1. Mensagem do nosso camarada Mário
Vitorino Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé,
1967/68), com data de 30 de Abril:
Cara Camarada Gigelda e todas as Enfermeiras Paraquedistas:
Tive sempre enorme admiração pelas nossas Enfermeiras Paraquedistas. Como costumo dizer as Mulheres de “M”, Mulher-Mãe; Mulher-Esposa; Mulher-Noiva; Mulher-Namorada; Mulher-Irmã; Mulher-Madrinha de Guerra e Mulher-Enfermeira.
Penso que a Mulher-Enfermeira deveria ter uma outra atenção por parte do poder político.
Aproveito a oportunidade e presto a minha humilde HOMENAGEM À NOSSA CAMARADA GISELDA PESSOA E A TODAS AS NOSSAS AMIGAS ENFERMEIRA PARAQUEDISTAS.
Mário Vitorino Gaspar
No Capítulo 15 do Meu Livro “O Corredor da Morte”, consta a determinado momento:
“Dia 15 de Janeiro de 1968 (…), tinha sido chamado na véspera ao capitão que considerou a utilidade de irmos buscar o correio a Sangonhá, assim patrulharíamos a zona. (…).
As tabancas alinhavam-se à direita. Aproximavam -se os Soldados Nativos e as Praças “U”.
Dei um nó no lenço que colocara ao pescoço. Um lenço de seda que me dera a minha namorada quando estivera de licença em Portugal. Era também “ronco”, como lhe chamavam os nativos.
O cabelo estava demasiado comprido. Gostava assim. Além disso, a barba. Há quantos dias que não a fazia.
O camuflado, uma miséria, parecia que velhice o engolia aos poucos.
Tinha que me confundir com os negros no mato. Assemelhava-me, talvez.
Com o pessoal todo preparado, encaminhámos os nossos passos para a “porta de armas”, se é que poderíamos chamar àquilo tal nome. Seriam duas secções e os Caçadores Nativos e as Praças “U”. O total seria de uns quarenta homens. Não ia qualquer Oficial, seria eu a comandar.
Logo que passada a porta de armas, ficámos automaticamente com as distâncias controladas. Nunca íamos a monte, nem sequer era necessário dizer-se.
As picas avançavam ao solo, massacrando-o com ato delicioso. Os arames rompiam pela terra. O trilho estava seco. A pica chocava no terreno, procurando um objecto que impedisse a perfuração. Eram as “carícias” daqueles arames de ferro, instrumentos improvisados. Eram sem dúvida nenhuma os melhores detectores de engenhos explosivos.
À frente ia o guia, logo a seguir, a uma distância de sete ou oito metros, um soldado. Separava-nos por volta dos sete metros da frente para trás. À esquerda e à direita. Todos a picar. Eu seguia o guia, Praça “U”, que picava, com uma certa minúcia.
Tinha notado, já há algum tempo, que dois soldados que iam à minha frente depois de eu recuar, mais parecia quererem brincadeira. Algo de estranho se passava entre os dois. Saltei para a berma direita, colocando-me entre os dois fiz sinal para terem cuidado. Mudei-me logo para de trás dos dois soldados e continuei a picar.
No meio daquele silêncio profundo, senti um frio percorrer-me o corpo. O cérebro, a espaços, estagnara oco. Nem o vento, as folhas ou viva força da natureza.
- Vamos a ter cuidado - disse-lhe em voz baixa - é picar como deve ser.
Olharam-me, quase como envergonhados, sorrindo de seguida. Transportava, como todos, a G3 sobre o ombro esquerdo, enquanto a mão direita segurava a pica. As Praças “U” e os Caçadores Nativos batiam com a pica na terra que parecia ser acarinhada pelo arame.
Continuei a avisar os dois soldados que me antecediam. Afastei-me para a berma contrária. O silêncio preocupava-me.
Olhei para trás.
Estavam algo eufóricos. Desconhecia o motivo de tal. Seria a correspondência? Não sabia explicar. A verdade é que a alegria é contagiante.
Estávamos na guerra, ali não havia espaço nem tempo para a nostalgia daquelas paragens sufocantes e doentias. O meu lenço de seda estava encharcado em suor. Coloquei o nó mais à frente. Notava a anormalidade de comportamento nos dois soldados da minha secção, colocados na berma do lado direito.
