1. Em mensagem do dia 26 de Janeiro de 2012 o nosso camarada José Ferreira da Silva* (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos esta sua "outra" memória:
Outras memórias da minha guerra (13)
Vícios estranhos ou
Frutos da época
Regressei de Angola, onde estive a trabalhar, logo após o 25 de Abril/74. Vim de férias (“graciosa”, 4 a 5 meses com prolongamento). Como funcionário camarário, beneficiava de todas as regalias da função pública, às quais se juntavam ainda os benefícios de compensação pelo isolamento e/ou perigosidade.
Para receber os vencimentos tinha que me deslocar a Lisboa, ao Ministério do Ultramar (ou Defesa Nacional), ali para os lados de Belém.
Naquele dia, como cheguei mais tarde a Lisboa, aproveitei para almoçar na zona ribeirinha e esperar pelas 14,30 para ir receber o vencimento.
Após o almoço, abeirei-me do Tejo, onde me chamou a atenção um jovem Cabo Miliciano, que olhava o horizonte, lá para o Farol do Bugio.
- Então, como vai essa peluda? – perguntei-lhe.
- Peluda, não. Direi mesmo que estou aqui f….. com a p... da tropa.
- Não me digas? Agora que se deu o 25/A, em que andais por aí à balda, de cabelo à Beatle e livres de ir para a guerra! – Interpelei.
- Pois, pois, mas isto ainda está muito confuso. – respondeu o jovem, que continuou:
- Ainda estão militares a ir lá para fora e o filho da p… do meu Sargento quer mandar-me para lá.
- Mas o Sargento não tem assim tanta força para isso? – perguntei.
- Este tem. É que eu há dias, no comboio, entusiasmei-me com esta coisa do 25/A e contei a um Furriel a marosca em que o sargento andava envolvido. Pensei que o Furriel era miliciano e, afinal, era outro chico e amigo do Sargento. – confessou o militar preocupado.
E continuou:
- Estava a contar sair por estes dias, tenho a namorada já grávida, lá na terra, perto de Amarante, e o Capitão, que também deve mamar, já me avisou:
- Ganha juízo, se não ainda levas com uma guia de marcha especial.
E continuou:
- Os chicos protegem-se uns aos outros.
- Também nunca gramei esses gajos. – disse eu e acrescentei:
- Estive na Guiné e passei por muitas merdas, mas procurei afastar-me sempre dessa cambada. Embora tenha de confessar que, afinal, havia alguns a merecer alguma consideração. Mas, afinal, como é possível essa preocupação?
- Trabalho no SPM – Serviço Postal Militar. É por ali que passa toda a correspondência militar, incluindo as encomendas. Aquilo presta-se a muita vigarice. Há cartas em que o dinheiro sai com facilidade e, nas encomendas, há uma percentagem grande que fica por ali. Por outro lado, há encomendas de contrabando que não entram nos registos. E como eu não queria nada, deixaram-me em roda livre, sem serviço e sempre desenfiado. Só que agora, meti o pé na poça e eles não perdoam.
E continuou:
- Há lá um grupo de Sargentos e Furriéis com o vício de jogar. E jogam forte. Este Sargento, quando mete a mão ao bolso, até diamantes lhe aparecem nas mãos. Ele tem um colega que está nos Adidos, ali na Travessa da Calçada, atrás da Ajuda, junto do Lanceiros 2, que, muitas vezes, vai lá jogar. Ainda é mais viciado do que o meu Sargento. Mas, agora, anda como uma barata, devido à diminuição de mortes no Ultramar.
- O que é que isso tem a ver com o assunto? – perguntei. Ele logo respondeu:
- O gajo deve ser o responsável pelo armazém onde passam os militares mortos. Já estava muito habituado ao rendimento das madeiras caras, que vêm a servir de caixões. Ele deve vender bem essas madeiras exóticas.
**********
Uns seis anos depois, por altura das festas do S. Gonçalo, participámos numa prova de canoagem no Rio Tâmega. A largada, acima de Fridão, lançava-nos, em pequenas pirogas, para os vários perigos, bem patentes em quedas, rápidos, correntes e redemoinhos. Vencê-los era um prazer incrível. A nossa chegada junto da ponte, era um espectáculo. Logo que cortávamos a meta, deleitávamo-nos a olhar para o publico ruidoso que ocupava todos os espaços envolventes. Grandes momentos da minha canoagem!
Enquanto aguardava a distribuição dos prémios, sinto uma mão no ombro esquerdo:
- Não se lembra de mim?
- Não, não estou e ver… como. – respondi
Ele continuou:
- Há uns anos estivemos a conversar em Belém, junto ao rio, estava eu f….. que não sabia que fazer à p… da vida.
- Sim, sim, já me lembro. - respondi e aproveitei logo para perguntar:
- E então, como é que te safaste?
- Olha, tenho a agradecer muito o teu conselho. Acabei por contar tudo a um oficial de confiança e bem identificado com a revolução. Não o fiz como acusação, mas sim como defesa do que me poderia vir a acontecer.
- E depois? – Perguntei, bastante curioso.
E ele continuou:
- Foi porreiro! Deixaram-me em paz, tratavam-me como um lord e mandaram-me logo embora. As coisas correram de tal maneira bem, que ainda hoje estou convencido de que foi milagre. Todos os anos aqui venho, ao S. Gonçalo, para agradecer essa graça, juntamente com a mulher e este rapazola que já quer ir para a canoagem. “Nasceu antes do tempo”, mas vai ser um grande campeão!
Silva da Cart 1689
Foto da Torre de Belém retirada do site Sir burro nem tanto, com a devida vénia
Foto do Farol do Bugio retirada do site Jornal da Região, com a devida vénia
Foto do Rio Tâmega em Amarante ©: José Ferreira da Silva
____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 8 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9331: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (28): A guerra em Dunane
Vd. último poste da série de 23 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9260: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (12): Madrinha de guerra e... amor
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 28 de janeiro de 2012
Guiné 63/74 – P9410: Memórias de Gabú (José Saúde) (22): Jovens da tabanca
1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabú) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série.
Camaradas!
Esmiuçando “As Minhas Memórias de Gabu”, confesso que ao largo da minha comissão na Guiné, reduzida, entretanto, para 13 meses face à Revolução do 25 de Abril de 1974 que originou a libertação dos povos de Angola, Moçambique e Guiné, deparei-me com as mais dispares situações protagonizadas por um povo que me transmitiu, a espaços, autênticos sinais de alerta.
Viajando pelo seio de uma população onde predominavam as etnias fula e futa-fulas – o chão fula no seu verdadeiro êxtase – recordo alguns dos preconceitos tribais que impunham, e continuam a impor, caricatas leis num tabuleiro civilizacional de facto débil. É certo que as ditas leis do povo eram, e são, demasiado ténues e desprovidas de princípios humanos considerados minimamente aceites. Todavia, a comunidade, feita aos costumes, não se recusava em dar continuidade aos seus ancestrais saberes adquiridos na base de experiências acumuladas.
Os jovens da tabanca despertaram-me para ínvios caminhos que confluíram na contemplação de rostos de inocência. Não é fácil, e assumo, mexer com as sensibilidades do próximo, principalmente quando o tema recai sobre questiúnculas pessoais e sobretudo com imposições sobre crianças desprotegidas. O chamado fanado é, tal como sempre, uma temática que assenta numa difícil aceitação. Diria mais: inaceitável no contexto de uma sociedade livre e principalmente aberta ao conceito de múltiplas opiniões.
Aliás, a omnipotência do assumir da razão, a meu ver, cai normalmente por terra a partir do momento em que ao mais fraco lhe é retirado o direito em reclamar a sua própria inocência. E no caso do fanado a criança não possuía literalmente o direito de reclamar o acto ao qual forçadamente se sujeita (va).
Sei que o tema tem sido rebatido amiúde no nosso blogue. Serei mais um a tentar decifrar o rito indígena com o qual me confrontei, melhor, confrontámos. O secretismo do acto era religiosamente respeitado. Sabíamos da sua existência e nada mais. No terreno ficavam apenas imagens de jovens entregues aos seus rituais étnicos e transmitidos de geração para geração.
O texto que a seguir apresento faz parte de um livro que tenciono editar em breve, relatando experiências em solo guineense e que ainda hoje guardo escrupulosamente no meu interior. Será uma obra onde trago à estampa “As Minhas Memórias de Gabu – 1973/74”, sendo o prefácio do livro de Luís Graça, Fundador do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.
As crianças são pequenos seres que mexeram, e mexem, com a minha sensibilidade pura!
O seu olhar reflectia uma extrema inocência. Os seus rostos, meigos, imploravam uma paz que teimosamente se esvaziava no infinito do horizonte. As crianças são pequenos seres que sempre me despertaram múltiplos sentimentos. Gosto de crianças!
A minha passagem pela Guiné – Gabu – ficou também marcada pela minha inequívoca afeição aos miúdos guineenses. Num flash às minhas memórias a sensibilidade das garotas e garotos, nascidos e criados na tabanca escondida no mais denso mato ou na sua orla, mexeram, também, com a minha sensibilidade.
Deparei-me com rostos que me transmitiam visões verdadeiramente desoladoras. Crianças que não conheciam o prazer de brincar. A guerra, essa maldita realidade constatada no terreno, impingia condições às populações para uma sobrevivência alegadamente desumana.
Crianças que não conheciam o prazer de saborear um pudim flan e que não sabiam o que era luz eléctrica e a água canalizada. A tabanca, o seu doce lar, apresentava condições muito débeis. Não tinham camas e nem brinquedos Os seus corpos descansavam sobre um pano garrido que apelidavam de colchão. No interior da tabanca pouco existia. Não havia móveis nem talheres de prata para receber um ilustre convidado. Olhava e via-se… NADA!
À porta da tabanca, os cuidados da mãe passavam por bater a mandioca enquanto as crianças, por vezes infestadas de moscas, esperavam encarecidamente pelo momento em que as migalhas lhe caíssem a jeito. Noutras ocasiões era o arroz que atendia os seus desejos. Comiam com as mãos!
Nas alturas do fanado, uma festa tradicional nalgumas etnias indígenas, era comum depararmo-nos com grupos de jovens no mato que iam ser submetidos a um rito de passagem, um processo cultural, de resto, fundamental em qualquer sociedade humana que é a iniciação dos rapazes e das raparigas à idade adulta. A minha ideia inicial sobre o fanado - minha e de muitos dos meus camaradas na época - era de que se tratava de uma espécie de operação primária, feita por métodos obsoletos utilizados pelos homens e mulheres grandes aos jovens que entretanto se preparavam para despontar para uma vida sexual futura, isto é, na fase exacta que implica a passagem da puberdade para a idade adulta. Sabíamos vagamente - já que a cerimónia era secreta - que os seus órgãos genitais, pénis e vagina, sofriam pequenos cortes focais, sendo a sua principal finalidade manter a tradição dos antepassados. Era uma pequena cirurgia dolorosa, diziam.
Mas as coisas, porém, não eram bem assim. Se no caso dos rapazes a microcirurgia se resumia ao corte do prepúcio, no caso das raparigas trata(va)-se de uma autêntica Mutilação Genital Feminina (MGF). Sabemos hoje que a excisão do clítoris e dos grandes lábios nas meninas, era, e é, uma prática inaceitável à luz dos direitos humanos, e como tal um crime, penalizado pela lei dos Estados modernos, designadamente em Portugal e na Guiné-Bissau. Porém, a lei está longe de ser cumprida na Guiné-Bissau, face ao atavismo desta prática milenar e ao secretismo das cerimónias, que são de resto realizadas em separado (rapazes e raparigas). Por outro lado, as fanatecas (mulheres que fazem a excisão feminina) têm ainda, em termos simbólicos e materiais, um grande peso nas comunidades mais tradicionais (e em geral islamizadas). É, no fundo, uma prática - para a qual é necessário encontrar alternativas - de há muito denunciada e combatida pela Organização Mundial de Saúde, a que acresce as suas graves implicações para a saúde sexual e reprodutiva das mulheres que são submetidas ao fanadotradicional.
O método, francamente rude, era feito com facas de mato entre outros apetrechos caquécticos e as feridas curadas com mesinhos caseiros, asseguravam os antigos sofredores.
A juventude da tabanca era cordial. Recebiam-nos com carinho. Acontecia, e disso sou testemunha, que, com chegada da tropa branca a algumas das tabancas, a miudagem parecia “coelhos” a correrem directos às suas tocas. Deparávamo-nos, então, com os seus pequenos olhos luzidios a espreitarem do interior das tabancas os intrusos que entretanto tinham chegado. Depois tudo voltava à normalidade, os miúdos aproximavam-se e o convívio conhecia um novo rosto.
