domingo, 7 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3180: Tabanca Grande (84): Jorge Teixeira, ex-Fur Mil, Guiné, 1968/70

1. Mensagem com data de 31 de Julho de 2007, do nosso camarada Jorge Teixeira, ex-Fur Mil que esteve na Guiné entre 1968/70.

Assunto: Minhas lembranças

Amigo Luís
Como disse há dias, vejo, leio e passo, com uma lágrima ao canto do olho.

Nunca tive a coragem de deixar algo escrito, embora tenha muitas lembranças, que venho refazendo desde há dois anos para cá.

Se me permites, vou deixar hoje uma, pois marcou uma viragem na minha vida emocional.

Se achares que merece figurar nos arquivos, está à vontade.

Um abraço do
Jorge Teixeira


2. Catió, 1969, 1 de Agosto
Por Jorge Teixeira

Estamos a comemorar os nossos 15 meses.

Conseguimos uns pesos da CCS, através da influência do Comando, para comprar uns franguitos, e como foi difícil consegui-los.

Convite feito, por gentileza, aos nossos Primeiro e Segundo Comandantes, bem como ao Primeiro da CCS, lá fomos trinchar os bichos, divinamente arranjados pelo Carrapato, na messe dos oficiais.

Convívio terminado, fomos ao posto de Catió Fula, levar umas cervejas e umas sandes ao nosso pessoal que estava de serviço.

Depois os mais resistentes ainda me acompanharam numas cervejas na messe dos sargentos

Fomos deitar nas calmas, mas ainda estava a ler o meu livro da ordem, quando cerca das 2 da manhã, estourou um fogachal tremendo dentro do Quartel e de Catió.

O maior barulho que jamais ouvi.

Eles estavam dentro de Catió.

Como habitualmente nos casos de fogachal, o meu pessoal que estava na unidade, tinha de arrancar para reforçar os postos exteriores.
Toca de arrancar debaixo daquela sinfonia de luz e cor. Pelo caminho muitas escaramuças.

Regresso ao quartel já o dia a clarear, cerca das 5 da manhã. É que o Comando se esqueceu de nós ... e tudo dormia na santa paz dentro da unidade.

Fizemos o reconhecimento

Conclusão: 1 morto e um prisioneiro do lado IN e captura de razoável quantidade de armamento e munições.

Da nossa parte só escoriações.

As granadas de bazooca capturadas, com a autorização do meu pessoal, trocámo-las pelo dinheiro a que tinhamos direito. É que não tinhamos uma única granada explosiva. E as incendiárias, fora de prazo há anos, tinham apenas o efeito psicológico do barulho. As que explodiam.

O pior veio a seguir.

Fui ao banho e estava na messe a tomar o pequeno almoço, quando alguém me avisou que o Comando (?) deu ordem para expor o MORTO, juntamente com o armamento em frente à porta da unidade!!!

Eu não quis acreditar, mas era verdade. Corri ao meu quarto, peguei na máquina fotográfica e fui fotografar aquele quadro.

Às 9 horas tinha fotos reveladas e 4 delas prontas para mandar para a Metrópole para os meus amigos mais íntimos verem uma ideia miserável.

Por qualquer razão, nenhum desses amigos chegou a ver as fotos... pois nunca as receberam.

Já tinha visto vários mortos, dos dois lados, que me chocaram imenso.
Mas no momento em que enquadrei este morto na máquina, senti uma espécie de baque. A partir desse dia a minha vida passou a ser um inferno.

O medo apossou-se de mim de tal maneira, principalmente à noite, que redobrei de cuidados e de segurança. Passei a ser muito duro com o meu pessoal sobre esse aspecto.

Mas esses cuidados e os desenfianços no mato não chegaram, pois cerca de um mês depois tivemos a primeira baixa no pelotão.

E até hoje me sinto culpado dela, pois o rapaz foi-me substituir numa missão. Embora estivesse doente, a cabeça não me deixava esforçar mais. E era uma missão tão simples, tão rotineira.


Catió > 1 de Agosto de 1969

3. Comentário de CV

Caro Jorge Teixeira
Depois de ter recebido o teu mail onde apresentavas o teu descontentamento por te achares desconsiderado por nós, verifiquei que tinhas este mail, de 31 de Julho de 2007, perdido na imensidão de mails existentes na caixa de correio do Blogue.

Neste mail tinhas também enviado as tuas fotos da praxe para a fotogaleria, logo nunca foste apresentado formalmente à tertúlia. Tenho que confessar que a tua entrada não correu muito bem, porque coincidiu com o mês de Agosto, mês de todas as confusões.

Pedir desculpa, nem peço, porque deves estar mesmo zangado.

Quando nos contactares com outra estória tua, espero que seja breve, se me perdoares esta falta, diz-nos a que Unidade pertenceste e por onde andaste, na Guiné.

No nosso blogue, como verdadeiros camaradas que somos, não fazemos distinções entre os antigos postos militares, a posição na Sociedade e a formação académica. Na nossa Tabanca Grande tratamo-nos por tu precisamente para salientar essa característica.

As estórias que cada um conta, não são filtradas pelo facto de não exibirem qualidade literária. Escrevemos como sabemos, respeitamos as diferentes correntes de opinião, discutindo-as com cortesia.

Caro Jorge, não fiques com má impressão nossa, continua a ler-nos, porque diariamente tens um poste novo colocado com algum sacrifício da parte de quem, retirando algum tempo à família e ao descanso, tudo faz para não desagradar a tertúlia. Não somos perfeitos, nem infalíveis.

Não te esqueças que esperamos mais estórias tuas.

Um abraço
Carlos Vinhal
_____________

Nota de CV

Vd. poste de 11 de Abril de 2007 >
Guiné 63/74 - P1652: Tertúlia: Três novos candidatos: José Pereira, Hélder Sousa e Jorge Teixeira, onde se pode ler:

3. Mensagem de
Jorge Teixeira, com data de 10 de Abril de 2007:

Caro Graça:
Só agora me disponibilizei a dar seguimento ao mail do João. Sim, em tempos te escrevi, para saber se poderia colaborar e mesmo fazer parte do grupo.
Acredito que tenha passado despercebido, e não tem mal nenhum isso ter acontecido, pois o mais importante é ver e ler o que se passa no espaço.
De qualquer forma, como atrás disse, gostaria de fazer parte do grupo.

Estive na Guiné entre Maio/68 e Abril/70. Por acaso fez anos ontem que passei à disponibilidade.

Fico esperando as tuas notícias e até lá recebe um abraço do
Jorge Teixeira

Comentário de L.G.
Jorge:
És bem vindo… O João Tunes (2) veio lembrar-me a minha descortesia ao não responder-te em tempo útil... Houve um lapso qualquer... Peço-te que me perdoes... Não tenho a tua mensagem original, a pedir a entrada na nossa tertúlia... Cumpres o resto das formalidades (duas fotos, uma estória...).
Apresento-te depois ao grupo.
Não queres aparecer, entretanto, em Pombal, no dia 28 de Abril?
Um abraço.
Luís Graça

sábado, 6 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3179: Os nossos regressos (15): Facas de mato, paludismo e ataque no meu regresso...(Paulo Santiago)


Ilustração feita pela Joana Graça (2008), designer e filha do Luís Graça, para "Os nossos regressos". Com os nossos agradecimentos.

O meu regresso

Paulo Santiago

Em fins de Julho de 1972 vim a Bissau, penso que a uma REP (1) ligada ao material, tratar de um auto de abate de facas de mato, que estavam em falta na carga do PelCaçNat 53. Herdei a situação do meu antecessor, como piriquito pensei estar tudo certo, não imaginava faltarem a merda das facas. Ficou tudo resolvido, regressando ao Saltinho de avião, via Xitole.


Saltinho, uma paisagem idílica se não fosse ....
Com a devida vénia ao autor da foto que não identifiquei.

Paludismo agora

Na aeronave comecei a sentir arrepios de frio,"estou lixado, agora vou ficar doente"pensei.
Estava mesmo doente,diagnóstico paludismo.

Tirando umas otites,nunca qualquer doença tinha convivido comigo naqueles vinte e dois meses,tinha tido o acidente com o morteiro, o que originou uma colecção de pontos no toucinho da coxa, mas não me atirou para a cama, andei agarrado a uma bengala improvisada, o psico também andava alterado, mas doença, daquela de atirar um gajo abaixo, chegava agora. Fui medicado,mas aquilo era lixado, tinha frio e transpirava rios de água, levantava-me e sentia-me como se fosse numa tempestade em mar alto, cambaleava e caía como se estivesse com a maior das bebedeiras, um suplício.
Andava nestas bolandas, chega o meu substituto, esqueci o nome, era da Figueira da Foz. Chegou a 30 ou 31 de Julho. Passado um dia ou dois, ainda muito atordoado, mas já melhor, lá lhe transferi a carga do pelotão. Tudo certinho.

No dia 3 de Agosto, pela manhã, informaram-me que tinha sido pedida uma evacuação, não urgente, para uma mulher da população, evacuação que seria feita através de avião do Xitole. Preparei as malas, dei dois camuflados, um ao Bobo outro ao Cristóvão e iniciei as despedidas.

Estava contente, mas a despedida abalou-me imenso. Primeiro, era o Fur Mil Mário Rui, com mais tempo de comissão, ainda ia continuar no 53 até chegar quem o substituisse, segundo, eram os meus cabos e soldados com quem convivera desde Out. 70, que tanto me tinham ajudado e apoiado, principalmente nestes últimos meses de enfrentamento com o Lourenço.

Choraram e chorei lágrimas sentidas. Será que algum dia iria encontrar alguns deles?

De coluna para o Xitole, primeira vez sem G-3

Pela primeira vez sem arma, lá fui na coluna, ao início da tarde de 3 de Agosto de 72, para o Xitole, à espera de um avião que não chegou. Conhecia mal a malta do Xitole, na anterior companhia tinha algum convívio com os Alf's, nesta, quem conhecia melhor era o médico. Como o avião não veio, arranjaram-me sítio para ficar. Estava a escurecer, e sentados junto à messe bebíamos um copo fazendo horas para o jantar.

Com o PAIGC é Guerra até ao fim

Há um Alferes matulão que diz "faz hoje um ano, o quartel foi atacado, é o aniversário do PAIGC e o Jamil não está cá".

Ainda o eco destas palavras não se tinha extinto, ouvem-se saídas de canhão S/R. Tudo para a vala que ficava ao lado.

Merda, um ataque na despedida, a vala com alguma água e eu meio febril.
As granadas a rebentarem ali perto, acho que uma acertou numa qualquer edificação, e o Alferes matulão começa a levantar a cabeça "oh caralho baixa-te", dizem-lhe os outros e ele responde "esta saída já foi nossa, é o 10,7".
Passado pouco tempo,acabaram os rebentamentos, aproximando-se um militar que informou ter o morteiro 10,7 encravado logo com a primeira granada que lhe enfiaram.
Sei hoje o nome do Alferes matulão,chama-se Joaquim Mexia Alves.