A uns vinte metros à frente, do mesmo lado, o guia parou por instantes, enquanto picava. Os dois soldados seguiam-no, ouvindo aquilo que a Praça “U”, transmitira baixo.
O soldado que vai à minha frente espeta a pica, com raiva. Um estoiro. Um rebentamento forte.
O guia foge para a frente. Apontei-lhe a G3, não sabendo explicar tal acto.
- Alto! – Gritei-lhe – Para aqui já!
O militar negro parou e aproximou-se de nós. Num ápice todos se lançaram para a berma. Era o conhecimento prático, os ensinamentos daquela guerra de guerrilha. O guia estava entre nós.
- Mina! – Gritou o soldado que vinha na minha retaguarda, respirando fundo.
Eu era o único que continuava de pé. Rebentando mina, armadilho ou fornilho, acontecia haver uma forte probabilidade de emboscada. De pé e o coração rompia do peito martelando-o, mas como sempre, mais lúcido, uma lucidez difícil de explicar. Numa fracção de segundo. Mais calmo que anteriormente. Também não entendo. A serenidade fazia parte integrante do “eu”. Era talvez como se tivesse ingerido um calmante. O cérebro respondia na íntegra. Deixei de tremer. Transformara-me como por milagre, num ser diferente.
Ouvi gritos que penetravam não só nos ouvidos, mas também no corpo e no espírito. Excluindo eu e o guia todos tinham sido atingidos pela mina. A minha experiência como especialista de explosivos, minas e armadilhas dizia-me que era, mais uma vez, uma PMD 6, vulgarmente conhecida por “saboneteira”. Uma antipessoal, que possuía mais o efeito psicológico.
O que parecia estar pior era o soldado que ia à minha frente, com o rosto menino, coberto de sangue. Fechava os olhos. O camuflado estava repleto de estilhaços e também de sangue que haviam atingido também o rosto, na zona da vista. Sofria. Aquele sangue do corpo jovem molhava o trapo.
O outro que o seguia era quase o vivo espelho do primeiro, com mais estilhaços talvez. Continuava a não entender porque teria picado com tanta violência. Quereria matar a mina? Gritei para o radiotelegrafista, depois de pedir a um soldado que o chamasse:
- Aqui já! - Fiz sinal ao condutor para virar a viatura.
- Informe Gadamael Porto que temos evacuações para fazer, umas seis ou sete.
Disse ao radiotelegrafista com calma: - Não é grave!
A GMC tinha já dado a volta. Havia que evacuar os feridos. O soldado que tinha sido atingido no rosto, desabafou, com dores:
- Estou cego, cego..., não vejo nada, merda. Estes filhos de uma puta nem nos deixam ir buscar o correio!
Não via as lágrimas, elas agarravam-se ao sangue que continuava a correr do seu rosto.
- Calma rapaz, vamos para Gadamael, não fazemos aqui nada, as evacuações não podem ser feitas daqui! – Disse eu.
Aproximei-me dos feridos. Um gemia em tom demasiado baixo:
- É pá como vai isso? – Perguntei-lhe sorridente, pretendo incutir-lhe a calma e fé que necessitava, enquanto pedia ao telegrafista que pedisse as evacuações.
- Sinto picadas nas pernas. São os mosquitos todos da Guiné que me chupam o sangue – respondeu.
O sangue manchava os camuflados. Julgava serem os três únicos que necessitavam de evacuação, muito embora outros tivessem sido atingidos. A mina era de fraca potência. Feita de madeira, com algum arame. Disse para o condutor:
- É a abrir sempre até Gadamael, não é necessário picar... – Disse-lhe em altos berros.
Logo que arrumados na caixa da GMC, a mesma arrancou, com sete feridos e mais quatros homens. Uma secção de Ganturé, chegava com três viaturas. Subimos todos e com alguma velocidade, chegámos ao cruzamento. A secção de Ganturé saiu e continuámos até Gadamael Porto. Não era necessário picar. Gadamael estava à vista. Já se viam os militares da nossa companhia de calções e tronco nu.
A GMC estava junto daquilo a que chamavam pista. Todos aqueles a evacuar estavam deitados em macas.
O furriel enfermeiro e o auxiliar enfermeiro encontravam-se junto dando o apoio, limpando os ferimentos e retirando os camuflados.
O primeiro soldado atingido, e o que estava em situação mais grave, estava mais sereno. Aproximei-me, eram cinco corpos.