As crianças conviviam, também, com as agruras da guerra. Trabalhavam no campo a par das suas mães. O pai descansava. Semeavam o milho, a mancarra, criavam galinhas, cabritos e colhiam os frutos que a Natureza gentilmente lhes oferecia.
Um espelho de sobrevivência!
Camaradas!
Esmiuçando “As Minhas Memórias de Gabu”, confesso que ao largo da minha comissão na Guiné, reduzida, entretanto, para 13 meses face à Revolução do 25 de Abril de 1974 que originou a libertação dos povos de Angola, Moçambique e Guiné, deparei-me com as mais dispares situações protagonizadas por um povo que me transmitiu, a espaços, autênticos sinais de alerta.
Viajando pelo seio de uma população onde predominavam as etnias fula e futa-fulas – o chão fula no seu verdadeiro êxtase – recordo alguns dos preconceitos tribais que impunham, e continuam a impor, caricatas leis num tabuleiro civilizacional de facto débil. É certo que as ditas leis do povo eram, e são, demasiado ténues e desprovidas de princípios humanos considerados minimamente aceites. Todavia, a comunidade, feita aos costumes, não se recusava em dar continuidade aos seus ancestrais saberes adquiridos na base de experiências acumuladas.
Os jovens da tabanca despertaram-me para ínvios caminhos que confluíram na contemplação de rostos de inocência. Não é fácil, e assumo, mexer com as sensibilidades do próximo, principalmente quando o tema recai sobre questiúnculas pessoais e sobretudo com imposições sobre crianças desprotegidas. O chamado fanado é, tal como sempre, uma temática que assenta numa difícil aceitação. Diria mais: inaceitável no contexto de uma sociedade livre e principalmente aberta ao conceito de múltiplas opiniões.
Aliás, a omnipotência do assumir da razão, a meu ver, cai normalmente por terra a partir do momento em que ao mais fraco lhe é retirado o direito em reclamar a sua própria inocência. E no caso do fanado a criança não possuía literalmente o direito de reclamar o acto ao qual forçadamente se sujeita (va).
Sei que o tema tem sido rebatido amiúde no nosso blogue. Serei mais um a tentar decifrar o rito indígena com o qual me confrontei, melhor, confrontámos. O secretismo do acto era religiosamente respeitado. Sabíamos da sua existência e nada mais. No terreno ficavam apenas imagens de jovens entregues aos seus rituais étnicos e transmitidos de geração para geração.
O texto que a seguir apresento faz parte de um livro que tenciono editar em breve, relatando experiências em solo guineense e que ainda hoje guardo escrupulosamente no meu interior. Será uma obra onde trago à estampa “As Minhas Memórias de Gabu – 1973/74”, sendo o prefácio do livro de Luís Graça, Fundador do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.
As crianças são pequenos seres que mexeram, e mexem, com a minha sensibilidade pura!
Jovens da tabanca
Rostos de inocência
A minha passagem pela Guiné – Gabu – ficou também marcada pela minha inequívoca afeição aos miúdos guineenses. Num flash às minhas memórias a sensibilidade das garotas e garotos, nascidos e criados na tabanca escondida no mais denso mato ou na sua orla, mexeram, também, com a minha sensibilidade.
Deparei-me com rostos que me transmitiam visões verdadeiramente desoladoras. Crianças que não conheciam o prazer de brincar. A guerra, essa maldita realidade constatada no terreno, impingia condições às populações para uma sobrevivência alegadamente desumana.
Crianças que não conheciam o prazer de saborear um pudim flan e que não sabiam o que era luz eléctrica e a água canalizada. A tabanca, o seu doce lar, apresentava condições muito débeis. Não tinham camas e nem brinquedos Os seus corpos descansavam sobre um pano garrido que apelidavam de colchão. No interior da tabanca pouco existia. Não havia móveis nem talheres de prata para receber um ilustre convidado. Olhava e via-se… NADA!
À porta da tabanca, os cuidados da mãe passavam por bater a mandioca enquanto as crianças, por vezes infestadas de moscas, esperavam encarecidamente pelo momento em que as migalhas lhe caíssem a jeito. Noutras ocasiões era o arroz que atendia os seus desejos. Comiam com as mãos!
Nas alturas do fanado, uma festa tradicional nalgumas etnias indígenas, era comum depararmo-nos com grupos de jovens no mato que iam ser submetidos a um rito de passagem, um processo cultural, de resto, fundamental em qualquer sociedade humana que é a iniciação dos rapazes e das raparigas à idade adulta. A minha ideia inicial sobre o fanado - minha e de muitos dos meus camaradas na época - era de que se tratava de uma espécie de operação primária, feita por métodos obsoletos utilizados pelos homens e mulheres grandes aos jovens que entretanto se preparavam para despontar para uma vida sexual futura, isto é, na fase exacta que implica a passagem da puberdade para a idade adulta. Sabíamos vagamente - já que a cerimónia era secreta - que os seus órgãos genitais, pénis e vagina, sofriam pequenos cortes focais, sendo a sua principal finalidade manter a tradição dos antepassados. Era uma pequena cirurgia dolorosa, diziam.
Mas as coisas, porém, não eram bem assim. Se no caso dos rapazes a microcirurgia se resumia ao corte do prepúcio, no caso das raparigas trata(va)-se de uma autêntica Mutilação Genital Feminina (MGF). Sabemos hoje que a excisão do clítoris e dos grandes lábios nas meninas, era, e é, uma prática inaceitável à luz dos direitos humanos, e como tal um crime, penalizado pela lei dos Estados modernos, designadamente em Portugal e na Guiné-Bissau. Porém, a lei está longe de ser cumprida na Guiné-Bissau, face ao atavismo desta prática milenar e ao secretismo das cerimónias, que são de resto realizadas em separado (rapazes e raparigas). Por outro lado, as fanatecas (mulheres que fazem a excisão feminina) têm ainda, em termos simbólicos e materiais, um grande peso nas comunidades mais tradicionais (e em geral islamizadas). É, no fundo, uma prática - para a qual é necessário encontrar alternativas - de há muito denunciada e combatida pela Organização Mundial de Saúde, a que acresce as suas graves implicações para a saúde sexual e reprodutiva das mulheres que são submetidas ao fanadotradicional.
O método, francamente rude, era feito com facas de mato entre outros apetrechos caquécticos e as feridas curadas com mesinhos caseiros, asseguravam os antigos sofredores.
A juventude da tabanca era cordial. Recebiam-nos com carinho. Acontecia, e disso sou testemunha, que, com chegada da tropa branca a algumas das tabancas, a miudagem parecia “coelhos” a correrem directos às suas tocas. Deparávamo-nos, então, com os seus pequenos olhos luzidios a espreitarem do interior das tabancas os intrusos que entretanto tinham chegado. Depois tudo voltava à normalidade, os miúdos aproximavam-se e o convívio conhecia um novo rosto.
As crianças conviviam, também, com as agruras da guerra. Trabalhavam no campo a par das suas mães. O pai descansava. Semeavam o milho, a mancarra, criavam galinhas, cabritos e colhiam os frutos que a Natureza gentilmente lhes oferecia.
Um espelho de sobrevivência!
Crianças da tabanca encantavam-me
Uma criança da tabanca transporta um irmão às costas
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
____________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
11 DE JANEIRO DE 2012> Guiné 63/74 – P9345: Memórias de Gabú (José Saúde) (21): Rádios dos tempos da Guerra do Ultramar
sexta-feira, 27 de janeiro de 2012
Guiné 63/74 - P9409: Tabanca Grande (319): Vítor Caseiro, ex-Fur Mil da CCAÇ 4641 (Mansoa e Ilondé, 1973/74)
1. Mensagem do nosso camarada Miguel Pessoa (ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje Coronel Pilav Reformado), com data de 25 de Janeiro de 2012:
Caros editores
O Vítor Caseiro não é novo no blogue. Mas tem-se portado como um outsider... Já o encontrei por várias vezes - no Encontro Nacional em Monte Real, em apresentações de livros em Lisboa, nos convívios da Tabanca do Centro, também em Monte Real. Parece que agora o convenci a deixar o anonimato e candidatar-se a um lugar de tertuliano na Tabanca Grande. Vai daí, resolveu descarregar-me tudo em cima - apresentação, foto da Guiné (podia ser o primo, que ninguém notava...), foto actual, e uma 1ª história, para começar. E eu que me desenrasque a enviar-vos o material e a apadrinhar a sua entrada...
Não me lembro de ele o ter dito, mas o Vítor é de Leiria. Quando do seu aniversário (nasceu em 27 de Junho de 1961), não sendo tertuliano enviei-lhe pessoalmente um postal de parabéns, que naturalmente não enviei para publicação no blogue. Por curiosidade junto também esse postal; e isso lembra-me que o Vítor é bastante empenhado em acções de solidariedade para com os seus conterrâneos, tendo sido até há pouco tempo dirigente da AMBESSE - Associação de Melhoramentos e Bem Estar Social de Santa Eufémia (Leiria).
Tratem bem do rapaz...
Abraço.
Miguel
2. A minha apresentação:
Eu, Vítor Caseiro ex-Furriel Miliciano da CCaç 4641
Quando estava colocado no RI 14 em Viseu, saiu em ordem de serviço a minha mobilização para Angola (26 de Setembro de 1972). Apresentei-me no RI 16 em Évora para formar a CCaç 4641. Entretanto, no início de Maio, a Companhia foi informada do embarque para Angola agendada para o dia 8 de Junho de 1973.
Em 23 de Maio às 12h recebemos ordens para nos apresentarmos às 6h do dia seguinte, no aeroporto de Figo Maduro. No dia do embarque, quando nos preparávamos para entrar no avião, fomos informados que já não iríamos para Angola, mas sim para a Guiné. Depois de várias manifestações de revolta da nossa parte, tentámos recusar o embarque. Foi quando chegou um pelotão da P.M. e nos forçou a entrar no avião.
Após o desembarque na Guiné, o oficial superior que nos fez a receção, informou-nos que a nossa Companhia era a primeira de outras que vinham em reforço do contingente militar na Guiné. Daí seguimos para o Cumeré para fazer novo I.A.O. e mais tarde para Mansoa substituindo a 3.ª Companhia do Batalhão 4612 que foi deslocado em apoio de Gadamael, que estava a ferro e fogo. Estávamos no famoso Maio de 73, altura em que se desencadearam as maiores operações de ataque pelo inimigo por toda a Guiné. Foi neste mês que se deram os cercos aos aquartelamentos de Guidaje e Guileje, sendo este abandonado pelas nossas tropas. Este inédito acontecimento foi o motivo da nossa Companhia ter ordem de embarque em menos de 24 horas.
Ao fim de 13 meses de Guiné, a minha Companhia foi deslocada para Ilondé, onde passámos a fazer colunas de abastecimento de Bissau para Farim.
O final da nossa comissão, foi fazer segurança e proteção ao Palácio do Governador.
3. Comentário de CV:
Caro Vítor Caseiro, não te abro a porta porque já és um frequentador da Tabanca, se não da Sede, pelo menos das filiais. Quer nos convívios da Tabanca Grande quer na Tabanca do Centro, apareces regularmente e já conheces muita da malta.
Espero que o Miguel não leve a mal eu ter começado a tua apresentação com a sua mensagem, mas acho ter as minhas razões.
Primeiro porque não podias ter melhor padrinho. Ele, o Miguel, é único, tem um sentido de humor sem limites e é um camaradão.
Segundo, se reparares, ele diz que nasceste em 1961, logo não é um amigo qualquer. Nos tempos em que os aumentos são diários, ele faz-te um desconto de 17,4% na idade. A mim os meus amigos costumam dizer que não me dão mais de 62 anos, ao que respondo, obrigado, mas tenho 63. Tu não, tens aí um amigo a sério. Já agora, que dizes se aceitarmos como certo 1951 o ano do teu nascimento?
Terceiro porque ele tratou dos teus papéis, tudo direitinho, como os padres que despacham aquele assunto chato e complexo dos papéis para casar. É pena que não tratem dos do divórcio, mas compreende-se porque o ofício deles é ligar e não desligar. O electricista é que faz as duas coisas.
Quarto... vamos ficar por aqui ou damos importância a mais ao Miguel.
Posto isto, camarada Caseiro, o melhor é sentares-te a trabalhar e mandares a tua segunda colaboração, a primeira segue dentro de momentos, e já agora, por favor, se fizeres mais um pouco de esforço mandas directo para nós. É que já devemos imensos favores ao Miguel e ele não pára de cobrar.
