Carlos Vinhal
Já era mais que tempo.
Aqui vai mais uma Estória. Se a poderes publicar até ao dia 24, ficaria satisfeito.
Aquele abraço
Jorge Fontinha
Estórias do Jorge Fontinha (12)
Os nossos enfermeiros
A CCAÇ 2791- (FORÇA), foi uma Companhia, cujos Especialistas e não só os Operacionais, foram de verdadeira excelência.
Hoje vou falar da equipa de enfermagem cuja competência e dedicação não tiveram limites. Superiormente liderada pelo Furriel Miliciano Urbano Silva, os Cabos e maqueiros divididos pelos 4 Grupos de Combate, foram uma equipa de respeito.
O Urbano era incomparável, tanto na sua Especialidade como ser humano, voluntarioso, competente e rigoroso. Ninguém escapava às suas seringas nem aos seus comprimidos. Protagonizámos, os dois, muitos episódios, alguns deles já nem sequer os consigo lembrar. Há todavia um que jamais vou esquecer.
Quando a Companhia se reúne em Teixeira Pinto com o nosso 4.º Grupo, alguns dias passados, há uma operação programada para o Balangarez. Na véspera tive uma entorse no pé direito e como nunca me havia baldado em circunstância alguma, fui ter com o Urbano para que ele me desse a sua opinião. Depois de revisto, aconselhou-me a consultar o médico do Batalhão, que me aconselhou a descansar 3 a 4 dias, passando-me uma baixa para 3 dias. Como era da minha obrigação, dei conhecimento ao Alferes Gaspar e dirigi-me ao gabinete do Capitão Mamede, informando-o da situação. Aconteceu o impensável!
O Capitão Mamede acusou-me de caras de ser oportunista e de estar a forjar a situação. Nunca havia sido tratado, por um superior hierárquico, da forma que estava a ser e com a indignação, disse que não ia à operação, bati com a porta e fui para o bar meter uns gins com água tónica pelas goelas abaixo.
Furriel Miliciano Enfermeiro, Urbano Silva
Foi quando apareceu o Urbano. Não o enfermeiro, mas o ser humano que todos nós na Companhia lhe reconhecíamos. Agarrou-me por um braço e convidou-me a ir até à enfermaria pois queria falar comigo. Aí, mandou-me descalçar a bota, fez o seu próprio exame, mexeu, remexeu, massajou durante alguns minutos, com milagrosas pomadas, ligou-me o pé com todo o vigor e obrigou-me a engolir um comprimido, dando-me outro, para ser tomado ao levantar.
Perguntei-lhe para que era aquilo tudo, se já tinha decidido não ir à operação. Aí, sem que nada o fizesse esperar, faz uma pirueta no ar, dá dois ou três passos de dança e diz três ou quatro palhaçadas, provocando um ambiente hilariante e de boa disposição. Foi a táctica dele. Vais à operação ou não? Vou, mas levo a dispensa no bolso. Se tiver de ser evacuado, alguém a vai ver!
Hoje digo obrigado Urbano.
No decorrer da operação senti alguma dor que estoicamente fui ignorando. A dada altura e já no período de emboscada, para passar a noite, comecei a ter tremuras e febre, tendo passado um mau bocado. Valeu-me na altura a minha companheira de emboscada, a inseparável garrafa de Whisky, duas goladas e a colaboração do Cabo Enfermeiro Silva, que com o restante me massajou, pondo-me a transpirar abundantemente. Ao raiar do dia, preparamo-nos para regressar à estrada e sermos recolhidos para voltarmos para Teixeira Pinto.
A febre e as tremuras passaram, o pé ainda bastante dorido, mas felizmente com evidentes melhorias ajudaram o resto.
O Cabo Enf.º Silva assistindo-me durante a Operação
Assisti mais assiduamente às intervenções do Cabo Enf.º Silva. Foi ele que quase em simultâneo assistiu ao acidente que mutilou a perna do Nunes, nosso primeiro ferido de toda a Companhia. Foi também ele que assistiu em primeira mão ao acidente que provocou o primeiro morto do Grupo de Combate e da Companhia, tendo tido a sorte, ele e todos nós, de seguir na viatura que ia à nossa frente e era comandada pelo Furriel Chaves.
Curiosamente, o Chaves esteve também ele ligado ao episódio seguinte, quando em Mato Dingal, o Cabo Silva, foi chamado de urgência á Tabanca para ajudar a um parto difícil. Coincidiu com a hora de almoço mas o Silva interrompeu, veio avisar-nos a nós e preparou-se para ir. O Chaves que era homem para grandes rasgos, também interrompeu o almoço e igualmente,”meteu as mãos nas luvas” e também foi.
Entretanto eu e o Alferes Gaspar, continuamos a almoçar, comer a sobremesa e continuamos á mesa, com os respectivos digestivos, aguardando a chegada de ambos. Assim, o Chaves mal se livra das luvas e se lava, vem para a mesa, acabar de almoçar. Quem estava de frente para a porta de entrada era o Gaspar, que de imediato começa vomitar, provocando-me a mim próprio, igual reacção. O Chaves ao lavar-se, esqueceu-se de mudar a camisa, que vinha ensanguentada e com vestígios da placenta. Resta dizer que o desempenho do Silva, foi exemplar.
O Silva era adorado pelo pessoal daquela Tabanca pois tinha sempre uma seringa mágica que curava toda a gente!…
Aos meus bons amigos ex-Furriel Urbano e ao ex-Cabo Silva, o meu abraço eterno.
Foi apenas mais uma Estória verdadeira, vivida na Guiné.
Aquele abraço para toda a Tertúlia.
Jorge Fontinha
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 17 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6999: Convívios (189): Encontro anual do pessoal da CCAÇ 2791 em Viseu, dia 25 de Setembro de 2010 (Jorge Fontinha)
Vd. último poste da série de 9 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6564: Estórias do Jorge Fontinha (11): Um soldado pediu-me que o matasse