Um murmúrio aqui, outro acolá, nasciam das gargantas daqueles jovens, mas homens de verdade. Homens com um “H” grande.
Ouvia-se o roncar dos helicópteros. Eram dois.
O meu cabelo comprido foi sacudido pelo ar em movimento. Vento.
O capitão estava junto do primeiro helicóptero. Desceu a enfermeira paraquedista de calça camuflada e camisola de um branco lavado. Sobressaíam uns seios rígidos. A enfermeira era de cor branca. A única branca naquele local afastado da civilização. Uma mulher branca, era impensável. Bem torneada!
Aproximou-se das macas, balanceando as ancas.
- Como está? – Perguntou ao soldado que tinha sido atingido na vista.
- Está bem?
- É muito boa! – Respondeu rapidamente o soldado.
Via-se um sorriso naquele homem. Já havia ganho esse estatuto há algum tempo.
O capitão, referiu:
- Não ligue, ele não sabe aquilo que diz!
- Já estou habituada! – Respondeu a enfermeira com um sorriso.
Os helicópteros levantaram dos torrões da pista e desapareceram no horizonte”.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 30de Abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14545: Bibliografia de uma guerra (71): E agora? O que é que vou fazer?, do livro "Guerra na Bolanha", de Francisco Henriques da Silva, Âncora Editora, Lisboa, Março de 2015
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quinta-feira, 30 de abril de 2015
Guiné 63/74 - P14547: Convívios (671): CCAÇ 1439 (Enxalé, Missirá e Portogole, 1965/67) + Pel Caç Nat 52 e 54... Caldas da Raínha, dia 9 de maio de 2015... Inscrições até este fim de semana... (Maria Helena Carvalho, filha do Pereira do Enxalé / Henrique Matos, ex-alf mil, cmdt, Pel Caç Nat 52, 1966/68)
Crachá da CCAÇ 1439, "Bravos, avante" (Enxalé, Missirá e Portogole, 1965/67)
1. Da nossa amiga Maria Helena Carvalho, filha do Pereira do Enxalé, localidade onde nasceu e da qual guarda recordações muito fortes da infância, recebemos a seguinte mensagem:
Assunto - 24º encontro anual da CCAÇ 1439 + Pel Caç Nat 52 e 54 + Pelotão de Morteiros 81 + Convidados
Caros amigos,
Como informei há já algum tempo, vai realizar-se este ano o almoço convívio da CCAÇ 1439 [Enxalé, Missirá e Portogole, 1965/67, nas Caldas da Raínha, no dia 9 de maio de 2015.
Ficarei extremamente grata com a presença de todos, bem como de familiares e amigos.
O local do encontro será, pelas 11h30, no "Restaurante A Lareira", situado no Alto Nobre, na estrada antinga das Caldas da Raínha para a Foz do Arelho. O almoço será por voltad as 13h00.
Agradeço a confirmação da vossa presença, até ao dia 2 de maio. Contactos:
(i) Maria Helena Carvalho [, Caldas da Rainha]: telem 917 434 442. Email: m.helenapereiracarvalho@gmail.com
(ii) José Pimentel [, Coruche]: telem 912 256 339. Email: domoseguro@mail.telepac.pt
(iii) Henrique Matos [, Olhão]: telem 963 334 811
(iv) Luís Cunha; telem 934 779 181 / telef 243 679 199
Com amizade,
Lena Carvalho
2. Recorde-se alguns dos camaradas que pertenceram a estas unidades e são nossos grã-tabanqueiros (, lista que é meramente exemplificativa, correndo nós o risco de esquecer alguém) :
José António Viegas (ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 54, Guiné, 1966/68)
Composição do Pel Caç Nat 54: Alf mil Carlos Alberto de Almeida Marchã; furriéis mil Arlindo Alves da Costa (ferido em Combate), Álvaro Valentim Antunes (morto em combate) e José Antonio Viegas; 1ºs Cabos: Coelho (ferido em combate), Manuel (ferido em Ccombate) e João Simão - Telegrafista. A restante composição era feita por Fulas, Mandingas, Papel e Olof.