Os teus trabalhos, esperemos que muitos, devem ser enviados para luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com e para um dos editores de serviço: carlos.vinha@gmail.com e/ou magalhaesribeiro04@gmail.com
Já agora podíamos trocar galhardetes. Uma vez que te demos os nossos endereços, esperamos o teu. Desta feita vamos enviar a mensagem de boas vindas via Miguel Pessoa.
Posto isto, resta, em nome da tertúlia, enviar-te um abraço de boas vindas.
Pelos editores
Carlos Vinhal
4. Uma história
Todos os militares combatentes têm as suas histórias para contar.
Eu, também tenho as minhas e vou passar a descrever a primeira.
No dia 23 de Maio de 1973, dia em que a minha Companhia recebeu ordem de embarque para o dia seguinte, estava eu de sargento de dia no RI 16 em Évora e só no final do dia foi possível proceder à minha rendição. Durante toda essa tarde os meus camaradas fizeram as compras que entenderam necessárias, como por exemplo, as divisas para os novos postos, entre outras. Quando desembarcámos no aeroporto de Bissalanca a Companhia formou-se em parada militar para ser recebida pelo Chefe das 2.ª e 3.ª REP/QG/CTIG, Sr. Major Porfírio dos Santos. Pertencendo eu ao 1.º Pelotão fiquei “cara a cara” com este. Após o seu discurso o Sr. Major ordenou-me que o acompanhasse a um gabinete onde estava um 1.º Cabo Escriturário ao qual deu a ordem de passar uma guia de marcha para eu ser transferido para um aquartelamento (cujo nome não fixei). Após esta ordem, o 1.º Cabo informou-me que ia para um sitio onde todos os dias se morria. Naquele momento senti o desmoronar de todos os meus 20 anos de juventude (já era pai de um filho com 8 meses). Ainda não estava recomposto do choque emocional da mudança brusca de não embarcar para Angola mas sim para a Guiné (onde a guerra e o clima eram devastadores) e já estava a sofrer outro revés psicológico.
Algum tempo depois, o capitão da minha Companhia questionou o Major Porfírio sobre o que se estava a passar comigo, foi nessa altura que este afirmou que eu ao chegar com divisas de Cabo Miliciano, seria porque vinha debaixo de um castigo militar (uma porrada ). Após o esclarecimento do equívoco tudo voltou à forma inicial e regressei à Companhia que esperava nas viaturas que nos haviam de levar para o campo militar do Cumeré.
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 24 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9394: Tabanca Grande (318): Carlos Milheirão, ex-Alf Mil da CCAÇ 4152/73 (Gadamael e Cufar, 1974)
Caros editores
O Vítor Caseiro não é novo no blogue. Mas tem-se portado como um outsider... Já o encontrei por várias vezes - no Encontro Nacional em Monte Real, em apresentações de livros em Lisboa, nos convívios da Tabanca do Centro, também em Monte Real. Parece que agora o convenci a deixar o anonimato e candidatar-se a um lugar de tertuliano na Tabanca Grande. Vai daí, resolveu descarregar-me tudo em cima - apresentação, foto da Guiné (podia ser o primo, que ninguém notava...), foto actual, e uma 1ª história, para começar. E eu que me desenrasque a enviar-vos o material e a apadrinhar a sua entrada...
Não me lembro de ele o ter dito, mas o Vítor é de Leiria. Quando do seu aniversário (nasceu em 27 de Junho de 1961), não sendo tertuliano enviei-lhe pessoalmente um postal de parabéns, que naturalmente não enviei para publicação no blogue. Por curiosidade junto também esse postal; e isso lembra-me que o Vítor é bastante empenhado em acções de solidariedade para com os seus conterrâneos, tendo sido até há pouco tempo dirigente da AMBESSE - Associação de Melhoramentos e Bem Estar Social de Santa Eufémia (Leiria).
Tratem bem do rapaz...
Abraço.
Miguel
Do Padrinho Miguel para o afilhado Vítor. Prenda de aniversário do ano passado
2. A minha apresentação:
Eu, Vítor Caseiro ex-Furriel Miliciano da CCaç 4641
Quando estava colocado no RI 14 em Viseu, saiu em ordem de serviço a minha mobilização para Angola (26 de Setembro de 1972). Apresentei-me no RI 16 em Évora para formar a CCaç 4641. Entretanto, no início de Maio, a Companhia foi informada do embarque para Angola agendada para o dia 8 de Junho de 1973.
Em 23 de Maio às 12h recebemos ordens para nos apresentarmos às 6h do dia seguinte, no aeroporto de Figo Maduro. No dia do embarque, quando nos preparávamos para entrar no avião, fomos informados que já não iríamos para Angola, mas sim para a Guiné. Depois de várias manifestações de revolta da nossa parte, tentámos recusar o embarque. Foi quando chegou um pelotão da P.M. e nos forçou a entrar no avião.
Após o desembarque na Guiné, o oficial superior que nos fez a receção, informou-nos que a nossa Companhia era a primeira de outras que vinham em reforço do contingente militar na Guiné. Daí seguimos para o Cumeré para fazer novo I.A.O. e mais tarde para Mansoa substituindo a 3.ª Companhia do Batalhão 4612 que foi deslocado em apoio de Gadamael, que estava a ferro e fogo. Estávamos no famoso Maio de 73, altura em que se desencadearam as maiores operações de ataque pelo inimigo por toda a Guiné. Foi neste mês que se deram os cercos aos aquartelamentos de Guidaje e Guileje, sendo este abandonado pelas nossas tropas. Este inédito acontecimento foi o motivo da nossa Companhia ter ordem de embarque em menos de 24 horas.
Ao fim de 13 meses de Guiné, a minha Companhia foi deslocada para Ilondé, onde passámos a fazer colunas de abastecimento de Bissau para Farim.
O final da nossa comissão, foi fazer segurança e proteção ao Palácio do Governador.
3. Comentário de CV:
Caro Vítor Caseiro, não te abro a porta porque já és um frequentador da Tabanca, se não da Sede, pelo menos das filiais. Quer nos convívios da Tabanca Grande quer na Tabanca do Centro, apareces regularmente e já conheces muita da malta.
Espero que o Miguel não leve a mal eu ter começado a tua apresentação com a sua mensagem, mas acho ter as minhas razões.
Primeiro porque não podias ter melhor padrinho. Ele, o Miguel, é único, tem um sentido de humor sem limites e é um camaradão.
Segundo, se reparares, ele diz que nasceste em 1961, logo não é um amigo qualquer. Nos tempos em que os aumentos são diários, ele faz-te um desconto de 17,4% na idade. A mim os meus amigos costumam dizer que não me dão mais de 62 anos, ao que respondo, obrigado, mas tenho 63. Tu não, tens aí um amigo a sério. Já agora, que dizes se aceitarmos como certo 1951 o ano do teu nascimento?
Terceiro porque ele tratou dos teus papéis, tudo direitinho, como os padres que despacham aquele assunto chato e complexo dos papéis para casar. É pena que não tratem dos do divórcio, mas compreende-se porque o ofício deles é ligar e não desligar. O electricista é que faz as duas coisas.
Quarto... vamos ficar por aqui ou damos importância a mais ao Miguel.
Posto isto, camarada Caseiro, o melhor é sentares-te a trabalhar e mandares a tua segunda colaboração, a primeira segue dentro de momentos, e já agora, por favor, se fizeres mais um pouco de esforço mandas directo para nós. É que já devemos imensos favores ao Miguel e ele não pára de cobrar.
Os teus trabalhos, esperemos que muitos, devem ser enviados para luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com e para um dos editores de serviço: carlos.vinha@gmail.com e/ou magalhaesribeiro04@gmail.com
Já agora podíamos trocar galhardetes. Uma vez que te demos os nossos endereços, esperamos o teu. Desta feita vamos enviar a mensagem de boas vindas via Miguel Pessoa.
Posto isto, resta, em nome da tertúlia, enviar-te um abraço de boas vindas.
Pelos editores
Carlos Vinhal
4. Uma história
Todos os militares combatentes têm as suas histórias para contar.
Eu, também tenho as minhas e vou passar a descrever a primeira.
No dia 23 de Maio de 1973, dia em que a minha Companhia recebeu ordem de embarque para o dia seguinte, estava eu de sargento de dia no RI 16 em Évora e só no final do dia foi possível proceder à minha rendição. Durante toda essa tarde os meus camaradas fizeram as compras que entenderam necessárias, como por exemplo, as divisas para os novos postos, entre outras. Quando desembarcámos no aeroporto de Bissalanca a Companhia formou-se em parada militar para ser recebida pelo Chefe das 2.ª e 3.ª REP/QG/CTIG, Sr. Major Porfírio dos Santos. Pertencendo eu ao 1.º Pelotão fiquei “cara a cara” com este. Após o seu discurso o Sr. Major ordenou-me que o acompanhasse a um gabinete onde estava um 1.º Cabo Escriturário ao qual deu a ordem de passar uma guia de marcha para eu ser transferido para um aquartelamento (cujo nome não fixei). Após esta ordem, o 1.º Cabo informou-me que ia para um sitio onde todos os dias se morria. Naquele momento senti o desmoronar de todos os meus 20 anos de juventude (já era pai de um filho com 8 meses). Ainda não estava recomposto do choque emocional da mudança brusca de não embarcar para Angola mas sim para a Guiné (onde a guerra e o clima eram devastadores) e já estava a sofrer outro revés psicológico.
Algum tempo depois, o capitão da minha Companhia questionou o Major Porfírio sobre o que se estava a passar comigo, foi nessa altura que este afirmou que eu ao chegar com divisas de Cabo Miliciano, seria porque vinha debaixo de um castigo militar (uma porrada ). Após o esclarecimento do equívoco tudo voltou à forma inicial e regressei à Companhia que esperava nas viaturas que nos haviam de levar para o campo militar do Cumeré.
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 24 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9394: Tabanca Grande (318): Carlos Milheirão, ex-Alf Mil da CCAÇ 4152/73 (Gadamael e Cufar, 1974)
Guiné 63/74 - P9408: Nós da memória (Torcato Mendonça) (5): Fado no Império - Fotos falantes IV
Fados no Oceano
Foto ©: Torcato Mendonça (Fotos Falantes IV) 2012. Direitos reservados
1. Em mensagem do dia 25 de Janeiro de 2012, o nosso camarada Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69), enviou-nos um texto para integrar os seus "Nós da memória", mas ilustrada com fotos falantes da sua IV série. Promete.
NÓS DA MEMÓRIA - 5
(…desatemos, aos poucos, alguns…)
1 - Fado no "Império"
Fotos Falantes IV
Necessitava, para “desatar” mais uns nós da memória, de um qualquer auxílio.
Seleccionei algumas dezenas de slides e serão eles o auxílio pretendido.
Não sinto vontade em continuar a falar – escrever – sobre a “guerra pura e dura”, não, isso não.
Voltarei? É possível. Nunca digas nunca.
Suspendi o relato, a minha descrição, sobre a “Lança Afiada”. Descansa num dossier. São muitas folhas e não as quero como outras na lareira.
Antes de começar a escrever fiz breve visionamento dos slides, ora seleccionados, e um deles chamou-me a atenção. O Fado cantado em alto mar, o nosso fado, o destino de um Povo aqui em regresso de serviço prestado à ditosa Pátria.
Este, que aqui pelos ares atlânticos se perdia, não era certamente o fado triste das vielas de Lisboa e de seus amores e desamores. Não. Este teria certamente a música plagiada de um desses fados. A letra seria sobre a vida dos soldados em regresso à velha capital do Império, algo sobre a sua estadia de dois anos na Guiné, dois anos de uma juventude interrompida.
Era o regresso, o regresso das últimas caravelas. A rota seria a mesma, pouco importando os ventos e marés e, em tudo o mais diferente, quer na ida ou no regresso dos mesmos homens agora mais velhos, precocemente mais velhos, muito diferentes dos jovens da ida. O País esperava-os para deles se desenvencilhar rapidamente. Seriam peças descartáveis da máquina trituradora daquela geração. País virado ao mar e ao umbigo de minoria, País de sonho irrealizável, teimoso e bolorento nesse e noutros quereres.
Continuava virado a ilhas, a áfricas e ásias onde, a sua bandeira tremia há séculos, por terras conquistadas e mantidas com impossíveis por tão diminuta gente. Uma ocupação de conveniência.
Séculos de ocupação, de exploração para beneficio de minoria de seu Povo ou, pior ainda, para gentes de outros Países que, em conjunto com a pequena elite deste nosso rectângulo, usufruíam os proveitos desse estar e explorar terras e bens de outras gentes, impondo sofrimento, dor e humilhação.
