1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 20 de Julho de 2011:
Caro Carlos Vinhal
Depois de algum tempo de ausência escritural, eis que hoje "tropecei" no POST 8577 do Belmiro Tavares, que nunca escreve só por escrever (na minha opinião de ledor destas coisas que vão sendo aqui publicadas...) e me causou o texto que vai junto, texto que já há muito andava a bailar na minha cabeça.
Tua justiça ditarás.
Com um abraço (a juntar aos já muitos)
Alberto Branquinho
CONTRAPONTO (37)
ADIVINHAÇÃO… ou as guerras de Bissau (…e afins)
Quem é? Quem são?
Quem serão? Quem poderá ser?
Pretendendo ser notório, falando de guerra, mas que guerra não teve, apesar de, em alguns casos, ter(em) frequentado os “arredores” da guerra.
Que (apesar disso) em forma (e conteúdo) pretende(m) transmitir um certo “quid” guerreiro?
Não importa ter ou não terem tido guerra, porque para se ter (feito) guerra não é necessário ter ido à guerra. Basta imaginar que se fez. Imaginar, conjecturar, argumentar, insinuar e… concluir.
Pelo sim ou caso não. Aqui mesmo.
Não se compreende essa preocupação, porque, de facto (defeito?) o facto de (não) ter(em) feito guerra não é, por si só, uma (des)honra para a família.
Pois, quem (pre)tenderá estar usando agora(!) mais a “espada que a pena”, (melhor dizendo – mais as armas do que outro(s) seu(s) instrumento(s) que serviram de apoio a essoutras), porque, “in illo tempore”, G3, canhão, obus, morteiro, bazuca, metralhadora… não lhes houve? (Talvez pistola…)
Qual será a razão?
Adivinhação:
Quem é? Quem serão?
A questão fica no ar.
Dão-se alvíssaras a quem encontrar.
Alberto Branquinho
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 17 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8437: Contraponto (Alberto Branquinho) (36): A construção e a desconstrução de um Padre
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 22 de julho de 2011
Guiné 63/74 - P8590: BCAÇ 1860 (Tite, 1965/67): 16 Mortos e 6 desaparecidos em combate (Santos Oliveira)
Guiné > Região de Quínara > BCAÇ 1860 (Tite, 1965/67) > Mortos e desaparecidos em combate...
Contribuíu o BCaç 1860, durante a sua permanência em terras da Guiné, com a vida e o sangue dos seguintes militares, para quem vai a mais respeitosa homenagem e o agradecimento da Nação:
12Ago65, Fur Mil Júlio Lemos P Martins;
12Ago65, 1º Cabo Inácio Freitas Ferreira;
30Set65, Sold Aníbal A Pires;
18Out65, Sold Diogo A Neves;
01Nov65, Sold Manuel A A Nobre;
18Mar66, Sold Alberto T Silva;
11Mai66, Sold Julde Mané;
25Ago66, Sold José Maria F Carvalho;
25Ago66, Sold Francisco António Lopes;
06Out66, Alf Mil Carlos Santos Dias;
29Dez66, Sold Malan Sambú;
15Jan67, Sold António C do Nascimento;
16Jan67, Sold Saliu Djassi;
16Fev67, Sold Alberto Samba;
01Mar67, 1º Cabo José Félix Lopes;
04Abr67, Furr Mil Rui Palmela Mealha.
Desaparecidos em Combate, em 07Out65, durante a Op Lenda (**):
Alf Mil Vasco Nuno L de Sousa Cardoso;
1º Cabo Fernando de Jesus Alves;
Sold Armando Leite Nascimento;
Sold José Ferreira Araújo;
Sold José Vieira Lauro [, e não Louro, como certamente por lapso consta no documento acima; natural do concelho de Leiria, foi feito prisioneiro pelo PAIGC, levado para Conacri, e entregue em Dacar à Cruz Vermelha Internacional, mais tarde, em Março de 1968]; (***)
Sold Armando dos Santos.
Imagem digitalizadas (e legendas): © Santos Oliveira (2008). Todos os direitos reservados.
Fonte: História da unidade, conforme documentos digitalizados pelo nosso camarada Santos Oliveira (2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf, Pel Mort 912, Como, Cufar e Tite, 1964/66). Material em arquivo, enviado pelo Santos Oliveira por mail em 2008 (*)... Desconhece-se o autor das ilustrações. (LG)
Sobre os seis desaparecidos em combate, vd. poste P2026 (**).
[Edição de imagem, legendagem e título: L.G.]
_______________
Notas do editor:
(*) Vd. poste relacionado > 20 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8578: BCAÇ 1860 (Tite, 1965/67): Balanço da actividade logística, em banda desenhada: 22.5 toneladas de cartas e encomendas, 3 t de medicamentos, 12 t de frescos, 820 t de géneros alimentícios, 123 t de artigos de cantina, 2.5 t de rações de combate, 31 t de munições... (Santos Oliveira)
(**) Vd. poste de 4 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2026: Antologia (61): Rumo a Fulacunda: uma estória que ficou por contar ou a tragédia das CCAÇ 1420 e 1423 (Rui Ferreira)
(***) José Vieira Lauro: o seu nome também consta da lista dos ex-prisioneiros de guerra a quem foi atribuída a pensão a que se refere o art. 4º do Decreto-Lei nº 170/2004, de 16 de Julho.
(***) José Vieira Lauro: o seu nome também consta da lista dos ex-prisioneiros de guerra a quem foi atribuída a pensão a que se refere o art. 4º do Decreto-Lei nº 170/2004, de 16 de Julho.
Guiné 63/74 - P8589: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (9): Um jogo de Xadrez... muito especial
1. Em mensagem de 30 de Maio de 2011, Belmiro Tavares, (ex-Alf Mil, CCAÇ 675 Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), recebemos esta memória:
HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES (9)
Um jogo de xadrez... muito especial
Nota inicial: o conteúdo deste texto não diz respeito à guerra do Ultramar, mas o autor é um ex-combatente.
No final dos anos sessenta – século passado – o xadrez era já bastante praticado no Colégio Militar, muito mais e melhor que em qualquer outra escola de Lisboa. Em cada uma das quatro salas de jogos – uma por cada companhia de alunos – havia vários tabuleiros para que os jovens, nas horas vagas, praticassem entre si.
Entre oficiais e professores também se jogava em larga escala, pelo menos em quantidade; havia alguns professores que eram “barras” em meu entender; eu, pessoalmente, era aprendiz de moço de cego.
A Direcção do Colégio “contratou” o campeão nacional da modalidade – Joaquim Durão – para incutir nos alunos o gosto pelo xadrez, para lhes ensinar as regras básicas e acompanhar de perto a evolução dos praticantes.
Aquele senhor – era o campeão nacional crónico – organizou um assinalável jogo de “simultâneas” em que ele enfrentaria quase duas centenas de alunos, entre os dez e os dezassete anos, de todos (?) os estabelecimentos de ensino da capital.
Eu fui nomeado, em O.S., para acompanhar os académicos do C.M.; à chegada, fiquei verdadeiramente surpreendido ao verificar que os “meus” alunos (eram 80) representavam quase metade do total dos concorrentes – 170 alunos.
Os Pupilos do Exército (outra escola de filhos de militares) concorriam com 43 alunos. Os restantes (47) representavam várias escolas “civis” da capital.
Os jornalistas presentes, apercebendo-se da desproporção entre “civis” e “militares”, começaram a “morder” nas fardas: - “pensam que são melhores que os outros”; isto não devia ser permitido”; “não devia haver mais de dez alunos por escola”, etc.
Um jornalista mais prudente perguntou-me por que motivo “levava” tantos alunos; e eu respondi:
- A intervenção da Direcção foi quase residual; apenas nos foi sugerido que não concorressem mais de quinze alunos por cada “ano”; perguntámos ao organizador se havia limites; ele respondeu negativamente; houve alguns ”cortes” de acordo com a informação dos “graduados“ (alunos do 7º ano).
O jogo começou! O ambiente entre os jornalistas era tenso, preocupante.
O primeiro aluno a ser derrotado – cheque-mate – era do Colégio Militar!
Os jornalistas passaram a ser contundentes mesmo agressivos no ataque às “fardas”. Alguém teve de pedir “silêncio” na sala; estavam a perturbar o ambiente.
Ao fim de três horas de competição já só havia 70 alunos em jogo dos quais 50 eram do C.M.
Os jornalistas começavam agora a olhar as “fardas” com mais respeito; pelo menos já não barafustavam com tanto azedume.
Mais uma hora de jogo: havia 18 resistentes – 15 eram do C.M. – autênticos heróis!
A “partida” continuava com grande desportivismo e boa disposição.
A certa altura havia apenas cinco alunos em prova – todos do Colégio Militar.
Rapidamente quatro alunos foram postos fora de combate; o Sr. Joaquim Durão, muito honestamente e respeitando o adversário, comentou:
- Muito dificilmente conseguirei vencer esta partida; creio que talvez não perca; se concordares, terminamos com um empate.
Cumprimentaram-se com respeito e admiração mútuos.
Nesta altura (já era tarde para o almoço!) Já não havia jornalistas na sala; certamente envergonharam-se das suas atitudes nada simpáticas e exageradas mas não tiveram coragem nem desportivismo de esperar até ao fim e pedir desculpa; era o mínimo que podia esperar-se. Tinham saído sorrateiramente (covardemente)... com a viola no saco.
Lisboa, 30 de Maio de 2011
Belmiro Tavares
Ten. Mil. Inf.
____________
Notas de CV:
- Foto do Tabuleiro de Xadez retirado do Blogue Taverna do Guerreiro, com a devida vénia.
Vd. último poste da série de 20 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8577: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (8): As guerras de Bissau
HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES (9)
Um jogo de xadrez... muito especial
Nota inicial: o conteúdo deste texto não diz respeito à guerra do Ultramar, mas o autor é um ex-combatente.
No final dos anos sessenta – século passado – o xadrez era já bastante praticado no Colégio Militar, muito mais e melhor que em qualquer outra escola de Lisboa. Em cada uma das quatro salas de jogos – uma por cada companhia de alunos – havia vários tabuleiros para que os jovens, nas horas vagas, praticassem entre si.
Entre oficiais e professores também se jogava em larga escala, pelo menos em quantidade; havia alguns professores que eram “barras” em meu entender; eu, pessoalmente, era aprendiz de moço de cego.