Com a PM a Guerra é só em Bissau

No dia seguinte, mais uns medicamentos tomados, apareceu o avião que me trouxe para Bissau. Fui ao QG saber quando tinha avião para regressar à "Metrópole"e quando fazia o pequeno trajecto até ao Clube de Oficiais, pára um jipe da PM ao meu lado, donde sai um cabo que se me dirige e após a continência da praxe diz "o meu Alferes não pode andar com essas botas" (eram botas de fuzileiro).
Fiquei fodido "ó seu caralho, já ando com estas botas há muitos meses, perante toda a gente, portanto não me foda, não vim ontem do mato para você me chatear a cabeça" e segui para o Clube.
O NRP Orion estava atracado em Bissau, onde bebi os últimos copos com o Comandante Rita que me ofereceu para despedida uma garrafa de Napoleon.

De Boeing para Lisboa e de táxi para casa, com paragem na Ponderosa

Passada uma semana em Bissau, um sábado, apanho o Boeing dos TAM de regresso a Lisboa.
Não tinha ninguém à minha espera, os meus pais não sabiam da minha vinda naquele dia.
Juntámo-nos quatro militares, três iam para o Porto, apanhámos um táxi e viemos por aí acima.
Em Alcoentre parámos na Ponderosa, aí telefonei para casa dizendo ao meu pai que ia a caminho de casa. Trazia comigo a minha máquina fotográfica Olimpus que ficou esquecida no táxi, nunca mais aparecendo.

Na segunda-feira fui a Lisboa aos Adidos, onde me passaram a papelada habitual. Depois parti para outra...mais ou menos apanhado.

Paulo Santiago
__________
Notas de vb:

(1) 4ª Rep, eventualmente;
(2) art. relacionado em

Guiné 63/74 - P3178: Blogpoesia (24): A minha pequenez é que era uma tristeza (Rui A. Ferreira)

Sedutora, atractiva, aterradora, mortífera...



Guiné. Foto de Knut Andreasson. Nov. 1970. Fonte: Nord Documentation on the Liberation Struggle in Southern Africa. Com a devida vénia.


A Floresta


Selvagem nas terras de ninguém, perdida,
indiferente ao tempo que passava vagaroso,
exuberante ao Sol que lhe condicionava a vida,
misteriosa no interior dum cinzento tenebroso.

Crescendo na imensidão daquelas vastidões,
Sôfrega nos terrenos que ia conquistando,
numa profusão de espécies e de dimensões,
pelos espaços devolutos se iam hostilizando.

Era tal a superioridade das Forças da Natureza,
tão afrontosa a altura, tão milenar a idade,
que a alma se conformou com a certeza.

Não me perturbava tão brutal grandeza
mas, perdidas as ilusões perante a realidade,
a minha pequenez é que era uma tristeza.


Rui A. Ferreira
__________

Notas de vb:

1. O Ten Cor Ref Rui A. Ferreira é natural de Angola (Lubango, 1943). Tem duas comissões na Guiné, primeiro como Alferes Miliciano (CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67) e depois como Capitão Miliciano (CCAÇ 18, Aldeia Formosa, 1970/72). Fez ainda uma comissão em Angola, como capitão. Publicou em 2001 a sua primeira obra literária, "Rumo a Fulacunda".

2. Do mesmo autor, artigo em
4 Setembro 2008 > Guiné 63/74 - P3169: Blogpoesia (23): Amálgama de sentimentos e emoções...(Rui A. Ferreira).

Guiné 63/74 - P3177: Convívios (80): Ex-militares da CCAÇ 799/BCAÇ 1861 na Quinta do Paúl em Ortigosa, no dia 11 de Outubro de 2008

Velhinho guião da CCAÇ 799/BCAÇ 1861, (Firmes e Constantes) certamente carregado de história.


1. Mensagem do dia 5 de Setembro de 2008, de Arménio Vitória, provavelmente um camarada, que nos pede para divulgar o Encontro da CCAÇ 799/BCAÇ 1861.

Caros amigos
Solicito-vos a divulgação da realização do encontro dos militares e famílias da Companhia de Caçadores 799 (Guiné, Cacine/Cameconde – 1965/1967), cujo guião anexo, no próximo dia 11 de Outubro na Quinta do Paúl, em Ortigosa / Leiria.

Com os meus cumprimentos
Arménio Vitória

Guiné 63/74 - P3176: Estórias de Guileje (14): O meu (in)subordinado de transmissões (José Carioca, ex-fur ml tms e cripto, CCAÇ 3477, Gringos de Guileje, Guileje , 1971/72)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Simpósio Internacional de Guiledje > 1 de Março de 2008 > Restos do aquartelamento, abandonado pelas NT em 22 de Maio de 1973. Segundo o nosso amigo Pepito (que regressou ontem à sua terra, depois de um merecido período de férias em Portugal), há agora boas condições (políticas, com o novo governo chefiado por Carlos Correia, de 72 anos, engenheiro agr+onomo, formado na antiga RDA, homem tido como sério e rigoroso, um dos históricos do PAIG e próximo de 'Nino' Vieira), para se avançar com o sonho do Museu de Sítio de Guileje, projecto da AD - Acção para o Desenvolvimento, acarinhado pelos antigos combatentes do PAIGC e pela população local, e que tem desde o início o nosso entusiástico apoio. Guileje ainda está sob servidão militar, como todos os demais antigos aquartelamentos das tropas portuguesas no período da guerra colonial. Por Guileje passaram centenas de camaradas nossos, incluindo os Gringos de Guileje, que aqui se evocam nesta estória do Zé Carioca (LG).

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

1. Mensagem do José António Carioca, um Gringo de Guileje (*), com data de 31 de Julho (*).

Assunto - Contadores de estórias


Olá Luís, boas noites, tudo bem?

Ao navegar pelo blogue fui parar a um artigo de 18 de Janeiro de 2007: Guiné 63/74 P 1443: Contributo para a história da construção do aquartelamento de Guileje (José Barros Rocha, CART 2410, Os Dráculas, 1969/70).

Seguidamente entro no P1431 de 15 de Janeiro de 2007, Guileje: Quem (e quando) construiu os abrigos de cimento armado (Pepito/Nuno Rubim).

Fiquei espantado! É que a foto que aparece de A.S., é enviada pelo irmão Manuel, que está a reproduzir alguns enxertos do post de 26 de Janeiro de 2006 (...) (Quando a terra treme). Então entrei no link do Ninho do Açor On Line, de Manuel Sousa, para ler este artigo (**).

Ora, fiquei pasmado, pois o A. S. esteve comigo em Guileje, pertenceu ao meu grupo, foi para lá por castigo derivado ao seu alegado ‘mau comportamento’. As semelhanças são tantas que não pode ser pura coincidência...

Como ele houve outro, em Guileje, não sei o que terão feito para merecer tal castigo, só que o A. S. em Guileje também teve comportamentos que no mínimo, e à luz dos valores da época, do RDM, da situação de guerra, etc. , poderíamos considerar como 'estranhos', ‘indesejáveis', 'reprováveis'...

Eu sei que no blogue não se fazem juízos de valor sobre o comportamento dos camaradas. Não sou juiz, nem quero julgá-lo. Mas apenas relatar duas estórias, em que ele é o protagonista principal.

A alcunha dele era o Doutor Maluco, porque andou a dizer ao resto do grupo que era doutor. Não se dava com ninguém, olhava as pessoas cabisbaixo, de lado... Recordo-me que uma vez para rapar alguns pêlos mal semeados na cara foi para as instalações dos oficiais. Ao ser repreendido por um dos oficiais, respondeu para este que estava a gozar dos seus plenos direitos....

Se bem me lembro, o A. S. tinha sido 1º Cabo mas, com os recorrentes processos disciplinares, para além de vários dias de prisão, teria sido despromovido.

Outra peripécia que me lembro bem foi: O A. S., como todos os outros militares de transmissões que reportava a mim, teria que fazer serviço no posto de rádio. Então um dia teve que entrar de serviço às 5 horas da manhã. Como não aparecia para cumprir com a sua obrigação, o camarada que deveria sair para ir descansar, aguentou mais trinta minutos porque quis assistir à saída de uma patrulha que ia para o mato.

Como já era normal o nosso Doutor chegar atrasado ao serviço, foi chamá-lo e acompanhou-o até ao posto de rádio, só depois se foi embora. Com isto já seriam umas 5 horas e 45 minutos, mas muito perto das 6 horas a patrulha no mato sofre uma emboscada, o operador de rádio começa a chamar para o quartel para pedir apoio aéreo, no quartel ninguém respondia às chamadas, pois o nosso homem abandonara o posto e fora para a caserna voltar... a deitar-se.

Obviamente que o tiroteio era ouvido no quartel e toda a gente se deslocava para junto das transmissões, todos os elementos do grupo de transmissões (inclusivamente eu) e os criptos estavam com os ouvidos postos nos rádios, fazendo um trabalho em vários equipamentos para o pedido de apoio aéreo e depois o contacto com os pilotos para dar as coordenadas dos nossos militares em apuros...

O próprio Capitão [da CCAÇ 3477] estava nessa patrulha. Felizmente tudo acabou bem. Mas, para minha grande indignação, o meu subordinado nem sequer apareceu no posto de rádio… Escusado será de dizer que, na altura, só me apetecia dar-lhe dois murros bem dados... Enfim, são águas passadas que não moem moinhos. E eu hoje se o visse, só podia dar-lhe um... abraço.

O Sr. Manuel Sousa conta neste artigo [do seu blogue] que o Alferes João Tunes (***) se deslocava todos os meses a Guileje para mudar os códigos de cripto, sinceramente não me lembro no meu tempo de alguém o ter feito, acho que se alguém lá fosse pelo menos duas ou três vezes durante o ano, que lá estivesse a passar uma semana, teria forçosamente que contactar comigo. Mas mais estranho é o facto da descrição que faz sobre a sua chegada a Guileje, passo a descrever:

A chegada ao destino descreve-a assim: “As palmeiras da periferia do quartel de Guileje perfilavam-se na frente da Dornier. À frente delas, distinguia-se o que parecia ser um estado degradado e meio despedaçado com uma bandeira portuguesa comida pelo sol e rota nos cantos içada no meio dos casinhotos”…

Conta ainda que os soldados de ” rostos fechados e olhares distantes” nem pareciam pessoas, mas “ ratos metidos dentro de uma ratoeira, destinados a apanhar porrada” ou “um bando de humanóides sem vontade de viver.”

E mais adiante conclui o João Tunes: “ Os militares de Guileje sentiam-se mais perto de outra vida que da vida vivida. Os que não estavam malucos por lá andavam perto".

Mais à frente no artigo (vd. parte com o título "O troar dos canhões"), escreve o autor do blogue Ninho do Açor:

“Enquanto o meu irmão esteve em Guileje o quartel era atacado com frequência mas normalmente não havia baixas mortais”. Depois mais à frente ainda nos conta: "O ambiente no quartel decorria com uma certa normalidade quando no primeiro trimestre de 1973 o nosso conterrâneo recebe uma guia de marcha para se apresentar no quartel general em Bissau, avizinhava-se o tão ansiado regresso à metrópole" (...).