Henrique Matos (alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 52, Enxalé, 1966/68) [, foto de época, à direita]:
Foi o primeiro comandante do Pel Caç Nat 52, que seri mais tarde comandado pelo Mário Beja Santos (1968/70)
João Crisóstomo, ex_alf mil, CCAÇ 1439 (Enxalé, Missrá e Portogole, 1965/67) (vive em Nova Iorque desde 1975)
Júlio Martins Pereira, ex-sold trms, CCAÇ 1439 (1965/67)
O ex-1º cabo Abel Rei, que é da Marinha Grande, e pertenceu à CART 1661 (Fá, Enxalé, Porto Gole, 1967/68) também já apareceu um vez nestes encontros. O Abel de Jesus Carreira Rei é autor do livro "Entre o Paraíso e o Inferno: De Fá a Bissá: Memórias da Guiné, 1967/1968" ( Prefácio do Ten Gen Júlio Faria de Oliveira. Edição de autor. 2002. 171 pp. Execução gráfica: Tipografia Lousanense, Lousã. 2002).
Fazemos questão de convidar, desde já, a Maria Helena Carvalho para integrar a nossa Tabanca Grande. Já falámos com ela ao telefone várias vezes. Só precisamos que nos mande uma ou duas fotos para a sua formal e condigna apresentação aos restantes grã-tabanqueiros. Desejamos-lhe a ela e aos nossos camaradas uma magnifica jornada de convívio, no próximo dia 9, nas Caldas da Rainha.
Coruche > 19º Encontro Nacional da CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67), mais os Pel Caç Nat 52 e 54 > 6 de Março de 2010 >
Fotografia de grupo num encontro (histórico!) em que foi possível juntar os antigos Alf Mil João Crisóstomo (que vive nos EUA), o Antonino Freitas, o Mário Beja Santos e o Jorge Rosales. A foto veio sem legenda: reconhecemos o Jorge Rosales (o primeiro da 1ª fila, do lado esquerdo), o Beja Santos (o segundo da 2ª fila, a contar do lado direito, sendo o 1º o João Crisóstomo); e o Henrique Matos (o segundo da 3ª fila, a contar do lado direito). A Maria Helena Carvalho também esteve presente neste enconro e, em 2015, é a principal organizadora da 24ª edição do encontro.
Foto: © Henrique Matos (2010). Todos os direitos reservados
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Nota do editor:
Último poste da série > 29 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14541: Convívios (670): Almoço Convívio do BCAÇ 2851, dia 6 de Junho (António Pimentel)
Foto: © Henrique Matos (2010). Todos os direitos reservados
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Nota do editor:
Último poste da série > 29 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14541: Convívios (670): Almoço Convívio do BCAÇ 2851, dia 6 de Junho (António Pimentel)
Guiné 63/74 - P14546: Estórias avulsas (81): Em cuecas debaixo de fogo (Carlos Alberto Cruz)
1. No seguimento de uma troca de mensagens, recebemos, no dia 24 de Abril de 2015, esta pequena estória do nosso camarada Carlos Alberto Cruz (ex-Fur Mil da CCAÇ 617/BCAÇ 619, Catió e Cachil, 1964/66):
Meu caríssimo Carlos Vinhal,
Uma vez que me foi concedida licença para narrar a estória que intitulei de "EM CUECAS DEBAIXO DE FOGO" então aí vai ela:
Talvez tenha sido na primeira vez que saí para o mato comandando os homens da minha secção (já não me recordo bem)... mas se não foi na primeira foi numa das primeiras.
Saímos do aquartelamento de Catió na direcção de Cufar, pela estrada de terra batida que ligava as duas localidades.
Depois de passarmos a tabanca dos fulas (onde pontificava o nosso João Bacar Djaló), seguimos estrada fora quando fomos emboscados pelos homens do PAIGC que, instalados no cimo das palmeiras nos metralhavam de cima para baixo.
Como facilmente se adivinha tratámos de nos atirar para o chão e eu, concretamente para um pequeno morro de baga-baga que apanhei à minha direita.
Tratei de orientar os meus soldados para se protegerem o melhor possível e julguei vislumbrar um vulto no cimo de uma palmeira. Depois de me certificar que o meu pessoal estava bem protegido fiz o que mais gostava de fazer naquela situação: encostei a G3 ao tronco de uma palmeira e fiz pontaria ao vulto que me parecia disparar sobre nós com a temível PPSH (a "costureirinha" como lhe chamávamos - 75 tiros de uma assentada).