A Direcção do Colégio “contratou” o campeão nacional da modalidade – Joaquim Durão – para incutir nos alunos o gosto pelo xadrez, para lhes ensinar as regras básicas e acompanhar de perto a evolução dos praticantes.
Aquele senhor – era o campeão nacional crónico – organizou um assinalável jogo de “simultâneas” em que ele enfrentaria quase duas centenas de alunos, entre os dez e os dezassete anos, de todos (?) os estabelecimentos de ensino da capital.
Eu fui nomeado, em O.S., para acompanhar os académicos do C.M.; à chegada, fiquei verdadeiramente surpreendido ao verificar que os “meus” alunos (eram 80) representavam quase metade do total dos concorrentes – 170 alunos.
Os Pupilos do Exército (outra escola de filhos de militares) concorriam com 43 alunos. Os restantes (47) representavam várias escolas “civis” da capital.
Os jornalistas presentes, apercebendo-se da desproporção entre “civis” e “militares”, começaram a “morder” nas fardas: - “pensam que são melhores que os outros”; isto não devia ser permitido”; “não devia haver mais de dez alunos por escola”, etc.
Um jornalista mais prudente perguntou-me por que motivo “levava” tantos alunos; e eu respondi:
- A intervenção da Direcção foi quase residual; apenas nos foi sugerido que não concorressem mais de quinze alunos por cada “ano”; perguntámos ao organizador se havia limites; ele respondeu negativamente; houve alguns ”cortes” de acordo com a informação dos “graduados“ (alunos do 7º ano).
O jogo começou! O ambiente entre os jornalistas era tenso, preocupante.
O primeiro aluno a ser derrotado – cheque-mate – era do Colégio Militar!
Os jornalistas passaram a ser contundentes mesmo agressivos no ataque às “fardas”. Alguém teve de pedir “silêncio” na sala; estavam a perturbar o ambiente.
Ao fim de três horas de competição já só havia 70 alunos em jogo dos quais 50 eram do C.M.
Os jornalistas começavam agora a olhar as “fardas” com mais respeito; pelo menos já não barafustavam com tanto azedume.
Mais uma hora de jogo: havia 18 resistentes – 15 eram do C.M. – autênticos heróis!
A “partida” continuava com grande desportivismo e boa disposição.
A certa altura havia apenas cinco alunos em prova – todos do Colégio Militar.
Rapidamente quatro alunos foram postos fora de combate; o Sr. Joaquim Durão, muito honestamente e respeitando o adversário, comentou:
- Muito dificilmente conseguirei vencer esta partida; creio que talvez não perca; se concordares, terminamos com um empate.
Cumprimentaram-se com respeito e admiração mútuos.
Nesta altura (já era tarde para o almoço!) Já não havia jornalistas na sala; certamente envergonharam-se das suas atitudes nada simpáticas e exageradas mas não tiveram coragem nem desportivismo de esperar até ao fim e pedir desculpa; era o mínimo que podia esperar-se. Tinham saído sorrateiramente (covardemente)... com a viola no saco.
Lisboa, 30 de Maio de 2011
Belmiro Tavares
Ten. Mil. Inf.
____________
Notas de CV:
- Foto do Tabuleiro de Xadez retirado do Blogue Taverna do Guerreiro, com a devida vénia.
Vd. último poste da série de 20 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8577: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (8): As guerras de Bissau
Guiné 63/74 - P8588: O Nosso Livro de Estilo (1): Política editorial do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
1. Comentário do Editor/Fundador deste Blogue, Luís Graça, deixado no Poste 8582:
Para os leitores de boa fé, mas às vezes distraídos... LG
_______________
Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné: Política editorial
As opiniões aqui expressas, sob a forma de postes ou de comentários, assinados, são da única e exclusiva responsabilidade dos seus autores, não podendo vincular o proprietário e editor do blogue, bem como os seus co-editores e demais colaboradores permanentes.
O nosso blogue é também uma Tabanca Grande. Originalmente, chamámos-lhe Tertúlia. Tabanca é um termo mais apropriado: nela cabem todos os amigos e camaradas da Guiné.
Neste espaço, de informação e de conhecimento, mas também de partilha e de convívio, decidimos pautar o nosso comportamento (bloguístico) de acordo com algumas regras ou valores, sobretudo de natureza ética:
(i) respeito uns pelos outros, pelas vivências, valores, sentimentos, memórias e opiniões uns dos outros (hoje e ontem);
(ii) manifestação serena mas franca dos nossos pontos de vista, mesmo quando discordamos, saudavelmente, uns dos outros (o mesmo é dizer: que evitaremos as picardias, as polémicas acaloradas, os insultos, a insinuação, a maledicência, a violência verbal, a difamação, os juízos de intenção, etc.);
(iii) socialização/partilha da informação e do conhecimento sobre a história da guerra do Ultramar, guerra colonial ou luta de libertação (como cada um preferir);
(iv) carinho e amizade pelo nossos dois povos, o povo guineense e o povo português (sem esquecer o povo cabo-verdiano!);
(v) respeito pelo inimigo de ontem, o PAIGC, por um lado, e as Forças Armadas Portuguesas, por outro;
(vi) recusa da responsabilidade colectiva (dos portugueses, dos guineenses, dos fulas, dos balantas, etc.), mas também recusa da tentação de julgar (e muito menos de criminalizar) os comportamentos dos combatentes, de um lado e de outro;
(vii) não-intromissão, por parte dos portugueses, na vida política interna da actual República da Guiné-Bissau (um jovem país em construção), salvaguardando sempre o direito de opinião de cada um de nós, como seres livres e cidadãos (portugueses, europeus e do mundo);
(viii) respeito acima de tudo pela verdade dos factos;
(ix) liberdade de expressão (entre nós não há dogmas nem tabus); mas também direito ao bom nome;
(x) respeito pela propriedade intelectual, pelos direitos de autor... mas também pela língua (portuguesa) que nos serve de traço de união, a todos nós, lusófonos.
PS - Defendemos e garantimos a propriedade intelectual dos conteúdos inseridos (texto, imagem, vídeo, áudio...).
Em contrapartida, uma vez editados, não poderão ser eliminados, tanto por decisão do autor como do editor do blogue, mesmo que o autor decida deixar de fazer parte da Tabanca Grande.
Qualquer outra utilização desses conteúdos, fora do propósito do blogue (ou do nosso site na Net), necessita de autorização prévia dos autores (por ex., publicação em livro).
Luís Graça & Camaradas da Guiné
31 de Maio de 2006, revisto em 23 de Abril de 2011
____________
Editado por CV
Para os leitores de boa fé, mas às vezes distraídos... LG
_______________
Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné: Política editorial
As opiniões aqui expressas, sob a forma de postes ou de comentários, assinados, são da única e exclusiva responsabilidade dos seus autores, não podendo vincular o proprietário e editor do blogue, bem como os seus co-editores e demais colaboradores permanentes.
O nosso blogue é também uma Tabanca Grande. Originalmente, chamámos-lhe Tertúlia. Tabanca é um termo mais apropriado: nela cabem todos os amigos e camaradas da Guiné.
Neste espaço, de informação e de conhecimento, mas também de partilha e de convívio, decidimos pautar o nosso comportamento (bloguístico) de acordo com algumas regras ou valores, sobretudo de natureza ética:
(i) respeito uns pelos outros, pelas vivências, valores, sentimentos, memórias e opiniões uns dos outros (hoje e ontem);
(ii) manifestação serena mas franca dos nossos pontos de vista, mesmo quando discordamos, saudavelmente, uns dos outros (o mesmo é dizer: que evitaremos as picardias, as polémicas acaloradas, os insultos, a insinuação, a maledicência, a violência verbal, a difamação, os juízos de intenção, etc.);
(iii) socialização/partilha da informação e do conhecimento sobre a história da guerra do Ultramar, guerra colonial ou luta de libertação (como cada um preferir);
(iv) carinho e amizade pelo nossos dois povos, o povo guineense e o povo português (sem esquecer o povo cabo-verdiano!);
(v) respeito pelo inimigo de ontem, o PAIGC, por um lado, e as Forças Armadas Portuguesas, por outro;
(vi) recusa da responsabilidade colectiva (dos portugueses, dos guineenses, dos fulas, dos balantas, etc.), mas também recusa da tentação de julgar (e muito menos de criminalizar) os comportamentos dos combatentes, de um lado e de outro;
(vii) não-intromissão, por parte dos portugueses, na vida política interna da actual República da Guiné-Bissau (um jovem país em construção), salvaguardando sempre o direito de opinião de cada um de nós, como seres livres e cidadãos (portugueses, europeus e do mundo);
(viii) respeito acima de tudo pela verdade dos factos;
(ix) liberdade de expressão (entre nós não há dogmas nem tabus); mas também direito ao bom nome;
(x) respeito pela propriedade intelectual, pelos direitos de autor... mas também pela língua (portuguesa) que nos serve de traço de união, a todos nós, lusófonos.
PS - Defendemos e garantimos a propriedade intelectual dos conteúdos inseridos (texto, imagem, vídeo, áudio...).
Em contrapartida, uma vez editados, não poderão ser eliminados, tanto por decisão do autor como do editor do blogue, mesmo que o autor decida deixar de fazer parte da Tabanca Grande.
Qualquer outra utilização desses conteúdos, fora do propósito do blogue (ou do nosso site na Net), necessita de autorização prévia dos autores (por ex., publicação em livro).
Luís Graça & Camaradas da Guiné
31 de Maio de 2006, revisto em 23 de Abril de 2011
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Editado por CV
Guiné 63/74 - P8587: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (44): Aqui e ali, prossegue a recuperação da memória.... (Hélder Sousa)
Marginal de Ponta Delgada / Ilha de S. Miguel / Açores > Tomás Carneiro, Hélder Sousa e Carlos Cordeiro
1. Mensagem do nosso camarada Hélder Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 18 de Julho de 2011:
Caros camaradas
Tenho estado um tanto afastado da colaboração activa com o nosso blogue.
Digo isso porque não tenho, nos últimos tempos, participado com qualquer tipo de intervenção, fosse de que género fosse. Quanto a participação passiva, isto é, leitor, também não tenho avançado muito, apenas beneficio do conhecimento das entradas e comentários, que vejo 'muito a fugir'.
