domingo, 26 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9535: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (3): A Retirada Final: os últimos militares portugueses a abandonar o TO da Guiné (Luís Gonçalves Vaz / Manuel Beleza Ferraz)

1. Mensagem do nosso amigo Luís Gonçalves Vaz, membro da nossa Tabanca Grande e filho do Cor Cav CEM Henrique Gonçalves Vaz (último Chefe do Estado-Maior do CTIG - 1973/74), com data de 21 de Fevereiro de 2012:

Caros Editores:

Conforme o prometido, segue em anexo finalmente, o meu artigo sobre "OS ÚLTIMOS MILITARES PORTUGUESES A RETIRAR DA GUINÉ (Dia 14 de Outubro de 1974)" -“RETIRADA FINAL DO TEATRO DE OPERAÇÕES DA GUINÉ”.

Para este artigo, além de consultar as notas pessoais do meu falecido pai, também entrevistei um primo meu, que era na altura Marinheiro Radiotelegrafista da Guarnição do Patrulha Lira (LFG Lira), com quem estive ainda na Guiné, mas que ficou lá até ao último dia, o dia 14 de Outubro de 1974, juntamente com muitos outros militares, um deles, o meu falecido pai, o último CEM/CTIG.

Este meu primo, Manuel Aurélio de Araújo Beleza Ferraz, relatou-me na primeira pessoa as últimas horas da retirada para o navio UÍGE, dos militares portugueses ainda presentes nesse dia em terra, para assegurarem a última cerimónia, o "Arrear da Bandeira Portuguesa", bem como me forneceu um conjunto de fotografias, que ilustram o poste e que poderão ser publicadas.

Espero que não tenha "distorcido muito" estas últimas horas da nossa "Retirada Final" da Guiné, se o fiz, foi sem intenção. Por outro lado, peço desculpa não "elencar o nome" de todos aqueles militares que nesse mesmo dia, "deram o seu máximo" para não manchar o Bom Nome da Nação, numa altura difícil da nossa longa história... se um de vós lá estava, então deixe aqui "o seu depoimento", pois assim enriquecerá este relato de mais um dos "episódios históricos da descolonização portuguesa".

Grande Abraço
Luís Gonçalves Vaz
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Em 26 de fevereiro o Luís Vaz mandou-nos um outro mail, complementar,  com o seguinte teor:

(...) Como recebi mais informações do camarigo Magalhães Ribeiro, sobre este dia histórico e também do dia 9 de Setembro de 1974, aquando da Cerimónia OFICIAL da transição da soberania nacional na Guiné, para o PAIGC, em Mansoa, onde fiquei a saber que o meu falecido pai não esteve, pois em representação do chefe do Estado-Maior do Comando Territorial Independente da Guiné (CEM do CTIG), esteve o tenente-coronel Fonseca Cabrinha, como tal fui naturalmente compelido, a corrigir e complementar este artigo, que almejo que se transforme num "agregar de vários testemunhos, daquele dia 14 de Outubro de 1974", dia histórico para os portugueses, e que representa simultaneamente o FIM do Império Português nestas paragens. Espero que tenha qualidade para ser publicado nos nossos Blogs (...)-

Guiné > Bissau > Forte da Amura > Entrada do lado sul (frente à ponte-cais). Era aqui que estva instalado o QG/CCFAG (Quartel General do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné)

Foto: © Manuel Coelho (2011). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: Bogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


OS ÚLTIMOS MILITARES PORTUGUESES A ABANDONAR A GUINÉ

(Dia 14 de Outubro de 1974)

“RETIRADA FINAL DO TEATRO DE OPERAÇÕES DA GUINÉ”

Os últimos Aquartelamentos a serem entregues ao PAIGC foram o Complexo Militar de Santa Luzia, onde se encontrava o QG/CTIG (Quartel General do Comando Territorial Independente da Guiné), e o QG/CCFAG (Quartel General do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné) instalado no histórico Forte da Amura (vd. foto acima), que se localiza mesmo em frente à ponte-cais em Bissau.

A entrega destes dois últimos redutos das Forças Armadas Portuguesas na Guiné foram “negociados” em 11 de Outubro (apenas 3 dias antes da saída dos últimos militares portugueses deste território), numa reunião no Forte da Amura com os comandantes do PAIGC, Gazela, Bobo Keita e o comandante Correia, sob a coordenação do então CEM/CTIG (Chefe do Estado-Maior do CTIG),  coronel Henrique Gonçalves Vaz.

Os “Planos de Entrega destes Aquartelamentos” foram realizados pelo Coronel CEM/CTIG, coronel Henrique G. Vaz com a colaboração do sr. Major Mourão, e entregues ao Brigadeiro Fabião  no dia 10 de Outubro de 1974, um dia antes da reunião com os comandantes do PAIGC. A entrega do Complexo Militar de Santa Luzia  foi efectuada no dia 13 de Outubro, pelas 15 horas, enquanto o Forte da Amura, o último “reduto militar português” a ser entregue, foi entregue apenas no dia 14 de Outubro, o dia previsto para a “retirada final”, e reservado para o embarque do que restava das tropas portuguesas na Guiné.

Como tal foi concentrado aí, na véspera da partida, o último contingente do Exército Português . No entanto a cerimónia OFICIAL da transição da soberania nacional na Guiné, para o PAIGC, já tinha decorrido em Mansoa, em 9 de Setembro. Estiveram presentes nesta cerimónia:

(i) a CCS (Companhia de Comando e Serviços) do Batalhão 4612/74, comandada pelo major Ramos de Campos:

(ii) o comandante do batalhão, tenente coronel Américo Costa Varino;

(iii) um bigrupo de combate do PAIGC;

(iv) um grupo de pioneiros do mesmo partido;

(v) Ana Maria Cabral (viúva de Amílcar Cabral) e seu filho;

(vi) o comissário político do PAIGC, Manuel Ndinga;

e, em representação do chefe do Estado-Maior do Comando Territorial Independente da Guiné (CEM do CTIG), (vii) o tenente-coronel Fonseca Cabrinha (informações dadas pelo próprio militar que arriou a nossa bandeira em Mansoa, o nosso co-editor Eduardo José Magalhães Ribeiro, Furriel Miliciano de Operações Especiais/RANGER do BCAÇ 4612/74 ).


A Lancha de Fiscalização Grande (LFG) Lira, atracada na ponte cais, poucos dias antes da “retirada final” em 14 de Outubro de 1974.


Fotografia do Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz

O que vos vou passar a relatar será uma pequena narrativa, dos últimos momentos da nossa “retracção do dispositivo militar”, deste último reduto de militares portugueses, para os navios da Armada Portuguesa e para o navio Uíge (o navio Niassa já se encontrava ao largo de Bissau) , que se encontravam frente à ponte cais, mas a alguns metros do cais, com os motores ligados (pairavam todos os navios).

Esta descrição foi-me feita pelo meu primo e ex-Marinheiro Radiotelegrafista da Armada Portuguesa, Manuel Aurélio de Araújo Beleza Ferraz, que fazia parte da guarnição da LFG (Lancha de Fiscalização Grande) Lira, um dos navios que fez a segurança de retaguarda, durante o embarque dos últimos militares portugueses na Guiné.

O ex-Marinheiro Radiotelegrafista , Manuel Beleza Ferraz, (da Guarnição do Patrulha Lira), testemunha da Missão “Retirada Final” da Guiné, em 14/10/1974

Fotografia do ex-Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz

Evacuação de pessoal civil de Jemberem ou de Gadamael (?), passagem dos civis de uma Lancha de Desembarque, para a LFG Lira, em pleno Rio Cacine, muito abaixo da “marca lira”.

Fotografia do ex-Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz


4 Lanchas de Fiscalização Grandes (LFG), uma pequena, e uma LDM na Ponte Cais em Bissau, no ano de 1974, poucos dias antes da “retirada final” do dia 14 de Outubro do mesmo ano. É visível o navio Uíge ao fundo, preparado para transportar os últimos militares portugueses da Guiné. 


Fotografia do ex-Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz.