Olha, Luís, eu entrei no blogue do Ninho do Açor que pertence ao Sr. Manuel Sousa, quis fazer lá um comentário sobre tudo isto que acabo de ler mas não consegui, dava sempre erro. Como não sou nenhum expert em informática e nem consegui descobrir qualquer endereço de email, para o fazer recorri à Tabanca Grande para dizer que apenas tenho conhecimento de um camarada Gringo que de facto ficou com um trauma de guerra…

Estive com ele no almoço dos Gringos do ano passado (****), apenas soube que ele não consegue ver comentários de guerra, que chora. O que diz o narrador sobre o estado do pessoal em Guileje acho exagerado… Só farei qualquer comentário mais aprofundado sobre este assunto se tiver a certeza de que quem escreveu este artigo, o quiser fazer.

Sei que alguns Gringos já faleceram por acidente ou por doença, gostaria de saber se o A. S. ainda é vivo e se está ligado à cultura, como consta no blogue do Ninho do Açor (*****).

Abraços, José Carioca
____

Notas de L.G.:

(*) José Carioca, ex-Fur Mil Trms e Cripto, CCAÇ 3477, Gringos de Guileje, Guileje (1971/72)

Vd. poste de 6 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2815: Tabanca Grande (67): Os Gringos de Guileje: Abílio Delgado, Zé Carioca e Sérgio Sousa (CCAÇ 3477, Nov 1971/ Dez 1972)

(**) O autor do blogue, o Ninho do Açor (que parece estr actualmente inactivo, o último poste remontado a 2006) apresenta-se como professor primário, matemático, astrónomo amador, historiógrafo, folclorista, latinista, especialista de descida de rios em caiaque, etc..; é ainda autor de outros blogues:

No blogue Gente da Minha Terra, há um poste com data de 2 de Outubro de 2004 sobre o A.S., que o Zé Carioca julga ser um seu antigo camarada de transmissões. Aqui vai um extracto:

(...) "No período de 1971-1973 esteve na guerra colonial, na Guiné, onde passou por várias vicissitudes que viriam a marcar o seu futuro carácter. Esteve destacado em Bissau e Teixeira Pinto, tendo conhecido neste último aquartelamento o Coronel paraquedista Rafael Durão (...).

"Os momentos mais penosos da guerra passou-os em Guileje e Gadamael, no sul da província, onde esteve várias vezes debaixo de fogo. De entre as histórias guerreiras que constituem o seu reportório de soldado há uma que considero especialmente caricata: aquela em que uma companhia inteira é posta em debandada por um... enxame de abelhas. Há também aquela em que o nosso herói ia sendo morto por um preto depois de ter ido espreitar as pretas a tomar banho nas bolanhas, mas estas são contas de outro rosário...

"Este nidense é o exemplo mais acabado de alguém que encerra dentro de si um talento artístico insuspeitado. Há muitos anos levou a cabo uma banda desenhada onde relatava as aventuras rocambolescas dum padre e da sua bombástica sobrinha. A historia, desenhada a tinta da china, ocupava cerca de 100 páginas A4 pelo que já poderia ser considerado um trabalho de certo fôlego. Um dia, porém, num acesso de perfeccionismo e de insatisfação artística decidiu queimar tudo (...).

"Com todo este potencial podia ter evoluído para um artista de grandes méritos, mas o seu temperamento volúvel e pouco sociável, aliado aos traumas psicológicos da guerra, não permitiram que o génio artistico se traduzisse em obras de vulto, pelo menos até à data" (...).

(***) Esse texto do nosso camarada João Tunes já foi aqui reproduzido: Vd. poste de 14 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2437: Estórias de Guileje (1): Num teco-teco, com o marado do Tenente Aparício, voando sobre um ninho de cucos (João Tunes)

(****) Vd. poste de 22 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1869: Convívios (19): Os Gringos de Guileje, a açoriana CCAÇ 3477, encontram-se ao fim de 33 anos! (Amaro Samúdio)

(*****) Vd. último poste desta série, Estórias de Guileje> 12 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2934: Estórias de Guileje (13): Com os páras, no corredor da morte: armadilhe-se o moribundo (Hugo Guerra)

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3175: Antropologia (10): O Crioulo da Guiné (Mário Beja Santos)

O Crioulo da Guiné-Bissau (II)



O livro de Benjamin Pinto Bull encheu-me de orgulho pela sua importância quanto ao estudo da nossa língua e como ela influenciou e influencia o crioulo da nossa Guiné-Bissau. É um livro deslumbrante que merece um tratamento de divulgação. Farei um conjunto de referências e começarei a enviar mais na próxima semana.
"O Crioulo da Guiné-Bissau", de Benjamim Pinto Bull é uma edição de 1989, patrocinado pelo Ministério de Educação de Portugal, é uma edição conjunta do Instituto de Cultura e Língua Portuguesa (Portugal) e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (Guiné-Bissau). A capa é de Maria Fernanda de Carvalho e os desenhos de Cathie Peyredieu Pinto Bull, prefácio de Léopold Sédar Senghor

A Sabedoria do Crioulo Guineense

Beja Santos

Uma grande figura da cultura luso-guineense

Benjamim Pinto Bull (1916-2005) foi um lutador pela independência da Guiné-Bissau e um grande intelectual africano do século XX, aparecendo o seu nome ligado à promoção da língua portuguesa e ao estudo do crioulo guineense. Licenciou-se em Filologia Românica pela Sorbonne, doutorou-se em Rennes (também em França) com uma dissertação sobre O Crioulo da Guiné-Bissau: Filosofia e Sabedoria (Instituto de Cultura e Língua Portuguesa e Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, 1989). No prefácio do resumo do seu doutoramento, Léopold Sédar Senghor, antigo presidente do Senegal e membro da Academia Francesa exaltou a originalidade do seu trabalho como uma simbiose das culturas guineense, senegalesa e francesa. Pinto Bull apareceu na Universidade de Dakar em 1962 como responsável pela cadeira de Português. No final da década de 80 havia já no Senegal mais de mil alunos que aprendiam nos liceus do país a língua de Camões. O seu glossário de crioulo guineense é um trabalho magistral de valor incalculável, só precedido pelo trabalho pioneiro de outro guineense de grande estatura que foi o padre e investigador Marcelino Marques de Barros (1844-1928).

Senghor refere os aspectos capitais do trabalho de doutoramento de Pinto Bull e que são: o estudo das sobrevivências linguísticas portuguesas (toponímia, patronímica e vocabulário) na Guiné-Bissau, Gâmbia e Senegal; a abordagem do crioulo em geral e síntese dos diferentes falares crioulos; generalidades do crioulo da Guiné e referência a palavras crioulas nas relações e descrições dos viajantes e religiosos; o apogeu do crioulo ao tempo de Marcelino Marques de Barros e como é que ele entrou em declínio em meados dos anos quarenta; como se processou a reabilitação do crioulo, inclusive durante a luta da libertação. Começa aqui, talvez, a parte mais interessante do trabalho de Pinto Bull reservado ao património cultural crioulo. Ele analisa exaustivamente a filosofia e sabedoria do crioulo: provérbios, alcunhas, esconjuratórias, tradições e costumes, contos. E a nossos olhos abre-se uma realidade, uma bela narrativa oral que são as storia contadas pelos garandi contadas aos mais jovens onde se podem avaliar a alta qualidade das estruturas do conto crioulo com o seu estilo vivo cheio de ritmo e harmonia, manipulando com imenso talento os pleonasmos, as elipses, os eufemismos e até a ironia.

A dissertação de Pinto Bull é tão mais importante quando se sabe que o crioulo e o português vão coexistir ou coabitar por muito mais tempo. Se o português é a língua oficial da Guiné-Bissau, a língua que abre o país ao mundo exterior, fazendo-o escapar do isolamento cultural, o crioulo é língua viva e permanente da nação. Neste primeiro texto dedicado ao maior investigador de crioulo guineense do século XX e que faleceu no hospital Amadora-Sintra em 25 de Janeiro de 2005, precede-se à síntese dos capítulos referentes às sobrevivências linguísticas do português na Senegâmbia e uma abordagem do crioulo em geral.

Garandi k’ jungutu ta ma oja lunju di ke mininu k’ sikidu: Um ancião de cócoras vê mais longe do que uma criança de pé

Os portugueses baptizavam as terras que descobriam recorrendo hagiologia, os nomes dos santos e das santas eram frequentemente homenageados. Mas também as cores: Cabo Branco, Cabo Roxo, Cabo Verde. Inspiraram-se em animais, no ouro, na malagueta, etc. Restam sobrevivências linguísticas em diferentes regiões. No Senegal, os cristãos de Rufisque (talvez Rio Fresco) usavam nomes e apelidos portugueses, afrancesados. Gummes, Gonçalve, Rodrigue, Dies, Barrette, Baptiste. Os senegaleses, descendentes de imigrantes das ilhas de Cabo-Verde, são os Mendez, Gomez, Lopez que, em Ziguinchor se transformam em Mendy, Gomis e Lopy.

Na Gâmbia, Pte Barra é simplesmente a tradução do topónimo português Ponte da Barra e Ilha de Santa Maria deu origem ao topónimo inglês Sta. Maria Isle. Refere Pinto Bull que as autoridades coloniais da Gâmbia, dado o grande número de imigrantes vindos da Guiné Portuguesa que não falavam inglês, inscreviam o crioulo no registo civil sob a patronímica Carayol com o fim preciso de identificar esses emigrantes. Passando para a Guiné-Bissau, em que a palavra Guiné é de origem africana, aparecendo com várias grafias ao longo dos séculos, o topónimo Bissau é provavelmente papel, uma das etnias do país.

O actual Canal de Geba era designado nos mapas antigos sob o topónimo de Rio Grande ou rio Francasso, de origem mandinga. Os topónimos da região de Bafatá são de origem mandinga, os do Biombo são de origem papel, os de Bolama estão nitidamente associados ao crioulo e o mesmo se dirá de topónimos da região de Cacheu. Quanto à região de Gabu, prevalecem os topónimos de origem mandinga enquanto no Oio há topónimos claramente africanos que o crioulo respeitou.
Concluindo esta matéria, o investigador refere que a Guiné-Bissau tem diferentes topónimos de origem portuguesa que foram acrioulizados, há igualmente topónimos acrioulizados e há topónimos crioulos, caso de Gã Gregório, Ponta Augusto Barros e Ponta Consolação (gã em crioulo significa quarteirão de casa ou pequena aldeia e ponta propriedade rural). Pinto Bull refere o importante papel desempenhado pelos intérpretes na preservação das culturas guineenses e do crioulo em particular.