Tal situação deve-se a que, como se devem recordar duma publicidade do nosso tempo a lâminas de barbear, muito pode acontecer durante a longa vida duma lâmina Nacet. Sucederam várias coisas, que não cabem aqui por não serem deste âmbito, inclusive um rebentamento de pneu (felizmente que não originou nada de grave), mas agora estou a utilizar esta semana, aproveitando umas condições especiais que o nosso camarigo Mexia Alves conseguiu para os membros da Tabanca Grande e, sendo assim, cá me encontro a tentar melhorar o físico e a mente, sendo certo que já estivemos a conversar e também com o camarigo Simeão Ferreira.
Ao estar assim um tanto afastado, perdi a participação nas felicitações de vários camaradas aniversariantes, que espero venham a tomar conhecimento que a minha falta não se ficou a dever a qualquer atitude pessoal mas sim por falta de meios.
Perdi também a entrada fulgurante do setubalense Pardete Ferreira, que se revelou bastante interessante, na medida em que veio trazer e dinamizar uma área normalmente reservada, com o reavivar da memória de muitas pessoas, relatos com vivacidade, perspectivas de novos contributos, etc., perdi o caso do comentário desaparecido e depois recuperado, perdi (mas li) o excelente texto/tema do José da Câmara com todos os comentários que tem vindo a suscitar, perdi a questão de serem ou não ridículas as cartas de amor, enfim, perdi a possibilidade de intervir em tempo certo mas vejo que o blogue, mau grado alguns amuos incompreensíveis, continua capaz de prender a atenção dos seus muitos seguidores.
Há no entanto um outro aspecto que queria referir.
Estive, no final da outra semana, numa actividade da minha associação profissional que ocorreu nos Açores, mais propriamente em S. Miguel.
Como não podia deixar de ser, entrei em contacto com os nossos camaradas Carlos Cordeiro e Tomás Carneiro que me foram visitar e como prova disso aqui envio as fotos anexas. Boa disposição, bons camaradas!
Mas não resisto a contar um pequeno episódio, que acho muito signifitivo e, para além de ser lisonjeiro para o alvo dos comentários, também me parece que prestigia o Blogue por ter amigos assim. Então lá vai!
A foto em que estamos os três à porta do Hotel onde decorreu o Congresso da minha Associação foi feita imediatamente antes de nos despedirmos e eu entrar num autocarro para uma visita turística no âmbito da actidade social do Congresso. A guia abordou-me e, pedindo desculpa pela questão, disse que tinha reparado que eu estava a conversar com o Professor Carlos e perguntou se éramos amigos. Disse que sim, que éramos amigos da guerra, e então ela desfez-se em elogios ao nosso camarigo Carlos Cordeiro. Que era muito boa pessoa, que era espectacular, muito bom professor, que todos aqueles que tinham tido a sorte de serem alunos dele estavam apaixonados, sim, é esse mesmo o termo, só que no bom sentido, esclareceu a guia, enfim, tudo do melhor e não posso deixar de aqui o registar, tudo de forma que me pareceu muito sincera, muito autêntica, muito genuína. Por mim, aqui deixo ficar: parabéns Carlos!
Outro aspecto dessa viagem é que tive também oportunidade de apreciar uma pequena mas significativa acção de reactivar a memória relativamente à guerra de África, levada a cabo pela secção local da Liga dos Combatentes, com uma exposição no átrio dum Centro Comercial (Solmar), muito visitada pelos passantes. Dessa exposição envio algumas fotos, de camaradas que estiveram na Guiné, sendo que o Sousa Henriques é conhecido pelos livros que já editou, o último dos quais sobre uma viagem recente, e o Cláudio Medeiros é um nome que me é familiar, acho que estive com ele, mas não me consigo localizar. Um dos visados estava lá, estive à conversa com ele (é o que tem o dedo a apontar), dei-lhe o endereço do nosso blogue na esperança que o filho possa ser um facilitador.
Carlos Cordeiro e Tomás Carneiro na Marginal da cidade de Ponta Delgada aquando do encontro com Hélder Sousa
Centro Comercial Solmar de Ponta Delgada / Terceira, onde decorreu uma exposição alusiva à Guerra de África > Bandeiras dos Promotores
A afirmação dos motivos
Alguns painéis expositores de fotografias de ex-combatentes açorianos da Guiné
Um forte abraço para vós
Hélder Sousa
____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 24 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8470: Em Busca de... (166): Precisa-se de depoimentos para fazer a História da Pensão Central da Dona Berta (Hélder Sousa / José Ceitil)
Vd. último poste da série de 3 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8498: O Mundo é Pequeno e o nosso Blogue...é Grande (43): Manuel Freitas, que organiza há 9 anos os encontros do pessoal do HM241 (1967/71), acaba de descobrir o nosso blogue, graças ao António Paiva
Guiné 63/74 - P8586: Agenda cultural (145): Concerto de Bubacar Djabaté, natural da mítica tabanca de Tabatô, terra de Kimi Djabaté e de outros grandes cantores e músicos, tocadores de balafon e de kora, dia 23, 6ª feira, às 23h, em Lisboa, no Arte & Manha
Concerto de Bubacar Djabaté
Arte & Manha
Espaço Cultural Lusófono
Av Duque de Loulé 22
1050-090 Lisboa
Sala Carlota Joaquina
23 de Julho de 2011, Sábado, 23h
Entrada 5€
Bubacar Djabaté é da Guiné-Bissau, de Tabatô, a já mítica tabanca (aldeia) de didjius situada no leste do país, a escassos 12 km de Bafatá, e donde é natural o grande Kimi Djabaté.
Nasceu no seio de uma família de músicos (o clã Djabaté) e toca os instrumentos tradicionais: Balafon, Djembe e Cabaça.
Chegou a Portugal em 2005 e, desde então, tem também vivido da sua música. Participou em eventos musicais em Lisboa, como o Festival Lisboa Mistura no Teatro São Luiz, em 2010, e no Bartô-Chapitô em 2011.
A sua música é composta por reportórios tradicionais, com influência do ritmo afro-mandinga, e traduzem a rica herança da cultura e da música guineenses. Tem página no Facebook (donde foi retirada a foto publicada acima, com a devida vénia: Bubacar Djabaté tocando balafon, no Teatro São Luís, Lisboa, 2010).
A notícia deste evento chegou-nos por mail do João Graça, membro da nossa Tabanca Grande.
______________
Nota do editor:
20 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8576: Agenda Cultural (144): Ciclo de Conferências-debate Os Açores e a Guerra do Ultramar - 1961-1974: história e memória(s) (4) (Carlos Cordeiro)
Arte & Manha
Espaço Cultural Lusófono
Av Duque de Loulé 22
1050-090 Lisboa
Sala Carlota Joaquina
23 de Julho de 2011, Sábado, 23h
Entrada 5€
Bubacar Djabaté é da Guiné-Bissau, de Tabatô, a já mítica tabanca (aldeia) de didjius situada no leste do país, a escassos 12 km de Bafatá, e donde é natural o grande Kimi Djabaté.
Nasceu no seio de uma família de músicos (o clã Djabaté) e toca os instrumentos tradicionais: Balafon, Djembe e Cabaça.
Chegou a Portugal em 2005 e, desde então, tem também vivido da sua música. Participou em eventos musicais em Lisboa, como o Festival Lisboa Mistura no Teatro São Luiz, em 2010, e no Bartô-Chapitô em 2011.
A sua música é composta por reportórios tradicionais, com influência do ritmo afro-mandinga, e traduzem a rica herança da cultura e da música guineenses. Tem página no Facebook (donde foi retirada a foto publicada acima, com a devida vénia: Bubacar Djabaté tocando balafon, no Teatro São Luís, Lisboa, 2010).
A notícia deste evento chegou-nos por mail do João Graça, membro da nossa Tabanca Grande.
______________
Nota do editor:
20 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8576: Agenda Cultural (144): Ciclo de Conferências-debate Os Açores e a Guerra do Ultramar - 1961-1974: história e memória(s) (4) (Carlos Cordeiro)
quinta-feira, 21 de julho de 2011
Guiné 63/74 - P8585: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (11): Por morrer uma andorinha...
1. Mensagem de Torcato Mendonça* (ex-Alf Mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69), com data de 3 de Julho de 2011:
AO CORRER DA BOLHA- XI
Por Morrer uma Andorinha…
Era uma vez um Alferes
Podia começar assim…
Terminada uma Operação na zona do Enxalé, esperava a passagem do macaréu. Só então cambariam o Geba até ao Xime.
Meio enrolado, ouvidos à escuta, a noite a chegar e, para aumentar o desconforto, a dor do dente a voltar, raios, raios, que chatice.
-Dá-me mais uma “pincelada “ dessa Mistura Bonin? …sei lá o nome, é LM, aqui é tudo do LM.
-Tem que ir a Bissau arrancar o dente. Isto só alivia e estraga os outros.
Horas depois já estavam em Fá.
Dormiu mal. O Furriel Enfermeiro aconselhou, logo pela manhã, a ida a Bissau.
Dias depois entrou no Hospital Militar e procurou a Estomatologia. Encontrou uma sala com várias cadeiras, médicos e o cheiro próprio daqueles locais. Borrifafa-se nisso, queria era ser tratado. E foi por um médico, calmo e sorridente, que lhe traçou o destino:
- Temos que arrancar o dente.
Já o esperava.
Falaram agradavelmente enquanto esperavam o efeito da anestesia.
Tentou o médico e o dente saiu alegremente.
- Aqui está, tudo bem e volta daqui a dois dias para ver esse siso. Não é para arrancar. Prevenir.
(O médico, se bem se lembra era de Coimbra ou esteve ligado à Briosa).
Dias depois dois, claro, voltou a entrar na sala. Tentou ser tratado pelo mesmo médico. Não foi possível e outro o tratou.
Mal o ouviu. Boca aberta, dedo lá dentro, breve espreitar.
Pouco depois zunia, com ruído irritante, a broca que de pronto avançou, primeiro na direcção da boca e depois do dente. Por pouco tempo, urrou o alferes e parou a broca.
-Tem que ser arrancado, sentenciou o clínico.
E foi. Foi com força e protestos do médico contra dente tão teimoso. Finalmente o siso lá saiu, descansou o médico e o alferes continuava, em surdina a chamar-lhe… isso mesmo, pensou bem.
Saiu da sala, com Guia assinada e ordem de regressar no dia seguinte ou noutro que não interessava.
Volto o “tanas de albernoa”…
Voltou e muito rápido. Nunca digas nunca.