No dia 14 de Outubro, decorreu a última cerimónia de “Arriar da Bandeira Portuguesa”, ao qual se seguiu o “Hastear de Bandeira da República da Guiné-Bissau” (a última bandeira nacional em Bissau só foi retirada 4 ou 5 semanas depois de 14 de Outubro de 1974, sem cerimónia oficial) como tal nesse mesmo momento, todo o que restava do contingente militar português (há excepção de dois pequenos destacamentos de tropa portuguesa, da Marinha e da Força Aérea, esta na já ex-BA 12 - em Bissalanca, mas ainda com helicópteros AL-III, e o destacamento da Marinha nas suas antigas instalações, para colaborarem na transição e transmissão de técnicas/procedimentos, conhecimentos e experiências de navegação aérea e marítima, com elementos do PAIGC), encontrava-se agora em território estrangeiro.

Nessa cerimónia encontrar-se-iam o Governador (Brigadeiro Carlos Fabião), o Comandante Militar (brigadeiro Galvão de Figueiredo), o Chefe do Estado-Maior do CTIG (coronel Henrique Gonçalves Vaz), outros oficiais, alguns sargentos e praças. Os primeiros depois de assistirem ao embarque de todos os militares nos navios que se encontravam ao largo no estuário do Rio Geba, seguiram para o Aeroporto, onde mantínhamos ainda um dispositivo de segurança.

Mal acabou a cerimónia referida anteriormente, e segundo testemunho do ex-marinheiro radiotelegrafista, Manuel Aurélio A. Beleza Ferraz, que se encontrava nesta altura na LFG LIRA, todas as guarnições dos nossos navios que se encontravam na zona, estavam por ordens superiores, em posição de combate (para qualquer eventualidade), estando todos os operacionais equipados com coletes salva-vidas, capacetes metálicos e as Bofors (peças de artilharia antiaéreas de 40 mm) sem capa e municiadas, prontas a realizar fogo de protecção à retirada das nossas tropas, que ainda se encontravam em terra. Segundo o ex-marinheiro radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz, os navios que se encontravam a realizar a “segurança de rectaguarda” mais próxima às tropas que iriam retirar-se para os navios ao largo no Rio Geba, eram a LFG Órion e a LFG Lira.



Cerimónia da transição da soberania nacional na Guiné, que decorreu em 9 de Setembro de 1974, aquando da entrega do aquartelamento de Mansoa ao PAIGC, e troca de cumprimentos entre o Comandante do BCAÇ 4612/74 - Tenente coronel Américo da Costa Varino e os Comandantes do PAIGC presentes na cerimónia.


Estas fotografias fazem parte do acervo pessoal de Eduardo José Magalhães Ribeiro, Furriel Miliciano de Operações Especiais/RANGER da CCS do BCAÇ 4612/74, Cumeré/Mansoa/Brá – 1974.

Encontravam-se também ao largo em missão de Segurança um patrulha (NRP Cuanza) e o navio NRP Comandante Roberto Ivens, este último a comandar as operações navais desta missão de “Retirada Final”. No próprio navio Uíge estava montado discretamente um dispositivo de segurança pronto a abrir fogo, caso o PAIGC se lembrasse de abrir alguma hostilidade contra o último pessoal militar a abandonar a Guiné, com algumas metralhadoras HK-21, além de todos os militares estarem armados com as suas G-3 e as respectivas munições.


Tropas portuguesas em viagem no Paquete Uíge.

Fotografia retirada de: http://pelotaoreconhecimentofox8870.blogspot.com/p/partida.html, com a devida vénia...


Ponte cais de Bissau com duas Lanchas de Fiscalização Pequenas (LFP) e uma de desembarque ( 

LDM ) ao fundo do lado direito, no mês de Setembro de 1974. Algumas destas lanchas foram deixadas na Guiné.

Fotografia do Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz.

Após o “Arriar da Bandeira Portuguesa”, as tropas portuguesas dos três Ramos das Forças Armadas, presentes na referida cerimónia, logo de seguida, foram transportadas em zebros e LDM (lanchas de desembarque médias) para o navio Uíge, que os aguardava no meio do Rio Geba, a cerca de 400 metros afastados do cais, onde se encontrava já com as máquinas em pleno funcionamento (pairavam) por razões de segurança.

O ex-Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz, fonte destes testemunhos históricos, aqui relatados, informou-me ainda de que as ordens vindas do Comando Naval, com apenas 24 horas de antecedência, foram entregues em mão aos Comandantes das duas LFG (Orion e Lira) e do patrulha Cuanza, presentes ao largo do cais, no caso do seu navio, o patrulha Lira, recebeu directamente o seu Comandante, 1º Tenente Martins Soares. Como tal, os Comandantes destes três navios que constituíam nesse dia, a “força naval” em frente ao cais de Bissau, receberam ordens expressas “para se posicionarem em postos de combate”, com todas as peças Bofors de 40mm, devidamente municiadas e preparadas para realizarem fogo, como apoio de retaguarda à retirada das nossas tropas, de terra para os navios, nomeadamente o Uíge.

Felizmente tudo correu bem, não sendo preciso fazer fogo nenhum, já que a retirada se desenrolou como o previsto, sem altercação de qualquer natureza. De seguida, no final dos transbordos, os zebros e as lanchas (LDM) foram presas numa boia em frente ao cais (abandonadas), e imediatamente a flotilha portuguesa escoltou os navios Uíge e Niassa (este já navegava mais à frente) até águas internacionais, seguindo a maioria dos navios da Armada para Cabo-Verde, de onde alguns deles partiriam pouco depois, em direcção a Angola.

O Patrulha Lira (LFG Lira) depois de abandonar o Rio Geba na Guiné, a escoltar os Navios Uíge e o Niassa até águas internacionais.

Fotografia do ex-Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz.

O Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz, ainda informou que a flotilha que rumou em direção a Cabo-Verde, além dos navios já referidos (NRP Comandante Roberto Ivens, LFGs Orion e Lira e patrulha Cuanza) faziam parte também as LDGs Ariete, Alfange e Bombarda, tendo estes navios da Armada atracado em 20 de Outubro no porto de Mindelo na ilha de S. Vicente, Cabo Verde.

O ex-Marinheiro Radiotelegrafista Manuel Beleza Ferraz, no navio Lira, à espera da missão da “Retirada Final"

Fotografia do ex-Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz

Elementos da guarnição do NRP Lira, em convívio na sala comum/refeitório. Foram estes os marinheiros que no dia 14 de Outubro de 1974, nos seus lugares de combate e outros, asseguraram a operacionalidade da NRP Lira, no que diz respeito ao apoio e segurança na evacuação do último contingente militar do território da Guiné.

Estima-se que seriam algumas centenas de militares dos três Ramos das Forças Armadas Portuguesas. Neste grupo estavam representadas as várias Especialidades do navio, nomeadamente, Artilheiros, Eletricistas, Telegrafistas e Manobras. Este navio, o NRP Lira, sob o comando do 1º Tenente Martins Soares, teve um papel importante na missão de “Retirada Final”, já que era o navio de apoio de retaguarda que se encontrava mesmo em frente à Ponte cais de Bissau, como tal o navio mais próximo do Forte da Amura. O Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz é o que está a olhar para o fotógrafo.

Fotografia do ex-Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz

A comitiva constituída pelo Governador (Brigadeiro Carlos Fabião), o Comandante Militar (Brigadeiro Figueiredo), o Chefe do Estado-Maior do CTIG (Coronel Henrique Gonçalves Vaz), bem como alguns outros oficiais do Estado-Maior, sargentos e praças, depois de assistirem ao embarque de todos os militares nos navios, que se encontravam ao largo do estuário do Rio Geba, e assegurando-se que tudo tinha corrido sem problemas e de acordo com o previsto nos “Planos de Retirada”, elaborados pelo CTIG/CCFAG que nesta altura se afirmava como o único Comando das Forças Armadas Portuguesas neste TO da Guiné, seguiram directamente para o Aeroporto de Bissalanca, onde mantínhamos ainda um dispositivo de segurança.