Usavam a fé, os novos saberes da tecnologia, da cultura desrespeitadora da desses povos e não queriam entender, por não lhes interessar, que isso nada a tais gentes beneficiava. Eram gentes que nunca foram assim, em suas terras, cidadãos inteiros de um espaço que errada e enganosamente se dizia ser: - pluricontinental e multirracial do Minho a Timor. Por muito que hoje se duvide, outrora, poucas décadas atrás, muitos nisso acreditavam ou ainda acreditam.
Certo é que houve minoria, dessa gente oprimida, que desse colonialismo se libertou. Talvez, esses mesmos que de tais práticas se iam libertando, contribuíram para que os impérios se fossem desmoronando e um dia muitos, muitos mesmo ou quase todos pensaram serem livres, serem cidadãos inteiros e, mesmo apressadamente, dos velhos senhores se libertaram.
Erro deles, saíram de algo que lhes era imposto, algo que os oprimia e, sem disso se aperceberem logo noutras opressões, noutras servidões impostas por outros senhores, deles irmãos, caíram. Ainda esperam, hoje, por um novo mundo, um mundo mais livre, fraterno e sem tanta desigualdade.
Ah, ah… os últimos soldados do império? Esses, quase a totalidade, depois de serem descartados, ignorados e esquecidos vão desta vida se libertando. Não pesam pois, num Olimpo qualquer onde peso não interessa e, se algo deles cá fica, serve para outros comemorarem e relembrarem o nada em conforto de egos. Fica ou cai bem. Por vezes não, por vezes o lauto almoço, que, de um modo geral se segue excede os cuidados a ter com idades e maleitas próprias.
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 31 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9295: Nós da memória (Torcato Mendonça) (4): Ano Novo; Ano Velho e Toca o Mesmo
Guiné 63/74 - P9407: Notas de leitura (327): Bordo de Ataque - Memórias de Uma Caderneta de Voo e um Contributo para a História, de José Krus Abecasis - II Volume (Mário Beja Santos)
1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Janeiro de 2012:
Queridos amigos,
É de todos sabido como são raros os testemunhos dos oficiais da Força Aérea, no curso da guerra. Krus Abecasis, para minha surpresa, tem páginas de grande devoção à sua missão, combateu de dia e de noite, não ilude o grande número de tensões que viveu com outros camaradas, incluindo as forças paraquedistas. É incrível como estas centenas de páginas não aparecerem na bibliografia geral, ele que combateu nas três frentes. Quiçá por razões ideológicas, a narrativa perde por vezes a fluidez com enxertados, na cronologia, da situação internacional, faz perder o ritmo e implica a releitura. Há aqui páginas que constarão, estou seguro, nas antologias sobre a guerra, quando chegar a hora de alguém as publicar.
Um abraço do
Mário
Bordo de ataque: memórias de um oficial general da Força Aérea (2)*
Beja Santos
O Major-General José Krus Abecasis, recentemente falecido, publicou em meados dos anos 80 as suas memórias, cerca de 900 páginas em dois volumes, de um indesmentível interesse (Bordo de ataque, memórias de uma caderneta de voo e um contributo para a história, Coimbra Editora, 1985). Krus Abecasis teve funções relevantes como Comandante da Zona Aérea de Cabo-Verde e Guiné, foi piloto em operações decisivas, bateu-se pela melhoria do equipamento e pelas operações coordenadas. Não esconde a sua amargura e deceção face às outras armas, nomeadamente o Exército.
No apontamento anterior, foram referidas as suas memórias quanto a uma operação de bombardeamento da Ilha do Como, depois de se ter apurado que as forças do PAIGC estavam a criar uma situação preocupante às guarnições de Cachil, Cacine e Cameconde. A operação, a nível da Força Aérea, terá sido um sucesso, faltou-lhe a componente ocupação, que nunca veio a ocorrer. Depois de uma operação de bombardeamento ao Cantanhez, para destruir as peças antiaéreas, cumpria aos paraquedistas confirmarem os resultados. Foi o Capitão Tinoco de Faria quem comandou essa operação. Este capitão tinha-se revelado um chefe de invulgar envergadura, na operação “Relâmpago” coube-lhe o salvamento de um helicóptero acidentado na área de Jabadá, que ele executou com brilho. Foi ele que veio confirmar a operação resgate através da operação “Mercúrio”. Tinoco de Faria iria ser morto em combate na operação “Grifo” que comandou no corredor de Guileje. Krus Abecasis reconstitui todos esses lances dramáticos em que ”apesar da perda de sangue Tinoco de Faria reagiu com ânimo e gravemente atingido no tronco, ficou incapacitado. Vergado pelo sofrimento, recebe os primeiros-socorros do enfermeiro e diz aos seus homens que não se preocupem com ele e continuem o combate. Que transmitam a sua mulher que o seu último pensamento foi para ela”. Krus Abecasis propõe para militar tão exemplar a distinção da Torre e Espada a que não foi atendido.
Refletindo sobre o teatro de operações da Guiné em meados de 1966, refere os progressos do PAIGC a Oeste, Leste e Sul. Por essa altura, a guerrilha agravou-se na área Bula-Teixeira Pinto e Teixeira Pinto-Cacheu. Chegaram aviões Fiat que, com os Alouette III imprimiram um novo ritmo de apoio e fogo nas operações. Em Agosto, a guerrilha acentuou-se no Leste, à volta de Madina do Boé e de Bel, Krus Abecasis a tripular um Dakota, comandou a operação “Ribalta” para castigar severamente as forças do PAIGC na região, o que teve bons resultados conjunturais. Voltou a situação crítica em torno do Quitafine, Cacine e Cameconde voltaram a ser muito atacadas e a resposta foi a operação “Estoque”.
Os problemas de indisciplina sucederam-se, Krus Abecasis teve graves desentendimentos com as forças paraquedistas, a este nível. Como a situação do Sul exigia cada vez mais a intervenção das forças especiais, aprontou-se uma operação tida como muito intimidatória, a operação “Samurai” com bombardeamentos e atuação dos paraquedistas, o ponto de arranque seria Cufar. O oficial general escreve um texto demolidor acerca do comportamento dos oficiais da CCAÇ 763, em Novembro de 1966. A operação terá tido os seus resultados, com destruições, inimigos abatidos e neutralização das posições inimigas. Sempre crítico e exigente, ele escreve: “Se o inimigo fora duramente atingido, não restava dúvida que o seu corpo de batalha continuava intacto. Contrariamente ao que esperávamos, recolheu-se à área central, fazendo-se acompanhar das populações, que dominava. Os nossos grupos de combate encontraram o vácuo à sua frente, com exceção do contato na Ilha da Caiar”. O caminho estava aberto para exploração do sucesso, mas não houve operações de ocupação. Krus Abecasis ainda preparou a operação “Valquíria” para voltar a atacar o Cantanhez já que o inimigo se mostrava cada vez mais agressivo na navegação no rio Cumbijã, o que deixava Bedanda numa situação crítica de abastecimento, que envolveu vinte cinco missões aéreas incluindo bombardeamentos noturnos. E volta a escrever: “Tive ocasião de admirar a coragem com que os artilheiros das peças antiaéreas nos faziam frente, mantendo-se nas suas posições e disparando continuamente, quando os envolvíamos em metralha, indiferentes ao risco que corriam. Terminada a missão, fiquei a meditar, se entre combatentes portugueses poderíamos encontrar tal valentia. Acabei por me resignar com uma disposição nostálgica: afastar estes pensamentos para não cair no desespero que a realidade quotidiana da comissão na Guiné impunha inexoravelmente. O inimigo batia-se e morria no seu posto, fazendo-nos frente com bravura invejável e desconhecida da generalidade dos militares portugueses. Qual seria o futuro desta guerra, em que tal desequilíbrio psicológico dos combatentes era chocantemente em favor do inimigo”.
Sumariando o que se passou em 1966, o autor considera que operações como “Resgate”, “Estoque”, “Samurai” e “Valquíria” tinham contribuído para travar a progressão do PAIGC, houvera muitas baixas na Ilha do Como, mas estavam cada vez mais poderosos no Quitafine. Krus Abecasis ainda tentou preparar a operação “Apocalipse” para voltar a bombardear o Quitafine, a nível da reunião do Comando-Chefe houve opiniões desfavoráveis alegando-se que a importância do objetivo não compensava as perdas previsíveis. É por essa época, desiludido e contrariado, que Krus Abecasis suspira por ver o fim da sua comissão. Em Janeiro de 1967, regressa a Lisboa. Irá ser condecorado com a Medalha de Valor Militar com Palma, Arnaldo Schulz redigiu um louvor onde apreciava a obra por ele realizada: “Soubera ser um disciplinador e impulsionador do emprego dos meios aéreos”, “agia pelo exemplo, voava quer de dia quer de noite, por vezes em situações de risco manifesto” prestara serviços considerados relevantes e distintíssimos. Já como comandante da Base Aérea n.º 6, no Montijo, Krus Abecasis escreve a Schulz: “… Lamento sinceramente não ter-lhe conseguido ser de maior utilidade. Espero que lhe tenha sido manifesta a minha vontade constante de estruturar uma Força Aérea com um valor combativo próprio… Talvez eu tenha originado mal-entendidos de pessoas menos informadas quanto às minhas intenções… Maior teria sido a motivação se o ambiente geral refletisse aquele valor e grandeza que ansiosamente quis descortinar, mas sempre em vão. Talvez por isso nem sempre consegui dissimular a minha discordância de generosas apreciações feitas na presença de V.Exª”.
As memórias de Krus Abecasis sobre a Guiné não ficam por aqui. Voltará a visitar a Zona Aérea de Cabo-Verde e Guiné em 1969, então comandada por Diogo Neto. O que viu chocou-o; no tempo de Schulz os assuntos eram expostos pelos Comandantes dos três ramos das Forças Armadas, agora eram jovens oficiais que dialogavam descontraidamente com Spínola, apagando o papel dos oficiais dos três ramos das Forças Armadas; agora, Spínola decidia majestaticamente com os oficiais da sua corte e as críticas aos comandantes em voz alta tornara-se um lugar-comum durante as reuniões.
São memórias assombradas de um oficial general que nunca encobre, do princípio ao fim, como se sentiu comprometido com a causa da defesa ultramarina, profere, em tom por vezes cáustico, críticas aceradas aos seus pares, não esconde nomes nem se acoite em acusações vagas e genéricas.
Não dá para entender como é que estas memórias nunca aparecem mencionadas na bibliografia geral da Guerra Colonial.
____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 23 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9389: Notas de leitura (325): Bordo de Ataque - Memórias de Uma Caderneta de Voo e um Contributo para a História, de José Krus Abecasis (Mário Beja Santos)
Vd. último poste da série de 25 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9400: Notas de leitura (326): Anticolonialismo e Descolonização, por Luís Filipe de Oliveira e Castro (José Manuel Matos Dinis)
Queridos amigos,
É de todos sabido como são raros os testemunhos dos oficiais da Força Aérea, no curso da guerra. Krus Abecasis, para minha surpresa, tem páginas de grande devoção à sua missão, combateu de dia e de noite, não ilude o grande número de tensões que viveu com outros camaradas, incluindo as forças paraquedistas. É incrível como estas centenas de páginas não aparecerem na bibliografia geral, ele que combateu nas três frentes. Quiçá por razões ideológicas, a narrativa perde por vezes a fluidez com enxertados, na cronologia, da situação internacional, faz perder o ritmo e implica a releitura. Há aqui páginas que constarão, estou seguro, nas antologias sobre a guerra, quando chegar a hora de alguém as publicar.
Um abraço do
Mário
Bordo de ataque: memórias de um oficial general da Força Aérea (2)*
Beja Santos
O Major-General José Krus Abecasis, recentemente falecido, publicou em meados dos anos 80 as suas memórias, cerca de 900 páginas em dois volumes, de um indesmentível interesse (Bordo de ataque, memórias de uma caderneta de voo e um contributo para a história, Coimbra Editora, 1985). Krus Abecasis teve funções relevantes como Comandante da Zona Aérea de Cabo-Verde e Guiné, foi piloto em operações decisivas, bateu-se pela melhoria do equipamento e pelas operações coordenadas. Não esconde a sua amargura e deceção face às outras armas, nomeadamente o Exército.