Os falares crioulos

Para os diferentes investigadores, a palavra crioulo designa um sistema linguístico autónomo de origem mista, que decorre do contacto de uma língua europeia com línguas indígenas ou importadas e que se tornou ou numa língua materna ou em língua principal de uma dada comunidade. Há crioulos com base lexical francesa, nas Américas (caso do Haiti, Martinica e Guadalupe, mas também na Guiana), no oceano Índico (caso da Reunião e Seychelles), crioulos com base lexical espanhola (o papiamento nas ilhas Curaçau, Aruba e Bonaire, por exemplo), crioulos com base lexical inglesa (Jamaica, crioulo da Guiana, o krio da Serra Leoa), crioulos com base lexical holandesa, crioulos com base lexical portuguesa (São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Malaca, Macau, Sri Lanka e Índia, mas também diferentes crioulos no Brasil). Depois, Pinto Bull anuncia que se vai centrar no crioulo da Guiné, fala da sua história, na Guiné de Cabo-Verde e na Guiné autonomizada de Março de 1879, refere o tráfego de escravos, a importância dos lançados, os recursos económicos, os aspectos étnicos e humanos. Começaremos o próximo texto falando das generalidades do crioulo da Guiné.
__________

Notas de vb:

(1) Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70)

(2) artigos relacionados em

29 Agosto 2008 Guiné 63/74 - P3154: Antropologia (9): O Crioulo da Guiné. Mário Beja Santos
11 de Agosto de 2008 Guiné 63/74 - P3128: Antropologia (8): Exposição Bijagós no Museu Afro Brasil, São Paulo

Guiné 63/74 - P3174: Em busca de... (38): Causas da morte do Alf Mil Manuel Sobreiro (Mampatá, 1968) Parte I (José Martins)


Mensagem do nosso camarada José Martins, ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5 - Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70, de 2 de Setembro de 2008
Assunto: Alferes Sobreiro (1)

Caro Carlos Vinhal e António Pires
Em anexo segue um texto com a correspondência trocada entre mim e o Raul Caetano, acerca do seu tio e nosso eterno camarada de armas Manuel Sobreiro.

Vai para os dois, uma vez que são elementos dos blogues de referência sobre as coisas do ultramar.

1. Caro Raul e Nelson
Não vos conheço pessoalmente, o que tenho pena. Mas, pelo esforço que têm levado a cabo na descoberta da verdade do Sobreirito é mais que suficiente para vos considerar, permitam-me, no mínimo meus "sobrinhos".

Ao Freire, conhecimento recente, um incentivo para trazer ao conhecimento de todos as estórias que viveu e tem para contar.

Aos camaradas, cujo nome desconhecemos e que são muitos, votos de que em breve abram o baú da memória e transmitam para toda a gente a vivência da guerra, para que a história se possa fazer.

A todos um fraternal abraço
José Martins


Guiné > Guileje > BART 1896 > CART 1612 (1967/69) > O Alf Mil de Minas e Armadilhas, Manuel Sobreiro, natural de Leiria, morto numa acidente com um granada defensiva, em Mampatá, em Fevereiro de 1968.

Fonte: Nelson Domingues > Blogue > As Verdades do Sobreirito(2007). (com a devida vénia...).


2. PROCURA de ex-CAMARADAS que estiveram na GUERRA COLONIAL

Mensagem do Raul Sobreira Caetano, com data de 24 de Junho de 2007

Manuel de Jesus Rodrigues Sobreiro Alferes do RAP2/CART 1612. Morto na Guiné em 24 de Fevereiro de 1968. Motivo: Versão Oficial - Acidente

Agradecia informações sobre o meu tio, temos muitas dúvidas em relação à sua morte
.

Contacto: E-mail: caetano.raul@gmail.com

Informação:
Contacte os responsáveis pelos seguintes sites:
http://www.cart1525.com/ - Contactos em: http://www.cart1525.com/pagina2.html

No site supra identificado, na sua página - http://www.cart1525.com/historial.htm descrevem operações militares em que esteve envolvida a Companhia de Artilharia 1612.
Por outro lado, no blog "Luís Graça & Camaradas da Guiné", também falam da CART 1612:
http://blogueforanada.blogspot.com/2006/01/guin-6374-cdxxxvii-memrias-de-guileje.html
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2006_07_16_archive.html

Como habitualmente, e já se conta por anos, depois de ver a caixa de correio electrónico – profissional e pessoal – passo pelas páginas dedicadas à Guerra do Ultramar/Colonial, para ver os textos que vão sendo apresentados, graças não só a quem os escreve, mas, sobretudo, a quem os vai editando dia após dia.

O pedido supra encontrava-se na página de ultramar.terraweb.biz, do nosso amigo e camarada António Pires, que cumpriu o serviço militar em Moçambique. Não podia deixar de dar a minha colaboração!

3. Mensagem enviada no dia 27 de Abril de 2007 a Raúl Sobreira Caetano

Caro Raul Caetano
Vi a mensagem solicitando informações sobre o seu tio MANUEL DE JESUS RODRIGUES SOBREIRO.

Estes assuntos, mesmo para nós que lá estivemos, são sempre dolorosos e difíceis de abordar. No entanto, consultei os meus arquivos sobre OS QUE CAIRAM EM CAMPANHA, e encontro que o acidente, na versão oficial, acrescenta que o acidente foi com arma de fogo e, nas observações, indica que ocorreu na verificação de uma armadilha colocada pelas Nossas Tropas em Leroiel. A CART 16132 era comandada pelo então Cap Art Orlando Ventura de Mendonça, que, provavelmente, hoje é Coronel na reforma.
Infelizmente, estes infaustos acontecimentos, eram frequentes.

No entanto, este mail vai com conhecimento ao editor do blogue "Luís Graça e Camaradas da Guiné", pois pode acontecer que entre os nossos tertulianos ou entre os nossos visitantes do blogue, que sabemos serem muitos, haja alguém que se possa adiantar mais informações.

Louvo a iniciativa da busca de um maior conhecimento sobre um facto ocorrido na Guerra de Africa, pois que contribuirá para que a mesma seja lembrada e, com estes pequenos factos, se coloque [bem alto] o nome dos nossos camaradas que levaram até às últimas consequências, o juramento prestado perante a Bandeira Nacional.

Um abraço do
José Martins
Fur Mil Trms Inf
CCAÇ 5/CTIGuiné
Junho/68 a Junho/70

4. Mensagem recebida em 28 de Abril de 2007, remetida por Raúl Sobreira Caetano

Sr. José Martins
Fico muito feliz pelo seu mail, o qual desde já agradeço.
Sei que se deve lidar com muito cuidado com estes assuntos, pois como o Sr. mencionou são sempre dolorosos e difíceis de abordar, mas acho que as famílias dos que por lá caíram têm o direito à verdade.

A morte do meu tio sempre foi um assunto tabu, primeiro porque a minha avó no espaço de dois anos ficou sem o marido e o filho mais velho. Segundo porque na altura as informações que nos chegavam eram contraditórias, como se vivia numa ditadura talvez não se procurasse a fundo a verdade. Havia a verdade oficial e uma vez por ano vinha um Pelotão ao cemitério homenagear os nossos mortos (entre os quais o meu tio), com salvas de tiro. Provavelmente isto fazia esquecer a procura da verdade.

Sei que alguém da minha família tentou saber mais, mas acho que não o conseguiram.
Há relativamente pouco tempo, veio parar às minhas mãos por acaso um caderno do Expresso com os soldados mortos no Ultramar e por minha surpresa não encontrei o nome do meu tio. Não tenho a certeza se realmente não está ou se eu não consegui encontrar, pois a lista é muito longa e poderia ter-me escapado, já providenciei para a obter. Mas este episódio, despertou a minha curiosidade, e agarrei-me aos meios que possuo, nomeadamente a Internet e encontro uma lista de combatentes que morreram na Guiné, creio que foi o Sr. que a elaborou, na página do Ultramar.terraweb (anexa) [Listagem Guiné - Tombados em Campanha, página 21] onde o nome do meu tio aparece e o motivo acidente. Como queremos ir sempre mais além, enviei uma mensagem para tentar saber mais informações da morte do meu tio. No dia seguinte recebo um mail para consultar os sites
http://www.cart1525.com/ e o blogueforanada.blogspot.com (do Sr. Luís Graça e Camaradas da Guiné).

No primeiro site não encontrei nada, mas no segundo encontrei, para grande surpresa minha um artigo escrito pelo Sr. José Neto a descrever pormenorizadamente a morte do meu tio (em anexo) [reproduzido no final deste mail, em itálico].
Agora recebo o seu e cada vez a confusão é maior.

1.º - Morreu a desarmadilhar uma granada defensiva (é uma arma de arremesso, não de fogo??) ou na verificação da zona foi alvejado por alguém?

2.º - Segundo o Sr. José Neto ele era o 2.º Comandante da Companhia, porquê ele a fazer a verificação da zona armadilhada e não um militar com posto mais baixo?

3.º - Segundo os arquivos que consultou a armadilha foi colocada pelas nossas tropas, seria treino ou foi tudo premeditado?

Para já são estas dúvidas que estão no ar, citei só estas pois surgiram depois da consulta do artigo e do seu mail, mas outras subsistem que mais tarde talvez, com mais informação, exporei. O que quero é a verdade, pois só assim a história da Guerra Colonial poderá ser lembrada e escrita.

Um abraço

P.S. Tentei enviar um mail ao Sr. José Neto mas sem sucesso. Deve estar desactivado, se souber maneira de o contactar, agradeço.
[transcreve-se o post mencionado, retirado do blogue “Luís Graça e Camaradas da Guiné] de 12 Janeiro 2006 > Guiné 63/74 - CDXLV: As malditas formigas pretas do José Teixeira

Texto do Zé Neto:
Luís:
A minha intenção era ficar aqui caladinho no meu canto para não entupir a formidável sequência de factos das campanhas da Guiné. (Creio que estamos a construir um monumento histórico e inédito). Mas o José Teixeira tem o condão de me despertar recordações dispersas, pois fala de sítios por onde andei. Admiro-o muito.

E, a propósito das desgraçadas formigas (1), veio-me à memória a morte inglória do meu conterrâneo Alferes Miliciano Manuel Sobreiro (2.º comandante da CART 1612, por ser o mais classificado dos alferes) (2). O Sobreirito (como eu o tratava na intimidade) tinha a especialidade de Minas e Armadilhas.

Em Fevereiro de 1968, precisamente na área de Mampatá, foi encarregado de desarmadilhar uma zona por onde iam alargar uma picada. Quando já tinha bem presa a alavanca duma granada defensiva instantânea e se preparava para introduzir a cavilha foi mordido num artelho por uma dessas formigas. Ao fazer o gesto de sacudir o insecto escorregou-lhe a alavanca e... sucumbiu crivado de estilhaços.

O Alferes Miliciano de Artilharia nº 0022363, Manuel de Jesus Rodrigues Sobreiro, natural de Riba de Aves, Souto da Carpalhosa, Leiria, não morreu em combate. Os senhores da guerra determinaram que foi "morto por acidente". Tanta injustiça que se cometeu!!! Um dia hei-de abordar este tema.
Até breve.