Às 2h30m do dia 14 de Outubro de 1974, estes militares serão os últimos a retirar da Guiné. Nesse momento estiveram presentes alguns Comandantes do PAIGC, que quiseram despedir-se dos “seus antigos inimigos”, e assim foi o fim da colonização da Guiné com cerca de 500 anos.

Mas antes de finalizar este artigo, gostaria aqui de referir o árduo trabalho atribuído ao último CEM/CTIG, Coronel Henrique Manuel Gonçalves Vaz, já que foi o responsável, por “despacho escrito do Brigadeiro/Governador”, Carlos Fabião, pela elaboração dos “Planos de Retirada do nosso Exército”, da “Carta sobre a Redução de Efectivos e Comissões Liquidatárias”, dos “Planos de entrega dos Aquartelamentos da Ilha de Bissau”, do “Estudo da Comissão Liquidatária do QG/CTIG em Lisboa”, das "Cargas dos aviões", entre outras responsabilidades.

Enfim o Brigadeiro Carlos Fabião, determinou que este oficial do Corpo do Estado-Maior e Chefe do Estado-Maior do CTIG/CCFAG, Coronel Henrique Gonçalves Vaz, se responsabilizasse por todos estes assuntos, como tal fica aqui a minha homenagem a ele, bem como a todos os oficiais, sargentos e praças, que sob o seu comando, o ajudaram a realizar essa importante tarefa, nomeadamente o senhor Tenente-Coronel de Art.ª Joaquim José Esteves Virtuoso, o senhor Major Mourão, o senhor Capitão Lomba, e outros oficiais, sargentos e praças, que colaboraram nesta última missão militar no TO da Guiné, a “Retirada Final”, a todos eles, a minha homenagem, o meu respeito e uma grande admiração, pois ficaram neste episódio da longa história portuguesa.

O ex-Marinheiro Radiotelegrafista 812/70 Manuel Beleza Ferraz, testemunha da Missão “Retirada Final” em 14/10/1974. Local: Guiné

Mansoa, 9 de Setembro de 1974, aquando da Cerimónia OFICIAL da transição da soberania nacional na Guiné, para o PAIGC. Na foto, Eduardo Magalhães Ribeiro, Fur Mil Op Esp do BCAÇ 4612/74 procede ao arriar da Bandeira Nacional Portuguesa.

Fotografia de Eduardo José Magalhães Ribeiro, Furriel Miliciano de Op. Esp./RANGER do BCAÇ 4612/74.


20 de Fevereiro de 2012
Luís Filipe Beleza Gonçalves Vaz
(Tabanqueiro 530 e filho do último CEM/CTIG)

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Nota do Autor:

Um agradecimento especial:

(i) ao meu primo e ex-Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz, marinheiro da guarnição de um dos últimos navios a abandonar as águas da Guiné, o Patrulha Lira;
e também 

(ii) ao Eduardo José Magalhães Ribeiro, Furriel Miliciano de Operações Especiais/RANGER da CCS do BCAÇ 4612/74, Cumeré/Mansoa/Brá – 1974, pois sem os seus testemunhos, não poderia ter dado parte importante das informações, relatadas nesta minha pequena narrativa sobre a “retirada final da Guiné”. 

Aos dois, que foram testemunhas deste momento histórico, o meu muito obrigado.
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Notas de CV:


Guiné 63/74 - P9534: VII Encontro Nacional da Tabanca Grande - Monte Real 2012 (4): Abertura de inscrições e informações diversas (A Organização)

VII ENCONTRO NACIONAL DA TABANCA GRANDE

PALACE HOTEL MONTE REAL

21 DE ABRIL DE 2012


Camaradas e amigos tertulianos, estão a partir de hoje abertas as inscrições para participar no VII Encontro Nacional da Tabanca Grande. Vamos considerar o dia 14 de Abril como data limite para a recepção das mesmas.

Como poderão ver na Ementa, abaixo publicada, mantêm-se os preços do ano passado, a saber:

- Almoço e Lanche - 30,00€ por pessoa
- Quarto duplo com pequeno-almoço - 60,00€
- Quarto single com pequeno-almoço - 50,00€

Chama-se a atenção aos interessados em pernoitar no Palace Hotel para esta chamada de atenção do nosso camarada Mexia Alves:

Em relação ao alojamento temos duas situações:

1 - Na noite de 21 para 22 há disponibilidade, mas sendo fim de semana é necessário fazer as reservas o mais depressa possível, pois obviamente não podemos ter quartos reservados para "possíveis" ocupações.

2 - Na noite de 20 para 21 o Hotel está bloqueado para um grupo, que apesar de tudo julgamos não ocupará todo o Hotel nessa noite.
Então, e se alguém estiver interessado nessa noite, faremos uma lista de espera e obviamente uns tempos antes confirmaremos, ou não, a possibilidade de ocupação dessas reservas, pelo que é importante essa lista ser feita com ordem de reserva dos primeiros para os últimos.

A exemplo dos anos anteriores serei o fulcro das inscrições no meu endereço carlos.vinhal@gmail.com. Sem prejuízo do envio das mesmas para o camarada Mexia Alves no seu endereço joquim.alves@gmail.com, convém que me seja também dado conhecimento para que as listas se mantenham actualizadas.

Não esquecer de no acto da inscrição mencionar o nome da vossa companheira/acompanhante, necessidade ou não de alojamento, para que dias, e o local de onde se deslocam.

Os camaradas que inscrevam ex-combatentes da Guiné não pertencentes à tertúlia, devem-nos identificar com o nome e apelido, se possível indicando os seus contactos telefónicos ou electrónicos e local de onde se deslocam.


Ficamos então a aguardar as vossas inscrições atempadas para ajudar o camarada Joaquim Mexia Alves a organizar este VII Encontro que queremos tenha o êxito de satisfação dos anos anteriores.

Pela comissão organizadora,
Carlos Vinhal

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8913: VII Encontro da Tabanca Grande - 2012 (3): O nosso Convívio será no dia 21 de Abril de 2012 no Palace Hotel de Monte Real (A Organização)

Guiné 63/74 - P9533: Parabéns a você (388): João Carlos Silva, ex-1.º Cabo Especialista da Força Aérea Portuguesa, 1979/82

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9530: Parabéns a você (387): Gumerzindo Silva, ex-Soldado Condutor Auto Rodas da CART 3331 (Guiné, 1970/72)

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9532: As novas milícias de Spínola & Fabião (2): O CIMIL (Centro de Instrução de Milícias) de Bambadinca, criado em 5 de Agosto de 1971, ao tempo do BART 2917


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > Centro de Instrução de Milícias (CMIL) > Setembro de 1973 > A Instrução de tiro na carreira de tiro, que era perto da ponte do Rio Udunduma, na estrada Bambadinca-Xime.



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > Centro de Instrução de Milícias (CMIL) > Outubro de 1973 > Parada de final de instrução no CIMIL de Bambadinca. Em 1º plano, o Pel Mil 388. O Cmdt da Companhia de Instrução era o Alf Mil At Inf Luis Dias,  da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro, 1971/74) e o 2º Cmdt era o Fur Mil Gonçalves, da mesma companhia.



Fotos: © Luis Dias (2008). Todos os direitos reservados.



Guiné-Bissau > Zona Leste > Bambadinca > CIMIL > Carreira de tiro > 1971 > O Alf Mil Cav José Luís Vacas de Carvalho, comandante do Pel Daimler 2206, foi também instrutor de tiro de "duas ou três companhias de milícias", numa altura em que aumentava a escalada da guerra e se intensificava o esforço de africanização das NT. "Eu estou atrás do General Spínola. Ao meu lado direito está (parece-me) o Fabião e logo a seguir o Polidoro Monteiro. E atrás, de óculos escuros, parece-me ser o Tomé".

Foto: © J.L. Vacas de Carvalho (2006) Todos os direitos reservados.

Desenho: Tony Levezinho (1971) para a capa da História da CCAÇ 12.