Voltou porque horas depois as dores eram fortes, o sangue teimava em aparecer ao canto da boca. - Estou lixado.
Um Tenente de Cavalaria levou-o, no “jeep” que tinha, ao Hospital.
No caminho comentaram o que o HM 241, quem lá trabalhava e outros militares ligados à saúde representavam para os que estavam no mato.
“O que interessa é chegares vivo ao Hospital de Bissau e estás safo”. Em dias de tecto baixo, com dificuldade em evacuações de feridos, sentia-se o moral das tropas.
Por morrer uma andorinha… e isto não era caso de vida ou morte…
Entrou no Hospital, a cabeça a latejar, a visão meio enevoada, a raiva a tirar-lhe o juízo depois da partida do siso.
Nem viu, ao dobrar uma esquina, um Major do BART 1904.
- Então, que se passa? - Disse o Major.
Relatou brevemente e seguiu o Major. Numa sala estavam muitos militares ligados, se bem se apercebeu, à saúde. Ele saiu dali.
Pouco depois apareceu o Major e o tal clínico.
- Eu espero aqui. Tem transporte?
- Devo ter ou talvez não.
Seguiu o homem que lhe extrairia o siso e os protestos dele.
Ele nada dizia só, em surdina ia “falando”… do dito e de muito mais. Era para se entreter, para tranquilizar.
Sentou-se na cadeira, abriu a boca, lavou com água e algo mais, suportou a introdução de uma massa acastanhada ou que ficou dessa cor, levou uma injecção e esperou.
- Vai à Farmácia Militar e levanta o que aí está. Toma como aí diz. Volta cá daqui a… não se lembra quando ou participo de si. Aceitou o papel e a Guia com as novas indicações.
Saiu, foi à Farmácia, recebeu medicamentos e informações.
Nesse dia, talvez não, no outro já estava em Bambadinca e depois em Fá.
Da recuperação se encarregou o Enfermeiro.
A Guia… o vento levou-a… tudo o vento leva…
Passado muito tempo, já em Mansambo, a Companhia estava com muitos problemas de saúde. Recebeu, por isso mesmo, uma visita de alguns médicos héli-transportados.
Parece ter decorrido bem. Dizem que sim, se não me engano.
Fizeram fila para verificação dentária. Depois da saída do primeiro, talvez do segundo “doente” , desapareceu a fila. Seria…?
Na parada havia militares a lançar aviões de papel. Gritavam. - Vou para a Metrópole. Outros pediam boleia. Um outro, que tinha partido os óculos numa emboscada e ficou sem eles, o tique de os puxar para o lugar com o indicador manteve-se. Outro tomava comprimidos por cores. E agora? Azul… depois o verde…
Parece que ao fim da tarde, o tal Alferes regressou, salvo erro, da Moricanhe com o Grupo. Soube as novidades.
Foi benéfica, para a saúde daqueles militares a consulta colectiva. As condições eram demasiado más e foi uma boa medida.
Parece que o Comandante da Companhia teve que passar, no dia seguinte ou no outro, pelo Comando de Batalhão para uma ou outra explicação. Sem problemas se bem me lembro.
Tudo bem e lá continuaram cantando e rindo… mas a saúde e certas condições parece terem mudado.
Era uma vez um velho, a quem há décadas atrás chamaram Alferes... que, mesmo tanto tempo depois, se ouve o zumbido da broca no estomatologista fica muito, muito desagradado… vidas…
____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 17 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8565: Fotos à procura de... uma legenda (1): Álbum de Torcato Mendonça (CART 2339, Mansambo, 1968/69)
Vd. postes da série de:
10 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1353: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (1): O bababaga e o papa-figos
9 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5958: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (2): SPM 4758
12 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5974: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (3): O velho picador
16 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6002: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (4): Os apontamentos de Amílcar Cabral
20 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6197: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (5): Mentes com dúvidas
21 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6202: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (6): Quem ficou com a minha G3
3 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6305: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (7): Lágrimas secas
14 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6388: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (8): Promessas
16 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6404: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (9): Páscoa de 1968
17 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6410: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (10): O saco do Zé Paz D'Almas
AO CORRER DA BOLHA- XI
Por Morrer uma Andorinha…
Era uma vez um Alferes
Podia começar assim…
Terminada uma Operação na zona do Enxalé, esperava a passagem do macaréu. Só então cambariam o Geba até ao Xime.
Meio enrolado, ouvidos à escuta, a noite a chegar e, para aumentar o desconforto, a dor do dente a voltar, raios, raios, que chatice.
-Dá-me mais uma “pincelada “ dessa Mistura Bonin? …sei lá o nome, é LM, aqui é tudo do LM.
-Tem que ir a Bissau arrancar o dente. Isto só alivia e estraga os outros.
Horas depois já estavam em Fá.
Dormiu mal. O Furriel Enfermeiro aconselhou, logo pela manhã, a ida a Bissau.
Dias depois entrou no Hospital Militar e procurou a Estomatologia. Encontrou uma sala com várias cadeiras, médicos e o cheiro próprio daqueles locais. Borrifafa-se nisso, queria era ser tratado. E foi por um médico, calmo e sorridente, que lhe traçou o destino:
- Temos que arrancar o dente.
Já o esperava.
Falaram agradavelmente enquanto esperavam o efeito da anestesia.
Tentou o médico e o dente saiu alegremente.
- Aqui está, tudo bem e volta daqui a dois dias para ver esse siso. Não é para arrancar. Prevenir.
(O médico, se bem se lembra era de Coimbra ou esteve ligado à Briosa).
Dias depois dois, claro, voltou a entrar na sala. Tentou ser tratado pelo mesmo médico. Não foi possível e outro o tratou.
Mal o ouviu. Boca aberta, dedo lá dentro, breve espreitar.
Pouco depois zunia, com ruído irritante, a broca que de pronto avançou, primeiro na direcção da boca e depois do dente. Por pouco tempo, urrou o alferes e parou a broca.
-Tem que ser arrancado, sentenciou o clínico.
E foi. Foi com força e protestos do médico contra dente tão teimoso. Finalmente o siso lá saiu, descansou o médico e o alferes continuava, em surdina a chamar-lhe… isso mesmo, pensou bem.
Saiu da sala, com Guia assinada e ordem de regressar no dia seguinte ou noutro que não interessava.
Volto o “tanas de albernoa”…
Voltou e muito rápido. Nunca digas nunca.
Voltou porque horas depois as dores eram fortes, o sangue teimava em aparecer ao canto da boca. - Estou lixado.
Um Tenente de Cavalaria levou-o, no “jeep” que tinha, ao Hospital.
No caminho comentaram o que o HM 241, quem lá trabalhava e outros militares ligados à saúde representavam para os que estavam no mato.
“O que interessa é chegares vivo ao Hospital de Bissau e estás safo”. Em dias de tecto baixo, com dificuldade em evacuações de feridos, sentia-se o moral das tropas.
Por morrer uma andorinha… e isto não era caso de vida ou morte…
Entrou no Hospital, a cabeça a latejar, a visão meio enevoada, a raiva a tirar-lhe o juízo depois da partida do siso.
Nem viu, ao dobrar uma esquina, um Major do BART 1904.
- Então, que se passa? - Disse o Major.
Relatou brevemente e seguiu o Major. Numa sala estavam muitos militares ligados, se bem se apercebeu, à saúde. Ele saiu dali.
Pouco depois apareceu o Major e o tal clínico.
- Eu espero aqui. Tem transporte?
- Devo ter ou talvez não.
Seguiu o homem que lhe extrairia o siso e os protestos dele.
Ele nada dizia só, em surdina ia “falando”… do dito e de muito mais. Era para se entreter, para tranquilizar.
Sentou-se na cadeira, abriu a boca, lavou com água e algo mais, suportou a introdução de uma massa acastanhada ou que ficou dessa cor, levou uma injecção e esperou.
- Vai à Farmácia Militar e levanta o que aí está. Toma como aí diz. Volta cá daqui a… não se lembra quando ou participo de si. Aceitou o papel e a Guia com as novas indicações.
Saiu, foi à Farmácia, recebeu medicamentos e informações.
Nesse dia, talvez não, no outro já estava em Bambadinca e depois em Fá.
Da recuperação se encarregou o Enfermeiro.
A Guia… o vento levou-a… tudo o vento leva…
Passado muito tempo, já em Mansambo, a Companhia estava com muitos problemas de saúde. Recebeu, por isso mesmo, uma visita de alguns médicos héli-transportados.
Parece ter decorrido bem. Dizem que sim, se não me engano.
Fizeram fila para verificação dentária. Depois da saída do primeiro, talvez do segundo “doente” , desapareceu a fila. Seria…?
Na parada havia militares a lançar aviões de papel. Gritavam. - Vou para a Metrópole. Outros pediam boleia. Um outro, que tinha partido os óculos numa emboscada e ficou sem eles, o tique de os puxar para o lugar com o indicador manteve-se. Outro tomava comprimidos por cores. E agora? Azul… depois o verde…
Parece que ao fim da tarde, o tal Alferes regressou, salvo erro, da Moricanhe com o Grupo. Soube as novidades.
Foi benéfica, para a saúde daqueles militares a consulta colectiva. As condições eram demasiado más e foi uma boa medida.
Parece que o Comandante da Companhia teve que passar, no dia seguinte ou no outro, pelo Comando de Batalhão para uma ou outra explicação. Sem problemas se bem me lembro.
Tudo bem e lá continuaram cantando e rindo… mas a saúde e certas condições parece terem mudado.
Era uma vez um velho, a quem há décadas atrás chamaram Alferes... que, mesmo tanto tempo depois, se ouve o zumbido da broca no estomatologista fica muito, muito desagradado… vidas…
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 17 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8565: Fotos à procura de... uma legenda (1): Álbum de Torcato Mendonça (CART 2339, Mansambo, 1968/69)
Vd. postes da série de:
10 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1353: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (1): O bababaga e o papa-figos
9 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5958: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (2): SPM 4758
12 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5974: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (3): O velho picador
16 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6002: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (4): Os apontamentos de Amílcar Cabral
20 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6197: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (5): Mentes com dúvidas
21 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6202: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (6): Quem ficou com a minha G3
3 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6305: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (7): Lágrimas secas
14 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6388: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (8): Promessas
16 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6404: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (9): Páscoa de 1968
17 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6410: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (10): O saco do Zé Paz D'Almas
Guiné 63/74 - P8584: Álbum fotográfico de Manuel Coelho (7): Madina do Boé
1. Sétima página do Álbum Fotográfico do nosso camarada Manuel Caldeira Coelho (ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1589/BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68).
