segunda-feira, 1 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5915: Blogpoesia (66): Poemas de Macau e Hong Kong - Parte II (António Graça de Abreu)



Tão pequeno o quarto no
Íbis Hong Kong pendurado na baía!...
O que tenho cá dentro ?
Apenas uma janela para olhar o mar,
uma cama larga, ar fresco,
e um montão de livros.

Hong Kong, nove dragões,
no outro lado da baía,
ondulam no sabor dos dias.

Arranha-céus em Hong Kong,
montanhas depuradas de betão,
brotam do mar e da terra. 




O teleférico sobe pelos ossos da ilha,
oscila nos lábios brancos do vento.
Lá em baixo, mil perfumes
rasgam a capa verde dos montes,
nas alturas de Lantao, a névoa cresce.


À entrada do tempo de Pó Lin,
o chilreio de todos os pássaros.
Grotescos os guardiões do templo de Buda,
na mão um pagode, um alaúde,
uma esfera, um dragão, uma espada.



















Almotolias, lamparinas, óleos,
fumos cinzentos de incenso,
Tesouros de Lótus nos jardins,
estranhas flores de um Maio triste.
A bruma afga a crista dos pinheiros,
o viajante afasta-se no vazio,
o mosteiro bebe a névoa do céu.

Entro por nuvens brancas,
e saúdo o velho Buda,
sentado num lótus de bruma



Os montes de Lantao, a aldeia de Ngong Ping,
mais longe da desfaçatez das gentes do mundo,
aqui novelos de sagesse no olhar.
Um almoço de massa, porco frito e camarão, 
mais perfumes de chá da China.
Depois, após o levantar da bruma,
Buda à minha espera
para uma conversa entre deuses e homens.


_____________

Segunda e última parte dos fotopoemas de Macau e Hong Kong, Maio-Junho de 2009, da autoria de António Graça de Abreu.  É um privilégio, para os seus amigos e camaradas da Guiné, poder acompanhá-lo por estas paragens que inspiraram grandes poetas e escritores portugueses como Luís de Camões, Camilo Pessanha ou Venceslau de Moraes. O António é também portador de valores de que nos orgulhamos, na nossa portugalidade, como é  por exemplo a nossa capacidade de entender (e comunicar com) outros povos, outras culturas.

António Graça de Abreu (n. 1947, no Porto), membro da nossa Tabanca Grande, foi Alf Mil, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74) [, foto à esquerda]. É um conceituado especialista em cultura chinesa, tradutor (premiado) de clássicos da poesia chinesa como o poeta Li Bai  (701-762), é autor de mais de um dúzia de livros, entre poesia e ensaio histórico,  incluindo o Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (Lisboa: Guerra e Paz, 2007). Viveu em Pequim e Xangai, de 1977 a 1983. É casado com a médica Hai Yuan e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais (*).

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Nota de L.G.:

Guiné 63/74 - P5914: Parabéns a você (84): Fernando Chapouto, Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, Geba/Camamudo/Banjara/Cantacunda-1965/67 (Editores)

»»»»»» F*E*L*I*Z....A*N*I*V*E*R*S*Á*R*I*O«««««««

1. Completa hoje 68 anos de idade, o nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda.

O Chapouto chegou à Guiné no navio Niassa em Agosto de 1965, e, em Outubro foi para o Camamudo. Nos finais do mês de Novembro desse mesmo ano, foi destacado para Banjara e em meados do ano de 1966, foi destacado para Geba.

Continuando a sua saga pelo território guineense, em Março de 1967 foi colocado em Cantacunda.

Finalmente, em Maio de 1967, regressou à metrópole no navio Uíge.

Foi agraciado com uma cruz de guerra...

É um dos nossos membros mais antigos da Tabanca Grande.

2. Para melhor tentarmos avaliar o perfil do Chapouto, fomos mais uma vez consultar um site, que se tem vindo a tornar muito popular e se dá pelo nome de KAZULO (http://horoscopo.kazulo.pt/4866/signos-do-zodiaco.htm).

Diz-nos, ali, que o signo de Zodíaco, para os nativos nascidos entre 20 de Fevereiro e 20 de Março é: PEIXES.

Acreditando nesta ancestral sabedoria, vejamos o que diz o seu horóscopo:

Peixes (20/02 a 20/03)

Os peixes mostram-se etéreos e misteriosamente charmosos, quase frágeis. Mostram, um nível de consciencialização que muitos desconhecem. Não são pessoas materialistas, entregam-se frequentemente de corpo e alma a causas que os outros vêm como perdidas - para eles não existe nada sem redenção.

Cheios de compaixão, a realidade em que vivem é tão verdadeira quanto a física. Possuem uma paz interior invejável e conseguem manter-se calmos nas circunstâncias mais adversas. Visionários e muito sensíveis, respondem facilmente aos pensamentos e sentimentos dos outros. Conseguem perceber se os outros estão a passar por dificuldades, detectando a dor e sofrimento nas suas vidas.

Peixes escolhem muitas vezes dedicarem todo o seu tempo e energia a ajudar alguém desolado, e fá-lo sem pensar na recompensa. São capazes de se colocar nas condições mais indesejáveis para ajudar a libertar a carga de outros.

Peixes costumam ser bastante artísticos por natureza, virados sobretudo para a música e dança, mas também para a pintura, representação e outros. Nada egoístas e muito dedicados, fecham os olhos aos defeitos dos que amam.

Neptuno governa este signo mutável de Água que tem como frase chave «eu acredito». Virgem está na casa das relações, cuja natureza prática mantém Peixes no tempo certo.

Anjo:

O Arcanjo Zachariel protege os nativos do Signo Peixes. Aqueles que nascem sob a sua influência são sensíveis, emotivos e generosos. Preocupam-se pelo bem-estar do próximo e sacrificam-se pela felicidade dos outros. Extremamente sensitivos, conseguem aperceber-se dos sentimentos daqueles que estão à sua volta.

São compreensivos, tolerantes e muito dedicados. No amor são românticos e um pouco dependentes da pessoa amada.

O Arcanjo Zachariel ajuda os seus protegidos a serem pessoas mais independentes. Favorece a compreensão e o Amor Universal.

3. Independentemente das mensagens e comentários que os nossos Camaradas enviarem e colocarem, futuramente, no local reservado aos mesmos, neste poste, queremos em nome do Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote, Magalhães Ribeiro e demais Camaradas da Grande Tabanca, que por vários motivos, não puderem enviar as suas mensagens, cantar-te a seguinte cantiguinha muito tradicional:

PARABÉNS A VOCÊ,
NESTA DATA QUERIDA,
MUITAS FELICIDADES,
MUITOS ANOS DE VIDA.
HOJE É DIA DE FESTA,
CANTAM AS NOSSAS ALMAS
PARA O AMIGO NANDINHO...
UMA SALVA DE PALMAS!

E mais acrescentamos que:

O nosso maior desejo, neste teu aniversário, é que junto da tua querida família sejas muito feliz e que esta data se repita por muitos, bons e férteis anos, plenos de saúde, felicidade e alegria.

E mais te desejamos,que por muitos mais e boas décadas, este "aquartelamento" de Camaradas & Amigos te possa dedicar mensagens idênticas, às que hoje lerás neste teu poste e no cantinho reservado aos comentários.

Estes são os mais sinceros e melhores desejos destes teus Amigos e Camaradas, que como tu, um dia, carregaram uma G3 por matas e bolanhas da Guiné.

Com montanhas de abraços fraternos.
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Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série em:

27 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5890: Parabéns a você (83): Luís R. Moreira, ex-Alf Mil Sapador da CCS/BART 2917 e BENG 447, Guiné 1970/71 (Editores)

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5913: Os nossos médicos (18): Um repasto de carne de sagui (macaco) (Mário Silva Bravo)


1. O nosso camarada Mário Silva Bravo (ex-Alf Mil Médico na CCAÇ 6, Bedanda, 1971/72) enviou-nos a seguinte mensagem, em 5 de Fevereiro de 2010:

Camaradas,
O nosso blogue também é feito de estórias simples e engraçadas. Em 04 de Fevereiro p.p. o nosso Camarada Amaro Samúdio, enviou-me a seguinte mensagem:

Que me lembre, só conheci, nos 13 treze meses que estive naquele quadrado de arame farpado chamado Guiléje, o Dr Mário Bravo.