1. Este era o Dispositivo militar do BART 2917, sediado em Bambadinca (Setor L1), durante o período de junho de 1970 a março de 1972. Podia ser calculado em cerca de 1350 homens, metade dos quais do recrutamento da província (CCAÇ 12, Pel Caç Nat 52, 53 e 54, 2º Pel Art, mais companhias de milícias). A população que vivia no setor era estimada em 20 mil (5 mil sob controlo do PAIGC, e os restantes 15 mil sob controlo das NT).


Em 5 de Agosto de 1971 foi criado o Centro de Instrução de Milícias (CIMIL) de Bambadinca.  Por lá passaram, como instrutores, camaradas nosso como o Paulo Santiago, o Luís Dias, o Vacas de Carvalho... 


Em 25out71, foram sediar em Candamã e Enxalé, os Pel Mil (Pelotões de Milícias) 308 e 309, respetivamente,  formados no  CMIL. 


Em 25dez71 após o término do 3º Turno/71 da instrução de Milícias em Bambadinca foi sediar no Enxalé o GEMIL 310 (Grupo Especial de Milícias),  formado neste CIMIL,  o qual  já tinha formado, além dos GEMIL 309, 310 e PMIL 308 atribuídos, ao seu Sector, os seguintes para outros sectores: os PMIL  315 e 316 para o Setor L-5,  GEMIL 323 para o Setor L-4. 


Em 17jan72 dava início à  instrução de pelotões de milícias para Deba, Campada e Ponta Augusta de Barros.

O BART 2917 também prestou o seu apoio ao Centro de Instrução de Comandos Africanos quando em funcionamento em Fá Mandinga.

Guiné 63/74 - P9531: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (10): As vozes da nova música popular portuguesa (incluindo o Zeca Afonso) que chegavam ao CAOP1 através das ondas hertzianas da rádio

1. Pela rádio chegavam ao TO da Guiné vozes, música, notícias... de todo o mundo. Captava-se, em onda curta,  a BBC, mas também-se a Emissor Nacional, a Voz da América, a Rádio Moscovo... Pelo menos, em Teixeira Pinto, Mansoa, Cufar, que foram sucessivamente sede do CAOP1...

 No seu diário, o António Graça de Abreu (ex-Alf Mil do CAOP1, 1972/74) dá-nos conta de alguns desses encontros hertzianos com o mundo... A internet ainda estava para nascer, dali a 20 anos, mas o mundo já era cada vez mais global. E em 1973 acabava a época dos 30 gloriosos, os trinta anos de crescimento económico ininterrupto, os anos do milagre económico do Ocidente... A primeira grande crise petrolífera, a de 1973,  era também o primeiro grande sinal de alarme sobre o esgotamento de um certo modelo de produção e de consumo... 

 José Afonso (1929-1987), que morreu fez agora  25 anos, em 23 de fevereiro de 1987, é referido pelo AGA como tendo passado na emissora nacional (Bissau) com o seu belíssimo Traz Outro Amigo Também, um verdadeiro hino à amizade e à camaradagem (Do álbum do mesmo nome, gravado em Londres, nos estúdios da PYE, e editado em 1970; o que muita gente não sabe é a forte ligação, emocional e musical, do Zeca Afonso, a Africa, e em especial a Angola e Moçambique).

Por gentileza, generosidade e camaradagem do AGA, aqui ficam aqui mais quatro excertos do seu Diário da Guiné, 1972/74, de que temos um ficheiro em word, o mesmo que serviu de base à edição do seu livro Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp) (*).



(....) Canchungo, 17 de Julho de 1972

Soube pelo “Diário Popular” de anteontem, que traz fotografia e tudo, que em Cabo Ruivo foram postas bombas em treze camiões Berliet destinados ao nosso exército que sofreram assinaláveis estragos. É um protesto contra a política bélica do Marcello Caetano.

Na rádio, ouvi também o relato do sucedido. Tenho no meu quarto uma ligação a uma antena com 40 metros de altura, montada pelo meu companheiro, alferes Tomé, o chefe das transmissões do CAOP. Com o rádio em onda curta captam-se inúmeros postos com uma nitidez sensacional, é a BBC, Moscovo, a Voz da América, Tirana, a Rádio Voz da Alemanha, Argel, etc. Mais um entretenimento útil de que benificio e sou rapidamente informado do que acontece nos quatro cantos do mundo.

(...) Canchungo, 31 de Agosto de 1972

Na Guiné existe apenas uma emissora de rádio, prolongamento da Emissora Nacional. É divertida, tem anúncios locais, passa discos pedidos, acção psicológica, etc.

Há dias ouvi por várias vezes o seguinte mimo, mais ou menos nestes termos: “A Casa Pinto lamenta informar os seus excelentíssimos clientes que a aguardada remessa de camisas Lacoste foi mais uma vez desviada entre a origem e a cidade de Bissau pelo que não poderá ainda desta vez satisfazer as encomendas dos seus estimados clientes e amigos.” Onde foram parar as Lacoste, desviadas para onde e por quem?

Ao fim de quase dois meses a ouvir música fraquíssima, fui hoje surpreendido ao ouvir o meu bom amigo e colega de faculdade António Macedo cantar o “Cavaleiro cavalgando no meu sonho” e o José Afonso, o homem da “Grândola”,  a cantar “Traz outro amigo também”. Quer isto dizer que os discos existem em Bissau, só que os passam pouco. Deve ser por causa do calor e dos mosquitos que pousam no vynil dos LPs.

Outra surpresa nas minhas leituras de hoje, foi encontrar uma citação do Antigo Testamento. Diz: 'Os teus seios são semelhantes a dois filhotes de gazela pastando no meio de lírios'. Isto foi escrito há dois mil e novecentos anos pelo rei Salomão, no Cântico dos Cânticos e publicado, quem diria!, no Jornal do Exército português, número de Junho de 1972.

(....) Mansoa, 1 de Março de 1973

Escrevo deitado na cama, a prancha de contraplacado a servir de escrivaninha, por cima tenho a ventoinha a mandar vento.

Ouvi o Festival da Canção em directo de Lisboa, via rádio de Bissau. Ganhou a “Tourada” do Fernando Tordo e do Ary dos Santos, e muito bem. Se há reacções dos reaccionários é sinal de que vale a pena espetar “as bandarilhas da esperança” na fera cavernosa que há tantos anos decide o destino político de Portugal, este regime velho e caduco. Seremos um dia livres, na “Praça da Primavera”.

A poesia do Ary dos Santos, “poeta castrado, não!”, mas engordado e feminino, parece-me por vezes demasiado fácil, demagógica. É inferior a muita outra poesia aparentemente “chata” que se escreve em Portugal, mas a do Ary tem uma vantagem, chega facilmente à compreensão de grande número de pessoas. É importante porque abala as gentes, intervém.


(...) Cufar, 7 de Março de 1974

Neste exacto momento em Portugal, há milhões de pessoas especadas diante do televisor à espera do Festival da Canção.

Aqui na guerra do sul da Guiné, acabou de morrer um homem, outro está moribundo. Oiço o roncar dos motores do Nordatlas que, com a pista iluminada acabou de aterrar e vai levar gente ferida para Bissau.

Lá longe, satisfeitos, os portugueses deliciam-se com melodias, músicas capazes de enternecer uma mula ou um burro. Neste pequeno lugar do mundo, em África, um homem retalhado tem o corpo a arfar nos estertores da morte. Vim há pouco da enfermaria, vi tudo, continuo a ver demais.

Foi em Caboxanque, os nossos vizinhos do outro lado do rio Cumbijã. (...)  Na noite de luar, os barcos sintex trouxeram os feridos para Cufar. Neste momento o Nordatlas levanta de voo levando os homens de Caboxanque para o hospital de Bissau. No rádio, no Festival da Canção, o Artur Garcia canta a “Senhora Dona da Boina”. (...)

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 20 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9511: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (9): Circo... e bombas que não eram de carnaval ... em 1974

Guiné 63/74 - P9530: Parabéns a você (387): Gumerzindo Silva, ex-Soldado Condutor Auto Rodas da CART 3331 (Guiné, 1970/72)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 24 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9529: Parabéns a você (386): Agradecimento e esclarecimento (Fernando Chapouto)

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9529: Parabéns a você (386): Agradecimento e esclarecimento (Fernando Chapouto)


1. O nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp / RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda, enviou-nos em 20 de Fevereiro de 2012 a seguinte mensagem de agradecimento, relativa ao poste P9497 sobre o seu septuagésimo aniversário e um pequeno mas interessante esclarecimento do dia exacto em que nasceu.