Zé Neto (CART 1613, Guileje, 1967/68, ex-sargento, hoje capitão reformado)
____________

Notas de L.G. [Luís Graça]
Vd post de 11 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXL: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (6): Mampatá, Setembro-Outubro de 1968.

Um das três companhias operacionais do BART 1896 (As outras duas eram a 1613 e a 1614). Segundo o Zé Neto, esta última, a CART 1614 era "a subunidade turista da Guiné que nunca ninguém do Batalhão conseguiu descobrir a razão de ficar sempre de fora dos petiscos que calharam às outras duas companhias operacionais (1612 e 1613)". E acrescenta, com ironia: "Eu desconfio, mas, para misérias do Celestino já basta!"...

5. Mensagem enviada no dia 29 de Abril de 2007 a Raúl Sobreira Caetano

Caro Raul
Acabo de chegar de Pombal, onde se reuniram, pela segunda vez no espaço de seis meses, alguns elementos que fazem parte do blogue do Luís Graça, entre os quais me incluo, participando com alguns escritos e pesquisas, assim como na página de
ultramar.terraweb.biz, onde pretendi com a listagem enviada, prestar homenagem a todos aqueles que tombaram.
Talvez por ter visto a morte a rondar-me por três vezes durante a minha estada na Guiné, entre Junho de 1968 e Junho de 1970.

Curiosamente, depois de sair de Pombal, estive em Leiria, donde sou natural e onde ainda tenho família, uma vez que agora resido em Odivelas. Não sabia que o meu amigo Zé Neto, que além do blogue conheço pessoalmente, também era da nossa região. Infelizmente não estive com ele, já que se encontra doente.

Quanto ao nomes publicados pelo Expresso em 30 de Abril de 1994, e que faz parte dos meus arquivos, poderia estar errado por defeito. Ainda há pouco tempo foram acrescentados nomes na parede do Forte do Bom Sucesso, em Belém - Lisboa, por não terem sido incluídos na listagem então elaborada. No entanto o nome do seu tio aparece na página 26, desse caderno, na 15ª posição, tendo um R em vez de Rodrigues.
Mas vamos tentar aclarar as dúvidas que possam existir:

1.º - Foi do 8.º volume da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), página 334, que retirei as informações enviadas. O texto do meu camarada José Neto confirma o que está no livro. No nosso léxico, arma de fogo é considerado todo o engenho que actua através de uma deflagração ou explosão.

2.º - No texto do Zé Neto refere que o seu tio tinha a especialidade de Minas e Armadilhas, uma das razões porque, apesar de ser o oficial subalterno mais antigo e, por conseguinte, o 2.º comandante da companhia, ter sido ele a fazer aquele trabalho. Isto além de, como oficial e como mais graduado, por altruísmo e para preservar os homens que estavam sob as suas ordens, logo sob a sua responsabilidade, serem os mais graduados a executar as tarefas mais difíceis e arriscadas. Eu próprio, como Furriel, substituí os meus homens em diversas tarefas que além de não me serem atribuídas, a tal não ser obrigado.

3.º - Quanto a esta questão, pelo que lí, tratou-se de uma acção real. Se fosse um treino decerto teria feito mais vítimas, pois que teria à sua volta os elementos a quem pretendia passar os seus conhecimentos. Tanto as nossas tropas como o inimigo (o PAIGC) recorriam a esta guerra subterrânea, que tantas vítimas provocaram de ambos os lados.

Os endereços electrónicos do meu camarada José Neto, de que disponho, são zeneto@netcabo.pt ou netoze@clix.pt.

Mais uma vez me congratulo por a vossa geração querer saber a verdade sobre a guerra que nós travamos, mas que durante anos escondemos, como se tivéssemos praticado um pecado capital. Hoje, 37 anos depois de ter deixado o teatro de operações, já falei mais da guerra ao meu neto, que tem 11 anos, do que o que falei aos meus três filhos.
Sabemos que nada poderá mudar o rumo que as coisas do passado tiveram, mas estamos cientes de que quanto mais se souber sobre aquele período da nossa história, pois de história se trata, se poderá melhorar, compreender e ajudar todos aqueles que, a sua participação na guerra afectou, a ponto de os inutilizar, em termos físicos e psicológicos, para o resto das suas vidas.

Como é óbvio e faz parte do nosso (blogistas) código de conduta, este mail vai com conhecimento ao editor Luís Graça, pois que assim também é possível obter outros elementos que possam ser do conhecimento e interesse geral.

Termino, mantendo-me ao dispor para o que possa ser útil, com um abraço
José Martins

6. Mensagem recebida em 2 de Maio de 2007, remetida por Raúl Sobreira Caetano

Mais uma vez agradeço a atenção dispensada.
Saudações de um leiriense (dos arredores) para outro que não esqueceu as suas raízes.
Embora eu não seja natural de Leiria, porque nasci na Alemanha, razão pela qual nunca conheci o meu tio, embora quando ele morreu eu também só tivesse dois anos. Sei que ele uns meses antes do trágico acontecimento esteve em Portugal.

Mas já agora depois de ter lido as suas explicações, que me deixaram completamente esclarecido. Surge ainda uma dúvida, no léxico das forças armadas qual a diferença entre morrer em combate e morrer por acidente? Pois segundo o que li no texto do Sr. José Neto e na sua explicação, acho que o meu tio morreu em combate, ou será que estou errado. Dúvida esta que o Sr. José Neto também levantou no seu texto.

Agradeço informação sobre os endereços do Sr. José Neto, mas não consigo entrar em contacto os mails vêm todos devolvidos.

Um abraço


7. Mensagem enviada em 3 de Maio de 2007 para Raúl Sobreira Caetano

Caro Raul
A pergunta que me é colocada, tem lógica e tem razão de ser.
O que se segue é apenas, e apenas a minha opinião, apesar de dar alguns tópicos que, acredito eu, serem a dita versão oficial.

Na Guiné, desde que púnhamos o pé naquela terra, saudosa para muitos e também para mim, apesar de haver recordações menos boas e/ou mesmo más, até que a deixávamos, o nosso tempo passava a contar pelo dobro. Isto é: eu que estive exactamente 2 anos (2 de Junho de 1968 a 2 de Junho de 1970), o tempo que lá estive, para efeito de antiguidade e reforma, vale por quatro. Toda aquela terra era terra de 100%, ou seja, enquanto em Angola e Moçambique, para falar das três principais, havia zonas de diferente valor percentual, a Guiné era toda igual. Tanto contava no interior do mato como nas Repartições do ZIAC (termo adoptado pelos militares que designava a Zona de Intervenção com Ar Condicionado).

Por estas razões, acrescidas de que um militar se encontrava naquele local por força de uma guerra, e tinha que estar sempre disponível e alerta para qualquer emergência, tudo girava em torno da actividade operacional, ou seja, sempre em estado de prontidão para o combate.

Assim, para mim, qualquer baixa, fosse qualquer que fosse a causa, foi e será baixa em combate.

No entanto, era mais agradável para as estruturas de comando, quer nos teatros de operação quer aqui na metrópole, apresentar as baixas como acidente, sem mais qualquer explicação, havendo quem dissesse que havia mais mortes em Portugal Continental por acidentes de automóvel, do que em combate no Ultramar. Era isto que servia os interesses instalados, e que ainda são uma mola real e justificação para tudo: as estatísticas.

Portanto, para mim, o meu camarada Alferes Manuel Sobreiro morreu pela Pátria, em combate, levando ao extremo aquilo que jurou perante a Bandeira Nacional: lutar até ao sacrifício da própria vida.

Foi o que aconteceu, por isso, todos os que lá estivemos, lamentando as baixas acontecidas, curvamo-nos perante os factos e respeitamos a memória, não só do Sobreiro mas de todos, como Herói Nacional e colocamo-lo ao lado de um qualquer HERÓI PORTUGUÊS, lembrado na História que nós, todos os dias, ajudamos a cumprir e que foi ensinada aos nossos filhos e agora é ensinada aos nossos netos.

Eu próprio, sempre que o tempo e os meios me permitem, procuro obter dados sobre o que foi a vida de um tio paterno que, depois de ter sido incorporado no Batalhão do Regimento de Infantaria 7, de Leiria, e ter combatido em França, ao lado do meu avô materno, na I Grande Guerra, foi parar a Angola onde, apesar dos seus 65 anos, não hesitou em tornar-se o primeiro comandante das milícias civis, que foram criadas em S. Salvador do Congo em 1962.

Concluindo: O Alferes Miliciano de Artilharia Manuel de Jesus Rodrigues Sobreiro, morreu em combate. RIP

José Martins


Apesar de não estar no contexto desta troca de mensagens, a que segue tem grande importância. O nosso Zé Neto talvez tivesse as respostas para este caso. A notícia, que apesar de já esperada, caiu como uma bomba no nosso correio electrónico.

8. Mensagem da Leonor, neta do Zé Neto, com data de hoje, 29 de Maio de 2007
Assunto: Notícias tristes.

Caros amigos:
É com enorme dor que vos escrevo para comunicar o falecimento do meu querido avô, Zé Neto.
(...) Um abraço,
Leonor.


De imediato enviei a seguinte mensagem

9. Mensagem enviada no dia 3 de Maio de 2007 a Leonor (neta do Zé Neto)

Caros amigos
Recebi a noticia.
Sinto a vossa dor, e se vos pode servir de alguma coisa, também vos acompanho na dor.
Conheci o Zé, permitam-me a forma como me exprimo, e apenas alguns momentos bastaram para se cimentar uma amizade que, creio, também era recíproca.
Mais um partiu, quiçá, para preparar a nossa chegada.
Não deixem perder a memória do vosso pai ou avô. É a maior homenagem que se lhe pode prestar.
Para mim, perdurará na minha amizade.

José Martins
Fur.Mil.Trms.Inf.
Canjadude – Guiné
1969 a 1970


10. Mensagem enviada, com a mensagem anterior em anexo para Raúl Caetano:
Caro Raul
É com tristeza que reencaminho o mail que hoje enviei à família do nosso amigo José Neto, já que ele não mais responderá às questões que lhe ainda queríamos colocar.

Um abraço
José Martins


11. Mensagem recebida no dia 30 de Maio de 2007, remetida por Raúl Sobreira Caetano

Sr. José Martins
Agradeço a sua atenção.

É com dupla tristeza que recebo a notícia que me enviou, primeiro pela morte do Sr. José Neto e depois porque, o Sr. José escreveu que um dia falaria sobre a morte do meu tio, e assim a sua voz calou-se.

Agradeço que caso venha a ter novidades deste assunto, quiçá talvez o Sr. José Neto tenha deixado algo escrito (agora não é altura ideal para averiguar), me informe.

Eu tenho um rascunho de um mail escrito para lhe enviar, mas estou numa fase muito complicada do ano, pois é a altura do fecho de contas e não tenho tido tempo de o corrigir nem de falar com a minha avó sobre alguns dos pormenores conhecidos da morte do meu tio.