És o médico dos "Gringos de Guiléje".


Ias lá regularmente, e ficavas dois ou três dias. Era assim não era?


Os civis de Guiléje, e os militares também, sabiam que tinha chegado o médico e enchiam o posto de enfermagem. Lembras-te?


Nós, os enfermeiros, comentávamos: o médico é um gajo porreiro.


E eras de facto boa pessoa.


A tua simpatia era grande, suponho que a terás mantido até hoje dia em que fazes 64 anos e que eu desejo se repitam por muitos e muitos.


Um grande Abraço
Amaro Munhoz Samúdio


Em resposta a esta mensagem, em 5 de Fevereiro de 2010, respondi-lhe assim:


ANIVERSÁRIO 64 ANOS

Meu Caro Amaro Samúdio,

Fiquei muito emocionado com as palavras que me enviaste no dia dos meus 64 anos.

Como é bom ler coisas tão sinceras e verdadeiras, como as que escreveste. Todas as referências que apresentas, correspondem às minhas passagens por Guileje.
Tempos difíceis, que foram ultrapassados com a ajuda de um grande sentimento de entreajuda e amizade, que nos tempos que correm e fora desse ambiente é muito difícil encontrar.

Lembro-me muito bem dessas minhas viagens e de coisas engraçadas que me aconteceram.

Um dia, o cozinheiro da companhia, decidiu fazer um prato especial, porque estava lá o médico (eu!).
E vai daí e com a cumplicidade do Capitão, que julgo chamar-se Delgado, preparou uma refeição com carne, que vim a saber, no fim do repasto, tratar-se de carne de sagui (macaco).

Estava mesmo bom!!!

Um abraço,
Mário Bravo
Alf Mil Médico da CCAÇ 6

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

28 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5910: Os nossos médicos (17): Os médicos na Guiné. Relato médico (Mário Silva Bravo)

Guiné 63/74 - P5912: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (19): O Honório e o major que lhe chamou maluco (Vítor Oliveira)


1. O nosso Camarada Vitor Oliveira (ex-1.º Cabo Melec da FAP - BA 12, 1967/69), enviou-nos em 25 de Fevereiro de 2010, a seguinte mensagem:
O Honório e o major que lhe chamou malucoEstávamos já com os sacos da roupa para irmos passar mais uma noite em Bafatá ao fim da tarde do dia 5 de Fevereiro de 69, véspera daquele dia fatídico no Cheche, quando recebemos uma mensagem para irmos buscar um major do exército a um quartel, que ficava entre Nova Lamego e o Cheche, que eu penso ser Canjadude.

O major ia dar instruções há coluna que vinha de Madina, quando do seu abandono.

Diz-me o Honório Pichas: “Este artista já nos tramou a noite em Bafatá. Anda daí ele vai pagar isto.”

Arrancámos numa DO 3447 para esse quartel e parámos no fim da pista à espera dele. O major entrou para o lado do Honório e eu vim para trás.

Ele piscou-me o olho e vi logo que ia sair uma das dele.

Fez uma subida a 45º, de flepes, o major começou logo a mudar de cor, a seguir apanhou a coluna em campo limpo, que havia em frente ao Cheche, e picou a DO, direito há coluna.

Começou a “rapar” e a fazer as piruetas do costume, que o pessoal do exército tanto gostava de ver.

O major gritava: “Suba… suba… assim não consigo dizer nada. Era para ir para a Força Aérea, mas ainda bem que não fui porque é tudo gente maluca.”

O Honório respondeu-lhe: “Maluco é você. E mais lhe digo, que não tinha nível para pertencer há Força Aérea.”

O major calou-se e lá deu as instruções.

Fomos levá-lo no quartel e o Honório deixou-o no fim da pista. A entrada para o quartel situava-se ao meio da pista.

Moral da história: O major estragou-nos a noite, mas de certeza que não vai esquecer o susto que passou.

Uma fotocópia da caderneta de voo.
Um grande abraço,
Vítor Oliveira
1º Cabo Melec da FAP/BA 12

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
Foto: © Mário Bravo (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

19 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5840: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (18): Mais uma história do Grande Honório (Vítor Oliveira)

Guiné 63/74 - P5911: (Ex)citações (59): Suicídio de prisioneiros (António Graça de Abreu / Hugo Guerra)

1. Comentário de António Graça de Abreu, escritor, sinólogo, poeta, nascido no Porto em 1947, membro da nossa Tabanca Grande (ex-Af Mil, CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74) (*):

No meu Diário da Guiné, pag. 20, a 3 de Julho de 1972, com apenas uma semana de Guiné, em Teixeira Pinto, conto uma história semelhante (*). Aí vai:


(...) "Estes dois prisioneiros ficaram à custódia do CAOP, não eram elementos perigosos. Com a ajuda de um intérprete, foram interrogados pelo nosso 1º. sargento Pinto, na pequena sala aqui ao lado. Recebi ordens para lhes ir comprar roupa e sapatos na Casa Gouveia, na avenida principal. Lavaram-se, vestiram-se, ficaram com melhor parecer. Foram estes os dois primeiros turras que vi. Olhei-os bem nos olhos, os olhos dos negros também falam: orgulho, ódio, humildade, revolta.


A mulher capturada tem seis filhos, o mais pequeno com apenas três meses. Foi libertada com a promessa de se apresentar com os filhos no Cacheu, para ficar sob a protecção da tropa portuguesa aí estacionada.


O homem, com o nome bem português de João Mendes, pequeno, negro, a alma da cor da alma de todos os homens, após mais alguns interrogatórios também ia ser libertado. Mas já não vai. Enforcou-se esta madrugada nas grades da cela da acanhada prisão que aqui temos, com as mangas da camisa nova que lhe comprei ontem e transformou numa corda. Morreu na casa em frente, a vinte metros da cama onde eu dormia, alheio a todos os dramas do mundo.


Numa pequena carteira de plástico que lhe encontrei no bolso das calças, João Mendes guardava um conjunto de senhas, uma de cada cor, comprovativas do pagamento de impostos referentes aos anos de 1960, 1962 e 1963, na circunscrição do Cacheu. A saber, Imposto Domiciliário 153 escudos, Imposto de Capitação 153 escudos, Imposto de Trabalho 25 escudos, Taxa Pessoal Anual 153 escudos, Remissão da Contribuição Braçal 25 escudos, Taxa de Exploração de Produtos Agrícolas 75 escudos, Imposto de Palhota (ano 1952) 80 escudos.


Pobres negros, como foram impiedosamente explorados!..."
 
_____________
 
Nota de L.G.:
 
(*)  27 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5903: Estórias avulsas (76): Como morreu o meu prisioneiro (Hugo Guerra)
 
(...) Levaram o jantar ao prisioneiro e abrandaram a vigilância de tal forma que,  estávamos nós a jantar, irrompe a rapaziada pela Messe dentro gritando que o homem se tinha enforcado.


Fui a correr ver o que poderíamos fazer - já era o terceiro enforcado que via na minha vida - e encontrei o meu prisioneiro pendurado e com a rapaziada toda a olhar especados com aquela visão. Tinha usado o baraço que trazia a segurar as calças e que ninguém se lembrara de lhe tirar antes. Agarrei o homem pelas pernas e fazendo força para cima para aliviar o peso lá arriámos o corpo que ainda tentei trazer de volta à vida. Fiz-lhe boca a boca e naquele desespero até injecções no coração lhe apliquei. Tudo sem resultado. O homem partira o pescoço e nada mais havia a fazer.