Aniversário,

Quero agradecer aos ex-combatentes que me desejaram os parabéns aqui no blogue, no passado dia 17 de Fevereiro.

Para todos eles um forte abraço, extensivo a todos os demais ex-combatentes portugueses.

Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp / RANGER da CCAÇ 1426

2. Aproveito para enviar duas cópias, da Cédula Pessoal e do B.I., para esclarecer as confusões quanto ao dia do meu aniversário. 



Não sei o que se passou, pois sempre me foi dito que nasci a 17 de Fevereiro, como se pode ver na cédula. 

Só quando me preparava para fazer o exame da 4ª Classe, a professora me disse que o meu nome era FERNANDO SILVÉRIO CHAPOUTO e não como eu pensava: FERNANDO RAMOS SILVÉRIO CHAPOUTO. 

Como tinha só 10 anos, quem era eu dizer que não à professora?! 

E só quando tirei o 1º. B.I., para continuar os estudos, é que vi que a data não condizia com a da célula. 

Acreditem que nem os meus familiares sabem do 1 de Março. 

Uma coisa é certa: eu não tive nada a ver com esta confusão.
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Nota de MR:

Vd. também sobre o assunto tratado o poste:



Vd. último poste desta série em:


24 DE FEVEREIRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P9524: Parabéns a você (385): Manuel Henrique Quintas de Pinho, Marinheiro Radiotelegrafista, LDM 301 e LDM 307 (Guiné, 1971/73)


Guiné 63/74 - P9528: Notas de leitura (336): Os Últimos Guerreiros do Império (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Janeiro de 2012:

Queridos amigos,
Recensão obriga a concisão, neste caso lastima-se a exiguidade do espaço porque há conteúdos suculentos, toca-nos o número dos heróis que dá a face pelos heróis que ficam no anonimato. Há heróis que nunca esqueceram os camaradas e a gesta da solidariedade. O importante é saber-se que já se fizeram levantamentos destes heróis e que há outros por fazer, antes que seja tarde ou que se esbata o rigor da mente. Não é de mais salientar que um elevado número destes heróis calcorreou a Guiné.

Um abraço do
Mário


Os últimos guerreiros do Império (2)

Beja Santos

O que é mais significativo nos depoimentos de militares condecorados por feitos de bravura é a desafeição, a ausência de pedantaria, o condicionalismo do ato heroico à equipa. Essa postura é ressaltada em “Os últimos guerreiros do Império” (coordenação de Rui Rodrigues, Editora Eramos, 1995), um registo de testemunhos de alguma gente valorosa. Como é evidente, há quem aproveite para fazer queixas, lamúria política, revelar azedumes. Mas no essencial encontramos ali gemas de exultação de grande camaradagem militar.

O coronel Maurício Saraiva escreve: “Resolvi passar à reforma extraordinária porque, por motivo de lei, não estava apto para todo o serviço. Ora eu perdi uma perna em combate mas não me sentia deficiente ou incapaz – um homem só fica incapaz quando perde a cabeça e eu não a perdi. Pedir a reforma custou-me bastante”. Esteve na Guiné em 1964, participou na operação Tridente, não esqueceu o Furriel Miranda, o 1º Cabo Cruz, o 1º Cabo Marcelino da Mata e o 1º Cabo Jamanca. Desembarcaram no Como sem problemas e depois veio a maré cheia, tiveram que ir fazer trincheiras mais adiante. Fez operações conjuntas com os Fuzileiros de Alpoim Calvão e com os paraquedistas. Foi depois desta operação que começou a formação dos Comandos. Diz o seguinte: “Constituímos três grupos: os Fantasmas era o meu, os Camaleões era o do Alferes Godinho e os Panteras era o do Alferes Pombo. Para mim, como para todos esses homens, foi uma autêntica honra termos sido os primeiros Comandos da Guiné. Um comandante não é ninguém sem os seus soldados. Eu tive muita vaidade nos meus soldados. E o que eu fui, foi à custa deles, com eles e por eles. Não vou referir atos isolados. Houve coisas que se passaram e que me deram condecorações e promoções por distinção; tudo isto se deve ao trabalho de um conjunto e ao verdadeiro espírito de equipa”. Só abre exceção para contar uma história que viveu na Ilha do Como. Na contagem dos militares, na hora do regresso, faltavam dois soldados. “Resolvi voltar à mata para ir buscar os soldados que faltavam. Levei comigo dois soldados, um meu e outro fuzileiro. Ao cruzar a clareira, foi um fogo infernal, mas lá conseguimos chegar à mata. O primeiro soldado que vimos estava morto. Trouxemo-lo até aos morros da baga-baga. Fomos outra vez ao outro lado e encontrámos um ferido. Era um homem enorme, um militar chamado Palha. Estava ferido na coluna e ficou paraplégico. Transportámo-lo até aos morros. Um morto transporta-se de qualquer maneira, mas um ferido é muito difícil. Uns anos depois, já eu tinha sido ferido em Moçambique, estava no Hospital Militar a fazer a barba, o homem não quis receber, eu insisti em pagar e ele disse-me que um dia eu tinha salvo a vida do sobrinho na Guiné, chamado Palha”.

Não menos tocante é a história que nos conta o Tenente-Coronel Nogueira Ribeiro esteve na Guiné de 1963 a 1966. Descreve o relevo, o fluxo das marés e o caminhar no tarrafo: “Andámos por ali enterrados no lodo até que nos apareceu um riacho cheio, havia que o transpor. A largura seria de 4 ou 5 metros e a profundidade cobria um homem de altura mediana. Quando chegou a minha vez, lancei-me, mas, devido ao cansaço e ao peso que transportava, quase fui ao fundo (meço 1,70 metros). A situação estava complicada e já me preparava para aligeirar a carga quando me sinto içado pela gola do dólman-camuflado e quase conduzido para a margem. Quem me auxiliou foi o Soldado 38, um felupe de quase dois metros: - Nosso Alfere não pode morrer, senão nosso ficar órfão. Era prática quase corrente que os comandantes tivessem um guarda-costas. Nunca quis nenhum, mas em operações anteriores reparei várias vezes que o 38, sem ninguém lhe dar ordem, assumiu-se como tal. 30 anos depois, não sei se está vivo, mas gostava de o reencontrar. Bem-hajas, 38!”.

O General Almeida Bruno realça a operação mais importante que comandou, a Ametista Real, comandava o Batalhão de Comandos Africanos, a operação destinava-se a aliviar a pressão sobre Guidage que estava isolada por terra, era impossível o reabastecimento aéreo e evacuação dos feridos. Dá conta do resultado: “O inimigo sofreu 67 mortos. As nossas tropas 14 mortos (dos quais dois alferes), onze desaparecidos, mais tarde confirmados como mortos e houve 23 feridos graves. Ao inimigo foram destruídos 22 depósitos de material de guerra”. E declara mais adiante: “Não posso nem quero deixar de dizer uma palavra sobre o que foi o destino desses homens do Batalhão de Comandos Africanos. Em 1974 estive em Londres, o Dr. Mário Soares, o Dr. Almeida Santos e com o Prof. Jorge Campinos, a negociar com o PAIGC, representado por Pedro Pires e pelo Dr. José Araújo. As indicações que levava do General Spínola eram muito claras e eram as mesmas que tinham recebido, na Guiné, o Major Carlos Fabião: aceitação pelo PAIGC de que ninguém tocava nos africanos, não só nos oficiais e sargentos do Batalhão de Comandos como nos Comandantes das Milícias. Nas nossas conversas com o PAIGC ficou sempre assente que haveria uma integração desse pessoal. Não foi isso o que o PAIGC fez. O PAIGC fuzilou barbaramente a maioria dos meus oficiais do Batalhão de Comandos”.