Um abraço
Raul Caetano


12. Mensagem enviada no dia 31 de Maio de 2007 a Raúl Sobreira Caetano

Caro Raul
Estive ontem com a família do Zé Neto e tomei conhecimento de que ele tem um livro escrito. Não sei se sobre a Guiné se sobre a sua vida militar, já que era de carreira e esteve em Macau (antes de 1961), Norte de Angola (1962/1963), Guiné (1966 a 1968) e novamente Angola (1970/1971).

Não era ocasião de se falar muito sobre isto. No entanto incentivamos, os netos a entrar no nosso blogue, e eles aceitaram. Vamos ver o que vai aparecer.
Outra novidade, no mail, é de que somos colegas. Sou TOC, mas nesta altura já não tenho problemas com as contas. Apesar de as ter de fechar com data de 31 de Dezembro, tenho que ter as contas, já auditadas, ainda no mês de Fevereiro, já que a maioria do capital da empresa é Norueguês, e eles não perdoam.
Entretanto vamos mantendo o contacto.

Um abraço
José Martins


13. Mensagem recebida no dia 1 de Junho de 2007 remetida por Raúl Sobreira Caetano

Sr. José
Mais uma vez agradeço a sua atenção, fico a aguardar novidades.

Quanto à contabilidade, infelizmente em Portugal, deixamos sempre tudo para o fim.
Um abraço


14. Mensagem enviada no dia 15 de Junho de 2007 a Raúl Sobreira Caetano

Caro Raul
Acabo de ler o post n.º 1849 de Luís Graça & Camaradas da Guiné sobre o seu tio e de autoria de Nelson Domingues, da Monte Real, que presumo ser seu primo.

Já trocaram impressões sobre o que foi apurado na nossa troca de mensagens?

Um abraço
José Martins


(Post publicado em blogueforanadaevaotres.blogspot.com) em 14 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1849: Quero prestar a devida homenagem ao meu tio, o Alf Mil Manuel Sobreiro, da CART 1612, morto em Mampatá em 1968 (Nelson Domingues)
Guiné > Guileje > BART 1896 > CART 1612 (1967/69) > O Alf Mil de Minas e Armadilhas, Manuel Sobreiro, natural de Leiria, morto numa acidente com um granada defensiva, em Mampatá, em Fevereiro de 1968. Alguém se lembra dele e das circunstâncias em que morreu ?
Fonte: Nelson Domingues > Blogue >
As Verdades do Sobreirito(2007). (com a devida vénia...).

15. Mensagem de Nelson Domingues:

Boa noite!
Espero que se encontre de boa saúde.
Sou sobrinho de Manuel Sobreiro,

(i) Manuel Jesus Rodrigues Sobreiro (1942-1968).

(ii) Tombou a 24 de Fevereiro de 1968.

(iii) Causa (oficial ou oficiosa): Acidente .

(iv) Unidade Mobilizadora: RAP 2.

(v) Ramo das Forças Armadas: Exército.

(vi) Naturalidade: Chã da Laranjeira, Sto. Carpalhosa.

(vii) Posto e nº mecanográfico: Alferes Miliciano de Artilharia nº 0022363.

(viii) Unidade a que pertencia no CTIG: Alferes Miliciano Manuel Sobreiro – 2º comandante da CART 1612.

Eu e a minha família sempre ouvimos falar de muitas verdades sobre o acidente que vitimou o meu tio, mas por mais histórias que haja, o meu desejo é recolher o máximo de informação sobre o meu tio para o homenagear condignamente no dia 28 Fevereiro de 2008, no 40.º aniversário do seu desaparecimento.

Não o vou maçar mais, agradeço desde já a sua amabilidade para consultar o humilde blogue que estou a iniciar.

Os meus cumprimentos,
Nelson S S Domingues


16. Mensagem recebida no dia 21 de Julho de 2007, remetida por Raul Sobreira Caetano

Sr. José Martins

Acabo de receber um mail do Coronel Mendonça, com poucas palavras somente a apresentar-se como ex-comandante da 1612. A informar que conheceu o meu tio, que ele faleceu nos seus braços e que era um amigo que não pode esquecer.

Estou a preparar um mail para enviar mas, nunca sabemos da receptividade por parte dos superiores, por isso vou com cuidado.

Um abraço


17. Mensagem recebida no dia 19 de Agosto de 2008, remetida por Raúl Sobreira Caetano

Bom dia Sr. José Martins
Acabo de chegar de umas merecidas férias, sem telemóveis nem computadores por perto, quando vou consultar o meu mail, dou com esta mensagem de um ex-colega do meu tio, que lhe envio para seu conhecimento.

Á primeira vista coincide com a narração do Sr. José Neto, mas vou entrar em contacto para melhores esclarecimentos.

Obrigado por toda a sua ajuda


(Mensagem referida no texto anterior)

18. Mensagem recebida por Raul Sobreira Caetano no dia 2 de Agosto de 2008, remetida por Jorge Freire

Subject: Informação sobre a morte do alferes Manuel de Jesus Sobreiro
Boa tarde.

Acabei de ver uma página da Internet onde manifestava o desejo de saber as circunstâncias da morte do seu tio Manuel de Jesus Sobreiro (de Monte Real, Leiria).

O meu nome é Jorge Paes da Cunha Freire e fui alferes da CART 1612. Estive com o seu tio na formação da Companhia em Vila Nova de Gaia, em 1966, e depois na Guiné, em Bissorã e em Buba. Entretanto, em Agosto de 1967, fui transferido para Bissau.

Aquando do falecimento do seu tio, eu estava de férias em Lisboa e recebi uma carta do Comandante da Companhia, Cap Orlando Ventura de Mendonça a relatar-me o sucedido e que realmente me deixou muito chocado.

O que se passou foi o seguinte, (em Aldeia Formosa, perto de Buba, onde a Companhia estava destacada na altura) presenciado por soldados da Companhia, que me confirmaram o sucedido. O seu tio tinha a Especialidade de Minas e Armadilhas, tirada em Tancos, depois do 2.º ciclo do Curso de Oficiais Milicianos, tirado em Vendas Novas.

A origem do acidente que lhe causou a morte foi a circunstância em que teve de desmontar uma armadilha. Quando estava a proceder a essa operação, foi instantaneamente coberto por um tipo de formigas muito comum na Guiné, designado localmente por «correcção» ou também por «marabunta». Essas formigas cobrem uma pessoa em segundos e, quando mordem, se as arrancamos ficam as cabeças agarradas à pele, pelos ferrões. Ora isso aconteceu exactamente quando o seu tio tinha a armadilha na mão e que explodiu, quando ele sacudiu as formigas, cuja picada dói bastante. Foi isto que realmente sucedeu.

Espero ter contribuído para o esclarecimento do que se passou, manifestando o meu pesar, pelo desaparecimento do meu companheiro de armas, Manuel Sobreiro, que continua vivo na minha memória ao fim de 41 anos.

Aproveito a oportunidade para lhe apresentar os meus cumprimentos, pondo-me ao seu dispor se quiser contactar-me.
Jorge Freire


A correspondência com o Raul Caetano, para já, está transcrita acima. O seu primo – Nelson Domingues – também procura obter a verdade dos factos. Criou, inclusivamente, uma página – sobreirito.blogspot.com – cuja leitura aconselho vivamente e onde tenta mostrar, por testemunhos e outros textos, a admiração que tem pelo seu tio que, se chegou a conhecer, devia ser muito novo.

José Martins
____________________

(Para não tornar o poste demasiado extenso, proximamente daremos seguimento a este trabalho com a homenagem que José Martins se propõe fazer ao BART 1896:

Por mim, e em jeito de homenagem, transcrevo o que tenho em arquivo sobre o Batalhão de Artilharia n.º 1896 e as Companhias que o compunham, assim como os militares que deram o máximo que se lhes podia pedir: a própria vida!
JM


Co-editor, CV
____________________

Notas de CV:

(1) - Vd. postes de:

14 de Junho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1849: Quero prestar a devida homenagem ao meu tio, o Alf Mil Manuel Sobreiro, da CART 1612, morto em Mampatá em 1968 (Nelson Domingues)

20 de Junho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1861: Homenagem ao meu tio, Alf Mil Minas e Armadilhas, Manuel Sobreiro, do BART 1896 / CART 1612 (Nelson Domingues)

6 de Outubro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2160: Militares mortos em campanha, no sul, entre Fevereiro de 1968 e Janeiro de 1969 (J. C. Abreu dos Santos), onde se pode ler:

Resumo de baixas mortais ocorridas em 24Fev68-27Jan69 no sul da Guiné (Mampatá, Mejo, Quebo, Guileje, Gandembel, Ponte Balana)

– sábado 24Fev68 † MANUEL DE JESUS RODRIGUES SOBREIRO nascido em 1942, na freguesia de Souto da Carpalhosa, concelho de Leiria Alf Mil Art M/A, 2ºCmdt da CART 1612/BART 1896-RAP2 (a 6 meses do final da comissão); morre em «acidente» com deflagração de granada defensiva, na região de Mampatá.

Guiné 63/74 - P3173: Notícias da Casa da Guiné-Bissau em Coimbra (1): Assembleia Geral Extraordinária, dia 7 de Setembro (Leonardo Pereira)

Guiné-Bissau > Região de Quínara > Empada , > Escola primária > 19 de Abril de 2006 > Meio dia > Uma imagem belíssima do jovem e talentoso fotógrafo Hugo Costa, membro da nossa Tabanca Grande, que revisitou a terra de eleição de seu pai, o Albano Costa, em Abril de 2006 (Já tinha lá estado em Novembro de 2000, com o seu pai e outros camaradas).

Legenda: "O melhor da Guiné-Bissau são as suas crianças, e em especial as que frequentam a escola; e é nelas que podemos depositar a esperança e a confiança no futuro... É também a pensar nelas que foi criada a Casa da Guiné-Bissau em Coimbra, associação que reune maioritariamente estudantes e quadros guineenses da diáspora"... (LG)

Foto: © Hugo Costa / Albano Costa (2006). Direitos reservados


1. Mensagem recebida da Casa da Guiné em Coimbra, através do Presidente da Assembleia Geral, Leonardo Pereira. O presidente desta associação (*) é um nosso amigo, o Doutor Julião Soares Sousa (**), historiador, que conhecemos na sua terra natal, por ocasião do Simpósio Internacional de Guileje (1-7 de Março de 2008), e a quem reiteramos o convite para se juntar à nossa Tabanca Grande:


Caros Associados,Amigos e Simpatizantes da Casa da Guiné-Bissau em Coimbra

Fazendo uso das suas competências estatutárias, a Presidência da Mesa de Assembleia vem por este meio comunicar a todos os supracitados que realizar-se-á no próximo dia 7 de Setembro de 2008 (Domingo) pelas 16 Horas, no Mini-Auditório da AAC [Associação Académica de Coimbra], uma assembleia-geral extraordinária, com a seguinte Ordem de Trabalhos :

1. Discussão e aprovação do valor das quotas e das jóias a propôr pela Direcção;
2. Apresentação de propostas de emendas e alteração nos Estatutos da Casa da Guiné-Bissau em Coimbra;
3. Apresentação, discussão e aprovação do Plano Anual de Actividades;
4. Informações;
5. Diversos.