Apareceu entretanto o Chefe de Posto, cabo-verdiano, cujo nome não recordo mas que disse do alto da sua sapiência:
- Aquele mais velho,  da etnia [...], nunca trairia o seu povo e tinha-se suicidado para evitar a vergonha insuportável de ter sido preso e humilhado daquela forma.

Cresci mais um bocado naquele dia e, no dia seguinte, achei que já tinha guerra a mais e escrevi ao meu amigo Coronel Pilav Diogo Neto, Comandante da Zona Aérea da Guiné,  a pedir para me tirar daquele filme. Já chegava. (...)

Hugo Guerra foi Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 55 e Pel Caç Nat 60, Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70; é hoje Coronel, DFA, na reforma.

Guiné 63/74 - P5910: Os nossos médicos (17): Parteiro e padrinho... pela força das circunstâncias, neste cado, o porão de uma LDM (Mário Bravo)


1. O nosso camarada Mário Silva Bravo (ex-Alf Mil Médico na CCAÇ 6, Bedanda, 1971/72) enviou-nos a seguinte mensagem, em 5 de Fevereiro de 2010:

Os médicos na Guiné

Relato médico

Camaradas,

Um dia fui chamado para prestar assistência a uma mulher que viajou de Bissau para Bedanda, numa LDM (Lancha de Desembarque Média), e que estaria em trabalho de parto.

Desloquei-me até ao porto/ancoradouro, acompanhado do Furriel Mil Enfermeiro,  de nome Dias. Quando lá chegamos, verificamos que a dita mulher já tinha dado à luz uma criança, mas afirmava que tinha outra para nascer.

Confirmado este facto, restou-nos proceder ao trabalho de parto, no porão da lancha e com iluminação de um pequeno candeeiro de petróleo. Nestas condições, conseguimos que a segunda criança nascesse em boas condições e a prova está à vista - ver foto.
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O Furriel Dias tem ao colo um dos pequenitos e viemos a ser padrinhos da canalha, baptizados pelo nosso Amigo Capelão Mário.



Isto aconteceu numa fase de experiência médica inicial, com todas as dificuldades inerentes ao início de actividade profissional e ainda por cima numa área tão sensível, como é a obstetrícia.
Mas tudo acabou em bem, e isso é que conta.

Um abraço,
Mário Bravo
Alf Mil Médico da CCAÇ 6

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
Foto: © Mário Bravo (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

27 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5897: Os nossos médicos (16): Um Soldado Básico licenciado em Medicina (António Tavares)

Guiné 63/74 - P5909: Os nossos camaradas guineenses (25): José Carlos Suleimane Baldé, ex-1º Cabo, CCAÇ 12 (Contuboel, Bambadinca e Xime, 1969/74), vive em Amedalai e sonha com Portugal, Não tenhas medo, que aqui é Portugal! (Odete Cardoso / J.L. Vacas de Carvalho)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Finete, regulado do Cuor > 1969: Destacamento de milícias e aldeia em autodefesa de Finete, junto ao Rio Geba. Na foto, o furriel miliciano Luís Manuel da Graça Henriques e dois dos soldados africanos da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, do 4º Grupo de Combate, o Soldado Arvorado (mais tarde promovido a 1º cabo) José Carlos Suleimane Baldé e o Soldado Umarú Baldé, apontador de morteiro 60. Umaru, o puto, na foto, de pé, de cachimbo: na época teria 16 ou 17 anos... A sua recruta e a instrução de especialidade destes dois militares do recrutamento local foi feita em  Contuboel (Abril/Julho de 1969) (*). O Umaru veio para Portugal, onde morreu, há uns anos, de doença. O José Carlos,  que era ligeiramente mais velho (18 ? 19?), vive em Amedalai, uma tabanca fula do regulado do Xime, na estrada Xime-Bambadinca. Andará hoje na casa dos 60 anos.


Foto: © Luís Graça (2005). Direitos reservados


Guiné-Bissau > Regiãod e Bafatá > Xime > Amedalai > 26 de Julho de 2006 > O José Carlos com a família.

Foto: Odete Cardoso (2010). Direitos reservados


Extracto de um carta que o José Carlos mandou à Maria Odete Cardoso, esposa do ex-Alf Mil Jaime Pereira, da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1971/72) e onde transcreve, sob a forma de poema, o sonho que teve, a sua visão de Portugal e o seu desejo, que quer ver concretizado antes de morrer, de conhecer Portugal. Não sei qual a data mas deve ser recente. A Odete corresponde-se com o José Carlos, desde 2000, depois de uma ida à Guiné, com o marido, em 1999, e otro camarada, o José Sobral.


Sonhei com Portugal,
por José Carlos Suleimane Baldé


Era uma noite,
calma,
serena!
Um ambiente bem silencioso!
Vejo os céus de Portugal.
Alguém disse:
- Levanta a cabeça!
Nos céus sem nuvens
vi variadíssimas estrelas
que nunca vira antes!
De repente soou um grito,
dizendo:
- Não tenhas medo,
que aqui é Portugal!

[ Revisão / fixação de texto: L.G.]



1. Mensagem, de 25 do corrente, do José Luís Vacas de Carvalho, membro da nossa Tabanca Grande, ex-Alf Mil Cav, Pelotão Daimler 2206, e também instrutor de companhias de milícias (Bambadinca, 1970/71) [, foto à esquerda]

Caríssimos: Recebi esta msg, da Maria Odete Cardoso, casada com o ex-alferes Jaime Pereira [, da CCAÇ 12, Bambadinca, 1971/72]. Achei muita piada. O Zé Carlos foi soldado das duas CCAÇ 12 [, 1969/71 e 1971/72]. Tem uma filha em Portugal e gostava de a vir ver. O resto está dito pelo Odete.

Um abraço a toda a Tabanca
Zé Luis

2. Mensagem da Odete Cardoso, com data de 25 do corrente, com conhecimento ao Victor Alves (ex-Fur Mil SAM, da CCAÇ 12, 1971/72), residente em Santarém:

Vaquinhas: Aqui vai o que enviei ao V.A. Envio por 2 vezes. Podes usar a foto e o poema no blogue, se considerares adequadas.

Eu tenho uma carta em que ele recorda os militares da CC12 anterior [ 1969/71] (**).

Um abraço. Odete


3. Mensagem, de 23 do corrente, enviada por Odete Cardoso ao Victor Alves:

Contribuir para a realização de um sonho... põe-se a questão:
- Quem é que fica mais feliz? O  que realiza o sonho, ou os que proporcionam a sua realização?

Se o quisermos fazer temos de nos apressar, pois os vossos homens guineenses,  com 60 anos,  já estão na meta da esperança de vida em África.

Eu mantenho correspondência com o José Carlos desde o ano 2000 e, em 2004, quando lhe nasceu uma filha ele deu-lhe o meu nome e daí eu fazer-lhe chegar, via nossa embaixada em Bissau, alguma ajuda.

Penso que se os 2 grupos da CCAÇ 12 quisessem contribuir com uma quantia a partir de 10 euros cada, conseguiríamos o montante para a viagem de avião e assim ele poderia estar presente no almoço de 2010.

Mando-te uma fotografia dele, tirada em 2006, com roupinha from Portugal, a última carta que me enviou, agradecendo um telemóvel e uns sapatos e um poema em que ele sonha visitar Portugal.

Tu é que és o homem das relações públicas.

Um grande abraço. Aparece com a tua Lena.

Odete Cardoso

4. Mensagem enviada por L.G. ao J.L. Vacas de Carvalho:

Meu caro José Luís:

Fico-te muito grato pelas notícias sobre o nosso José Carlos Suleimane Baldé, do 4º Grupo de Combate da CCAÇ 12 (1969/71)... Fizemos diversas operações juntos, estivemos em tabancas em autodefesa... Ele foi meu cozinheiro, guarda-costas, intérprete, aluno, bom amigo... Foi o nosso 1º Cabo Africano, promovido depois de ter feito a 4ª classe... Andava sempre de caderninho na mão, e lapiseira... Era humilde, atento, prestável, dedicado... Tenho uma foto dele com o puto Umaru, que já morreu [, tirada em Finete, na margem direita do Geba Estreito]. O António Marques vai também ficar feliz por saber dele e poder ajudá-lo. Vamos combinar como o poderemos ajudar... (Caímos junto, o eu, o Marques, o Umaru, o José Carlos... na fatídica mina A/C, em Nhabijões, em 13 de Janeiro de 1971, duas secções da CCAÇ 12, lembras-te...).