Marcelino da Mata é um militar que não precisa de apresentações. Tirou o curso de Comandos que foi dirigido por Maurício Saraiva. O seu relato é sempre baseado nas suas façanhas. Ganhou a Torre e Espada numa operação ocorrida em 1967: “O Comandante chamou-me e contou-me que a Companhia do Capitão Caraça, que estava a fazer operações de patrulhamento na zona da fronteira fora toda apanhada à mão pelo PAIGC na véspera – 150 homens apanhados à mão! – e que eu tinha de lá ir buscá-los. Fomos 19 homens todos muito armados, menos eu, que ia vestido com uma tanga igual às que os senegaleses usam naquela zona. Entrei na vila, cheguei perto do arame farpado do quartel senegalês e vi os nossos homens todos sentados na parada, só em cuecas. Atirei uma granada ofensiva para o meio da parada e na confusão conseguimos tirar os nossos de lá todos. A tropa senegalesa fugiu rapidamente, mas o PAIGC vinha atrás de nós. Iam nove do meu grupo à frente a escoltar os nossos e dez atrás a aguentar o tiro do inimigo – foi assim até à fronteira e ainda eram mais de 40 quilómetros”. Não esconde a sua deceção com os acontecimentos do 25 de Abril: “Quando se deu o 25 de Abril a situação na Guiné estava controlada por nós. Eu dava a volta a toda a Guiné. Só faltava destruir a base do PAIGC de Kadiaf, porque a de Fulamore já o tinha sido, e no dia 25 de Abril eu estava nessa base que se situava em território da Guiné-Conacri. Quando chegámos a Quêpe, o 2º Comandante da Unidade local informou-me que a guerra tinha acabado. Ao almoço o rádio disse que havia cessar-fogo. No dia seguinte fui atacar Kadiaf”. Ele descreve a situação da Guiné da seguinte maneira: “Havia 60 mil tropas brancos e 40 mil africanos. Só havia mil operacionais. Quem fazia operações eram os Fuzileiros Especiais, os Comandos Africanos e os Pára-quedistas. Em cada destacamento em que havia uma Companhia branca havia 45 milícias. Nos sítios onde a tropa branca não metia o nariz, eram eles quem ia… Na Guiné havia 23 Companhias de Caçadores Especiais só de africanos e no fim, quando as Companhias de brancos se vinham embora, eram substituídas por pretos. Muitos brancos iam daqui já politizados e por isso não queriam fazer operações, só disparavam se eram atacados; a maioria dos capitães milicianos que ia para a Guiné, no fim, eram comunistas”.

São relatos cintilantes, alguns, outros de grande vibração interior e há até quem explique, uma a uma, as condecorações que recebeu. São testemunhos que não podem ser ignorados pelos historiadores.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 20 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9508: Notas de leitura (335): Os Últimos Guerreiros do Império (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P9527: FAP (65): Mísseis Strela, a viragem na guerra... (António J. Pereira da Costa)

A Viragem na Guerra

Por António José Pereira da Costa*
Coronel de Art.ª na reserva, na efectividade de serviço, ex-Alferes de Art.ª na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69 e ex-Capitão de Art.ª e CMDT da CART 3494/BART 3873, Mansabá, Xime e Mansambo, 1972/74

A revista "Mais Alto"** não veicula necessariamente a opinião, a doutrina ou o pensamento da Força Aérea, mas as opiniões que nela se contêm – da responsabilidade exclusiva dos seus autores – não divergem muito e, decerto, não contradizem as posições da FAP sobre as diferentes matérias. O tema da utilização dos mísseis portáteis Strela por parte dos guerrilheiros do PAIGC, analisado nas revistas n.º 392 e 393, pelo Dr. José Manuel Correia, merece algumas reflexões, já que esclarece, de um modo claro, o que sucedeu e como a FAP lidou com a nova situação.

Vejamos a perspectiva de um não-voador.

Sabemos que a introdução de uma dada arma pode modificar o curso de uma guerra, especialmente se apenas um dos beligerantes a possuir. Tal circunstância deve-se, essencialmente, ao facto de essa arma conferir a quem a possui uma nítida vantagem sobre o opositor ou anular uma vantagem de que este tenha vindo a dispor até então.

Desde o início da guerra que o apoio prestado pela FAP apenas conhecia como limites a sua disponibilidade em meios humanos e/ou materiais ou, como muitas vezes sucedeu, as condições meteorológicas. Na Guiné, o apoio aéreo nas suas diferentes modalidades, era fundamental e, muitas vezes, taticamente decisivo. Por outro lado, a capacidade de as aeronaves detectarem o inimigo e poderem atacá-lo, de imediato ou depois de um reconhecimento fotográfico, ficou bem marcada, durante o ano de 1968, quando surgiram as primeiras armas antiaéreas, mais exactamente no Quitafine, que o inimigo já anunciava como "zona libertada”.

Os guerrilheiros usavam então metralhadoras múltiplas ZPU 14,5mm, instaladas em espaldões em forma de caracol. Nesse ano, foi atingido com fogo antiaéreo o comandante do Grupo Operacional da BA 12, Tenente-Coronel Costa Gomes, que saltou em pára-quedas e foi recolhido perto da Aldeia Formosa. Fiquei com a impressão – por ter ouvido as comunicações rádio – de que armas antiaéreas eram atacadas e destruídas uma a uma, pelo então Capitão Jesus Vasquez e cheguei a ver as fotos antes e depois do ataque, a uma delas.

O inimigo não tinha conseguido, mesmo num dos seus santuários, superiorizar-se à ofensiva da FAP, através de uma postura primordialmente defensiva. Claro que não seria de supor que desistisse de neutralizar o meio ofensivo que “fazia a diferença”. A precisão e capacidade destrutiva da arma aérea era muito superior às da artilharia, já que esta, mesmo regulada com observação aérea, estava depois, no momento de prestar o seu apoio, completamente cega e fazia tiro, raramente com regulação terrestre ou em tiros pré-calculados para locais onde, “provavelmente”, os guerrilheiros se haviam instalado para combater ou se supunha que pudessem vir a fazê-lo.

Além disso, a regulação do tiro com observação aérea, de modo a levá-lo a um objectivo que eventualmente se revelasse não era prática corrente, nem seria muito eficaz, a menos que se pretendesse bater um objectivo de certas dimensões e com pouca possibilidade de mudar de posição, enquanto estivesse a ser atacado.

Se as metralhadoras antiaéreas, pela sua pouca mobilidade, eram armas essencialmente defensivas, os mísseis portáteis, de guiamento passivo, tinham características que permitiam ao PAIGC passar à ofensiva. O Strela era um míssil portátil, podendo por isso acompanhar qualquer grupo de guerrilheiros em deslocamento apeado, de manejo fácil e quase intuitivo, por combatentes pouco letrados e que não necessitava de qualquer acção depois do disparo. Esta circunstância poderá, de certo modo, explicar o relativamente baixo rendimento tirado do Strela (36 disparos para atingir 6 aviões) e o facto de os primeiros dois disparos terem tido origem junto à fronteira Norte faz supor que tenham sido levados a cabo por conselheiros estrangeiros.

Há, porém, um aspecto do problema que não pode ser negligenciado. É que, tal como sucede na luta entre os anticarro e as viaturas blindadas, uma das armas, relativamente barata e fácil de produzir, destrói ou põem fora de combate uma outra mais cara e difícil de substituir. E que dizer dos homens que operam as armas?

No caso em apreço, um guerrilheiro decidido e moralizado, embora quase analfabeto, só teve que aprender a usar uma arma feita de acordo com as suas características psicofísicas, para com ela destruir uma máquina caríssima – no nosso caso “paga a peso de ouro” – de produção lenta e, principalmente, operada por um técnico cuja formação e evolução técnica-literária é muito considerável e obtida através de um demorado processo de formação. Estamos também perante uma vantagem que os guerrilheiros conseguiram obter com relativa facilidade e, como habitualmente, a custo zero.