É importante a presença de TODOS no arranque final rumo ao futuro.

Com os melhores e respeitosos cumprimentos

Coimbra, 24 de Agosto de 2008

A Presidência da Assembleia Geral da CGC
Leonardo Pereira

________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores sobre a Casa da Guiné-Bissau em Coimbra:

8 de Julho de 2008 >
Guiné 63/74 - P3033: Convite (6): Tomada de posse dos Orgãos Sociais da Casa da Guiné-Bissau em Coimbra

28 de Agosto de 2008 >
Guiné 63/74 - P3152: Exposição na Casa da Guiné de Coimbra (Julião Soares Sousa)


Recorde-se que a Casa da Guiné-Bissau em Coimbra (CGBC) é uma associação recentemente criada, sem fins lucrativos, religiosos ou partidários, e é constituída por todos os naturais da Guiné-Bissau e pessoas de outras nacionalidades que comungam dos objectivos definidos nos seus Estatutos.

São alguns dos seus objectivos:

(i) A realização de eventos sócio-culturais, tais como cursos de formação, conferências, palestras, seminários, simpósios, criação de áreas de pesquisas, de biblioteca e centro de documentação, intercâmbios culturais com outros países;

(ii) A realização de actividades recreativas e desportivas, apresentação de espectáculos e comemorações;

(iii) Defender e promover os direitos e interesses dos naturais da Guiné-Bissau e seus descendentes em tudo quanto respeite à sua valorização, de modo a permitir a sua plena integração e inserção;

(iv) Promover e estimular as capacidades próprias, culturais e sociais das comunidades dos naturais da Guiné-Bissau e seus descendentes.



(**) Vd. poste de 17 de Janeiro de 2008 >
Guiné 63/74 - P2447: Julião Soares Sousa, o primeiro guineense a doutorar-se pela Universidade de Coimbra (Carlos Marques Santos / Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P3172: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (42): Cartas de um militar de além-mar em África... (5)


Texto de Beja Santos
ex-Alf Mil,
Comandante do Pel Caç Nat 52,
Missirá e Bambadinca,
1968/70

Fotos (e legendas): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.


Operação Macaréu à vista

Episódio XLII

CARTAS DE UM MILITAR DE ALÉM-MAR EM ÁFRICA PARA AQUÉM EM PORTUGAL (5) E OUTRAS PARAGENS EM ÁFRICA

Beja Santos

Para Comandante Avelino Teixeira da Mota, em Luanda


Sr. comandante e meu querido amigo,

Cá recebi as suas notícias, vejo que está asfixiado em papel e sempre a investigar nas poucas horas disponíveis. Surpreende-me vê-lo tão indiferente com as atracções de Luanda. Peço-lhe que não se esqueça de contactar o meu primo José Augusto Gândara de Oliveira, ele está ansioso por o conhecer. Estou agora nos Nhabijões, o reordenamento é enorme, mais de mil e seiscentas pessoas estão envolvidas, a obra de engenharia é de grande fôlego, estamos a fazer policiamento, tem havido raptos, roubos e episodicamente os nossos vizinhos de Madina lançam umas canhoadas da outra margem do Geba. Não percebo muito bem para quê, é puro fogo de vista, eles sabem que nós sabemos que é aqui que se abastecem, aqui têm familiares que lhes dão informações. Depois dos policiamentos, aproveito as últimas horas de luz, leio o que posso.

Venho revelar-lhe o meu espanto quanto a um documento de que já me tinha falado, confessando-lhe que a sua leitura foi uma feliz surpresa. Trata-se do relatório do administrador da circunscrição de Geba, Vasco Calvet de Magalhães, referente a 1914. Foi uma neta do régulo Mamadu Sissé que mo emprestou através de uma professora de Bambadinca. Nunca li nada igual, o desassombro, o recorte literário, o entusiasmo das descrições tanto dos usos e costumes como das lutas entre etnias; Calvet de Magalhães fala inclusivamente de termos linguísticos locais e até da maneira como se deve resolver o assoreamento do rio Geba.

É evidente que não lhe estou a dizer nada que não saiba, quem foi apanhado de surpresa fui eu. Pergunto-me se este relatório é único, tal o inédito destas informações. Por exemplo, fico a saber que o régulo do Cuor, na época, se chamava Abdul Jujaz (não era Abdul Indjai?). Ele escreveu este relatório para o governador em Bolama ou queria fazer chegar as suas preocupações a Lisboa, candidatar-se a um qualquer cargo político? Não acredito que fosse comum na época escreverem-se coisas como estas: "O corpo de guardas é insuficiente! Não chegam mesmo para policiar a população; daí resulta que esta administração tem constantemente de encarregar diversos indígenas para irem desempenhar funções inerentes aos guardas, sem receberem remuneração alguma"; "Estes indivíduos recebem apenas uma instrução superficial e quando já sabem soletrar e juntar duas letras dão por finda a sua instrução, sendo, no futuro, uns descontentes, porque não vêem realizadas as suas aspirações, na escola não lhes criaram hábitos de trabalho"; "Os sírios começaram a aparecer em 1911 e são hoje uma elevadíssima colónia... O indígena é uma vítima nas mãos destes indivíduos que sem consciência nem escrúpulos o exploram". Estes são exemplos avulsos da linguagem crua de Calvet Magalhães. Penso que no futuro não se poderá estudar a situação da Guiné nesta época sem o ter em conta. Tomei nota do que ele escreve sobre os empregados aduaneiros: "Quando tomei posse do lugar de residente nesta circunscrição, em 1909, havia apenas um posto fiscal a que se chamava posto fiscal do Boé. Nunca houve, porém, posto algum no Boé, pois o que havia era em Pai-Ai, muito aquém do Boé. O aspirante ali destacado fazia o que queria. Apreendia borracha, mercadorias e dinheiro aos indígenas do nosso território, enfim, um verdadeiro salteador de estradas e nunca um funcionário da Alfândega. O que é, porém, uma verdadeira lástima, é o corpo de guardas fiscais. São recrutados entre indivíduos que já têm longa permanência na província, cheios de vícios e de uma indisciplina inacreditável. O guarda que estava em Bambadinca embriagava-se todos os dias, acabando por querer agredir o chefe de posto daquela localidade com um faca. O que estava em Che-Che encontrei-o no caminho a chorar, dizendo-me que ia para Bafatá, porque não podia viver sozinho no mato! O que foi para Che-Che substituir o primeiro não vem a Bafatá quando é chamado pelo chefe de posto fiscal e cada mês apresenta apenas o rendimento de cinquenta a sessenta centavos... Isto é para que V. Exa. possa avaliar a qualidade de pessoas que existe na classe de guardas fiscais!" Ele devia ser esforçado, procurou conhecer os rudimentos da etnografia e da antropologia. Fala da raça fula como formada por nómadas que vieram residir para os territórios dos mandingas e beafadas. E escreve: "A cor do fula varia entre a cor do bronze florentino e o negro mais carregado. Reputam-se brancos, a estatura é regular, têm a fronte bem desenvolvida, nariz aquilino, boca grande, os incisivos proeminentes, os membros perfeitamente bem modelados. Uma diferença enorme existe entre a mulher fula e a mulher fula-preta. A primeira tem glândula mamária perfeitamente esférica enquanto que a segunda tem-na em forme de pêra... Os mandingas têm as espáduas altas, o pescoço mais curto, o esqueleto mais forte do que os fulas". Decididamente, ele tinha pendor por estes estudos etnográficos, escreve sem hesitar, como se dominasse a matéria. "Todos os fulas-pretos ou fulas cativos da região Geba guardam respeito aos fulas forros. Todos os fulas-pretos da região são descendentes de mandingas, beafadas e soninqués... As crianças, criadas de pequeninas no meio dos fulas, e vivendo com eles em comunidade, herdavam-lhes todos os hábitos e esquecendo as suas línguas primitivas só falavam a fula. Daí resulta o chamar-se-lhes fulas pretos porque sendo os fulas forros de tez acobreada e não se julgando pretos fizeram esse distinção". Desculpe estar a ser enfadonho, até pretensioso, falando-lhe do que conhece muito bem. Mas tomei este Calvet Magalhães como um funcionário raro na observação, na crueza da narrativa, embalado por encontrar soluções, por combater a corrupção, por querer conhecer a religião, a organização social, a língua dos povos que administra.

Para lhe ser sincero, sinto que a minha missão aqui está prestes a findar. Vi partir os meus camaradas com quem convivi praticamente vinte e três meses, os que acabam de chegar parece que não precisam da minha experiência. Muitos dos meus soldados partem também, o contingente actual não tem praticamente nada a ver com aquele que eu conheci em Agosto de 1968. E é ingrato repetirmos dia após dia, semana após semana, as mesmas colunas de reabastecimento, as idas ao correio, as emboscadas nocturnas, a protecção das populações. Não é cansaço que sinto, é falta de aproveitamento. Ninguém nos pergunta como tem evoluído a guerra, como responder à implantação do inimigo no terreno. Não o incomodo mais com os meus desabafos, vou pôr agora os meus aerogramas a Bambadinca e passo a noite a montar segurança na ponte de Udunduma, sempre com o meu pelotão repartido. Até breve e, por favor, continue a escrever-me.

O comandante Teixeira da Mota, em aerograma de Agosto de 1969, falou-me pela primeira vez nos sónôs, perguntou-me se já vira alguma e se não me importava de perguntar junto das gentes do Cuor. Ele escreve numa comunicação que apresentou em 1963: "Objectos constituidos por hastes de metal com cerca de 1,20m de altura e com a parte inferior adelgaçada ou terminando em ponta de seta. Ao longo da haste há por vezes braços laterais, terminando frequentemente em pequenas figuras de bronze, quase sempre representando fuguras humanas. No topo da haste principal estão encaixadas esculturas de bronze representando cavaleiros. São simbolos da realeza ou da chefia, antes da islamização". Contituem um património de incalculável valor sobre a velha arte animista, bem gostava de ter um.


Teixeira da Mota vive afogado em papéis, no Comando Naval, em Luanda, viaja pelos rios Zaire, Zambeze, Cuíto e Cuanza. Fala da sucessão de Amílcar Cabral e suspira por regressar ao Centro de Estudos de Cartografia Antiga, onde, aliás, irá produzir as suas últimas magníficas obras de investigação.