ÁLBUM FOTOGRÁFIO DE MANUEL COELHO (7)
MADINA DO BOÉ
Madina do Boé > Companheiros de caça aos tecelões
Madina do Boé > Depois do Ramadão
Madina do Boé > Exíguo armazém do material de Rádio
Madina do Boé > Família
Madina do Boé > Fui batizado de Furriel Passarinho
Madina do Boé > Grupo na encosta
Madina do Boé > Homens Grandes e respectivas famílias
Madina do Boé > Homens Grandes
Madina do Boé > Irmãos
____________Nota de CV:
Vd. último poste da série de 19 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8571: Álbum fotográfico de Manuel Coelho (6): Beli, Madina do Boé e Convívio 2011
Guiné 63/74 - P8583: Facebook...ando (11): Partidas e chegadas... (Durval Faria, ex-Fur Mil, CCAÇ 274, Fulacunda, 1962/64)
Foto nº 1 - Lisboa, Praça do Comércio, Janeiro de 1964 ... Foto tirada "depois da nossa chegada de Bissau"...
Foto nº 2 - "Chegada ao porto de Bissau, no ano de 1961. Foto adquirida na Papelaria Benfica, junto ao estádio Sarmento Rodrigues (nome que tinha altura)".
Foto nº 3 - "Lisboa, Castelo de São Jorge, Janeiro de 1964. No regresso da Guiné"...
Fotos (e legendas) do Mural do Facebook, do nosso camarada Durval Faria (Lagoa, S. Miguel, Açores) (Aqui reproduzidas com a devida vénia...)
1. O nosso camarada e membro da nossa Tabanca Grande Durval Faria [ foto á esquerda,] foi um dos primeiros a partir para a Guiné, logo em 1962... Pertenceu à CCAÇ 274 / BCAÇ 356 (1962/64)...
A CCAÇ 274 foi mobilizada pelo BII 18 (Ponta Delgada, S. Miguel, Açores), partiu para a Guiné em 17/1/1962, no T/T Índia e regressou exactamente dois anos depois, em 17/1/1964. Esteve em Bissau e Fulacunda. Comandante: Cap Inf Adérito Augusto Figueira.
2. Sobre a foto nº 2, surge-nos uma dúvida: durante anos, o porto de Bissau não tinha infra-estruturas modernas de modo a permitir o desembarque directo das NT em navios de grande calado... O leito do canal tinha, de resto, como tem hoje, problemas de assoreamento no canal do Geba, entre a cidade de Bissau e o Ilhéu do Rei.
Em Maio de 1969, eu já desembarquei directamente no porto de Bissau, mas durante os primeiros anos da década de 60 (não sei exactamente até que ano) tanto passageiros como mercadorias tinham que ser transportados para terra em batelões, ficando o navio ao largo... A foto (ou postal ilustrado) nº 2 possivelmente está mal legendada. Pode tratar-se de outro porto, e de outra data... De resto, em Janeiro de 1961 não há registo de tropas desembarcadas em Bissau... O Durval poderá tirar-nos a dúvida (LG).
___________________
Nota do editor:
Último poste da série > 15 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8106: Facebook...ando (10): Efemérides: 9 de Abril de 1970, o meu regresso a casa (Raul Brás, CCAÇ 2381, Os Maiorais de Empada, 1968/70)
Guiné 63/74 - P8582: Notas de leitura (258): Caderno de Memórias, por José Manuel Villas-Boas (Mário Beja Santos)
1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Julho de 2011:
Queridos amigos,
Finalmente consegui o texto do embaixador Villas-Boas, só conhecia a reportagem publicada no Expresso, em 1994. O mesmo Marcello Caetano que dias antes declinara qualquer negociação com os “terroristas”, arquitectara um cessar-fogo a preludiar a independência da Guiné. Não dá para entender como os historiadores não exploram este filão. É certo que também já se sabia, por esta época da agonia do regime, que Jorge Jardim também fora mandatado para um outro processo, muito mais sui generis, para Moçambique. O regime, afinal, tinha uma clara percepção da hecatombe se avizinhava, ensaiou tarde a más horas a solução política que os militares reclamavam.
Para que conste.
Um abraço do
Mário
O diplomata que em nome de Marcello Caetano conversou com o PAIGC
Beja Santos
Em 1994, uma reportagem do Expresso encheu de furor e indignação a classe política do antes do 25 de Abril: o mesmo Marcello Caetano que recusara negociar com qualquer família de guerrilheiros, pedira conversações ao mais alto nível com o PAIGC, o móbil era o cessar-fogo que precederia a independência. Coisa curiosa, nesse mesmo ano dois ministros de Caetano saíram do silêncio, Silva Cunha e Rui Patrício confessaram saber das conversações de Março de 1974. Mas em nenhuma outra circunstância nem Marcello Caetano nem outros dos dirigentes do seu regime aludiram a este acontecimento, necessariamente determinante: a caminho do colapso, era necessário tomar medidas para salvar as parcelas fundamentais do Ultramar.
O diplomata que foi a Londres encontrar-se com Victor Saúde Maria, ministro dos Negócios Estrangeiros do chamado Governo de Madina do Boé, Silvino Manuel da Luz e Gil Fernandes era José Manuel Villas-Boas que descreve os factos da reunião de Londres no seu livro “Caderno de Memórias” (Temas e Debates, 2003).
Vamos aos factos. O diplomata estava em Fevereiro de 1974 em Genebra, ai recebe um telefonema do embaixador Freitas Cruz que lhe pede uma deslocação urgente a Lisboa. Recebido nas Necessidades pelo ministro Rui Patrício, que se encontrava acompanhado por Freitas Cruz, vai direito ao assunto, exigindo-lhe a máxima confidencialidade: era imperioso falar com o Governo da Guiné portuguesa no exílio e oferecer-lhe a independência política plena. Escreve assim, citando o ministro:
“Estávamos a perder a guerra colonial na Guiné Portuguesa porque não podíamos responder aos mísseis soviéticos Strela terra-ar-terra com que as forças rebeldes estavam equipadas”.
O diplomata iria a Londres como emissário pessoal do ministro e deveria tornar claro aos outros negociadores que representava ali o ministro dos Negócios Estrangeiros. Tratava-se da oferta da Guiné-Bissau a troco de um cessar-fogo. Era urgente partir, entabular negociações e marcar um novo encontro para Abril ou Maio.
As peripécias que se seguiram cabiam num romance de John Le Carré ou de um Len Deigthon. Villas-Boas chegou a Londres onde foi recebido para um elemento do MI 6 [, serviços secretos britânicos]. O diplomata foi autorizado a pôr o embaixador inglês em Londres, Gonçalo Caldeira Coelho, ao corrente das suas actividades. No aeroporto de Heathrow foi recebido foi alguém que trazia um cravo encarnado na lapela e o jornal The Times debaixo do braço. O agente instalou no Hotel Victoria, donde Villas-Boas não podia sair a não ser acompanhado pelo seu contacto. Voltou no dia seguinte e deixou-lhe um pacote de livros policiais.
Só dois depois, mais propriamente na manhã de 26 de Março, é que ele saiu do Hotel Victoria para se dirigir a um determinado apartamento em Pimlico, num prédio muito conhecido em Londres, de nome “Dolphin Square”. Foi aí, no apartamento 535, que ele se encontrou com a delegação guineense e o seu contacto britânico. A primeira dificuldade que o diplomata português teve de ultrapassar foi a de que os guineenses esperavam o ministro dos Negócios Estrangeiros português, Villas-Boas explicou que o representava pessoalmente. Segue-se a descrição do encontro:
“O diálogo decorreu em ambiente tenso. Os guineenses queriam negociações de Estado a Estado, que implicassem o reconhecimento por Portugal do governo do PAIGC no exílio. Procurei explicar-lhes que se tratava de uma conversa preliminar, informal e muito aberta, em que Portugal discutiria sem entraves a melhor maneira de pôr termo à guerra fratricida na Guiné e abrir caminho para a independência”.
Foi marcada uma nova reunião para a manhã seguinte. A tensão abrandou, Gil Fernandes, mais tarde embaixador de Cabo Verde nas Nações Unidas, confessou com emoção as saudades que sentia de Lisboa. Os guineenses apresentaram as suas objecções: à Guiné-Bissau nada interessava senão a independência plena e o estabelecimento imediato de um calendário que a ela conduzisse, era o requisito basilar para aceitarem um cessar-fogo. A conversa manteve-se viva durante algumas horas e aprazou-se nova reunião para princípios de Maio, novamente em Londres, aproveitando as facilidades que eram concedidas pelo Governo britânico. No final fizeram um brinde por uma solução justa e pacífica para a Guiné.
O contacto britânico foi extremamente afável com o diplomata português, recebeu em casa e a mulher tocou Schumann ao piano.
Este episódio ainda teve algumas consequências, José Manuel Villas-Boas deu conta da sua missão ao ministro e ao embaixador Freitas Cruz, anos mais tarde encontrou Gil Fernandes, foi muito divertido. A seguir ao 25 de Abril, o marechal Costa Gomes recebeu o diplomata, transferiu-o para Spínola e este para Mário Soares. O novo ministro dos Negócios Estrangeiros anunciou-lhe que a partir de agora era ele que se ocupava da descolonização.
Villas-Boas, que se confessa admirador da política de autonomia progressiva de Marcello Caetano, termina a sua narrativa dizendo doa a quem doer a descolonização começou antes da Revolução dos Cravos. E desabafa:
“Só não entendo por que motivo Marcello não assumiu publicamente esta sua decisão. Aliás, tenho a certeza (disse-me Freitas Cruz) de que foi o próprio presidente do Conselho que sugeriu o meu nome para a missão de Londres, o que parece lógico, já que ele me tinha utilizado como seu representante pessoal em deslocações a países como a Costa do Marfim e a República Centro-Africana, precisamente para explicar a Houphouet-Boigny e a Bokassa o espírito presidira à revisão constitucional de 1971, no que respeita à autonomia progressiva das províncias africanas”.