Por mim, tudo farei para o ajudar... Podemos mobilizar o blogue. Adorei o poema dele... [ Merece uma análise de conteúdo: devido a uma forte aculturação - ele conviveu com os portugueses desde 1969 até 1974 -, Portugal surge-lhe, no seu imaginário, como um verdadeiro eldorado]. O ano passado, quando fui à Guiné, em Março, falaram-me dele, que vivia em Amedalai (***)... Infelizmente não passei pelo Xime. E por Bambadinca, foi a correr. Vou publicar o teu texto e o da Odete no blogue. Já falei ao Victor, esta manhã. E tentei contactar a Odete. Infelizmente, já não me lembro do Jaime. A sobreposição foi curta. Vim-me embora no princípio de Março de 1971, seguindo de Bambadinca para Bissau, onde aguardei transporte para a Metrópole. Mas espero poder encontrar-me com ele, a Odete, o Jaime e tu, numa próxima oportunidade.

A foto do José Carlos não abre, por que vem em formato dmi. Não tenho programa para a abrir. Não é possivel digitalizarem a foto em formato jpg, que é o mais compatível com a linguagem em html do blogue ? Estou em casa: telef. 21 471 0736. Amanhã vou almoçar à Tabanca do Centro. Depois fico na Lourinhã. Em 29 de Maio ou 5 de Junho faremos o nosso V Encontro Nacional. Não podes falhar desta vez.

5. Mensagem, de ontem, da Odete Cardoso:

Caro Luis Graça:

É muito compensadora esta troca de afectos.

A visita que fiz com o Jaime e o Zé Sobral, em 1999, à zona de Bambandinca,  foi marcante e mostrou a saudade e respeito que os vossos homens guardavam dos portugueses.

Aqui vai a foto do Zé Carlos tirada em 26.7.2006.

Um abraço.

Odete Cardoso

6. Comentário de L.G.:

Odete, obrigado pela sua gentileza. É uma grande emoção, para mim, para o António Marques, para o Joaquim Fernandes, para o António Levezinho, para o Humberto Reis, par ao José Luís de Sousa (funchalense, que espero que esteja bem nestes dias difíceis para a Madeira!), para o Gabriel Gonçalves, para o Abel Maria Rodrigues (o único alferes da velha CCAÇ 12 que faz parte deste blogie!), e outros camaradas da primeira CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, Maio de 1969/Março de 1971) saber notícias dos nossos camaradas guineenses, e em especial do 1º Cabo José Carlos Suleimane Baldé, que era de etnia fula como a grande maioria, e o único - salvo erro - que no nosso tempo conseguiu reunir as condições para ser promovido a 1º cabo. Sempre o estimei, protegi, ajudei e tratei como amigo. (Sobre a nossa CCAÇ 12, 1969/1974, temos pelo menos 95 referências na II Série do nosso blogue, além de dezenas e dezenas na I Série)

Tive notícias do nosso José Carlos, em Março de 2008, aquando da minha ida à Guiné, por ocasião do Seminário Internacional de Guiledje (***). Infelizmente não tive tempo de o visitar em Amedalai. Oxalá ainda nos  possamos encontrar em vida... A Odete  como é que faz para o contactar lá ? Tem algum número de telemóvel (que é coisa que se começa a banalizar, mesmo no interior da Guiné-Bissau) ? Já pedi a amigos meus, de Bissau,  para saberem dele,  em Amedalai. Da próxima vez que lhe escrever, fale-lhe do Furriel Henriques...

Odete, gostaria de a conhecer pessoalmente bem como ao Jaime. Os dois estão convidados a ingressar na nossa Tabanca Grande. Vou ver se lhe telefone para nos encontrarmos e falarmos com mais tempo e vagar. (****)

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Notas de L.G.:


(*) Vd. poste de 4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1026: Estórias de Contuboel (iv): Idades sem lembrança (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)


(...) Quarto texto do Renato Monteiro, da série de cinco, que intitulei estórias de Contuboel, pequenos apontamentos que o meu amigo escreveu com base na sua experiência de instrutor de recrutas guineenses, em Contuboel, no 1º semestre de 1969. Desses recrutas, metade foram parar à CCAÇ 2590, que mais tarde (em Junho de 1970) passou a designar-se CCAÇ 12. A outra metade deu origem à CART 11, mais tarde CCAÇ 11.

IDADES SEM LEMBRANÇA



 Coisa pela qual não passam: a comemoração do dia do aniversário. Pois não parece haver um entre os africanos do meu pelotão que saiba a sua idade. E lê-se-lhes nos olhos a inutilidade desse conhecimento que, apesar de tudo, acaba por ser superado através de um palpite dado por nós. Mera suposição inspirada no vinco e na dimensão das rugas, na maior ou menor vivacidade do olhar, não sei bem, num feeling que sustenta a nossa avaliação.

E é assim que Cherno Camará passou a partir de hoje a contar 23 anos, idade que acabou por merecer divertida discórdia quando comparada ao tempo de vida atribuído ao Amaduri Camará, 21 anos, por alguns considerado mais velho do que o primeiro.

Mas fora de qualquer polémica foram as 18 Primaveras calculadas para Demba Baldé, o Malagueta, seguramente o recruta mais jovem da nossa troupe, filho de Ira Baldé, prestigiado chefe de uma das tabancas da região de Gabu Sare.

Quanto a mim, talvez não fosse menos sensato deixar-se estes homens, na sua maioria ainda mais novos do que nós, tão alheados da sua idade quanto as árvores que se desenvolvem sem contarem os anéis do tronco que marcam o tempo da sua existência.

Opinião igualmente partilhada por Ussumani Colubali, para o qual o que importa é nunca perder de vista de quem se é filho, irmão, neto, bisneto e pai; bem como o lugar onde se nasceu e o número de cabeças de gado e de mulheres que se possui, sendo seguro que a memória da data de nascimento não leva a viver mais, sequer a acertar-se com o dia da sua morte. Ao contrário da generalidade dos africanos, muito reservados, Ussumane não se coíbe de expressar os seus juízos mesmo sem ser chamado a fazê-lo.

Assim, diz não existir à face da terra nenhumas Forças Armadas capazes de tão grandes façanhas como as nossas, razão que o levou a oferecer-se para o exército, aproveitando ainda uma vantagem: a possibilidade de, assim, ganhar uns patacões, muito difíceis de obter por outro meio.

Proveito que o Demba Baldé de bom grado dispensaria. Que foi o pai, contra sua vontade, que o mandou servir a tropa. Quando melhor estaria junto da sua Comança Baldé, ainda mais nova do que ele, a fazer filhos, a comer bianda e a tratar do gado. (...)





Vd. restantes postes da série do Renato Monteiro:

28 de Julho de 2006 > 
Guiné 63/74 - P1001: Estórias de Contuboel (i): recepção dos instruendos (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

30 de Julho de 2006 > 
Guiné 63/74 - P1005: Estórias de Contuboel (ii): segundo pelotão (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

2 de Agosto de 2006 > 
Guiné 63/74 - P1017: Estórias de Contuboel (iii): Paraíso, roncos e anjinhos (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)



4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1027: Estórias de Contuboel (V): Bajudas ou a imitação do paraíso celestial (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

(**) Vd. poste de:

21 Maio 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXV: Composição da CCAÇ 12, por Grupo de Combate, incluindo os soldados africanos (posto, número, nome, função e etnia)

(...) Pode parecer fastidiosa, inútil, irrelevante... a minha lista de Baldés... Não penso o mesmo: pode ter (ou vir a ter) algum interesse documental, historiográfico, eu sei lá... Pode facilitar a pesquisa de informação, de testemunhos, de depoimentos...