No apontamento anterior, foram referidas as suas memórias quanto a uma operação de bombardeamento da Ilha do Como, depois de se ter apurado que as forças do PAIGC estavam a criar uma situação preocupante às guarnições de Cachil, Cacine e Cameconde. A operação, a nível da Força Aérea, terá sido um sucesso, faltou-lhe a componente ocupação, que nunca veio a ocorrer. Depois de uma operação de bombardeamento ao Cantanhez, para destruir as peças antiaéreas, cumpria aos paraquedistas confirmarem os resultados. Foi o Capitão Tinoco de Faria quem comandou essa operação. Este capitão tinha-se revelado um chefe de invulgar envergadura, na operação “Relâmpago” coube-lhe o salvamento de um helicóptero acidentado na área de Jabadá, que ele executou com brilho. Foi ele que veio confirmar a operação resgate através da operação “Mercúrio”. Tinoco de Faria iria ser morto em combate na operação “Grifo” que comandou no corredor de Guileje. Krus Abecasis reconstitui todos esses lances dramáticos em que ”apesar da perda de sangue Tinoco de Faria reagiu com ânimo e gravemente atingido no tronco, ficou incapacitado. Vergado pelo sofrimento, recebe os primeiros-socorros do enfermeiro e diz aos seus homens que não se preocupem com ele e continuem o combate. Que transmitam a sua mulher que o seu último pensamento foi para ela”. Krus Abecasis propõe para militar tão exemplar a distinção da Torre e Espada a que não foi atendido.
Refletindo sobre o teatro de operações da Guiné em meados de 1966, refere os progressos do PAIGC a Oeste, Leste e Sul. Por essa altura, a guerrilha agravou-se na área Bula-Teixeira Pinto e Teixeira Pinto-Cacheu. Chegaram aviões Fiat que, com os Alouette III imprimiram um novo ritmo de apoio e fogo nas operações. Em Agosto, a guerrilha acentuou-se no Leste, à volta de Madina do Boé e de Bel, Krus Abecasis a tripular um Dakota, comandou a operação “Ribalta” para castigar severamente as forças do PAIGC na região, o que teve bons resultados conjunturais. Voltou a situação crítica em torno do Quitafine, Cacine e Cameconde voltaram a ser muito atacadas e a resposta foi a operação “Estoque”.
Os problemas de indisciplina sucederam-se, Krus Abecasis teve graves desentendimentos com as forças paraquedistas, a este nível. Como a situação do Sul exigia cada vez mais a intervenção das forças especiais, aprontou-se uma operação tida como muito intimidatória, a operação “Samurai” com bombardeamentos e atuação dos paraquedistas, o ponto de arranque seria Cufar. O oficial general escreve um texto demolidor acerca do comportamento dos oficiais da CCAÇ 763, em Novembro de 1966. A operação terá tido os seus resultados, com destruições, inimigos abatidos e neutralização das posições inimigas. Sempre crítico e exigente, ele escreve: “Se o inimigo fora duramente atingido, não restava dúvida que o seu corpo de batalha continuava intacto. Contrariamente ao que esperávamos, recolheu-se à área central, fazendo-se acompanhar das populações, que dominava. Os nossos grupos de combate encontraram o vácuo à sua frente, com exceção do contato na Ilha da Caiar”. O caminho estava aberto para exploração do sucesso, mas não houve operações de ocupação. Krus Abecasis ainda preparou a operação “Valquíria” para voltar a atacar o Cantanhez já que o inimigo se mostrava cada vez mais agressivo na navegação no rio Cumbijã, o que deixava Bedanda numa situação crítica de abastecimento, que envolveu vinte cinco missões aéreas incluindo bombardeamentos noturnos. E volta a escrever: “Tive ocasião de admirar a coragem com que os artilheiros das peças antiaéreas nos faziam frente, mantendo-se nas suas posições e disparando continuamente, quando os envolvíamos em metralha, indiferentes ao risco que corriam. Terminada a missão, fiquei a meditar, se entre combatentes portugueses poderíamos encontrar tal valentia. Acabei por me resignar com uma disposição nostálgica: afastar estes pensamentos para não cair no desespero que a realidade quotidiana da comissão na Guiné impunha inexoravelmente. O inimigo batia-se e morria no seu posto, fazendo-nos frente com bravura invejável e desconhecida da generalidade dos militares portugueses. Qual seria o futuro desta guerra, em que tal desequilíbrio psicológico dos combatentes era chocantemente em favor do inimigo”.
Sumariando o que se passou em 1966, o autor considera que operações como “Resgate”, “Estoque”, “Samurai” e “Valquíria” tinham contribuído para travar a progressão do PAIGC, houvera muitas baixas na Ilha do Como, mas estavam cada vez mais poderosos no Quitafine. Krus Abecasis ainda tentou preparar a operação “Apocalipse” para voltar a bombardear o Quitafine, a nível da reunião do Comando-Chefe houve opiniões desfavoráveis alegando-se que a importância do objetivo não compensava as perdas previsíveis. É por essa época, desiludido e contrariado, que Krus Abecasis suspira por ver o fim da sua comissão. Em Janeiro de 1967, regressa a Lisboa. Irá ser condecorado com a Medalha de Valor Militar com Palma, Arnaldo Schulz redigiu um louvor onde apreciava a obra por ele realizada: “Soubera ser um disciplinador e impulsionador do emprego dos meios aéreos”, “agia pelo exemplo, voava quer de dia quer de noite, por vezes em situações de risco manifesto” prestara serviços considerados relevantes e distintíssimos. Já como comandante da Base Aérea n.º 6, no Montijo, Krus Abecasis escreve a Schulz: “… Lamento sinceramente não ter-lhe conseguido ser de maior utilidade. Espero que lhe tenha sido manifesta a minha vontade constante de estruturar uma Força Aérea com um valor combativo próprio… Talvez eu tenha originado mal-entendidos de pessoas menos informadas quanto às minhas intenções… Maior teria sido a motivação se o ambiente geral refletisse aquele valor e grandeza que ansiosamente quis descortinar, mas sempre em vão. Talvez por isso nem sempre consegui dissimular a minha discordância de generosas apreciações feitas na presença de V.Exª”.
As memórias de Krus Abecasis sobre a Guiné não ficam por aqui. Voltará a visitar a Zona Aérea de Cabo-Verde e Guiné em 1969, então comandada por Diogo Neto. O que viu chocou-o; no tempo de Schulz os assuntos eram expostos pelos Comandantes dos três ramos das Forças Armadas, agora eram jovens oficiais que dialogavam descontraidamente com Spínola, apagando o papel dos oficiais dos três ramos das Forças Armadas; agora, Spínola decidia majestaticamente com os oficiais da sua corte e as críticas aos comandantes em voz alta tornara-se um lugar-comum durante as reuniões.
São memórias assombradas de um oficial general que nunca encobre, do princípio ao fim, como se sentiu comprometido com a causa da defesa ultramarina, profere, em tom por vezes cáustico, críticas aceradas aos seus pares, não esconde nomes nem se acoite em acusações vagas e genéricas.
Não dá para entender como é que estas memórias nunca aparecem mencionadas na bibliografia geral da Guerra Colonial.
____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 23 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9389: Notas de leitura (325): Bordo de Ataque - Memórias de Uma Caderneta de Voo e um Contributo para a História, de José Krus Abecasis (Mário Beja Santos)
Vd. último poste da série de 25 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9400: Notas de leitura (326): Anticolonialismo e Descolonização, por Luís Filipe de Oliveira e Castro (José Manuel Matos Dinis)
Guiné 63/74 - P9406: Excertos do Diário do António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (6): Bissau, 23 de Junho de 1972, e 25 de Março de 1974: dois estados de espírito diferentes...
Estamos, naturalmente, a falar do nosso amigo e camarada António Graça de Abreu (AGA) e do seu diário... Por gentileza e generosidade suas, aqui fica mais um excerto do seu Diário da Guiné, 1972/74, de que temos um ficheiro em word, o mesmo que serviu de base à edição do seu livro Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp). (*)
Bissau, 23 de Junho de 1972
(...) Foram nove horas directas de voo até Bissau, não consegui pregar olho. Nem alegre, nem saudoso, nem revoltado. Se tem de ser, que seja!Bissau – ainda não vi quase nada, – parece-me melhor cidade do que eu imaginava, a guerra chega aqui já diluída, o ambiente não é assim tão pesado. O burgo está em paz, talvez uma paz podre, mas paz. Há muita bicharada à noite, nas paredes e sobretudo em volta dos candeeiros de iluminação pública, são osgas e milhares de estranhíssimos insectos, mosquitos gigantes rodopiando encadeados pela luz. Mas na cidade também há andorinhas. (...)
O dia nasceu, nuvens e mar, sempre tanto mar! O avião [, um velho DC 6,] desceu sobre mais ilhas, os Bijagós, creio, e entrou voando baixo na Guiné. Vista do ar a terra é bonita, rios largos, canais serpenteantes, arrozais, clareiras, florestas e aldeias.
Trouxeram-me do aeroporto de Bissalanca para o Clube de Oficiais e destinaram-me umas instalações miseráveis. Somos oito alferes, todos de passagem por Bissau, num quarto pequeno com beliches, sem higiene nem condições decentes de habitabilidade, nem um armário tenho para arrumar as minhas coisas que estão todas na mala, no chão. Chamam a isto o “Biafra”. (...)
No entanto o Clube de Oficiais tem uma messe onde me dizem que se comem algumas iguarias e existe uma simpática piscina. O calor é bastante mas, habituando-me, vou aguentar.
Bissau, 24 de janeiro de 1972
(...) Dizem-me que indo para o mato terei só vinte e um meses de comissão, e não vinte e quatro, como aconteceria se ficasse em Bissau, mas isto não é certo. Certo é nada aqui ser certo, excepto eu estar na Guiné com a moral nem alta, nem média, nem baixa, com o calor a morder-me a pele e a chuva, em vez de lágrimas, a correr-me pelo rosto. (...)
(...) Bissau, 25 de Março de 1974
A grande novidade em Bissau, capital da guerra foram as bombas no Quartel- General, na Amura [, em 22 de fevereiro de 1974], onde os estragos estão bem à vista, e num café no centro da cidade onde inicialmente morreu um civil mas depois morreram mais três militares, entre eles um soldado da 38ª de Comandos [, afecta ao CAOP1]. Estes pobres rapazes até a Bissau vêm morrer!
Foram postas em prática medidas de segurança patentes onde quer que uma pessoa vá. Há patrulhas da polícia militar e civil um pouco por todo o lado. Agora, para se entrar no Quartel-General só falta passar pelo RX. O medo é maior, as coisas estão a mudar.
Em Bissau encontro cada vez menos gente conhecida. Sou um dos mais velhinhos, muitos dos amigos e conhecidos regressaram de vez a Portugal.
No Clube de Oficiais tive uma surpresa. Encontrei a Margarida, minha apaixonada há uns anos atrás, uma mulher inteligente e bonita que, por bem, mexeu com a minha massa cinzenta, e não só. Casou com um capitão e veio para Bissau fazer-lhe companhia. Cumprimentei-a mas não falámos, o marido estava ao lado e, sem me conhecer, deitou-me uns olhos de assustar. A Margarida continua linda, voluptuosa, redondinha, um estupendo “stragnoff” para os dentes do seu capitão. (...)
Bissau, 16 de Abril de 1974
Os papéis foram todos deferidos, a viagem está marcada para 20 de Abril, no voo dos TAM (Transportes Aéreos Militares), com chegada à Portela, ao Figo Maduro por volta das sete horas da tarde.
A Guiné acabou, mas só acredito quando o avião começar a descer sobre Lisboa.
Bissau, 17 de Abril de 1974
Dividimos almas, afectos, o calor do sangue, ideias, desígnios, promessas de futuro. Unidos, separados. Recomeçar. Beijo-te, até sábado, nos meus braços rubros, no teu corpo azul. [FIM]
________________
Nota do editor:
(*) Último poste da série > 20 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9375: Excertos do Diário do António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (5): "Uma novidade, os guerrilheiros utilizaram viaturas blindadas na flagelação a Bedanda [, em 31 de março de 1974]"...
Guiné 63/74 - P9405: Efemérides (84): Luís Filipe Maçarico e Joaquim Isidoro dos Santos, dois bravos da Lourinhã, que ficaram prisioneiros das tropas indianas em 19 de dezembro de 1961
Recorte do quinzenário regionalista "Alvorada", de 6 de janeiro de 2012, em que se evoca a guerra (esquecida) da Índia... Reproduzido com a devida vénia. Um pequena homenagem a geração de humilhados e ofendidos a que o nosso blogue também se quer associar. O meu abraço fraterno ao Luís e ao Joaquim. (LG)
1. Dois conterrâneos meus e meus conhecidos, o Luís Filipe Maçarico – que também é meu parente: a minha bisavó materna, Maria Augusta, nascida por volta de 1860, era irmã do seu bisaô paterno, Manuel Filipe Maçarico – e o Joaquim Isidoro Santos são duas memórias vivas da guerra da Índia, que muitos portugueses não associam à guerra colonial: ambos ficaram prisioneiros, em Goa, no dia 19 de Dezembro de 1961.
