

Amigo Vinhal
Mais um pouco de Viagem...
Um abraço
Luís Faria
Dias em Binar - 1
Como já havia descrito, Binar era uma pequena povoação situada a uma dúzia de quilómetros de Bula, na estrada para Bissorã. Por lá estive com o meu 2.º GComb cerca de um mês e meio, praticamente sem actividade operacional efectiva, para além de uns patrulhamentos, uns apoios a operações, de umas colunas a Bula para reabastecimentos e dos serviços ao aquartelamento.
Por norma os dias custavam a passar. Para além das moranças, e duma venda/padaria que me recorde, nada mais havia de comércio. Minto, havia uma espécie de bordel temporário dentro das paredes de uma morança em ruínas e a céu aberto, onde as madmoiselles eram uma avó de idade avançada e peitos secos e uma neta bajuda, sendo os preços diferenciados consoante a idade da prestadora de serviços e o utente fosse graduado ou soldado.
Aparentemente mais entretido andava o pessoal do 1.º GComb, lá pelo reordenamento de Pache. Volta e meia apareciam nos seus Mercedes - quais patos bravos - para tratar de assuntos inerentes, altura em que à mistura com umas bazucas era posta em dia toda a conversa da treta. O Alf Mil Freitas Pereira (pira) e o Fur Mil Castro tinham jeito para aquele trabalho e pelos vistos aplicavam bem o programa psico (a psícola, como se dizia !!). Exemplo disso foi o Fur Mil Castro ter apadrinhado um miúdo que nasceu e ficou com o nome FURRIÉL CASTRO. Por brincadeira às vezes digo-lhe – ao Castro - que deixou por aquelas paragens o seu nome !!! Não gostará lá muito, dadas a possibilidade de interpretações enviesadas, mas as verdades são para ser ditas!!
O Parto
Por falar em nascer, um belo dia chamam-me a uma morança por eventualmente estar a haver problemas. Chegado lá deparo-me com um ajuntamento em falatório ininteligível, com gemidos e choro à mistura. Informam-me que está a haver problema num parto. Entro e deparo-me com uma cena difícil de acreditar… só vista!!
Uma bajuda grávida deitada, gemia e chorava. Uma mulher idosa batia-lhe com certa força na barriga, com a lateral de uma catana. Uma outra, mais nova, em pé sobre o abdómen da bajuda, fazia pressão com jeito, sobre a parte superior do abdómen, conjugando esforços na tentativa de provocarem a expulsão, sem no entanto o conseguirem.
De imediato foi pedida uma evacuação urgente para Bissau.
O petisco
A adaptação a Binar foi-se fazendo aos poucos e sendo a população simpática e hospitaleira, de certa maneira ajudou.
Um dia andava pela tabanca e convidaram-me para petiscar. Inicialmente indeciso (não era muito apreciador daquela cuisine), quando me disseram e mostraram o conduto, resolvi aceitar para não ofender e pela nova experiência. Talvez mais pela última razão!
Sento-me com eles no chão a ver preparar o pitéu: cobra (não sei de que marca ?!), com a grossura de um pulso e um bom metro de comprido. A morta é enrolada em folhas grandes e vai à fogueira para assar/cozer. Já não recordo se foi esfolada antes ou depois, mas tenho ideia de no pedaço que provei, ir descascando a dita conforme ia comendo. Não desgostei do petisco mas também não fiquei cliente. Pareceu-me enguia grossa, só que com a carne branca, mais seca e mais agarrada à espinha.
O cão tenor
O dia a dia começava com a formatura do Pessoal para o içar da Bandeira, ao toque do cornetim. À formatura não faltava por sistema, um cachorro viralata que se sentava ao lado do Corneteiro. Quando o som começava a sair do instrumento, o cão uivava em contra-canto, calando-se conforme a corneta parava.
Como era afinado e até se comportava com respeito e tinha porte, era-lhe permitida essa manifestação artística e castrense, assim como o cirandar pelas instalações, sempre pronto a abocanhar qualquer naco que se lhe atirasse, sem que nunca ninguém lhe ouvisse a mais pequena reclamação. Já o mesmo não acontecia com o Pessoal !!
Sandes de pão com bianda e alternativa
Salvo excepções e sem justificação plausível, o abastecimento de viveres era mau, mas a variedade de comida era grande (!!): bianda com estilhaços de fiambre versus bianda com idênticos de atum versus com salsicha, alternando às refeições. A vinhaça era mais propriamente uma aguadilha tingida. Claro que de vez em volta se petiscavam uns nheques (?) ou uns ovos arranjados particularmente na tabanca.
Pela minha parte não tive problema de maior. Sempre e ainda hoje gosto bastante de arroz, desde que não seja muito cozido ou empapado e o cozinheiro fazia-o a meu gosto. Daí que quando o estômago rosnava e nada diferente havia para comer, deliciava-me com uma bela sande de arroz eventualmente sobrado, o que horrorizava os olheiros (!!) mas que me cortava o enjoo do sempre o mesmo!
Por vezes e em alternativa, quando a fome era negra, fazia sandes de pão com pão isto é, pão militar aberto com um papo-seco civil metido no meio. A conjugação dos dois sabores era espectacular!?! À falta de melhor, claro está !!!
Binar foi na realidade a pior estância, em termos de restauração, em que estivemos, mas a realidade é que na Guiné nunca fui obrigado a comer bichezas esquisitas ou a beber água das poças ou da bolanha, para matar a fome ou sede, como aconteceu ao que parece com muitos Camaradas. Nesse aspecto, como noutros, fui um felizardo! Larvas isso comi, em Capó mas… é outra Estória.
Um abraço a todos
Luís Faria
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Vd. último poste da série de 14 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4522: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (15): Binar - Sanatório do sono