É também um pequeno, modestíssimo, gesto de elementar justiça para com aqueles guineenses que lutaram ao nosso lado, que fizeram parte da CCAÇ 12 e, portanto, da nova força africana com que sonhou Spínola e que tanto atemorizou o PAIGC. Infelizmente, uma parte deles (quantos, exactamente?) já não hoje estarão vivos. Uns foram fuzilados, como o Abibo Jau, outros terão morrido de morte natural, que a sua esperança de vida era muito menor que a nossa, em 1969...

Eu estou à vontade para publicar esta lista: sempre critiquei a africanização da guerra da Guiné, embora longe de imaginar que, no dia seguinte à nossa retirada, começasse a caça aos traidores, aos contra-revolucionários, aos mercenários, aos colaboracionistas... Em 1969, ainda estava vivo o Amílcar Cabral e eu admirava-o, intelectualmente... Achava que na Guiné, depois da independência, tudo seria diferente, e não aconteceriam os ajustes de contas que se verificaram noutras revoluções ou guerras civis, na Rússia, na China, na Espanha franquista, na França depois da libertação, etc. Pobre de mim, ingénuo!...

Mas, por outro lado, também fui cúmplice da sua integração no nosso exército: mesmo sendo da especialidade de armas pesadas de infantaria, e não fazer parte formalmente de nenhum dos quatro grupos de combate da CCAÇ 12, participei em muitas das operações em que estes participaram, fui testemunha da sua coragem e do seu medo, dormi com eles nas mais diversas situações, incluindo nas suas tabancas... Foram meus camaradas, em suma.

Soldados ex-milícias, a maior parte com experiência de combate, os nossos camaradas guineenses da CCAÇ 12 (originalmente, CCAÇ 2590), eram oriundos do chão fula e em especial dos regulados do Xime, Corubal, Badora e Cossé, com excepção de um mancanhe, oriundo de Bissau.

“Todos falam português mas poucos sabem ler e escrever", lê-se na história da CCAÇ 12 (O que só verdade, 21 meses depois de os termos conhecido e instruído em Contuboel, em Junho e Julho de 1969). Foram incorporados no Exército como voluntários, acrescentou o escriba, para branquear a instustentável situação dos fulas, condenados a aliarem-se aos tugas.

Tirando o 1º Cabo José Carlos Suleimane Baldé (promovido ao actual posto em 16 de Setembro de 1969),eram, todos,  praças de 2ª classe. Samba Só, Mamadá Baldé, Braima Bá e Quecuta Colubali passaram a soldados arvorados na mesma data, por reunirem qualidades para uma eventual promoção ao posto de primeiros cabos: "ascendente sobre os camaradas, experiência de combate e aprumo militar" (sic). Entretanto, houve mais promoções no final da 1ª Comissão da CCAÇ 12 (a rendição individual dos quadros metropolitanos fez-se a partir de Fevereiro de 1971).

É muito provável que todos ou quase todos os graduados africanos da CCAÇ 12 ( e da CCAÇ 21, para a qual transitaram em 1973) tenham sido fuzilados, em 1974 e 1975 (...). (*****)

(...) 4º Gr Comb

Comandante: Alf Mil Cav 10548668 José António G. Rodrigues [já falecido, em Portugal]

1ª secção

Fur Mil 15265768 Joaquim A. M. Fernandes [membro da nossa Tabanca Grande; saiu para integrar a equipa de reordenamento de Nhabijões; ferido com gravidade na 1ª mina A/C do dia 13/1/1971]
1º Cabo 18861568 Luciano Pereira da Silva

Soldado Arvorado 82115469 Samba Só (F)
Soldado 82109869 Samba Jau (Mun Metr Lig HK 21) (F) [ferido na 2ª mina A/C, do dia 13/1/1971]
Sold 82115269 Cherno Baldé (Ap Metr Lig HK 21) (F) [ferido na 2ª mina A/C, do dia 13/1/1971]
Sold 82117569 Mamai Baldé (F)
Sold 82117869 Ansumane Baldé (Ap Dilagrama) (F)
Sold 82118269 Mussa Jaló (Ap Dilagrama) (FF)
Sold 82118969 Galé Sanhá (FF)

2ª secção

Fur Mil 11941567 António Fernando R. Marques [membro da nossa Tabnca Grande; ferido com gravidade na 2ª Mina A/C do dia 13/1/1971]
1º Cabo 17714968 António Pinto

1º Cabo 82115569 José Carlos Suleimane Baldé (F)
Soldado Arvorado 82118369 Quecuta Colubali (F) [ferido gravemente  na 2ª mina A/C do dia 13/1/1971]
Soldadado 82110469 Mamadú Baldé (F)
Sold 82115869 Umarú Baldé (Ap Mort 60) (F) [já falecido, em Portugal, para onde emigrara]
Sold 82118769 Alá Candé (Mun Mort 60) (F)
Sold 82118569 Mamadú Colubali (FF)
Sold 82119069 Mamadu Balde (F)

3ª secção

1º Cabo 00520869 Virgilio S. A. Encarnação [passou a integrar a equipa de reordenamento de Nhabijões]

Soldado 82116069 Sajuma Jaló (Ap LGFog 8,9) (FF)
Sold 82110269 Suleimane Baldé (Ap LGFog 8,9) (F)
Sold 82111069 Sori Baldé (F)
Sold 82115669 Sherifo Baldé (F) [ferido gravemente na 2ª mina A/C do dia 13/1/1971]

Sold 82115769 Tenen Baldé (F) [ferido gravemente na 2ª mina A/C do dia 13/1/1971]

Sold 82117169 Ussumane Baldé (F) [ferido gravemente na 2ª mina A/C do dia 13/1/1971]

Sold 82117769 Califo Baldé (F)
Sold 82118469 Califo Baldé (F)

(***) Vd. poste de 11 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2625: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (4): Na Ponte Balana, com Malan Biai, da RTP África

(...) Guiné-Bissau > Região de Tombali > Ponte Balana > 1 de Março de 2008 > Caravana do Simpósio Internacional de Guileje... Imaginem quem é que eu deveria encontrar aqui ? O operador de câmara da RTP África, Malam Biai... Nascido em 1965, em Bambadinca, de etnia mandinga, diz que é primo do J.C. Mussá Biai, natural do Xime e membro da nossa Tabanca Grande...

Quando puto, ia ao quartel de Bambadinca, à cata dos restos de comida do pessoal da tropa... Lembra-se bem dos militares da CCAÇ 12, unidade de intervenção que esteve em Bambadinca (Sector L1, Zona Leste), entre 1969 e 1973; dos dois ataques do PAIGC ao aquartelamento; da professora Violete (que dava aulas aos putos da 4ª classe); dos fuzilamentos a seguir à Independência (assistiu, aliás, à execução pública de um agente da polícia administrativa de Bambadinca)... 

Confirmou-me, de resto, a notícia do fuzilamento, na região do Xime, do Abibo Jau, o gigante da CCAÇ 12, e do tenente ou capitão Jamanca, que conheci na 1ª Companhia de Comandos Africanos, e foi depois comandante da CCAÇ 21 (o que vem ao encontro do relato já aqui feito pelo Mussá Biai)...

Diz-me, além, disso que o antigo 1º Cabo da CCAÇ 12, o José Carlos Suleimane Baldé, meu guarda-costas, intérprete, guia, cozinheiro, secretário, está vivo, em Amedalai, perto do Xime... Gostaria de o rever. (...)