Estes nossos dois camaradas foram recentemente entrevistados (e - de algum modo - homenageados pela comunidade a que pertencem) pelo jornal quinzenário regionalista “Alvorada”, nº 1096, ano LI, de 6 de Janeiro de 2012. Diga-se, de passagem, que é uma terra, a Lourinhã, que tem sabido acarinhar os seus filhos, antigos combatentes da guerra colonial.
Luís Filipe Maçarico, nascido em 1939, em Ribamar, chegou à India, em 1960, com 21 anos. Cumpriu 28 meses de serviço militar como cozinheiro, primeiro no Hospital Militar de Panjim, e depois – os últimos cinco meses – no campo de prisioneiros (onde continuou a cozinhar para os seus camaradas). O Luís é, além disso, uma pessoa muito estimada na sua terra, estando ligado à organização de eventos como os dois primeiros encontros dos Maçaricos de Ribamar ou à dinamização do Rancho Folclórico de Ribamar.
Por sua vez, Joaquim Isidoro Santos, taxista, natural da Atalaia, também tinha 21 anos quando foi para Índia (ou completou-os a caminho). Em Goa, foi nomeado encarregado da messe de sargentos, tarefa que cumpriu desde Março de 1961 até à invasão do território pelas tropas da União Indiana, em 18/19 de Dezembro de 1961.
Os prisioneiros, naturais da Lourinhã, em número de 13 foram, para além do Luís e do Joaquim, os seguintes
Veríssimo Maçarico e Domingos Venâncio (Ribamar);
Acácio Delgado (Toxofal de Baixo);
Álvaro Rebelo (São Bartolomeu dos Galegos);
José dos Reis e José Arsénio (Miragaia);
Silvino Ribeiro e Jorge Rodrigues (Cabeça Gorda);
Alcino Alves (Praia da Areia Branca);
Carlos dos Santos (Toledo);
e Deodoro Nogueira (Lourinhã).
A experiência de cativeiro marcou-os, a ambos, para o resto da vida, salientaram os dois lourinhanenses, Luís Filipe Maçarico e Joaquim Isidoro dos Santos, à jornalista Sofia de Medeiros, autora do artigo supracitado ("Guerra no Índico há 50 anos recordada na Lourinhã"). No passado dia 19 de Dezembro, ambos estiveram também junto ao monumento dos combatentes da guerra do ultramar, em Belém, Lisboa, na cerimónia evocativa desta triste efeméride.
Recorde-se que a generalidade dos antigos prisioneiros da Índia (cerca de 3500) foram, no regresso á Pátria, mal tratados, humilhados, abandonados, ostracisados, esquecidos... Para o regime político da época, e para sua opinião pública, eles pura e simplesmente deveriam ter-se deixado imolar no altar da Pátria na defesa da Índia Portuguesa, a "joia da coroa". Por não ter sabido resistir, até á última gota de sangue, Vassalo e Silva, o governador geral da Índia e comandante chefe da simbólica força expedicionária estacionada nos territórios de Goa, Damão e Diu, fui expulso do exército...
O Isidoro, por sua vez, já tinha tido a iniciativa, inédita, em 2008, de homenagear publicamente o seu antigo comandante, o gen Vassalo e Silva. Pode ler-se no jornal “Alvorada”, “on-line”, a seguinte notícia de 21/7/2008:
Recorde-se que a generalidade dos antigos prisioneiros da Índia (cerca de 3500) foram, no regresso á Pátria, mal tratados, humilhados, abandonados, ostracisados, esquecidos... Para o regime político da época, e para sua opinião pública, eles pura e simplesmente deveriam ter-se deixado imolar no altar da Pátria na defesa da Índia Portuguesa, a "joia da coroa". Por não ter sabido resistir, até á última gota de sangue, Vassalo e Silva, o governador geral da Índia e comandante chefe da simbólica força expedicionária estacionada nos territórios de Goa, Damão e Diu, fui expulso do exército...
O Isidoro, por sua vez, já tinha tido a iniciativa, inédita, em 2008, de homenagear publicamente o seu antigo comandante, o gen Vassalo e Silva. Pode ler-se no jornal “Alvorada”, “on-line”, a seguinte notícia de 21/7/2008:
(…) “Manuel António Vassalo e Silva, último governador português de Goa, Damão e Diu, foi homenageado no passado dia 22 de Junho [de 2008] na Atalaia, naquela que foi a primeira cerimónia pública do género no país. Para prestar a homenagem, foi descerrada uma lápide em sua memória junto à praceta que passou a designar-se Praceta General Vassalo e Silva, localizada a cerca de 600 metros a norte da Igreja de Nª Srª da Guia”.
E acrescenta a notícia: A iniciativa para promover esta sessão solene partiu do lourinhanense Joaquim Isidoro dos Santos que, juntamente com Vassalo e Silva, foi feito prisioneiro em 1961, durante cinco meses, pelas forças da União Indiana, depois da invasão do território então sob administração portuguesa.
A Junta de Freguesia da Atalaia e a Associação Nacional Prisioneiros de Guerra [, originalmente, Associação dos Ex-Prisioneiros de Guerra da Índia e de Timor ] também se associaram a esta justa homenagem. "Joaquim Isidoro dos Santos, o Coronel José Clementino Pais [, entretanto falecido, em 2066], o Capitão Luís Neves e Silva e o Sargento Sérgio Dias Simões, fundaram no ano 2000 esta associação. Quatro anos depois sucedeu outra direcção da qual este lourinhanense faz parte”.
Na cerimómia, a Associação Nacional de Prisioneiros de Guerra esteve representada pelo gen Jorge Silvério, também ele lourinhanense, natural de Ribamar, que usou da palavra para fazer uma breve evocação do gen Vassalo e Silva. Por sua vez, em nome da família do homenageado, “a filha mais nova Maria Fernanda Vassalo e Silva agradeceu a todos os presentes a homenagem feita ao seu pai. 'É maravilhoso pensar que após 46 anos de tudo o que aconteceu na Índia, aqui na Atalaia se esteja a fazer uma homenagem ao meu pai', disse"...
A filha do general lembrou que o pai era “uma pessoa muito delicada, muito simples, amigo do seu amigo e de todos. Em Goa as pessoas continuam a recordar o meu pai com saudade”.
____________
Notas do editor:
Último poste da série > 30 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9290: Efemérides (62): A CART 3521 chegou à Guiné no dia 29 de Dezembro de 1971 (Adriano Neto)
Vd. também postes anteriores:
17 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9219: Efemérides (61): A invasão da Índia Portuguesa em 18 de Dezembro de 1961 (José Martins)
17 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9217: Efemérides (59): O Gen Carlos de Azeredo recorda, em entrevista à TSF, a invasão de Goa (que faz hoje 50 anos)
Guiné 63/74 - P9404: Parabéns a você (373): Mário Serra Oliveira, ex-1.º Cabo Escriturário, Messe de Oficiais da FAP (Guiné, 1967/68)
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 23 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9387: Parabéns a você (372): Augusto Silva Santos, ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833; Francisco Godinho, ex-Fur Mil da CCAÇ 2753 e José Albino, ex-Fur Mil do Pel Mort 2117
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 23 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9387: Parabéns a você (372): Augusto Silva Santos, ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833; Francisco Godinho, ex-Fur Mil da CCAÇ 2753 e José Albino, ex-Fur Mil do Pel Mort 2117
quinta-feira, 26 de janeiro de 2012
Guiné 63/74 – P9403: Memória dos lugares (172): Bissau: que diferença de 1964: 1965 e 1966 (João Sacôto)
1. Comentário do dia 25 de Janeiro de 2012 do nosso camarada João Sacôto (ex-Alf Mil da CCAÇ 617/BCAÇ 619, Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66), deixado no P9391:
Faz dó ver o estado de degradação do antigo Palácio do Governador e zonas circundantes. Que diferença de 64, 65 e 66. Em 1980, também eu fui em romagem de saudosismo à Guiné. Nessa altura já se verificava alguma degradação em todos os lugares que antes conheci, mas não tanto com pelos vistos, agora se nota.
J.Sacôto
ex-Alf Mil
CCAÇ 617
Fotos: © João Sacôto (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados
____________
Notas de CV:
(*) Vd. último poste de 9 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9338: Memórias da CCAÇ 617 (2): Toby, o Cão da Tropa (João Sacôto)
Vd. último poste da série de 26 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 – P9401: Memória dos lugares (171): A minha Bissau, nas vésperas do 25 de Abril de 1974 (Nelson Herbert)
Faz dó ver o estado de degradação do antigo Palácio do Governador e zonas circundantes. Que diferença de 64, 65 e 66. Em 1980, também eu fui em romagem de saudosismo à Guiné. Nessa altura já se verificava alguma degradação em todos os lugares que antes conheci, mas não tanto com pelos vistos, agora se nota.
J.Sacôto
ex-Alf Mil
CCAÇ 617
Fotos: © João Sacôto (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados
____________
Notas de CV:
(*) Vd. último poste de 9 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9338: Memórias da CCAÇ 617 (2): Toby, o Cão da Tropa (João Sacôto)
Vd. último poste da série de 26 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 – P9401: Memória dos lugares (171): A minha Bissau, nas vésperas do 25 de Abril de 1974 (Nelson Herbert)
Guiné 63/74 - P9402: As minhas memórias (Fernandino Vigário) (2): História do Batalhão de Caçadores 1911
1. Mensagem do nosso camarada Fernandino Vigário (ex-Soldado Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 1911, Teixeira Pinto, Pelundo, Có e Jolmete, 1967/69), com data de 24 de Janeiro de 2012:
Caro amigo Carlos Vinhal uma boa noite.
Cá estou de novo, em anexo vou contar algo sobre a história do Batalhão de Caçadores 1911, e conto aquilo que sei, a minha condição de soldado raso nunca permitiu saber muito sobre aquela guerra, as poucas informações que tinha vinham do pessoal de transmissões e administrativos, e muita coisa já me esqueceu.
Um forte abraço
Fernandino Vigário
COMANDANTES DO BATALHÃO
- Ten Cor Inf.ª Álvaro Romão Duarte - De 04DEZ66 a 14AGO67
- Major Inf.ª Rogério Castela Jaques - De 15AGO67 a 26OUT67
- Ten Cor Inf.ª Domingos André - De 27OUT67 a 04ABR68
- Major Inf.ª Rogério Castela Jaques - De 05ABR68 a 17JUL68
- Major Inf.ª Vitorino Azevedo Coutinho - De 18JUL68 a 21AGO68
- Major Inf.ª Rogério Castela Jaques - De 22GO68 a 30OUT68
- Ten Cor Inf.ª Renato Nunes Xavier - De 31OUT68 a 14JAN69
- Major Inf.ª Rogério Castela Jaques - De 15JAN69 até ao fim de comissão
Atividade operacional na Guiné
Ao Batalhão de Caçadores 1911, desembarcado em 2 de Maio de 1967 em Bissau, foi-lhe destinado o aquartelamento de Brá, com a missão de reserva do Comando-Chefe.
Como a preocupação dominante do Comando do Batalhão era preparar os seus quadros e tropas o melhor possível para a guerra que íamos travar, providenciou-se que todas as Companhias operacionais incluindo a CCS fizessem na área da ilha de Bissau as seguintes atividades:
- Intensa educação física;
- Tiro em todas as ocasiões disponíveis na carreira de tiro;
- Exercício de embarque e desembarque das LDM no ilhéu do Rei em terrenos lodosos, e instrução sobre o mesmo por oficiais da Marinha;
- Colaboração na atividade operacional do BArt1904 no Sector de Bissau com relevo em patrulhamentos e emboscadas noturnas.
Durante a estadia do Batalhão em Brá, as três Companhias operacionais realizaram no interior da província 15 operações.
Quando o Comando do Batalhão foi informado no Quartel-General que ia para o sector de Teixeira Pinto foi-lhe prestada a seguinte informação: O sector de T. Pinto não é um sector de “roncos” é um sector difícil e de importância capital, se conseguirem evitar que o inimigo penetre e domine o sector será o maior ronco da Guiné.
O Batalhão, seguiu para Teixeira Pinto onde desembarcou a 15 de Agosto de 1967 e sem o 1.º Comandante Álvaro Romão que não deixou saudades.
O Major Castela Jaques que à data era 2.º Comandante, foi nomeado Comandante do Batalhão, e em pouco tempo mostrou de que cepa era feito. Deu um prémio ao Capelão Abel Gonçalves e enviou-o para Jolmete, um hotel de ver estrelas!