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 19 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8570: Notas de leitura (257): Amílcar Cabral – Vida e morte de um revolucionário africano, por Julião Soares Sousa (3) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Finalmente consegui o texto do embaixador Villas-Boas, só conhecia a reportagem publicada no Expresso, em 1994. O mesmo Marcello Caetano que dias antes declinara qualquer negociação com os “terroristas”, arquitectara um cessar-fogo a preludiar a independência da Guiné. Não dá para entender como os historiadores não exploram este filão. É certo que também já se sabia, por esta época da agonia do regime, que Jorge Jardim também fora mandatado para um outro processo, muito mais sui generis, para Moçambique. O regime, afinal, tinha uma clara percepção da hecatombe se avizinhava, ensaiou tarde a más horas a solução política que os militares reclamavam.
Para que conste.
Um abraço do
Mário
O diplomata que em nome de Marcello Caetano conversou com o PAIGC
Beja Santos
Em 1994, uma reportagem do Expresso encheu de furor e indignação a classe política do antes do 25 de Abril: o mesmo Marcello Caetano que recusara negociar com qualquer família de guerrilheiros, pedira conversações ao mais alto nível com o PAIGC, o móbil era o cessar-fogo que precederia a independência. Coisa curiosa, nesse mesmo ano dois ministros de Caetano saíram do silêncio, Silva Cunha e Rui Patrício confessaram saber das conversações de Março de 1974. Mas em nenhuma outra circunstância nem Marcello Caetano nem outros dos dirigentes do seu regime aludiram a este acontecimento, necessariamente determinante: a caminho do colapso, era necessário tomar medidas para salvar as parcelas fundamentais do Ultramar.
O diplomata que foi a Londres encontrar-se com Victor Saúde Maria, ministro dos Negócios Estrangeiros do chamado Governo de Madina do Boé, Silvino Manuel da Luz e Gil Fernandes era José Manuel Villas-Boas que descreve os factos da reunião de Londres no seu livro “Caderno de Memórias” (Temas e Debates, 2003).
Vamos aos factos. O diplomata estava em Fevereiro de 1974 em Genebra, ai recebe um telefonema do embaixador Freitas Cruz que lhe pede uma deslocação urgente a Lisboa. Recebido nas Necessidades pelo ministro Rui Patrício, que se encontrava acompanhado por Freitas Cruz, vai direito ao assunto, exigindo-lhe a máxima confidencialidade: era imperioso falar com o Governo da Guiné portuguesa no exílio e oferecer-lhe a independência política plena. Escreve assim, citando o ministro:
“Estávamos a perder a guerra colonial na Guiné Portuguesa porque não podíamos responder aos mísseis soviéticos Strela terra-ar-terra com que as forças rebeldes estavam equipadas”.
O diplomata iria a Londres como emissário pessoal do ministro e deveria tornar claro aos outros negociadores que representava ali o ministro dos Negócios Estrangeiros. Tratava-se da oferta da Guiné-Bissau a troco de um cessar-fogo. Era urgente partir, entabular negociações e marcar um novo encontro para Abril ou Maio.
As peripécias que se seguiram cabiam num romance de John Le Carré ou de um Len Deigthon. Villas-Boas chegou a Londres onde foi recebido para um elemento do MI 6 [, serviços secretos britânicos]. O diplomata foi autorizado a pôr o embaixador inglês em Londres, Gonçalo Caldeira Coelho, ao corrente das suas actividades. No aeroporto de Heathrow foi recebido foi alguém que trazia um cravo encarnado na lapela e o jornal The Times debaixo do braço. O agente instalou no Hotel Victoria, donde Villas-Boas não podia sair a não ser acompanhado pelo seu contacto. Voltou no dia seguinte e deixou-lhe um pacote de livros policiais.
Só dois depois, mais propriamente na manhã de 26 de Março, é que ele saiu do Hotel Victoria para se dirigir a um determinado apartamento em Pimlico, num prédio muito conhecido em Londres, de nome “Dolphin Square”. Foi aí, no apartamento 535, que ele se encontrou com a delegação guineense e o seu contacto britânico. A primeira dificuldade que o diplomata português teve de ultrapassar foi a de que os guineenses esperavam o ministro dos Negócios Estrangeiros português, Villas-Boas explicou que o representava pessoalmente. Segue-se a descrição do encontro:
“O diálogo decorreu em ambiente tenso. Os guineenses queriam negociações de Estado a Estado, que implicassem o reconhecimento por Portugal do governo do PAIGC no exílio. Procurei explicar-lhes que se tratava de uma conversa preliminar, informal e muito aberta, em que Portugal discutiria sem entraves a melhor maneira de pôr termo à guerra fratricida na Guiné e abrir caminho para a independência”.
Foi marcada uma nova reunião para a manhã seguinte. A tensão abrandou, Gil Fernandes, mais tarde embaixador de Cabo Verde nas Nações Unidas, confessou com emoção as saudades que sentia de Lisboa. Os guineenses apresentaram as suas objecções: à Guiné-Bissau nada interessava senão a independência plena e o estabelecimento imediato de um calendário que a ela conduzisse, era o requisito basilar para aceitarem um cessar-fogo. A conversa manteve-se viva durante algumas horas e aprazou-se nova reunião para princípios de Maio, novamente em Londres, aproveitando as facilidades que eram concedidas pelo Governo britânico. No final fizeram um brinde por uma solução justa e pacífica para a Guiné.
O contacto britânico foi extremamente afável com o diplomata português, recebeu em casa e a mulher tocou Schumann ao piano.
Este episódio ainda teve algumas consequências, José Manuel Villas-Boas deu conta da sua missão ao ministro e ao embaixador Freitas Cruz, anos mais tarde encontrou Gil Fernandes, foi muito divertido. A seguir ao 25 de Abril, o marechal Costa Gomes recebeu o diplomata, transferiu-o para Spínola e este para Mário Soares. O novo ministro dos Negócios Estrangeiros anunciou-lhe que a partir de agora era ele que se ocupava da descolonização.
Villas-Boas, que se confessa admirador da política de autonomia progressiva de Marcello Caetano, termina a sua narrativa dizendo doa a quem doer a descolonização começou antes da Revolução dos Cravos. E desabafa:
“Só não entendo por que motivo Marcello não assumiu publicamente esta sua decisão. Aliás, tenho a certeza (disse-me Freitas Cruz) de que foi o próprio presidente do Conselho que sugeriu o meu nome para a missão de Londres, o que parece lógico, já que ele me tinha utilizado como seu representante pessoal em deslocações a países como a Costa do Marfim e a República Centro-Africana, precisamente para explicar a Houphouet-Boigny e a Bokassa o espírito presidira à revisão constitucional de 1971, no que respeita à autonomia progressiva das províncias africanas”.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 19 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8570: Notas de leitura (257): Amílcar Cabral – Vida e morte de um revolucionário africano, por Julião Soares Sousa (3) (Mário Beja Santos)
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quarta-feira, 20 de julho de 2011
Guiné 63/74 - P8581: Ser solidário (112): Torneio Uma Gota de Água Para a Guiné-Bissau (José Teixeira)
Torneio Uma Gota de Água para a Guiné-Bissau
Com o objetivo de juntar o capital necessário para construir o poço e fontanário em Djufunco na Guiné-Bissau um grupo de tenistas do Complexo de Ténis da Câmara Municipal da Maia liderado pelo Prof. Nuno Carvalho e pelos tenistas Sandra Ribeiro e Pedro Barros estão as organizar o TORNEIO DE TÉNIS "UMA GOTA DE ÁGUA PARA A GUINÉ-BISSAU nos próximos dias 30 e 31 de Julho.
Atualmente a população de Djufunco com cerca de 840 pessoas, com 180 crianças serve-se da água de uma lagoa existente na povoação, sem quaisquer condições de salubridade para as suas necessidades básicas.
Um aspeto da lagoa cuja água é utilizada para as necessidades básicas da população de Djufunco
Em simultâneo vão organizar um Churrasco convívio com sardinha assada e grelhados, com o apoio de diversas firmas da Maia, no Domingo dia 31. Pretende-se que o valor da receita reverta inteiramente para o projeto.
A Câmara Municipal cedeu as instalações e os parques de jogo de ténis graciosamente para a realização do evento, bem como as instalações do Grande Auditório do Forum da Maia para a realização de um espetáculo de teatro a realizar no dia 30 pelas 21 h. pelo Grupo de Teatro PÉ NO CHARCO.
O Grupo de Teatro Pé no Charco e a banda musical Dupla Face dispuseram-se a dar a sua preciosa colaboração.
O Sr. António Moreira ofereceu dois belos quadros de sua autoria.
Várias firmas da Maia atenderam ao pedido de apoio quer em patrocínios quer em bens para o almoço volante
O dinheiro já obtido com as inscrições e patrocínios, permitiu-nos iniciar as obras de abertura do poço, antes que as chuvas o impedissem.Esta fase do projeto vai concluir-se a curto prazo.
O equipamento e sua montagem acontecerá mais tarde, quando tivermos o capital que esperamos obter com o desenvolvimento do Torneio de Ténis.
Mais que um Torneio de Ténis, este evento, por vontade dos organizadores vai ser uma festa convívio aberta a familiares e amigos dos tenistas e a todos quantos se sintam ligados à Guiné.
Quem não estiver interessado ou não souber jogar ténis, pode participar no Domingo no almoço e no convívio que se seguirá da parte de tarde, animado com boa musica ou apreciando excelentes partidas de ténis.
PROGRAMA
Dia 30 de Julho - Sábado
Tarde - Início do Torneio de ténis no Complexo de Ténis da Maia
21 H. - Teatro pelo Grupo "Pé no Charco" no Grande Auditório do Forum da Maia
Dia 31 de Julho - Domingo
Manhã - continuação do Torneio de Ténis
12.30 - Almoço volante - sardinhada e Churrasco, com música ao vivo pela Banda Dupla Face
Tarde - Continuação do torneio e da animação musical pela Banda Dupla Face.
Durante a atividade teremos Massagens Shiatsu
- Inscreve-te para o almoço convívio na Tabanca de Matosinhos ou através do "Site":
http://www.umagotadeaguaparaaguinebissau.tk/
- Para conheceres melhor os objetivos da Tabanca Pequena - Grupo de Amigos da Guiné-Bissau consulta: http://www.tabancapequena.com/
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 11 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8541: Ser solidário (111): A Tabanca Pequena – Grupo de Amigos da Guiné-Bissau, vai realizar um ENCONTRO / CONVÍVIO no próximo dia 16 de Julho de 2011 em Matosinhos (Tabanca Pequena)
Guiné 63/74 - P8580: Ordem de Serviço de 1970 do HM 241 de Bissau, uma relíquia com 41 anos (António Paiva)
1. Mensagem do nosso camarada António Paiva*, (ex-Soldado Condutor Auto no HM 241, Bissau, 1968/70), com data de 18 de Julho de 2011:
Caro Carlos
Mando uma relíquia do passado. Faz dela o que melhor entenderes.