(****) Último poste desta série > 22 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5520: Os nossos camaradas guineenses (24): Vi matar o meu camarada Lamine Sanha (Braima Djaura)

(*****) Sobre a CCAÇ 12 e os seus soldados africanos, vd. postes de:

11 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLIII: Aos nossos queridos nharros (Zé Teixeira)

11 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLV: Ex-graduados da CCAÇ 12 também foram fuzilados (António Duarte)

(...) O António Duarte (que foi furriel miliciano na CCAÇ 12 na fase final, depois de transitar da CART 3493, que esteve em Mansambo) vem lembrar que em Bambadinca (e um pouco por todo o lado), os que foram encostados ao trágico poilão por onde passávamos muitas vezes, não foram apenas os comandos africanos mas também os nossos nharros da CCAÇ 12 (que foram constituir novas unidades, como a CCAÇ 21), e se calhar dos Pel Caç Nat 52, 53, 54, 63... No nosso tempo já havia ou dois três soldados arvorados por cada grupo de combate da CCAÇ 12... Mais tarde passaram a cabos e, em segunda comissão, foram promovidos a furriéis, ao que parece na CCAÇ 21, comandada pelo comando Jamanca (...)

12 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLIX: O fuzilamento do Abibo Jau e do Jamanca em Madina Colhido (J.C. Bussá Biai)

29 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXIV: Ao Fernando Sousa: Sei que estás em festa, pá  (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P5908: Agenda Cultural (62): Seminário Lusófono Que Fazer com Estas Memórias ?, Centro de Estudos Sociais-Lisboa, 5 e 6 de Março de 2010 (Diana Andringa)



Seminário Lusófono
QUE FAZER COM ESTAS MEMÓRIAS?



Local: Centro de Estudos Sociais-Lisboa


Data: 5 e 6 de Março de 2010

Programa > Sexta-feira, 5 de Março

9:30 - 10:30 -

Abertura – Porquê um Seminário Lusófono sobre Tortura e Memória?
José Manuel Pureza, Representante do Centro de Estudos Sociais – Lisboa,
Raimundo Narciso, Presidente da Associação Movimento Cívico Não Apaguem a Memória,
Cecilia Coimbra*, Representante do Movimento Tortura Nunca Mais (Brasil),
Simonetta Luz Afonso, Presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, CES-Lx

10:30 - 12:00 - Projecção do filme “48”, de Susana Sousa Dias

12:00 – 12:30 - Comentário pelo Dr. Afonso Albuquerque (Médico psiquiatra, autor de um livro sobre o impacto da tortura sobre presos políticos portugueses)

12:30 – 13:30 - Debate sobre o filme, com a presença da realizadora Susana Sousa Dias

13:30 – 15:00 - Pausa para almoço

15:00 – 16:30 - Projecção do filme “Memória para uso diário”, de Beth Formaggini

16:30 – 17:30 - Comentário pelo Dr. Carlos Martin Beristain (Médico especialista em Saúde Mental, Universidade de Deusto, Bilbao) e por Alípio de Freitas (português, preso e torturado no Brasil.)

17:30 – 18:30 - Debate sobre o filme, com a presença da realizadora

Sábado, 6 de Março

10:00 – 11:30 - Projecção do filme “ Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta”, de Diana
Andringa

11:30 – 12:00 – Comentário por Miguel Cardina, historiador, investigador do CES e Víctor Barros, investigador do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20).

12:00 – 13:00 - Debate sobre o filme, com a presença da realizadora

13:00 – 13:30 - Sessão de encerramento: Como fazer da memória partilhada da tortura uma alavanca pela defesa da Cooperação e dos Direitos Humanos?, Secretário Executivo da CPLP, Eng. Domingos Simões Pereira*.

* A confirmar
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5899: Agenda Cultural (61): Exposição Portugal nas Trincheiras - A I Guerra da República, de 23/2 a 23/4/2010, em Lisboa

Guiné 63/74 - P5907: Ser solidário (59): Precisa-se de dinheiro para abrir 10 poços na Guiné-Bissau (José Teixeira)

1. Mensagem de sensibilização enviada ao Blogue pelo nosso camarada José Teixeira*, Tesoureiro da Tabanca Pequena, Grupo de Amigos da Guiné-Bissau:

Será que uma nota de 20,00 € é um rombo tão grande na nossa carteira, que não possamos dispensá-la para uma causa tão profundamente humana como esta de conseguir água potável para as populações da Guiné?

(Com o devido respeito para com aqueles que infelizmente não têm condições para contribuir)

Todos nós sentimos que a vida não está fácil.

Pode parecer uma violência na carteira de cada um, esta forma de insistir na Campanha de sementes e água potável para a Guiné.

Pode parecer um sonho esta loucura de tentar arranjar dinheiro para conseguir abrir 10 poços de água.

Mas… Quem melhor que nós, os ex-combatentes da Guerra das Colónias (ou do Ultramar) na Guiné, compreenderá o drama daqueles povos?

Será que se pode imaginar uma escola com 200 crianças, sem uma torneira de água potável por perto?

Será que se pode imaginar algumas dessas crianças deixarem a escola para irem ao interior da floresta, a um riacho que pode ficar a 4/5 quilómetros buscar água?

Que garantia de qualidade na água se encontra?

O nosso projecto, em parceria com a AD - Acção para o Desenvolvimento, visa dotar com fontanários dez tabancas do interior, das mais pobres e mais necessitadas.

Precisamos de muito dinheiro e as contas são fáceis de fazer.

O Blogue da Tabanca Grande tem cerca de 400 participantes e talvez alguns milhares de leitores.

Cerca de 80 leitores já participaram com a sua dádiva generosa, tendo-se juntado 2.214,00 €.

Basta que haja mais 80 dadores para se conseguir abrir um poço, instalar a energia solar e dotar a população com condições de poderem tirar rendimento das suas hortas e ter água para as suas necessidades.

NÃO PODEMOS FICAR INDIFERENTES AO SOFRIMENTO DAQUELE POVO!

Eu não consigo.

Zé Teixeira

Criança na torneira

Miudo a beber


TESOURARIA, CAMPANHA E SEMENTES


__________

Notas de CV:

(*) José Teixeira foi 1.º Cabo Enfermeiro na CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70.

Vd. último poste referente à campanha, com data de 28 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5720: Ser solidário (52): Campanha da Tabanca de Matosinhos: Ajudemos a minorar as carências do povo da Guiné-Bissau (José Teixeira)

Vd. último poste da série de 28 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5905: Ser solidário (58): Mais uma Expedição à Guiné-Bissau da Associação Humanitária Memórias e Gentes 2 (Carlos Marques Santos)

Guiné 63/74 - P5906: José Corceiro na CCAÇ 5 (5): Primeiro ataque a Canjadude, o meu baptismo de fogo

1. Mensagem de José Corceiro (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos -, Canjadude, 1969/71), com data de 25 de Fevereiro de 2010:

Caros camaradas, Luís Graça, Carlos Vinhal, J. Magalhães,

É com agrado que redigi alguns dos momentos passados, em Canjadude, quando do primeiro flagelo à CCAÇ 5.
Deixo ao vosso critério.
Um Abraço
José Corceiro

2. Caros Tertulianos
É com satisfação, que a vós me dirijo a relatar algumas das emoções que vivi, quando tinha um mês de Guiné e sofri o baptismo de fogo, no Aquartelamento de Canjadude, CCAÇ 5.


PRIMEIRO ATAQUE A CANJADUDE

Paira uma aura de receio e insegurança nos Gatos Pretos, do Aquartelamento de Canjadude, a movimentação e agitação operacional têm sido excessivas em função do que é habitual, os ventos que sopram não são de feição, não se aproxima bonança! Há desconfiança e cautelas redobradas com os passos que se dão na CCAÇ 5.

Dia 28 de Junho 1969, os Gatos Pretos, numa operação no mato, tiveram um contacto, ainda que fugaz, com o IN, foram vistos pouco mais de meia dúzia de elementos, que ao serem detectados e perseguidos pelas NT, se dissiparam e esfumaram no matagal deixando ténues vestígios da sua presença; um boné, algumas munições e pouco mais! A valentia e coragem dos Gatos Pretos, comandados pelo Capitão José Manuel Pacífico dos Reis, foi posta à prova demonstrando moral elevada, destemor, galhardia, audácia, ao perseguir o IN a peito aberto, sem fazer fogo e sempre a gritar, Gato Preto Agarra à Mão… Foi uma prova de fogo que deu para aferir que há avidez de guerrilha neste grupo, que quer vingar os seus irmãos de sangue, vá-se lá saber o quê e porquê, que só a ubiquidade e desígnio de Deus conhece.