Entretanto comecei por ir sentindo uma comichão danada na zona do pescoço e quando passava os dedos no mesmo para me coçar só trazia cabeças de formigas agarradas aos dedos. Só então me dei conta de estar literalmente inundado de formigas que me ferravam forte e feio.(*)
Não tive outra alternativa que não fosse despir-me, começando pelo casaco camuflado e acabando por ficar em cuecas, perante a risota incontida dos homens da minha secção que viam o seu comandante pela primeira vez em trajes menores.
Notas do editor
(*) Vd. poste de 26 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7342: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (3): Formiga baga-baga (Rui Silva)
Último poste da série de 5 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13695: Estórias avulsas (80): Hojé, há pássaros! (João Rebola)
Meu caríssimo Carlos Vinhal,
Uma vez que me foi concedida licença para narrar a estória que intitulei de "EM CUECAS DEBAIXO DE FOGO" então aí vai ela:
Talvez tenha sido na primeira vez que saí para o mato comandando os homens da minha secção (já não me recordo bem)... mas se não foi na primeira foi numa das primeiras.
Saímos do aquartelamento de Catió na direcção de Cufar, pela estrada de terra batida que ligava as duas localidades.
Depois de passarmos a tabanca dos fulas (onde pontificava o nosso João Bacar Djaló), seguimos estrada fora quando fomos emboscados pelos homens do PAIGC que, instalados no cimo das palmeiras nos metralhavam de cima para baixo.
Como facilmente se adivinha tratámos de nos atirar para o chão e eu, concretamente para um pequeno morro de baga-baga que apanhei à minha direita.
Tratei de orientar os meus soldados para se protegerem o melhor possível e julguei vislumbrar um vulto no cimo de uma palmeira. Depois de me certificar que o meu pessoal estava bem protegido fiz o que mais gostava de fazer naquela situação: encostei a G3 ao tronco de uma palmeira e fiz pontaria ao vulto que me parecia disparar sobre nós com a temível PPSH (a "costureirinha" como lhe chamávamos - 75 tiros de uma assentada).
Entretanto comecei por ir sentindo uma comichão danada na zona do pescoço e quando passava os dedos no mesmo para me coçar só trazia cabeças de formigas agarradas aos dedos. Só então me dei conta de estar literalmente inundado de formigas que me ferravam forte e feio.(*)
Não tive outra alternativa que não fosse despir-me, começando pelo casaco camuflado e acabando por ficar em cuecas, perante a risota incontida dos homens da minha secção que viam o seu comandante pela primeira vez em trajes menores.
Um bagabaga nas imediações de Bambadinca. No topo vê-se o Humberto Reis (ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 12
Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.
____________Notas do editor
(*) Vd. poste de 26 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7342: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (3): Formiga baga-baga (Rui Silva)
Último poste da série de 5 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13695: Estórias avulsas (80): Hojé, há pássaros! (João Rebola)
Guiné 63/74 - P14545: Bibliografia de uma guerra (71): E agora? O que é que vou fazer?, do livro "Guerra na Bolanha", de Francisco Henriques da Silva, Âncora Editora, Lisboa, Março de 2015
1. Mensagem do nosso camarada Francisco Henriques da Silva (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, Có, Mansabá e Olossato, 1968/70; ex-embaixador na Guiné-Bissau nos anos de 1997 a 1999), com data de 18 de Abril de 2015:
Meus caros Luís Graça, Carlos Vinhal e todos os camaradas e amigos desta tertúlia,
Na sequência da minha anterior correspondência é com o maior prazer que vos envio mais um excerto da minha obra “Guerra na Bolanha - de estudante, a militar e diplomata” (Âncora Editora, Lisboa, Março de 2015).
Desta feita, reporto-me a um tema pouco abordado - o regresso de África e a correspondente reinserção na sociedade portuguesa de então, a que dediquei toda a 3.ª parte do livro e de que aqui fica apenas, digamos um pequeno “aperitivo”.
Trata-se, obviamente, de uma perspectiva muito pessoal. O que aqui refiro consta das páginas 228 a 230 da obra.
A foto fui-a buscar à Net e é apenas ilustrativa de um embarque ou desembarque de tropas no cais de Alcântara.
Permito-me relembrar que o lançamento oficial foi efectuado em 17 de Março em Oeiras, mas está prevista uma sessão de apresentação em Lisboa, na Sociedade Histórica da Independência de Portugal em 5 de Maio, pelas 18 horas, para a qual está todos convidados e de que oportunamente enviarei para estas mesmas páginas um lembrete.