Não foi como procurar uma agulha num palheiro, mas quase. Tentei no ano passado e a única informação que obtive, nos vários sítios por onde passei, foi que do HM 241 não existia nada.
Não podia acreditar que não houvessem em arquivo ORDENS DE SERVIÇO DO HM 241, o Hospital fez parte da guerra, tudo o que por lá se passou, todos os que lá passaram por serviço e os que dele, por infelicidade, necessitaram deviam constar nos Arquivos Militares.
Hoje vim a saber que sempre existia alguma coisa… muito pouco, pouquíssimo ou mesmo quase nada.
Só há ORDENS DE SERVIÇO de 1963 e 1964 (não todas) incompleto. ORDENS DE SERVIÇO de 1970, com muitos dias de meses em falta, precisava muito do ano de 68 e 69, mas não existia, achei esta relíquia do dia e mês em que regressei à Metrópole. Existem também algumas folhas do ano de 1974.
Como do meu tempo só existia a de 1970, foi só a que vi, pedindo fotocópia da que vos mando.
De 200 ou 300 folhas passadas por alto, tive muitas surpresas, estive lá 2 anos, passados quase como em família, sem nunca me ter apercebido que a Justiça Militar também era imposta.
Frutos do passado, surpresas do presente.
Um abraço
António Paiva
Clicar nas imagens para as ampliar.
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Nota de CV:
(*) Vd. poste de 5 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8511: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (13): Dizendo adeus ao Cristo Rei na Arnaldo Schultz em Bissau
Caro Carlos
Mando uma relíquia do passado. Faz dela o que melhor entenderes.
Não foi como procurar uma agulha num palheiro, mas quase. Tentei no ano passado e a única informação que obtive, nos vários sítios por onde passei, foi que do HM 241 não existia nada.
Não podia acreditar que não houvessem em arquivo ORDENS DE SERVIÇO DO HM 241, o Hospital fez parte da guerra, tudo o que por lá se passou, todos os que lá passaram por serviço e os que dele, por infelicidade, necessitaram deviam constar nos Arquivos Militares.
Hoje vim a saber que sempre existia alguma coisa… muito pouco, pouquíssimo ou mesmo quase nada.
Só há ORDENS DE SERVIÇO de 1963 e 1964 (não todas) incompleto. ORDENS DE SERVIÇO de 1970, com muitos dias de meses em falta, precisava muito do ano de 68 e 69, mas não existia, achei esta relíquia do dia e mês em que regressei à Metrópole. Existem também algumas folhas do ano de 1974.
Como do meu tempo só existia a de 1970, foi só a que vi, pedindo fotocópia da que vos mando.
De 200 ou 300 folhas passadas por alto, tive muitas surpresas, estive lá 2 anos, passados quase como em família, sem nunca me ter apercebido que a Justiça Militar também era imposta.
Frutos do passado, surpresas do presente.
Um abraço
António Paiva
ORDEM DE SERVIÇO N.º 141 DE 18 DE JUNHO DE 1970 DO HM 241 DE BISSAU
Clicar nas imagens para as ampliar.
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Nota de CV:
(*) Vd. poste de 5 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8511: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (13): Dizendo adeus ao Cristo Rei na Arnaldo Schultz em Bissau
Guiné 63/74 - P8579: (Ex)citações (143): Ex-Fur Mil Carlos Rios da CCAÇ 1420, um menino que as circunstâncias fizeram homem (Rui Alexandrino Ferreira)
1. Mensagem de Rui Alexandrino Ferreira (ex-Alf Mil na CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67 e ex-Cap Mil na CCAÇ 18, Aldeia Formosa, 1970/72, actualmente Coronel Reformado), com data de 10 de Julho de 2011:
Meu caro Luís,
Meus caros membros do Comando e Estado Maior do blogue do nosso contentamento,
Meus caros camarigos, soldados rasos como eu, empenhados ou não na árdua luta contra o esquecimento, contra o ostracismo a que nos querem sujeitar, a nós velhos combatentes duma guerra que já nem sei mesmo se chegou a haver.
O imenso orgulho que nos merecem, a gratidão por quanto têm feito para o não permitir, são um lenitivo para quem caminha para a velhice, arrastando no chão os pés cansados, sofridos e desgastados pelo louco palmilhar daquelas imensidões duma África inóspita e traiçoeira, misteriosa e desconhecida.
Velhos combatentes que sentem os corpos precocemente envelhecidos e alquebrados, tisnados pela canícula dum sol que tudo queimava, enrugados pelas oscilações da temperatura, que nas madrugadas passadas ao relento junto a locais com água, descia a níveis jamais imaginados como possíveis para quem Guiné condiz com calor, muito calor.
Que veem esses mesmos corpos carregados de doenças que em muitos casos nunca chegaram a sarar.
Que sofrendo na alma o desalento, a frustração e o desencanto por tanto penar, tantos sacrifícios feitos em vão, tantas mortes sem sentido, por tantos que pelos matos se perderam, por aqueles que nunca mais se encontraram, por uma Pátria cuja classe dirigente saída do 25 de Abril, feita muito mais de desertores, compelidos, refratários, fugidos, refugiados, exilados, comodamente instalados nos países amigos dos nossos inimigos de então, com muito mais afinidades com os Movimentos então adversos, revendo-se nas alegres notícias da Rádio Argel, ou escutando as patacuadas da Maria Turra que num só dia matava muitos mais pára-quedistas que o PAIGC num ano, Pátria que então renegaram, mas em nome de quem se permitem hoje falar como se a tivessem servido e não se tivessem dela servido.
Pátria que num misto de medo e vergonha não lhes reconhece o valor, o mérito, o muito que fizeram por aquelas terras e aquelas gentes, que não quer saber dos sacrifícios e privações, que nem deles quer ouvir falar e muito menos dos traumas de guerra, as psicoses, as neuroses, ansiedades, agonias, tormentos e pesadelos de que se não conseguem livrar ou da visão trágica da morte que teima em os acompanhar.
É dum desses meninos que as circunstâncias fizeram homem, herói duma verdadeira epopeia de Portugal em África, por quem tenho o maior orgulho de que te quero falar, pois vi o seu nome vir à baila não faz muito tempo no nosso blogue.
Recorrendo a quanto está escrito em Rumo a Fulacunda aqui te vou dar uma ideia do que foi, como era e como me marcou na vida esse ser de excepção que dá pelo nome de Carlos Rios.
Cruz de Guerra de 1.ª classe sem qualquer tipo de favor, ele era um dos furriéis do meu grupo de combate.
Das várias referências que faço sobre ele ao longo do livro, permito-me destacar algumas.
Começava por falar do meu batismo de fogo. Transcrevo : "Guardo do meu batismo de fogo, da reação àquela primeira emboscada que nos foi montada, uma recordação precisa: da indecisão inicial, da ténue desorientação em identificar de onde provinham os tiros, da ânsia de cumprir quanto me havia sido ensinado e rapidamente me atirar para o chão donde. como já referi, nada se via e pouco reagia, acabando quem assim procedia normalmente a dar tiros para o ar [...]
[...] A reação do Grupo, de princípio pouco indecisa, foi sendo cada vez mais ousada e a confiança ia crescendo... tendo por especial referência o Rios que foi ao longo do tempo que permaneceu entre nós, até ser gravemente ferido, o elemento mais activo, dos que nunca se incomodava na busca de um abrigo ou de qualquer outra protecção [...]
[...] Seguramente sem ele a minha ação teria sido bem mais difícil se não mesmo impossível... Nunca lhe poderemos, nem eu nem seguramente todo o grupo... retribuir o muito que por nós sacrificou, a generosidade com que nos brindou, o exemplo que nos contagiou [...]"
Seguindo em frente, ao falar do acidente que vitimou o José Monteiro escrevi: "As nossas relações que foram sempre de uma total lealdade evoluíram para uma franca amizade e perduram hoje tão imutáveis, tão vivas, tão seguras e tão fraternas como a partir de então sempre o foram. O acidente que sofreu meses mais tarde, constituiu, tal como com o do Rios, dos momentos de maior desilusão, algum desânimo e da mais profunda tristeza por que passei em toda a minha vida.
Para mim eram e continuam a ser verdadeiros irmãos."
Na apresentação que faço do pessoal do meu grupo e na parte que lhe diz respeito, focando principalmente a operação onde foi ferido permito-me destacar:
"[...] foi ele que insistiu em integrar a operação [...] Mas a verdade é que ele foi porque me impuseram que nela tomasse parte. O nosso pelotão estava a ocupar os destacamentos. Tanto ele como eu estávamos em Mansoa por motivos meramente circunstanciais: ele porque ia no dia imediato à consulta externa, a Bissau e eu porque embarcava de férias para Angola daí a três dias. [...] Nessa tarde o capitão [...] mandou-me chamar:
- Oh. Rui! Gostava que fosse connosco logo à noite [...]
- Nem pensar nisso! [...] Nenhum dos pelotões intervenientes é o meu e por conseguinte não tenho mesmo nada a ver com o assunto! Além do mais vou de férias, não se lembra?! - Há mais dois anos que não vou a casa e a proposta parece-me totalmente descabida e absolutamente despropositada.
- Mas a verdade é que não tenho mais ninguém [...]
- Então e o Senhor não vai?
- Claro que sim, não tenho outra alternativa.
- Então é quanto basta [...]
- E além do mais já falei do assunto ao comando do Batalhão e alvitraram que o levasse comigo.
- Quem? O Comandante?
- Também. Mas quem o sugeriu foi o capitão C... [...]
- É uma grande sacanice! [...]
E saí porta fora a remoer a questão. De caminho encontrei o Rios... [...]
- Não te preocupes. Desisto da consulta e também vou e assim já somos dois a tomar conta do barco.
- Nem pensar nisso! [...]
Pois sim! [...] Foi na operação [...] e quando tentava apanhar à mão um turra que se esgueirava, foi alvejado [...] um tiro lhe destroçou a cabeça do fémur e o estropiou para o resto da vida [...]
