de novo aprendemos é um dia perdido.

Hoje apreendi e aprendi muito com aquele texto de um Homem e uma Mulher que me deram uma lição de vida. Espero que amanhã ou nos dias seguintes não sejam dias perdidos…

Não te aborreço mais.

Deixa-me voltar a sonhar com a neve a cair e sentir o calor e afecto de quem ao meu lado caminha…lentamente vai o sonho e entra, de mansinho, o sono…
____________

Nota de CV

(*) - Vd. último poste da série de 21 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3080: Blogoterapia (58): Pensar em voz alta... Que vidas, que merda! (Torcato Mendonça)