Saudações amigas
Francisco Henriques da Silva
(ex-Alferes miliciano de infantaria da C.Caç. 2402 e ex-embaixador em Bissau 1997-1999)
E agora? O que é que vou fazer?
Finalmente livre da monotonia verde azeitona das fardas militares, olhei para o espelho e vi-me, tal como era: vinte e poucos anos, sem curso, sem emprego, sem namorada e, principalmente, sem saber como organizar a minha vida no imediato. Tinha de encontrar saídas e dar resposta à magna questão: que fazer? Tinha de encontrar solução para todos estes problemas, uns pequenos, outros grandes, mas que se inscreviam na pergunta soberana que pairava sempre no ar e que prevalecia sobre tudo o mais: que fazer?
Tinham-me roubado a minha juventude, preciosos anos de vida quando estava na sua plenitude, o curso que queria terminar, uma carreira profissional que queria encetar. Sentia um vazio muito grande, mas não desesperei, não havia lugar para choro, nem ranger de dentes. Não podia verter lágrimas sobre o azeite derramado, nem à boa maneira lusitana culpabilizar a situação, as circunstâncias, o Outro ou os outros ou seja, lá quem for e o que for. Sim, porque, nos parâmetros da mentalidade tuga, no mau sentido da palavra, a culpa nunca era nossa. Tinha, pois, de reagir. Tinha de avançar. Tinha de ser eu a dar a resposta certa.
E assim o fiz, talvez com hesitações, desvios, opções duvidosas, caminhos ínvios, reflexões sem rumo definido, mas bem no íntimo sentia que podia seguir em frente e que tudo dependia de mim. Tinha de fazer. Tinha de assumir uma atitude pró-activa.
Em primeiro lugar, estava firmemente disposto a completar a universidade. Com a célebre “reforma Veiga Simão,” assim chamada em nome do Ministro da Educação da época (que em várias reencarnações acabou por servir diversos regimes políticos), o meu curso havia sido reestruturado e tinha ficado com cadeiras dispersas por todos os anos e nenhum completo ou próximo disso. Podia, agora, se quisesse, chegar a bacharel, ou seja, fazendo cadeiras por atacado, como aluno-militar. O bacharelato, na altura, constituía uma novidade, uma hipótese simpática que abria as portas a uma carreira no ensino, sobretudo para quem frequentasse cursos das faculdades de Letras e de Ciências. Era uma questão de tempo, de vontade e de algum sacrifício. Mas o meu grande objectivo final consistia em ingressar na carreira diplomática, um sonho que acalentava desde miúdo. Todavia, tratava-se de um alvo de difícil alcance e demoraria anos a lá chegar. Antes do mais, teria de completar o curso e de me sujeitar a um concurso de entrada no MNE, que não era propriamente “canja”, diziam. Mas retomando o fio à meada, que diabo, já estava nos vinte e tais, não podia viver das magras economias feitas, cujas limitações eram conhecidas, nem das sopas paternas ou, melhor, maternas. Tinha de fazer alguma coisa e, como atrás, referia aproveitar o estatuto de aluno-militar que me permitia dar saltos de canguru na faculdade.
Em segundo lugar, queria encontrar um emprego, em tempo inteiro ou em “part time”, para me poder sustentar, para as minhas fantasias e, enfim, para poder juntar os tostões com que se compram os melões. Esta era uma segunda prioridade, mas que se situava quase ao nível da primeira, pois não podia andar à boa vida.
Em terceiro lugar, depois dos namoros, pseudo-namoros, ou meros “flirts” tinha de arranjar, de algum modo, uma companhia feminina certa e não andar de candeia acesa à procura da bela adormecida no bosque ou feito lobo predador a emboscar a menina do capuchinho vermelho e todas as demais, na perspectiva de que tudo o que vem à rede é peixe, como alegadamente fazia ou, pelo menos, alardeava a maioria dos jovens machos lusitanos. A sexualidade tinha de ter os seus escapes, mas eu procurava sobretudo a estabilidade - apesar dos devaneios, sentia que era monógamo por natureza.