Para Ruy Cinatti

Ruy, Dear Father,

Chegaram os seus livros, comecei logo a ler "Cien años de soledad", de Gabriel García Márquez. Meu Deus, que livro assombroso, mesmo não percebendo eu muitas da expressões deste castelhano da Colômbia. Já devorei quase cem páginas, a família Buendía e a povoação de Macondo vão ficar na literatura universal, estou absolutamente certo: magia , feitiço da palavra, a atmosfera das Caraíbas, gente retirada da literatura das fadas e dos génios de encantar. Muito obrigado por tudo.




Capa dos estúdios das Publicações Europa-América, tradução de Eliane Zagury. O exemplar que li devolvi-o ao Ruy Cinatti em 1970, era edição em espanhol, bem sofri mas deslumbrei-me. É um dos livros da minha vida, embora prefira Amor em tempos de cólera, a paráfrase do amor eterno. Todos os elogios apoucam ouvir falar deste colosso literário e não o devorar, primeiro, saboreando-o, a seguir: Muitos anos depois,diante do pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo... Penso que o livro surgiu entre nós aí por 1971, continua êxito imparável.



O que se passa por aqui tem pouco interesse: estou nos Nhabijões, vejo uma nova povoação crescer, ando entretido com várias lides, desde destruir canoas do inimigo, a fazer autos de justiça militar, regresso às tarefas de professor, às emboscadas e apoio, quando me pedem, com informações o novo batalhão que acaba de chegar a Bambadinca. Em princípio será assim até ao fim do mês, parece que depois irei montar a segurança de uma estrada que está a ser alcatroada a partir do Xime, até Bambadinca.

Todo o tempo que posso reservar aos meus cadernos é destinado a leituras sobre a Guiné, aqui não há bibliotecas, nem mesmo em Bafatá encontro publicações que permitam conhecer o meio local, leio o que me emprestam. Imagine que eu já tinha a separata que me ofereceu sobre a casa timorense, comunicação que V. apresentou num congresso internacional de etnografia, em 1963. Pois as actas desse congresso foram-me agora emprestadas, reli o seu artigo que vem junto à comunicação de Teixeira da Mota, a dele sobre os bronzes antigos, os sónôs. O comandante já me tinha escrito em Agosto do ano passado a pedir-me para eu perguntar no Cuor e aqui em Bambadinca se havia vestígios de sónôs. Ninguém tinha visto essas esculturas que são ferros com mais de um metro e vinte de altura que têm braços laterais, também de ferro, que terminam frequentemente em pequenas figuras de bronze, quase sempre representando figuras humanas. De acordo com o nosso comum amigo, são símbolos da realeza ou de chefia antes da islamização. Certos actos importantes para a vida colectiva, como fazer a guerra, não eram decididos sem previa consulta ao sónô. Estas esculturas entraram em declínio no século XIX, com a islamização dos soninqués. Estes registos que vou fazendo despertam-me para a realidade dos meus estudos, se é verdade que ainda tenho deveres com os meus soldados, os Nhabijões têm metas próprias, não me provocam o fascínio de Missirá, não são a minha gente. Qualquer dia estou por aí, tenho muitas saudades suas, não pode imaginar como a sua presença é poderosa, as suas cartas têm sido um dos pilares da minha resistência. Mais uma vez muito obrigado por tudo e que Deus cuide da saúde do Dear Father.


Tinha estado a ler o livro de Apollinaire, que Ruy cinatti me enviara. É poesia sem interesse nenhum, é mesmo a última incursão no género. Retive 2 ou 3 imagens com alguma expressão intrínseca: «abicagem da galáxia numa cabana»; «falo do amor no açude dos tímpanos»; «ano versado, na parede brota um palavrão: guerra», nada mais. Mas senti os meus 25 anos, queria recomeçar a vida, estava apreensivo pela separação em marcha da solidariedade cimentada com os meus soldados.


Foi indiscutivelmente um grande poeta, inclassificável, um ilustre antropólogo, um amigo devotado de Timor. Deu-me uma companhia exemplar nos dois anos da Guiné, tenho legítimo orgulho em referir as suas cartas, os seus poemas que ali recebi, guardo a profunda saudade dos seus cuidados, comigo e com os meus soldados feridos. Encarou com o maior estoicismo a sua morte, em 1986, no Hospital de Santa Marta. Legou todos os seus bens à Casa do Gaiato.

Para Cristina Allen Santos

Meu adorado amor,

Bambadinca mudou muito com a partida destes amigos a quem tanto devo. Penso que o David Payne em breve vai para Lisboa, levei ao Xime o Augusto e o Calado, foi a segunda e a última leva do BCaç 2852. Não me perguntes como vai ser o meu futuro, aguardo instruções do novo comando. Por ora, a minha base está nos Nhabijões, mas não penses que são férias, as idas ao Xitole, as noites na ponte de Udunduma, as patrulhas às populações em autodefesa fazem parte do meu quotidiano. Também o pelotão começa a estar irreconhecível: partiu o Queirós, perdi um dos meus colaboradores mais preciosos, o Cruz, que viera substituir Alcino, baixou ao hospital com doença tropical. O Domingos já tinha partido, não resta nenhum dos cabos do tempo em que aqui cheguei.

Esta atmosfera não é a de Missirá, embora as populações do Cuor não percam uma visita a Bambadinca para me cumprimentar. Aliás, vieram convidar-me a ver a instalação eléctrica, o gerador está finalmente em funcionamento. Disse inicialmente que não, depois disse que sim, trouxe aquele gerador a ferros da engenharia de Bissau. O Mamadu Camará e o Queta Baldé vão partir para os Comandos, o Cherno já me informou que também partirá quando eu abandonar o pelotão, o mesmo me disse Adulai Djaló, o Campino. Fazemos toda a rotina mas aqui não há a chama de todo o regulado do Cuor, não me sei explicar. Leio muito, mas as tarefas de rotina também têm o seu peso: quase uma vez por semana vamos ao Xitole, ando a tratar do processo de Bacari Soncó para receber o prémio "Governador da Guiné", o processo de atribuição da Cruz de Guerra ao Mamadu Camará foi-me devolvido para dar informações complementares, voltei a ir a cerimónias de condolências. Desta vez, fui cumprimentar Fatu, a minha lavadeira, está inconsolável com a morte do seu Zé, um furriel dos Comandos que chegou a andar em operações comigo, pertencia ao pelotão do Saiegh, nos Comandos em Fá, ficou despedaçado por uma mina anti-pessoal na bolanha de Ponta Varela.

Bom, sigo agora para os Nhabijões, fico lá dois dias. Depois vou combinar com a D. Leontina dos Correios e telefono-te. Os meus soldados Serifo Candé e Ussumane Baldé foram premiados e vão passar férias a Bolama, podes imaginar o orgulho que sinto.

Depreendo da tua carta que não tens parado de procurar casa para nós. Sei que vais ser bem sucedida, vamos ter uma casinha muito bela e tu vais fazer milagres com o teu talento de decoradora. Mil beijos, toda a devoção, toda a minha saudade, está próximo o nosso sonho de Agosto, o nosso reencontro.

Para Emílio Rosa, em Bissau

Meu querido Padrinho,

Só duas palavrinhas para te agradecer tudo: a casa que nos emprestaste com a Elzira, a companhia que nos ofereceste com os Payne, os pequenos mas tão agradáveis passeios a Ponta Biombo, a Safim, a Nhacra. Foste um padrinho exemplar, tornaste a nossa lua-de-mel aprazível nessa cidade fardada. Por aqui o tempo corre, oiço música, acabo de ler "De Profundis", de Oscar Wilde, um Simenon memorável, estou a ler um colombiano de nunca ouvi falar, Gabriel García Márquez, toma notas dos livros que me emprestam sobre a Guiné (acalento o sonho de escrever sobre ela, mais tarde ou mais cedo), o resto é rotina, há mesmo um certo marasmo na actividade operacional de parte a parte, parece que o PAIGC está a avaliar o novo batalhão que chegou a Bambadinca.

Perguntas-me quando é que passo por Bissau. Recebi hoje uma convocatória do tribunal militar, vai ser julgado o meu soldado Quebá Sissé, por homicídio involuntário de outro, o Uamsambo. Será uma viagem muito rápida, não deixarei de te comunicar, vamo-nos encontrar, para mim é sempre uma grande alegria estar contigo. Fica a aguardar as minhas notícias, recebe a profunda estima do afilhado a quem forneceste toneladas de material de construção civil e toneladas de cordialidade e apreço.

Para Ângela Carlota Gonçalves Beja

Minha querida Mãezinha,

Obrigado pelas suas notícias, folgo que esteja muito melhor do seu reumático. Está ansiosa por me ver, que direi eu? É previsível que em Agosto, na pior das hipóteses Setembro, eu esteja de regresso. A guerra por aqui está muito calma, houve mudança de tropa em Bambadinca, passo a maior parte do meu tempo numa povoação que está a ser construída na margem esquerda do Geba, Nhabijões. Obrigado pelas notícias que me dá do Paulo, do Fodé e do Alcino. O estado de saúde do Paulo é muito preocupante, o Fodé adapta-se á prótese, o Alcino coxeia, penso que vai ficar com deficiência para toda a vida. A Cristina continua a procurar casa para nós, está a fazer exames, sei que tudo vai correr muito bem. Penso que dentro de dias vou de fugida a Bissau, terei o cuidado de lhe telefonar. Um dos meus camaradas de Bambadinca que dentro de dias segue para Lisboa ofereceu-se para lhe levar umas lembranças, espero que goste dos tecidos que lhe mando e uma pulseirinha em prata. Não esteja preocupada comigo, gozo de saúde, voltei a fazer ginástica, sinto o prazer de dar aulas aos meus soldados sempre que é possível. Prometo-lhe escrever amanhã uma carta mais longa, vou para os Nhabijões, à noite tenho um petromax e conto-lhe com mais tempo tudo quanto tenho feito Receba muitos beijinhos deste filhos que nunca a esquece e que tento lhe deve.
______________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3120: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (41): Um mês nos Nhabijões

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3171: Dando a mão à palmatória (16): A CCAÇ 2701 não se vai encontrar no dia 23 de Setembro (Luís Graça e Carlos Vinhal).

Neste mesmo poste e com este número, esteve publicitado um Encontro da CCAÇ 2701 no dia 23 de Setembro de 2007 (Domingo).

Fomos alertados pelo nosso camarada Paulo Santiago para esta anomalia.

Na verdade, o dia 23 de Setembro deste ano é numa Terça-feira e ainda por cima o ano indicado era o transacto.

Um erro de comunicação entre mim e o Luís causou este lamentável engano.

Aos visados, pedimos desculpa e prometemos mais atenção para futuro.

Aproveitamos para pedir mais uma vez a vossa compreensão por qualquer falta que cometamos, que além de involuntária, se deve à enorme quantidade de mensagens que nos vem parar às caixas de correio, pessoais e do Blogue.

Como a pressa é inimiga da perfeição, dêem-nos algum tempo e então reenviem o que julgam estar esquecido, fazendo uso do vosso direito de participação.

Por último, que não passe pela cabeça de ninguém que fazemos qualquer tentativa de censura aos trabalhos que nos mandam.

Um abraço

Os editores