[...] Recolhidas as forças por uma lancha da Marinha... até Bissau... Parada... frente ao Hospital Militar... aí fomos em busca de notícias.... Que me desalentaram por completo...
...destroçada a zona em que a cabeça do fémur fazia a articulação com o osso ilíaco... não mais dobraria normalmente a perna...
...Com a mais profunda e ressentida tristeza na alma.... sentado na borda da minha cama deixei que amargamente as lágrimas me corressem pela cara... aquelas lágrimas eram o sinal exterior da minha enorme revolta contra a injustiça...."[...]
Alguns graduados da CCAÇ 1420 num jantar de confraternização no Bairro Alto. Da esquerda para a direita - Carlos Rios, José Monteiro, Henrique Sacadura Cabral, José Manuel Bastos e Rui Alexandrino Ferreira.
Meu caro Luís.
Espero ter dado uma ideia da grandeza de alma do Carlos Rios.
Em anexo vão duas fotos.
Na primeira eu e ele em Mansabá durante a realização duma coluna de reabastecimentos a essa localidade e ao K3. Nesse mesmo dia accionada uma mina entre o K3 e o rio frente a Farim tinha causado a morte do Capitão Corte Real.
Na segunda alguns graduados da 1420 num jantar de confraternização no Bairro Alto. Da esquerda para a direita - Carlos Rios, José Monteiro, Henrique Sacadura Cabral, José Manuel Bastos e eu.
Fica para uma próxima oportunidade os meus comentários ao anexo do HMP.
Um grande abraço
Rui Alexandrino Ferreira
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 26 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8166: 7º aniversário do nosso blogue: 23 de Abril de 2011 (21): Saúdo o núcleo permanente de colaboradores que vem mantendo absolutamente impecável este grande projecto (Rui Ferreira)
Vd. último poste da série de 8 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8528: (Ex)citações (142): O espaldar do morteiro 81 de Cancolim estava no meio da parada (Juvenal Amado)
Meu caro Luís,
Meus caros membros do Comando e Estado Maior do blogue do nosso contentamento,
Meus caros camarigos, soldados rasos como eu, empenhados ou não na árdua luta contra o esquecimento, contra o ostracismo a que nos querem sujeitar, a nós velhos combatentes duma guerra que já nem sei mesmo se chegou a haver.
O imenso orgulho que nos merecem, a gratidão por quanto têm feito para o não permitir, são um lenitivo para quem caminha para a velhice, arrastando no chão os pés cansados, sofridos e desgastados pelo louco palmilhar daquelas imensidões duma África inóspita e traiçoeira, misteriosa e desconhecida.
Velhos combatentes que sentem os corpos precocemente envelhecidos e alquebrados, tisnados pela canícula dum sol que tudo queimava, enrugados pelas oscilações da temperatura, que nas madrugadas passadas ao relento junto a locais com água, descia a níveis jamais imaginados como possíveis para quem Guiné condiz com calor, muito calor.
Que veem esses mesmos corpos carregados de doenças que em muitos casos nunca chegaram a sarar.
Que sofrendo na alma o desalento, a frustração e o desencanto por tanto penar, tantos sacrifícios feitos em vão, tantas mortes sem sentido, por tantos que pelos matos se perderam, por aqueles que nunca mais se encontraram, por uma Pátria cuja classe dirigente saída do 25 de Abril, feita muito mais de desertores, compelidos, refratários, fugidos, refugiados, exilados, comodamente instalados nos países amigos dos nossos inimigos de então, com muito mais afinidades com os Movimentos então adversos, revendo-se nas alegres notícias da Rádio Argel, ou escutando as patacuadas da Maria Turra que num só dia matava muitos mais pára-quedistas que o PAIGC num ano, Pátria que então renegaram, mas em nome de quem se permitem hoje falar como se a tivessem servido e não se tivessem dela servido.
Pátria que num misto de medo e vergonha não lhes reconhece o valor, o mérito, o muito que fizeram por aquelas terras e aquelas gentes, que não quer saber dos sacrifícios e privações, que nem deles quer ouvir falar e muito menos dos traumas de guerra, as psicoses, as neuroses, ansiedades, agonias, tormentos e pesadelos de que se não conseguem livrar ou da visão trágica da morte que teima em os acompanhar.
É dum desses meninos que as circunstâncias fizeram homem, herói duma verdadeira epopeia de Portugal em África, por quem tenho o maior orgulho de que te quero falar, pois vi o seu nome vir à baila não faz muito tempo no nosso blogue.
Recorrendo a quanto está escrito em Rumo a Fulacunda aqui te vou dar uma ideia do que foi, como era e como me marcou na vida esse ser de excepção que dá pelo nome de Carlos Rios.
Cruz de Guerra de 1.ª classe sem qualquer tipo de favor, ele era um dos furriéis do meu grupo de combate.
Das várias referências que faço sobre ele ao longo do livro, permito-me destacar algumas.
Começava por falar do meu batismo de fogo. Transcrevo : "Guardo do meu batismo de fogo, da reação àquela primeira emboscada que nos foi montada, uma recordação precisa: da indecisão inicial, da ténue desorientação em identificar de onde provinham os tiros, da ânsia de cumprir quanto me havia sido ensinado e rapidamente me atirar para o chão donde. como já referi, nada se via e pouco reagia, acabando quem assim procedia normalmente a dar tiros para o ar [...]
[...] A reação do Grupo, de princípio pouco indecisa, foi sendo cada vez mais ousada e a confiança ia crescendo... tendo por especial referência o Rios que foi ao longo do tempo que permaneceu entre nós, até ser gravemente ferido, o elemento mais activo, dos que nunca se incomodava na busca de um abrigo ou de qualquer outra protecção [...]
[...] Seguramente sem ele a minha ação teria sido bem mais difícil se não mesmo impossível... Nunca lhe poderemos, nem eu nem seguramente todo o grupo... retribuir o muito que por nós sacrificou, a generosidade com que nos brindou, o exemplo que nos contagiou [...]"
Seguindo em frente, ao falar do acidente que vitimou o José Monteiro escrevi: "As nossas relações que foram sempre de uma total lealdade evoluíram para uma franca amizade e perduram hoje tão imutáveis, tão vivas, tão seguras e tão fraternas como a partir de então sempre o foram. O acidente que sofreu meses mais tarde, constituiu, tal como com o do Rios, dos momentos de maior desilusão, algum desânimo e da mais profunda tristeza por que passei em toda a minha vida.
Para mim eram e continuam a ser verdadeiros irmãos."
Na apresentação que faço do pessoal do meu grupo e na parte que lhe diz respeito, focando principalmente a operação onde foi ferido permito-me destacar:
"[...] foi ele que insistiu em integrar a operação [...] Mas a verdade é que ele foi porque me impuseram que nela tomasse parte. O nosso pelotão estava a ocupar os destacamentos. Tanto ele como eu estávamos em Mansoa por motivos meramente circunstanciais: ele porque ia no dia imediato à consulta externa, a Bissau e eu porque embarcava de férias para Angola daí a três dias. [...] Nessa tarde o capitão [...] mandou-me chamar:
- Oh. Rui! Gostava que fosse connosco logo à noite [...]
- Nem pensar nisso! [...] Nenhum dos pelotões intervenientes é o meu e por conseguinte não tenho mesmo nada a ver com o assunto! Além do mais vou de férias, não se lembra?! - Há mais dois anos que não vou a casa e a proposta parece-me totalmente descabida e absolutamente despropositada.
- Mas a verdade é que não tenho mais ninguém [...]
- Então e o Senhor não vai?
- Claro que sim, não tenho outra alternativa.
- Então é quanto basta [...]
- E além do mais já falei do assunto ao comando do Batalhão e alvitraram que o levasse comigo.
- Quem? O Comandante?
- Também. Mas quem o sugeriu foi o capitão C... [...]
- É uma grande sacanice! [...]
E saí porta fora a remoer a questão. De caminho encontrei o Rios... [...]
- Não te preocupes. Desisto da consulta e também vou e assim já somos dois a tomar conta do barco.
- Nem pensar nisso! [...]
Pois sim! [...] Foi na operação [...] e quando tentava apanhar à mão um turra que se esgueirava, foi alvejado [...] um tiro lhe destroçou a cabeça do fémur e o estropiou para o resto da vida [...]
[...] Recolhidas as forças por uma lancha da Marinha... até Bissau... Parada... frente ao Hospital Militar... aí fomos em busca de notícias.... Que me desalentaram por completo...
...destroçada a zona em que a cabeça do fémur fazia a articulação com o osso ilíaco... não mais dobraria normalmente a perna...
...Com a mais profunda e ressentida tristeza na alma.... sentado na borda da minha cama deixei que amargamente as lágrimas me corressem pela cara... aquelas lágrimas eram o sinal exterior da minha enorme revolta contra a injustiça...."[...]
Mansabá > Ex-Fur Mil Carlos Rios e ex-Alf Mil Rui Alexandrino Ferreira da CCAÇ 1420
Alguns graduados da CCAÇ 1420 num jantar de confraternização no Bairro Alto. Da esquerda para a direita - Carlos Rios, José Monteiro, Henrique Sacadura Cabral, José Manuel Bastos e Rui Alexandrino Ferreira.
Meu caro Luís.
Espero ter dado uma ideia da grandeza de alma do Carlos Rios.
Em anexo vão duas fotos.
Na primeira eu e ele em Mansabá durante a realização duma coluna de reabastecimentos a essa localidade e ao K3. Nesse mesmo dia accionada uma mina entre o K3 e o rio frente a Farim tinha causado a morte do Capitão Corte Real.
Na segunda alguns graduados da 1420 num jantar de confraternização no Bairro Alto. Da esquerda para a direita - Carlos Rios, José Monteiro, Henrique Sacadura Cabral, José Manuel Bastos e eu.
Fica para uma próxima oportunidade os meus comentários ao anexo do HMP.
Um grande abraço
Rui Alexandrino Ferreira
____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 26 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8166: 7º aniversário do nosso blogue: 23 de Abril de 2011 (21): Saúdo o núcleo permanente de colaboradores que vem mantendo absolutamente impecável este grande projecto (Rui Ferreira)
Vd. último poste da série de 8 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8528: (Ex)citações (142): O espaldar do morteiro 81 de Cancolim estava no meio da parada (Juvenal Amado)
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