Em quarto lugar, tinha de descansar, viajar, passear, recarregar baterias, reavivar velhas amizades, satisfazer alguns sonhos do passado até aqui incumpridos. Em suma, viver e sentir que estava vivo, bem vivo e com vontade de pontapear. Havia uma certa urgência nisto, na medida em que, apesar de jovem, o tempo ia passando e, como rezava uma velha canção da época, não voltava para trás, apesar de querermos à viva força mudar-lhe o rumo.
Finalmente, via-me coagido a esquecer o passado próximo, as memórias que o tempo afinal não apaga e ultrapassar, se é que os tinha, alguns traumas de guerra. Porém as imagens não me abandonavam, via claramente e numa base diária, as tabancas, a mata, as bolanhas, as fardas, os corpos semi-nús dos soldados, as armas; ouvia distintamente os rebentamentos dos morteiros e dos “rockets”, o matraquear das costureirinhas, o guinchar dos macacos, o grasnar de certas aves tropicais, as falas de fulas, mandingas e balantas; sentia os cheiros fétidos de algumas bolanhas, o odor das plantas estranhas que a humidade fazia sobressair, a comida do “rancho” – ou do que pomposamente se chamava messe - pouco variada e insípida, o cheiro do capim e do mato queimado na estação seca; na boca, sentia o uísque que se bebia ao fim do dia, ou a cerveja morna; o gosto da manga verde roída devagar atrás do poilão, a enjoativa ração de combate e por aí fora. Enfim, imagens, sons, aromas e paladares que não me abandonavam, mas, planando por cima de tudo, aquela impressão durável, mas indefinível, quando se pressentia que íamos entrar em combate dentro de instantes: o nó na garganta, o gosto esquisito na boca, os suores quentes e frios, as borboletas no estômago. Como esquecer, então, se ainda hoje me lembro como se fosse ontem?
Nota do editor
Vd. poste anterior de 28 de Abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14536: Bibliografia de uma guerra (70): A Mina, do livro "Guerra na Bolanha", de Francisco Henriques da Silva, Âncora Editora, Lisboa, Março de 2015
Meus caros Luís Graça, Carlos Vinhal e todos os camaradas e amigos desta tertúlia,
Na sequência da minha anterior correspondência é com o maior prazer que vos envio mais um excerto da minha obra “Guerra na Bolanha - de estudante, a militar e diplomata” (Âncora Editora, Lisboa, Março de 2015).
Desta feita, reporto-me a um tema pouco abordado - o regresso de África e a correspondente reinserção na sociedade portuguesa de então, a que dediquei toda a 3.ª parte do livro e de que aqui fica apenas, digamos um pequeno “aperitivo”.
Trata-se, obviamente, de uma perspectiva muito pessoal. O que aqui refiro consta das páginas 228 a 230 da obra.
A foto fui-a buscar à Net e é apenas ilustrativa de um embarque ou desembarque de tropas no cais de Alcântara.
Permito-me relembrar que o lançamento oficial foi efectuado em 17 de Março em Oeiras, mas está prevista uma sessão de apresentação em Lisboa, na Sociedade Histórica da Independência de Portugal em 5 de Maio, pelas 18 horas, para a qual está todos convidados e de que oportunamente enviarei para estas mesmas páginas um lembrete.
Saudações amigas
Francisco Henriques da Silva
(ex-Alferes miliciano de infantaria da C.Caç. 2402 e ex-embaixador em Bissau 1997-1999)
E agora? O que é que vou fazer?
Finalmente livre da monotonia verde azeitona das fardas militares, olhei para o espelho e vi-me, tal como era: vinte e poucos anos, sem curso, sem emprego, sem namorada e, principalmente, sem saber como organizar a minha vida no imediato. Tinha de encontrar saídas e dar resposta à magna questão: que fazer? Tinha de encontrar solução para todos estes problemas, uns pequenos, outros grandes, mas que se inscreviam na pergunta soberana que pairava sempre no ar e que prevalecia sobre tudo o mais: que fazer?
Tinham-me roubado a minha juventude, preciosos anos de vida quando estava na sua plenitude, o curso que queria terminar, uma carreira profissional que queria encetar. Sentia um vazio muito grande, mas não desesperei, não havia lugar para choro, nem ranger de dentes. Não podia verter lágrimas sobre o azeite derramado, nem à boa maneira lusitana culpabilizar a situação, as circunstâncias, o Outro ou os outros ou seja, lá quem for e o que for. Sim, porque, nos parâmetros da mentalidade tuga, no mau sentido da palavra, a culpa nunca era nossa. Tinha, pois, de reagir. Tinha de avançar. Tinha de ser eu a dar a resposta certa.