Em 27OUT67 o Batalhão recebe um novo Comandante, o Tenente Coronel Domingos André, um grande militar e um ser humano cinco estrelas que viria a ser um verdadeiro e único Comandante digno deste nome, tive oportunidade de conversar com ele, sabia respeitar e era respeitado: este sim, quando partiu deixou saudades.
Durante os nove meses em que atuamos no sector de T. Pinto o Batalhão cumpriu com determinação as missões que lhe foram impostas.
Atividade exercida junto das populações (Acção Psicológica)
O inimigo durante o período de Agosto de 1967 a Maio de 1968 intensificou o seu esforço de subverter o povo manjaco com a finalidade de os empenhar ativamente na luta utilizando especialmente:
-Emigrantes manjacos do Senegal e da Gâmbia para a propaganda e mentalização do seu povo.
-Jovens raptados ou recrutados voluntariamente para atuarem depois de devidamente instruídos militarmente junto da população onde vivem os seus familiares, de quem recebem toda a proteção e auxílio.
-A técnica de intimidação e de comprometimento para forçar a colaboração dos chefes das Tabancas para a organização político-administrativa inimiga nas regiões do Sector.
O Comando do Batalhão 1911 desenvolveu uma intensa acção psicológica no Sector a saber, 110 operações de contato com a população visando especialmente:
- Apoiar a ação dos professores das escolas atribuindo livros e cadernos aos alunos de forma a elevar o nível cultural das camadas jovens.
- Executar e promover medidas de propaganda que conduzissem a uma mentalização adequada das populações, com vista a manter a adesão dos elementos não subvertidos, e conquistar aqueles que o inimigo tenha influenciado ou atraído para o seu campo.
A população do Pelundo fechada e hostil foi captada pelas nossas tropas com as quais trabalhou e colaborou na construção de abrigos e da mesquita.
A população do Cacheu igualmente foi captada e colaborou no reordenamento e auto-defesa, especialmente em Morocunda.
A população de Mata e Bianga colaborou sempre e forneceu os seus produtos apesar das intimidações do inimigo.
A profunda humanidade com que tratamos sempre a população permitira manter o povo manjaco fora do conflito e até receber de alguns elementos manifestações francas e sinceras.
Durante o período de nove meses em Teixeira Pinto, se a memória não me atraiçoa o Batalhão fez sete colunas de reabastecimento e escoltas a Có, e oito ou nove a Jolmete, e dezenas de operações nas matas com uma atividade bastante intensa.
Eu como soldado condutor da CCS nunca fiz operações através das matas: fui várias vezes a Có e Jolmete em colunas de reabastecimento, a minha primeira vez, o meu batismo foi algo imprevisto, e com certa dificuldade: foi no fim de Agosto ou princípio de Setembro de 1967 época das chuvas, eu conduzia um Unimog com atrelado carregadíssimo, sem qualquer experiência de conduzir com este, mesmo assim a viagem estava a correr bem sem perturbações e sinais do inimigo: a malta da picagem lá ia na frente como sempre, a determinada altura não muito longe de Jolmete, num piso sinuoso, com muita água, talvez perto de bolanha a minha viatura ficou atolada no lamaçal, fiquei bloqueado e senti-me frustrado, e por mais tentativas que fizesse ainda a enterrava mais, inexperiente perdi o controlo com aquela situação foi necessário ligar o guincho e com ajuda dos colegas lá conseguimos retomar percurso normal.
Se a memória não me atraiçoa sempre que fizemos as colunas de reabastecimento alguns quilómetros depois do pelundo em locais estratégicos e considerados perigosos, iam ficando pela picada um ou outro pelotão a montar segurança, as forças que estavam em Có vinham ao nosso encontro o que acontecia pela zona do Barril ou aí perto, os que estavam em Jolmete vinham a uma zona que não me recordo o nome, mas era zona de água talvez bolanha, ou perto dela onde eu atolei o Unimog no lamaçal.
Agora vou falar dos meus Anjos da Guarda: por sinal eu falo neles na minha apresentação, trata-se dos camaradas Sapadores e outros que nas picadas que eram bastante perigosas, tinham a tarefa de localizar esse inimigo invisível terror dos condutores e não só, que eram as minas anticarro: houve outro Anjo da Guarda que me acompanhou naquelas colunas a Có e Jolmete, fiz esses trajetos várias vezes, e nunca estive debaixo de fogo do inimigo, e ele existiu de facto, e várias vezes, não faço a mínima ideia a que distância estive do local onde houve contactos com o inimigo, nem a distância que separava a primeira da última viatura, mas devia ser longa, normalmente eu ia nos últimos lugares da coluna e a uma distância de quarenta a cinquenta metros da viatura que ia à minha frente e não presenciei nada de tiros.
Resumindo, nas colunas em que eu participei sempre que houve contactos com o inimigo foi com os ditos pelotões que ficavam a montar segurança, ou com os primeiros da coluna, eu tive a sorte e a felicidade de escapar, e devem ter sido poucos os que fizeram estas colunas sem cair debaixo de fogo do inimigo, daí eu falar no meu Anjo da Guarda!
Só depois da chegada a Teixeira Pinto é que me inteirava do que se tinha passado através de relatos dos colegas e camaradas que tinham tido os contactos com o inimigo.
Em 8 de Maio de 1968 o Comando do Batalhão ao deixar Teixeira Pinto, onde foi rendido pelo BCaç 2845, estava convicto de que tinha cumprido com honra as missões de evitar que o inimigo penetrasse e dominasse o chão manjaco.
Em 26 de Junho de 1968 foi destinado ao Batalhão 1911 o Sector de Bissau com sede em Stª Luzia e até à data do embarque, realizou uma intensa atividade operacional no Sector que se cifra numa média de centenas de ações mensais.
Durante a comissão deste Batalhão na Guiné, foram integrados no mesmo para atividade operacional as seguintes unidades:
- CART 1526 - CCAV 1649 - CCAÇ 2313 - CART 1614 - CART 1615 - CART 1617 - CCAV 1650 - CCAÇ 1622 - CART 1660 - CART 1689 - CART 1690 - CART 1692 - CART 1743 - CCAÇ 2435 - CCAÇ 2436 - PEL DAIMLER 1137 - PEL DAIMLER 2042 - PEL PANHARD 1143 - PEL MORT 2006 - 8.ª CMILICIA - 9.ª CMILICIA -10.ª CMILICIA – 20.ª CMILICIA
A média mensal de operações do Batalhão 1911, foi de 32 o que representa uma atividade bastante elevada.
O Batalhão tem mais 6 baixas por acidente.
Há muito mais para contar, faço votos para que quem o saiba o faça, exemplo: oficiais, furriéis, pessoal das transmissões, e administrativos, estes eram mais privilegiados na informação.
Carlos Vinhal um forte abraço, extensivo a toda a tabanca.
E um muito especial para o Padre Abel.
Fernandino Vigário
Ex-Sold. Condutor CCS/BCaç 1911
1967 /69
____________
Nota de CV:
Vd. primeiro poste da série de 6 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9321: As minhas memórias (Fernandino Vigário) (1): Um Alferes Capelão que queria ensinar o Pai-Nosso ao Vigário
Caro amigo Carlos Vinhal uma boa noite.
Cá estou de novo, em anexo vou contar algo sobre a história do Batalhão de Caçadores 1911, e conto aquilo que sei, a minha condição de soldado raso nunca permitiu saber muito sobre aquela guerra, as poucas informações que tinha vinham do pessoal de transmissões e administrativos, e muita coisa já me esqueceu.
Um forte abraço
Fernandino Vigário
AS MINHAS MEMÓRIAS - 2
Batalhão de Caçadores 1911 - GUINÉ 1967 - 1969
COMANDANTES DO BATALHÃO
- Ten Cor Inf.ª Álvaro Romão Duarte - De 04DEZ66 a 14AGO67
- Major Inf.ª Rogério Castela Jaques - De 15AGO67 a 26OUT67
- Ten Cor Inf.ª Domingos André - De 27OUT67 a 04ABR68
- Major Inf.ª Rogério Castela Jaques - De 05ABR68 a 17JUL68
- Major Inf.ª Vitorino Azevedo Coutinho - De 18JUL68 a 21AGO68
- Major Inf.ª Rogério Castela Jaques - De 22GO68 a 30OUT68
- Ten Cor Inf.ª Renato Nunes Xavier - De 31OUT68 a 14JAN69
- Major Inf.ª Rogério Castela Jaques - De 15JAN69 até ao fim de comissão
HISTÓRIA do BATALHÃO DE CAÇADORES 1911
Atividade operacional na Guiné
Ao Batalhão de Caçadores 1911, desembarcado em 2 de Maio de 1967 em Bissau, foi-lhe destinado o aquartelamento de Brá, com a missão de reserva do Comando-Chefe.
Como a preocupação dominante do Comando do Batalhão era preparar os seus quadros e tropas o melhor possível para a guerra que íamos travar, providenciou-se que todas as Companhias operacionais incluindo a CCS fizessem na área da ilha de Bissau as seguintes atividades:
- Intensa educação física;
- Tiro em todas as ocasiões disponíveis na carreira de tiro;
- Exercício de embarque e desembarque das LDM no ilhéu do Rei em terrenos lodosos, e instrução sobre o mesmo por oficiais da Marinha;
- Colaboração na atividade operacional do BArt1904 no Sector de Bissau com relevo em patrulhamentos e emboscadas noturnas.
Durante a estadia do Batalhão em Brá, as três Companhias operacionais realizaram no interior da província 15 operações.
Quando o Comando do Batalhão foi informado no Quartel-General que ia para o sector de Teixeira Pinto foi-lhe prestada a seguinte informação: O sector de T. Pinto não é um sector de “roncos” é um sector difícil e de importância capital, se conseguirem evitar que o inimigo penetre e domine o sector será o maior ronco da Guiné.
O Batalhão, seguiu para Teixeira Pinto onde desembarcou a 15 de Agosto de 1967 e sem o 1.º Comandante Álvaro Romão que não deixou saudades.
O Major Castela Jaques que à data era 2.º Comandante, foi nomeado Comandante do Batalhão, e em pouco tempo mostrou de que cepa era feito. Deu um prémio ao Capelão Abel Gonçalves e enviou-o para Jolmete, um hotel de ver estrelas!
Em 27OUT67 o Batalhão recebe um novo Comandante, o Tenente Coronel Domingos André, um grande militar e um ser humano cinco estrelas que viria a ser um verdadeiro e único Comandante digno deste nome, tive oportunidade de conversar com ele, sabia respeitar e era respeitado: este sim, quando partiu deixou saudades.
Durante os nove meses em que atuamos no sector de T. Pinto o Batalhão cumpriu com determinação as missões que lhe foram impostas.
Atividade exercida junto das populações (Acção Psicológica)
O inimigo durante o período de Agosto de 1967 a Maio de 1968 intensificou o seu esforço de subverter o povo manjaco com a finalidade de os empenhar ativamente na luta utilizando especialmente:
-Emigrantes manjacos do Senegal e da Gâmbia para a propaganda e mentalização do seu povo.
-Jovens raptados ou recrutados voluntariamente para atuarem depois de devidamente instruídos militarmente junto da população onde vivem os seus familiares, de quem recebem toda a proteção e auxílio.
-A técnica de intimidação e de comprometimento para forçar a colaboração dos chefes das Tabancas para a organização político-administrativa inimiga nas regiões do Sector.
O Comando do Batalhão 1911 desenvolveu uma intensa acção psicológica no Sector a saber, 110 operações de contato com a população visando especialmente:
- Apoiar a ação dos professores das escolas atribuindo livros e cadernos aos alunos de forma a elevar o nível cultural das camadas jovens.
- Executar e promover medidas de propaganda que conduzissem a uma mentalização adequada das populações, com vista a manter a adesão dos elementos não subvertidos, e conquistar aqueles que o inimigo tenha influenciado ou atraído para o seu campo.
A população do Pelundo fechada e hostil foi captada pelas nossas tropas com as quais trabalhou e colaborou na construção de abrigos e da mesquita.
A população do Cacheu igualmente foi captada e colaborou no reordenamento e auto-defesa, especialmente em Morocunda.
A população de Mata e Bianga colaborou sempre e forneceu os seus produtos apesar das intimidações do inimigo.
A profunda humanidade com que tratamos sempre a população permitira manter o povo manjaco fora do conflito e até receber de alguns elementos manifestações francas e sinceras.