No Posto de Rádio têm-se captado algumas comunicações em Espanhol atípico e manhoso, outras em língua irregular (mistura de idiomas), comunicações curtas, tipo flashs, ficando-se com a sensação de que um dos interlocutores estará por aqui muito perto, pois a intensidade do sinal da recepção, nos nossos equipamentos, é fortíssimo e um dos intervenientes fala quase sempre em surdina, mais parece estar retraído a falar baixo para não ser ouvido. Há uma certa impaciência que é evidente no pessoal, ninguém se atreve a fazer prognósticos.

A actividade operacional de saídas para o mato tem sido a ritmo alucinante, não tem havido tempo para pausa.

Dia 26 de Junho de 1969, coluna a Nova Lamego; dia 27, operação para o mato, a nível de Companhia, dois dias; dia 28, contacto com o IN; dia 29, coluna a Nova Lamego e saída para o mato à noite (nestas saídas para o mato, à noite, saía-se por volta das 20.00h e regressava-se por volta da 24.00h); dia 30, saída para o mato à noite; dia 1 de Julho, saída para o mato à noite; dia 2, operação para o mato, com dois pelotões, eu também fui, durante o dia progredimos, no terreno, praticamente sempre debaixo de chuva e a caminhar com os pés dentro de água. Acampamos, para pernoitar, todos encharcados e enlameados, durante a noite quase sempre a chover e os mosquitos a atacar, pela manhã levantamo-nos a tiritar com frio.

Regressámos ao aquartelamento dia 3, na parte da tarde. Dia 5, saiu um pelotão para o mato, regressou às 23.30h. Dia 6, saiu pelotão para o mato à noite; dia 7, choveu torrencialmente, ao ponto de inundar o abrigo dos graduados, houve estragos em objectos pessoais. Dia 8 de Julho, era para ter havido saída para o mato, com 3 pelotões, mas as condições atmosféricas não o permitiram, neste dia veio um capelão para a CCAÇ 5. Dia 9, coluna a Nova Lamego; dia 11 de Julho de 1969, sai toda a companhia, juntamente com grupos de Pára-quedistas, para uma operação de três dias no mato. Eu fiquei no aquartelamento, não era a minha vez de sair e estava de serviço ao Posto de Rádio, das 12.00h às 15.00h e das 00.00h às 03.00h do dia seguinte. No aquartelamento ficou o grupo da formação, pessoal que não está distribuído por pelotões, juntamente com um pelotão, que veio de outro destacamento para fazer segurança a Canjadude.

Paralelamente a toda esta actividade e movimentação operacional para o mato, no Posto de Rádio tem havido um persistente vai e vem de troca de mensagens, algumas com prioridade Zulu (relâmpago).

A noite estava serena, tudo muito sossegado, ninguém quis folia, eu encontrava-me no abrigo Norte, deitado em cima da minha cama a ler o livro - 2455 Cela da Morte, de Caryl Chessmann - pois ia entrar à meia-noite de serviço, no Posto de Transmissões.

Eram 22.48h, do dia 11 de Julho de 1969, quando se precipitou inusitado ribombar, em que eu, o primeiro estrondo que ouvi, quis-me convencer que fosse um trovão, mas em milésimos de segundo, acordei o espírito e consciencializei-me que era o meu baptismo de fogo que estava em urdidura, estava a perder a virgindade de fogo no flagelo ao Aquartelamento de Canjadude. Saltei da cama para o chão, da parte superior do beliche, quis encontrar uma G3, pois eu não tinha arma distribuída. A lei da necessidade primária, sobrevivência, impôs que eu agisse e procurasse instrumento para me defender. Nestas décimas de segundo o gerador de energia eléctrica foi-se abaixo e ficou tudo às escuras, eu corro de mãos vazias para a saída do abrigo, saio e meto-me numa das valas, que me poderá conduzir ao abrigo do Posto de Transmissões. Cá fora, os rebentamentos eram constantes e afiguravam-se ser mesmo por cima de mim, ouvindo-se um ruído sibilo a cruzar a atmosfera em todas as direcções.

Eu fiquei perplexo e pensei:
- Que festival de fogachal tão bem orquestrado é fogo de guerra mesmo para matar, parece que os deuses estão contra mim?!

O bramir do ribombar, era incessante e havia ecos de explosões de proveniência indeterminada, vinham de todos os lados! Eu cogitava, que razões assistem a estes seres para despoletar tamanha barbárie? Fiquei cismado, confuso, embora não estivesse nervoso, mas estava um pouco amedrontado! Sempre me imaginei a reagir, numa situação destas, com conduta bem pior do que esta que estava a revelar, ao defrontar-me perante uma bagunçada com esta factual perigosidade, para a minha integridade física. Foi uma grande surpresa, para mim, esta minha atitude comportamental, diante de ameaça tão iminente, concreta e real. O fogo continuava violento e insistente, desconcertante, indistinguível, não conseguia percepcionar, nem ajuizar qual a proveniência dos disparos, era uma barafunda de silvos no espaço por cima da minha cabeça que me deixava baralhado. Os roncos dos rebentamentos são no ar, na frente, por trás e dos lados, isto é aterrorizador. Da nossa parte a reacção é nula, não se fazem sentir esboços de defesa!

Nisto ouço uma voz aflitiva e ofegante, minha conhecida, gritar:
- Os cabrões do caralho estão a atacar detrás das rochas!

Eu, hesitante e precavido, pensei logo:
- Sendo assim, tinham que matar as sentinelas dos postos de vigia, passar o arame farpado e colocaram-se atrás das rochas? Se isto foi possível, estamos perdidos, vai ser batalha campal!

Logo de seguida, ouço outra voz conhecida gritar apavoradamente:
- Os filhos da puta já andam cá dentro…

Eu, incrédulo e receoso, pensei:
- Isto está tudo numa mixórdia e eu não tenho arma para me defender, oh! Minha mãe como posso proteger a pele? Nisto avancei um pouco na vala, atónito, abandonado à intuição e à sorte, para ver se compreendia tamanha balbúrdia, para melhor me proteger e defender da embrulhada…

Em seguida, vejo a sair do seu abrigo, o 2.º Sargento Fernando dos Santos Rodrigues, com desembaraço, peito nu a descoberto, todo destemido, a gritar em altos berros:
- Despachem-se seus merdas, façam fogo, senão somos todos aqui apanhados à mão.

O Sargento Rodrigues correu para abrigo da metralhadora pesada, pegou nela e deslocou-a para cima do abrigo dos graduados onde a posicionou e começou a disparar na direcção da pista de aviação. Aparece também, creio ter sido, o Furriel Gil que andava meio empanado, dirigindo-se para o abrigo do morteiro 81 e começou a clamar por ajuda e a incentivar o pessoal que ocupassem outros abrigos de morteiro 81. (Nesta altura ainda não havia em Canjadude a Secção de Morteiros, que veio no ano de 1970, de uma Companhia de Nova Lamego, cujos elementos, Ferra, Viana… ainda que, na CCAÇ 5, houvesse Africanos muito bons a fazer fogo com os morteiros, neste momento estavam no mato.)

Passaram quatro ou cinco minutos desde o início do pandemónio, que mais pareciam uma eternidade, sem que houvesse grande reacção da nossa parte. Eu dirigi-me para o abrigo do morteiro 81 que estava instalado entre as traseiras da secretaria e o campo de futebol, com o intuito de poder ajudar em algo, tinha noções rudimentares de orientação de fogo e disparo do morteiro, embora não percebesse nada das inclinações precisas, que era necessário dar à arma para haver fogo de precisão ao alvo desejado. A minha acção limitou-se a abrir duas ou três caixas das munições do morteiro que estavam nas tocas laterais do abrigo.