A reacção da FAP não poderia ser muito diferente da que foi, quer a nível TO, quer a nível nacional, embora se soubesse que a hipótese que acabava de se materializar sempre fora de considerar, dada a facilidade com que o PAIGC se armava e reabastecia de armamento e munições.

Uma análise detalhada das medidas tomadas pela ZACVG, no que respeita ao apoio aéreo próximo às forças terrestre, e um pequeno esforço de memória para quem estava no terreno, naquele ano, leva à conclusão de que o apoio proporcionado pelos aviões T6 desapareceu completamente e o apoio por FIAT G91 ficou reduzido a acções sobre o In bem referenciado com granadas de fumos de morteiro. Sabemos bem que a acção dos primeiros, pela sua precisão e possibilidade de permanência à vertical da força apoiada era muito determinante. Havia até quem os preferisse aos segundos. É relativamente fácil a uma força em contacto próximo com inimigo sinalizá-lo. Todavia, o apoio terá de ser muito preciso e imediato, de forma a materializar a superioridade táctica, sem perigo para a unidade apoiada. Não é possível que a intervenção dos aviões seja imediata e o tempo que medeia entre o pedido de apoio e a chegada dos meios aéreos ao local é sempre “demasiado longo”.

Por vezes tão longo, que os guerrilheiros, no seu procedimento habitual, já abandonaram o local da refrega, cabendo apenas aos aviões uma acção de retaliação realizada sobre algo que, a 2.000 de altitude, se resume ao fumo de umas granadas lançadas com muita estimativa e pouca precisão. As acções de reconhecimento visual desapareceram e o reconhecimento fotográfico, já de si raro, também. Desse modo, a possibilidade se irem colectando informações sobre as posições inimigas anulou-se. Também no âmbito das acções de reabastecimento, transporte e evacuação, com a “interdição de inúmeras pistas ao DO 27” e as outras restrições adoptadas, a situação geral piorou, ficando as guarnições dispersas pelo TO reduzidas aos seus meios auto para estes tipos de actividade.

As forças terrestres ficaram assim a dispor de um apoio aéreo muito reduzido, não só em quantidade, mas também, em qualidade, o que só poderia ter más consequências no moral das tropas. Como será fácil de adivinhar, começou a ser sentido um certo isolamento – real ou psicológico – em certas guarnições, formando-se a ideia de que cada uma estava, cada vez mais, dependente das suas capacidades.

Em resumo poderemos dizer que o aparecimento dos mísseis Strela, na Guiné, constituiu uma conquista decisiva para o PAIGC e a perda de um apoio essencial para as forças terrestres especialmente para as unidades do Exército dispersas no interior do TO. Não haja dúvidas de que “a sobrevivência militar da província depende(ia) e assenta(va) na Força Aérea” como dizia, então, o comandante da ZACV.

O passo seguinte seria algo que se previa, também de há muito: o “fornecimento” de aviões MIG 17 ao PAIGC, operados por pilotos estrangeiros. Nunca chegou a ser dado, mas o “número de sobrevoos não autorizados” não parava de subir, em todos os documentos de informações recebidos nas unidades e não nos esqueçamos do Antonov que apodrecia na placa da BA 12, com os distintivos da Guiné Conacri (que nunca o reconheceu como seu) depois de ter aterrado, por engano, em território da Guiné Bissau.

A BA 12 era particularmente vulnerável a um ataque aéreo com consequências imprevisíveis, especialmente se a unidade não conseguisse reagir projectando força contra o atacante. E se fossem as instalações portuárias onde podemos incluir as da SACOR? E se no momento do ataque estivesse um navio a desembarcar ou a embarcar tropas? Estes dois objectivos eram extremamente sensíveis e estavam desprotegidos, mas se o inimigo pretendesse apenas “causar um problema” poderia atacar uma guarnição militar de média envergadura, não muito longe da fronteira. Com aviões “descaracterizados” ou arvorando os símbolos do PAIGC estaria criada uma situação em que só restava retaliar.

É sabido que em sociologia, leia-se guerra (subversiva), não à há “ses”. Todavia, esta última hipótese não se concretizou, mas, num conflito velho de 13 anos, será que a deveríamos descartar? Por mim creio que perdemos 9 homens e 5 aparelhos em 10 dias, por termos subestimado a possibilidade de o inimigo poder obter e utilizar a arma decisiva e assim virar uma página no conflito.
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Notas de CV:

(*) Vd, poste de 11 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8888: Filhos do vento (9): Tenho por mim que são mais as vozes que as nozes (António Costa)

(**) Vd. postes de:

22 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8806: Recortes de imprensa (48): Strela, a ameaça ao domínio dos céus do ultramar português - Revista da FAP, Mais Alto, n.º 392 , Jul / Ago 2011

16 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8912: Recortes de imprensa (51): Strela, a ameaça ao domínio dos céus do ultramar português - II Parte - Revista da FAP, Mais Alto, n.º 393 , Set / Out 2011
e
25 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8945: (Ex)citações (152): Strela, a ameaça ao domínio dos céus do ultramar português - Apreciação de António Martins de Matos ex-Ten Pilav, Bissalanca, 1972/74

Vd. último poste da série de 16 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8111: FAP (65): Falando do nosso destacamento em Nova Lamego (Gil Moutinho)

Guiné 63/74 - P9526: As novas milícias de Spínola & Fabião (1): excerto do depoimento, de 2002, do Cor Inf Carlos Fabião (1930-2006), no âmbito dos Estudos Gerais da Arrábida (Arquivo de História Social, ICS/UL - Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa)




A nova força africana... O major Fabião, na altura (1971/73) comandante do Comando Geral de Milícias, e o gen Spínola, passando revista a uma formatura de novos milícias.


In: Afonso, A., e Matos Gomes, C. - Guerra colonial: Angol,a Guiné, Moçambique. Lisboa: Diário de Notícias, s/d. , pp. 332 e 335. Autores das fotos: desconhecidos. (Reproduzidas com a devida vénia).




1. Vários camaradas nossos , que estiveram na zona leste como alferes milicianos (estou-me a lembrar do Paulo Santiago, do Luís Dias, do J.L. Vacas de Carvalho...) participaram ativamente na formação das novas milícias criadas no tempo do Gen Spínola, integrando a "nova força africana". 

Carlos Fabião (1930-2006) terá sido o pai do novo corpo de milícias, na sua 3ª comissão de serviço no CTIG (abril de 1971-abril de 1973). No depoimento que prestou no âmbito dos Estudos Gerais da Arrábida (A descolonização portuguesa > Guiné > Depoimento do Coronel Fabião, 11 de abril de 2002), a criação das novas milícias é abordado com algum detalhe. 


Muitos de nós (, foi o meu caso do leste,) convivemos com estes homens que tiveram um papel ativo na guerra, não só defendendo as suas tabancas como participando, integradas no nosso exército, em colunas logísticas, nas picagens de itinerários, fazendo segurança e montando emboscadas, servindo de guias, bem como também acompanhando-nos em patrulhamentos ofensivos. 


Com a devida vénia ao valioso Arquivo de História Social do ICS - Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, publicamos alguns excertos do Cor Carlos Fabião, que a morte levou prematuramente aos 76 anos. Os parênteses retos são da responsabilidade dos editores do portal (ICS/UL); os parênteses curvos são nossos.


Mas também há o outro lado, perverso, da militarização da Guiné, tanto por nossa parte como por parte do PAIGC. G3 e Simonov estavam distribuídos a todos os elementos válidos da população da Guiné, no meu tempo (1969/71). Houve, por  certo, consequências a nível, não apenas militar, mas também económico, social, cultural e político, decorrentes da militarização da população guineense... O depoimento de Fabião também é interessante por isso.


Recorde-se entretanto alguns dados estatísticos sobre a população da Guiné em 1960 e 1970:


(i) População da Guiné: 519 mil (1960); 487,5 mil (1970).
(ii) Principais grupos etnicolinguísticos: balantas (30%), fulas (20); manjacos (14%) e mandingas (12,5%). Os brancos e os mestiços somavam apenas 3000 e 5500, respetivamente em 1960 e 1970.
(iii) População fora controlo das NT (segundo estimativa das autoridades militares, em 1971): 160 mil: (a) 60 mil no Senegal; (b) 20 mil na Guiné-Conacri; (c) 80 mil no interior do TO da Guiné nas regiões sob controlo do PAIGC… [No setor L1 - Bambadinca, a proporção seria de 1 para 3: 5 mil,  balantas, beafadas e mandingas, do lado do PAIGC; 15 mil, sobretudo fulás, mas também balantas e mandingas, do nosso lado].