Durante o período de nove meses em Teixeira Pinto, se a memória não me atraiçoa o Batalhão fez sete colunas de reabastecimento e escoltas a Có, e oito ou nove a Jolmete, e dezenas de operações nas matas com uma atividade bastante intensa.
Eu como soldado condutor da CCS nunca fiz operações através das matas: fui várias vezes a Có e Jolmete em colunas de reabastecimento, a minha primeira vez, o meu batismo foi algo imprevisto, e com certa dificuldade: foi no fim de Agosto ou princípio de Setembro de 1967 época das chuvas, eu conduzia um Unimog com atrelado carregadíssimo, sem qualquer experiência de conduzir com este, mesmo assim a viagem estava a correr bem sem perturbações e sinais do inimigo: a malta da picagem lá ia na frente como sempre, a determinada altura não muito longe de Jolmete, num piso sinuoso, com muita água, talvez perto de bolanha a minha viatura ficou atolada no lamaçal, fiquei bloqueado e senti-me frustrado, e por mais tentativas que fizesse ainda a enterrava mais, inexperiente perdi o controlo com aquela situação foi necessário ligar o guincho e com ajuda dos colegas lá conseguimos retomar percurso normal.
Se a memória não me atraiçoa sempre que fizemos as colunas de reabastecimento alguns quilómetros depois do pelundo em locais estratégicos e considerados perigosos, iam ficando pela picada um ou outro pelotão a montar segurança, as forças que estavam em Có vinham ao nosso encontro o que acontecia pela zona do Barril ou aí perto, os que estavam em Jolmete vinham a uma zona que não me recordo o nome, mas era zona de água talvez bolanha, ou perto dela onde eu atolei o Unimog no lamaçal.
Agora vou falar dos meus Anjos da Guarda: por sinal eu falo neles na minha apresentação, trata-se dos camaradas Sapadores e outros que nas picadas que eram bastante perigosas, tinham a tarefa de localizar esse inimigo invisível terror dos condutores e não só, que eram as minas anticarro: houve outro Anjo da Guarda que me acompanhou naquelas colunas a Có e Jolmete, fiz esses trajetos várias vezes, e nunca estive debaixo de fogo do inimigo, e ele existiu de facto, e várias vezes, não faço a mínima ideia a que distância estive do local onde houve contactos com o inimigo, nem a distância que separava a primeira da última viatura, mas devia ser longa, normalmente eu ia nos últimos lugares da coluna e a uma distância de quarenta a cinquenta metros da viatura que ia à minha frente e não presenciei nada de tiros.
Resumindo, nas colunas em que eu participei sempre que houve contactos com o inimigo foi com os ditos pelotões que ficavam a montar segurança, ou com os primeiros da coluna, eu tive a sorte e a felicidade de escapar, e devem ter sido poucos os que fizeram estas colunas sem cair debaixo de fogo do inimigo, daí eu falar no meu Anjo da Guarda!
Só depois da chegada a Teixeira Pinto é que me inteirava do que se tinha passado através de relatos dos colegas e camaradas que tinham tido os contactos com o inimigo.
Em 8 de Maio de 1968 o Comando do Batalhão ao deixar Teixeira Pinto, onde foi rendido pelo BCaç 2845, estava convicto de que tinha cumprido com honra as missões de evitar que o inimigo penetrasse e dominasse o chão manjaco.
Em 26 de Junho de 1968 foi destinado ao Batalhão 1911 o Sector de Bissau com sede em Stª Luzia e até à data do embarque, realizou uma intensa atividade operacional no Sector que se cifra numa média de centenas de ações mensais.
Durante a comissão deste Batalhão na Guiné, foram integrados no mesmo para atividade operacional as seguintes unidades:
- CART 1526 - CCAV 1649 - CCAÇ 2313 - CART 1614 - CART 1615 - CART 1617 - CCAV 1650 - CCAÇ 1622 - CART 1660 - CART 1689 - CART 1690 - CART 1692 - CART 1743 - CCAÇ 2435 - CCAÇ 2436 - PEL DAIMLER 1137 - PEL DAIMLER 2042 - PEL PANHARD 1143 - PEL MORT 2006 - 8.ª CMILICIA - 9.ª CMILICIA -10.ª CMILICIA – 20.ª CMILICIA
A média mensal de operações do Batalhão 1911, foi de 32 o que representa uma atividade bastante elevada.
SÍNTESE DA ATIVIDADE
O Batalhão tem mais 6 baixas por acidente.
Há muito mais para contar, faço votos para que quem o saiba o faça, exemplo: oficiais, furriéis, pessoal das transmissões, e administrativos, estes eram mais privilegiados na informação.
Carlos Vinhal um forte abraço, extensivo a toda a tabanca.
E um muito especial para o Padre Abel.
Fernandino Vigário
Ex-Sold. Condutor CCS/BCaç 1911
1967 /69
____________
Nota de CV:
Vd. primeiro poste da série de 6 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9321: As minhas memórias (Fernandino Vigário) (1): Um Alferes Capelão que queria ensinar o Pai-Nosso ao Vigário
Guiné 63/74 – P9401: Memória dos lugares (171): A minha Bissau, nas vésperas do 25 de Abril de 1974 (Nelson Herbert)
Guiné > Bissau > s/d > "Praça Honório Barreto e Hotel Portugal"... Bilhete-postal, nº 130, Edição "Foto Serra" (Colecção "Guiné Portuguesa")
Colecção: Agostinho Gaspar / Digitalização: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010).
Caro Luís e Nuno:
Essa "história", pelos episódios descritos, é-me igualmente familiar!
Primeiro por sermos praticamente da mesma geração... eu na altura, [o 25 de Abril de 1974,] a uns 5 meses de completar os 12 anos e no último ano do Ciclo Preparatório (seria Marechal Carmona?), na mesma rua do Liceu Honório Barreto, da Escola Técnica e do estádio escolar... Junto ao Liceu havia igualmente uma messe... será?
Recordo-me perfeitamente desses momentos de exaltação pelas bandas do Liceu, da Escola Técnica e do Ciclo Preparatório...
Tive vários colegas portugueses, grandes amigos de infância que gostaria um dia poder rever (**). Alguns da mesma idade, outros ligeiramente mais velhos, mas unidos pelas partidas de futebol... no estádio municipal, no estádio escolar, no quintal (por detrás) da Sé Catedral, no próprio quintal da Câmara Municipal...
Entre esses amigos, recordo-me perfeitamente do Zé (ligeiramente mais velho, 1 a 2 anos pelo menos), do Becas, seu mano mais novo, da minha idade... colega das pescarias no lodoçal das bolanhas, junto ao quartel da Marinha!
O pai era militar... habitavam uma residência, mesmo em frente à messe dos sargentos da Força Aérea, por sinal meus vizinhos. Hoje calculo que o pai fizesse parte da "psico", contavam ingenuamente os filhos, ante a inocência geral...
Pelos meus parcos conhecimentos da época, na matéria, calculava ser um major do exército (um galão ou divisa da largura de dois dedos, com uma faixa dourada no meio...). Seria isso?
Foi pois em casa desses amiguinhos que vi pela primeira vez o capitão dos comandos João Bacar Djaló, que vim mais tarde a saber, por esses mesmos amigos, nas conversas de catraios, ter sido morto em combate!
Era precisamente, no muro frontal dessa residência, que o pessoal da Forca Aérea aguardava pelo autocarro azul que os levava às sessões nocturnas de cinema na base aérea de Bissalanca... E mais seria esse mesmo murro frontal da residência em questão, a escassos 100 metros da minha casa, o alvo de um dos atentados a bomba relógio registado durante a guerra em Bissau... (entre 73 a 74, por aí) (***).
Armadilhado pelas células clandestinas do PAIGC, numa bela noite, o murro foi-se pelos ares… Isto, minutos depois do autocarro azul ter partido do local para a viagem do costume! Nesse dia felizmente bem mais cedo que o habitual!
Não houve vítimas, nem entre o pessoal da Forca Aérea nem entre a "meninada" que nas redondezas costumava brincar ao cair da noite!!!
Um outro amigo da mesma rua responde pelo nome de Joaquim Vicente (para não variar, o Quim)... O pai ficou conhecido por Mestre Vicente, era da Marinha e das Oficinas Navais.
Mestre Vicente, um "mais velho" de trato fácil, do qual lembro-me (eu e o filho) termos recebido, por presente o nosso primeiro carro de rolamentos, feito à maneira, com requisitos de segurança, já avançados para a época.
O brinquedo fazia pois a delícia da meninada no declive que ia dos serviços metereológicos/Boite Cabaret Chez Toi... no cimo da então nossa rua, Engenheiro Sá Carneiro (a mesma da Praça Honório Barreto, do Hotel Portugal, do Café Universal, do Restaurante ou Pensão Ronda... já agora que ia dar ao cemitério, passando lateralmente pelo hospital) à messe dos Sargentos...
Terão porventura fotos dessa época? Da vossa rua? (****)
Mantenhas
Nelson Herbert
Washington DC,USA
____________
Notas de MR:
(*) Vd. poste de 23 janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9388: No 25 de Abril de 1974 eu estava em... (12): Bissau, Liceu Honório Barreto (Nuno Rodrigues / Luís Gonçalves Vaz)
(**) Vd. poste de 8 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6345: Em busca de ... (130): Três militares, três velhos amigos do meu tempo de infância, em Bissau: os gémeos Mário e Chico e o futebolista Lino (Nelson Herbert, filho de Armando Duarte Lopes, atleta da UDIB)
(...) Já que nisso de "perdidos e achados", no bom sentido é claro, o blogue tem sido profícuo, a vez desta é minha! E o propósito é o de tentar localizar três velhos amigos, referências da minha infância na Guiné.
Quanto aos dois primeiros, ignoro pois a respectiva graduação na altura. São gémeos, de nome de baptismo Mário e Chico (Francisco, obviamente). Foram meus vizinhos na antiga Rua Engenheiro Sá Carneiro, a mesma da messe dos sargentos da Força Aérea e do famoso Cabaret ou Boite Chez Toi... Também a rua dos Serviços Metereológicos !
(...) A terceira figura de referência incontornável da minha infância foi, por sinal, um dos meus ídolos da arte de jogar a bola. Militar e futebolista da UDIB, destacou-se na arte da marcação de cantos directos... ao golo ! Era quase que infalível, quando Lino (assim o ficámos a conhecer) era chamado a bater tais lances de bola parada, como soi hoje dizer-se na gíria desportiva !
(***) Mais provavelmente, 21 de janeiro de 1974:
(...) "Primeira acção do PAIGC na cidade de Bissau, com lançamento de engenhos explosivos contra autocarros da Força Aérea, seguidos, uma semana depois, de dois outros engenhos do mesmo tipo num café da mesma cidade, frequentado por militares portugueses" (José Brandão - Cronologia da Guerra Colonial: Angola, Guiné, Moçambique, 1961-1974. Lisboa: Prefácio, 2008, p. 433).
(****) Último poste da série > 4 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9309: Memória dos lugares (170): Regresso a Missirá em Janeiro de 1990 (Mário Beja Santos)
(...) Já que nisso de "perdidos e achados", no bom sentido é claro, o blogue tem sido profícuo, a vez desta é minha! E o propósito é o de tentar localizar três velhos amigos, referências da minha infância na Guiné.
Quanto aos dois primeiros, ignoro pois a respectiva graduação na altura. São gémeos, de nome de baptismo Mário e Chico (Francisco, obviamente). Foram meus vizinhos na antiga Rua Engenheiro Sá Carneiro, a mesma da messe dos sargentos da Força Aérea e do famoso Cabaret ou Boite Chez Toi... Também a rua dos Serviços Metereológicos !
(...) A terceira figura de referência incontornável da minha infância foi, por sinal, um dos meus ídolos da arte de jogar a bola. Militar e futebolista da UDIB, destacou-se na arte da marcação de cantos directos... ao golo ! Era quase que infalível, quando Lino (assim o ficámos a conhecer) era chamado a bater tais lances de bola parada, como soi hoje dizer-se na gíria desportiva !
(***) Mais provavelmente, 21 de janeiro de 1974:
(...) "Primeira acção do PAIGC na cidade de Bissau, com lançamento de engenhos explosivos contra autocarros da Força Aérea, seguidos, uma semana depois, de dois outros engenhos do mesmo tipo num café da mesma cidade, frequentado por militares portugueses" (José Brandão - Cronologia da Guerra Colonial: Angola, Guiné, Moçambique, 1961-1974. Lisboa: Prefácio, 2008, p. 433).
(****) Último poste da série > 4 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9309: Memória dos lugares (170): Regresso a Missirá em Janeiro de 1990 (Mário Beja Santos)
Subscrever:
Mensagens (Atom)