Entretanto chegou pessoal que estava habilitado a fazer tiro de morteiro e eu saí dali, porque a minha presença até era perturbadora devido ao exíguo espaço que havia no abrigo do morteiro, além do incómodo para os ouvidos, provocado pelo rebentamento da carga, quando era percutida para dar impulso à munição do morteiro e se direccionar para o alvo pretendido. Da parte do IN, o fogo continuava a ser consistente, com rebentamentos impetuosos, intrincados com rastos de luz amarelada e sibilações indistintas, que rasgavam os céus em todas as direcções. Estava a apreensivo, pois estávamos muito acomodados e amontoados na mesma vala, alguns a fazer rajadas de G3 desordenadamente, sem direcção definida, um pouco ao acaso, que se podiam tornar perigosas para nós.

Passaram dez minutos, ou mais, desde o começo do ataque, quando se começaram a ouvir os disparos do morteiro 81 que estava na Tabanca, lado Sul/Poente. O morteiro da Tabanca foi aferindo e ajustando a eficiência dos seus disparos e a determinada altura as morteiradas começaram a cair no raio de perigosidade onde se instalara o IN. A partir daqui, o fogo IN abrandou e ao fim de aproximadamente meia hora, depois de ter começado a salganhada, o inimigo deixou Canjadude. A posição desta arma na Tabanca era privilegiada, porque tinha um ângulo de visão perfeito da localização onde o IN estava posicionado a fazer o ataque, distante do arame farpado 200 a 300 metros, colocado no limite da desarborização da berma paralela à pista de aviação. No Aquartelamento, para se ter um horizonte de perspectiva de ângulo eficaz para direccionar fogo para o IN, tínhamos que nos ter distribuído nas valas para o lado Norte, quando nós estávamos concentrados no lado oposto.

Estava consumado o meu baptismo de fogo! Felizmente sem ter havido um único ferido, resultado directo da acção inimiga. Prejuízos materiais, só a danificação do gerador, que não foi estrago de muita monta.

Ainda durante a enrascada já tinha ido para o Posto de Transmissões onde estavam em curso comunicações com o pessoal que estava no mato. Pelos relatos que houve, ficamos a saber que já depois de estarem instalados para pernoitar, se aperceberam de barulhos estranhos, não muito longe de onde estavam acampados, que estavam agora a associar que era o IN a deslocar-se para Canjadude. Nesta noite ninguém dormiu com receio de que o inimigo volta-se à carga.

A flagelação IN, excluindo a perturbação psicológica que nos marcou, saldou-se para eles num autêntico fiasco, ou o IN não tinha noção nenhuma da disposição do aquartelamento, ou confundiu as rochas com infra-estruturas deste, ou se não, foram nabos ao seleccionar o local de posicionamento para disparar as armas. Com este tipo de flagelo, Canjadude não podia ser atacado de Norte que tem as rochas a protegê-lo, a Sul tinha a Tabanca e muito arvoredo dentro desta, restam, Nascente do lado da bolanha, e Poente a posição mais vulnerável do Aquartelamento, porque fica todo sem protecção natural, expondo-se, todo à mira do fogo inimigo. Foi deste lado que atacaram, o mais indefeso, só que não souberam alinhar-se para que as estruturas do aquartelamento ficassem na trajectória dos disparos.

Se tivessem tido o cuidado de se deslocarem 50 metros mais a Norte, ficavam as linhas de fogo perpendiculares com a secretaria, a caserna, o refeitório, o depósito de géneros, o bar, a cozinha e os abrigos, e as primeiras roquetadas eram certinhas e podiam fazer muita mossa, pois estavam próximos do arame farpado. Devido à errada disposição, quase todo o fogo foi dirigido para as rochas, razão pela qual ficamos sem gerador de energia eléctrica, logo no início do ataque. O gerador estava protegido por uma rocha de frente, que por sua vez tinha atrás outra rocha mais alta onde rebentou uma roquetada, os estilhaços danificaram o gerador. Foi só o estrago material digno de registo que houve. No pessoal houve algumas escoriações, resultado de algum tombo nas deslocações nas valas, no escuro.

Vestígios da presença IN, além dos normais devido à utilização das armas de fogo, ficaram indícios de sangue em três ou quatro lados, que atestavam que pelo menos feridos tiveram.

A companhia regressou do mato dia 12 de Julho 1969. Com a protecção da CCAÇ 5 e a acção dos Pára-quedistas, foi desmantelado um acampamento IN, que antecipadamente foi abandonado. Deste feito, resultou a apreensão de bastantes munições, alguma roupa, pouco armamento e coisas de menor importância.

Para todos os camaradas, um abraço.
José Corceiro

Foto 1 > A minha cama no abrigo Norte, há prateleiras improvisadas onde guardava alguns livros, papeis, máquinas e rádio, sempre à mão. Este rádio que se vê, ainda hoje funciona

Foto 2 > Abrigo de protecção do gerador de energia. O IN atacou de frente, onde a mata começa, um pouco deslocado para o lado direito

Foto 3 > Rocha onde embateu a roquetada que danificou o gerador. Vê-se no lado direito os bidões que o protegiam. O primeiro abrigo que se vê, é o abrigo Norte; a seguir ao monte de terra é o abrigo do morteiro, abrigo do comando e a seguir abrigo dos graduados

Foto 4 > Um DO a levantar na pista de Canjadude. O IN atacou do lado direito

Foto 5 > Como era Canjadude quando houve o primeiro flagelo

Foto 6 > Vê-se o abrigo Norte. O fogo IN foi direccionado aqui para o primeiro plano da foto

Foto 7 > Corceiro a familiarizar-se com uma das armas que está na Tabanca, igual à que utilizou o Sargento Rodrigues no ataque, metralhadora Dreyse

Foto 8 > Corceiro no abrigo do morteiro 81 a simular a introdução de uma munição

Foto 9 > Corceiro com o morteiro 60, em posição de disparo

Foto 10 > Rocha em Canjadude, tendo no topo um posto de vigia. O acesso era feito pelas traseiras. Rocha com cerca de 15 metros de altura
Fotos e legendas: © José Corceiro (2010). Direitos reservados

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Nota de C.V:

Vd. último poste da série de 17 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5834: José Corceiro na CCAÇ 5 (4): Recordações do Sargento Enfermeiro Cipriano

Guiné 63/74 - P5905: Ser solidário (58): Mais uma Expedição à Guiné-Bissau da Associação Humanitária Memórias e Gentes 2 (Carlos Marques Santos)

1. O nosso Camarada Carlos Marques Santos* (ex-Fur Mil da CART 2339 - “Os Viriatos -, Fá e Mansambo, 1968/69), enviou-nos a seguinte mensagem, com data de 27 de Fevereiro de 2010:


Camaradas,

Envio-vos notícias da saída da Expedição Anual da Associação Memórias e Gentes, com ajuda e solidariedade para a "nossa Guiné" reportada pelo DIÁRIO as BEIRAS.

Recorte do jornal "Diário As Beiras", com a devida vénia

O encontro da tabanca do Centro foi, mais uma vez, um êxito. O Mexia Alves é uma máquina.

Vamos ter novidades em breve.

Todos PRONTOS para o 5.º ENCONTRO e 6.º ANIVERSÁRIO do BLOGUE?

PREPAREM-SE.

Grupo de Ajuda Solidária “memórias e gentes”

De relevar a ida de uma ambulância, oferta dos Bombeiros de Águeda, com o apoio de Santa Maria da Feira e Águeda, que vai ser doada ao Hospital de Mansoa, e que vai ser conduzida até lá por duas senhoras.

CMS
68/ 69 Mansambo
CART 2339

P.S. - O ENCONTRO de ONTEM, em Monte Real correu excelentemente. Brevemente haverá novas!!!!!!!!!
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

24 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5876: Ser solidário (57): Mais uma Expedição à Guiné-Bissau da Associação Humanitária Memórias e Gentes (Carlos Marques Santos)