 Fonte: Guerra Colonial (1961/74) [, em linha,]> Estatísticas > Teatro de Operações: Guiné. [Consult em 24/2/2012. Disponível em: http://www.guerracolonial.org/graphics_detail?category=10.



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(…) Manuel de Lucena: O senhor coronel, a certa altura, falou nas «minhas milícias». Pôs-me a pensar se há algo em relação às milícias.


Coronel Fabião: Fui eu que as organizei e que as criei, digamos assim. Havia milícias, mas o Spínola, a certa altura, quis … Como disse há bocado, a maioria dos nossos camaradas, dos meus camaradas, a concepção que tinham de guerra era fazer a vontade ao António [Salazar] e repor a situação na mesma. Conclusão: aquilo não dava, realmente não dava. E era costume, quando uma tropa era rendida, fazer um discurso que terminava dizendo: «missão cumprida». Quando chegou lá o Schulz, ao primeiro que diz «missão cumprida», ele pergunta: «O senhor cumpriu alguma missão?» E dá um balde ao homem … Mais ninguém disse que cumpriu a missão.


Luís Salgado de Matos: Foi o Schulz que disse isso?


Coronel Fabião: Não! O Spínola. Tem graça. No meio dessas coisas todas, eu era um dos meninos bonitos do Schultz e passei por o único que saiu incólume do Spínola.


Manuel de Lucena: Voltando às milícias, como é que as organizou? Quem eram exactamente?


Coronel Fabião: A concepção do Spínola era esta: as milícias tinham que ter uma ligação às populações a que pertenciam. Milícias, misturadas com tropa, para ele não dava. Portanto, a concepção de milícia era diferente de tropa. A milícia era o homem duplamente empregue como guerreiro e como economista.


Manuel de Lucena: Administrador?


Coronel Fabião: Não, era o homem que defendia a tabanca e a aldeia e aquilo tudo e, ao mesmo tempo, nas horas vagas, produzia. Era lavrador, camponês, portanto, era um homem com dupla função: combatente e colono, para o desenvolvimento da terra. Viviam lá nas suas aldeias e defendiam-nas quando o inimigo atacava.


Manuel de Lucena: O inimigo atacava muito as aldeias?


Coronel Fabião: Um bocado.


Manuel de Lucena: Mas como represália por não serem seus partidários?


Coronel Fabião: Eu aí teria de estar a falar um bocado sem ter assente. Eu penso que eles se ligavam a nós e estavam connosco por uma razão muito simples. Naquele tempo a força estava connosco, o poder económico estava connosco. Quer dizer, eu nunca tive dificuldades de recrutar gente, recrutava a que quisesse. Por uma razão muito simples, é que o pouco que lhes pagava (e era pouco relativamente, eram 700$00 por mês a cada um) era suficiente para eles viverem.

Um dos falhanços do Spínola (falhanço relativo), foi que as milícias passaram a viver como combatentes. Irem com a enxada para o campo, não foram realmente, não precisavam. As mulheres deles ganhavam muitíssimo bem, muito mais que eles, porque eram as lavadeiras dos soldados. Cada um de nós tinha a sua lavadeira, para alguns a lavadeira tinha vários empregos e esse dinheiro da lavadeira e o dinheiro deles como milícias dava para viver com um nível de vida que nunca tinham tido, imagino eu. Portanto, quando o PAIGC ia lá cheirar, ia prejudicar… E eles defendiam-se bem.


(…)Manuel de Lucena: Milícias, em 1971? Mas em 1968-1970 também já tinha tido algum trabalho com milícias, ou não?


Coronel Fabião: Não, andavam por lá, desgarradas.


Manuel de Lucena: O Spínola só em 1971 é que lançou a sério as milícias?


Coronel Fabião: Porque depois ele passou a fazer isto: eu arranjava-lhe aquela tropa, que era uma tropa fandanga, realmente era. E […] aqui está um outro grande triunfo do Spínola. O Spínola vai buscar milícias que fundou e vai com elas ocupar postos que estão ocupados pelo Exército português. Os pontos mais sensíveis estão ocupados pelo Exército português. Ele diz-me: «Vê se consegues arranjar milícias para […].» E assim aconteceu de facto. Eu consegui, realmente, arranjar tropas e as unidades de milícias passaram a ir ocupar os postos do Exército português. […] e assim ele conseguiu fazer uma arrancada no Sul e reocupar algumas áreas. Mas nessa altura já a gente sabia que estava tudo perdido, porque já o Marcello tinha dito que não.


Luís Salgado de Matos: Já havia tropas de milícias antes dessas?


Coronel Fabião: Com certeza que havia.


Luís Salgado Matos: Há alguma relação entre as suas milícias e as milícias anteriores?


Coronel Fabião: Foram incorporadas as anteriores nas novas […].


Luís Salgado de Matos: E as antigas milícias adaptaram-se bem ao novo [sistema]?


Coronel Fabião: Adaptaram. O velho era praticamente só de fulas. A Guiné foi pacificada em 1914, 1915, e as tropas utilizadas foram milícias fulas. Eu ainda falei com alguns combatentes fulas de 1914 e eles diziam: «É a velha filosofia da caminheira, não tem que saber». Eles, quando havia um levantamento ou uma guerra a fazer, vinham duas caminheiras [camionetas], uma só para mandingas e outra para [fulas?]. Há um termo qualquer que significa «banda», ou coisa do género. Metiam os fulas lá para dentro, eles vinham por ali acima e eram despejados já na área que estava revoltada e faziam eles a guerra.

Essa gente ainda existia algures. Nós o que quisemos foi fazer isso com balantas, mandingas e outros que não tinham nada a ver connosco […]. Aceitaram ser integrados, e foram muito bem.


(…) Luís Salgado de Matos: Voltando um bocadinho atrás, às novas companhias de milícias africanas. Eles viviam isolados? Numa dada aldeia, havia uma secção, havia um grupo, havia só um? Como é que era a organização. E como é que era a cadeia de comando militar, digamos, para eles?


Coronel Fabião: A cadeia de comando deles era um grupo, uma companhia e chega. Em cada aldeia havia, em princípio, um grupo de milícias. Quando a situação era muito má, pedia-se uma companhia de milícias. Quem comandava o grupo era o comandante militar da área, quem comandava a companhia era o comandante da companhia. Na parte final, a certa altura, começámos a ter uns rendimentos tão grandes, digamos, uma série de resultados tão bons, que o Spínola criou grupos especiais de milícias, poucos, três ou quatro, que fizeram um jeitão.


Luís Salgado de Matos: O que eram esses grupos especiais de milícias?


Coronel Fabião: Eram as milícias vulgares de Lineu, simplesmente não tinham outra função, nem de tomar conta da tabanca, nem de plantar a terra. Estavam ali para fazer golpes de mão, assaltos, coisas desse estilo.


Luís Salgado de Matos: Porque é que fixaram os salários dos milícias em 700$00? Era uma enormidade, para a época. Um professor de liceu, na altura, ganhava 900$00, quando começava cá em Portugal. 700$00 não era nada mau. Quem é que teve a ideia dos 700$00?


Coronel Fabião: Isso eu não sei dizer. Não faço a mínima ideia. Eu pensava que era pouco, está a ver.


Luís Salgado de Matos: Pode ser o meu lado financeiro; eu acho que os ordenados são sempre muito altos.
(…)


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Nota de L.G.: Os parênteses retos são da responsabilidade dos editores do Arquivo de História Social. Os parênteses curvos são nossos. As respostas de Carlos Fabião vêm a itálico. As perguntas dos entrevistadores, a negrito. Corrigimos o apelido Schulz (e não Schultz).