E assim o fiz, talvez com hesitações, desvios, opções duvidosas, caminhos ínvios, reflexões sem rumo definido, mas bem no íntimo sentia que podia seguir em frente e que tudo dependia de mim. Tinha de fazer. Tinha de assumir uma atitude pró-activa.
Em primeiro lugar, estava firmemente disposto a completar a universidade. Com a célebre “reforma Veiga Simão,” assim chamada em nome do Ministro da Educação da época (que em várias reencarnações acabou por servir diversos regimes políticos), o meu curso havia sido reestruturado e tinha ficado com cadeiras dispersas por todos os anos e nenhum completo ou próximo disso. Podia, agora, se quisesse, chegar a bacharel, ou seja, fazendo cadeiras por atacado, como aluno-militar. O bacharelato, na altura, constituía uma novidade, uma hipótese simpática que abria as portas a uma carreira no ensino, sobretudo para quem frequentasse cursos das faculdades de Letras e de Ciências. Era uma questão de tempo, de vontade e de algum sacrifício. Mas o meu grande objectivo final consistia em ingressar na carreira diplomática, um sonho que acalentava desde miúdo. Todavia, tratava-se de um alvo de difícil alcance e demoraria anos a lá chegar. Antes do mais, teria de completar o curso e de me sujeitar a um concurso de entrada no MNE, que não era propriamente “canja”, diziam. Mas retomando o fio à meada, que diabo, já estava nos vinte e tais, não podia viver das magras economias feitas, cujas limitações eram conhecidas, nem das sopas paternas ou, melhor, maternas. Tinha de fazer alguma coisa e, como atrás, referia aproveitar o estatuto de aluno-militar que me permitia dar saltos de canguru na faculdade.
Em segundo lugar, queria encontrar um emprego, em tempo inteiro ou em “part time”, para me poder sustentar, para as minhas fantasias e, enfim, para poder juntar os tostões com que se compram os melões. Esta era uma segunda prioridade, mas que se situava quase ao nível da primeira, pois não podia andar à boa vida.
Em terceiro lugar, depois dos namoros, pseudo-namoros, ou meros “flirts” tinha de arranjar, de algum modo, uma companhia feminina certa e não andar de candeia acesa à procura da bela adormecida no bosque ou feito lobo predador a emboscar a menina do capuchinho vermelho e todas as demais, na perspectiva de que tudo o que vem à rede é peixe, como alegadamente fazia ou, pelo menos, alardeava a maioria dos jovens machos lusitanos. A sexualidade tinha de ter os seus escapes, mas eu procurava sobretudo a estabilidade - apesar dos devaneios, sentia que era monógamo por natureza.
Em quarto lugar, tinha de descansar, viajar, passear, recarregar baterias, reavivar velhas amizades, satisfazer alguns sonhos do passado até aqui incumpridos. Em suma, viver e sentir que estava vivo, bem vivo e com vontade de pontapear. Havia uma certa urgência nisto, na medida em que, apesar de jovem, o tempo ia passando e, como rezava uma velha canção da época, não voltava para trás, apesar de querermos à viva força mudar-lhe o rumo.
Finalmente, via-me coagido a esquecer o passado próximo, as memórias que o tempo afinal não apaga e ultrapassar, se é que os tinha, alguns traumas de guerra. Porém as imagens não me abandonavam, via claramente e numa base diária, as tabancas, a mata, as bolanhas, as fardas, os corpos semi-nús dos soldados, as armas; ouvia distintamente os rebentamentos dos morteiros e dos “rockets”, o matraquear das costureirinhas, o guinchar dos macacos, o grasnar de certas aves tropicais, as falas de fulas, mandingas e balantas; sentia os cheiros fétidos de algumas bolanhas, o odor das plantas estranhas que a humidade fazia sobressair, a comida do “rancho” – ou do que pomposamente se chamava messe - pouco variada e insípida, o cheiro do capim e do mato queimado na estação seca; na boca, sentia o uísque que se bebia ao fim do dia, ou a cerveja morna; o gosto da manga verde roída devagar atrás do poilão, a enjoativa ração de combate e por aí fora. Enfim, imagens, sons, aromas e paladares que não me abandonavam, mas, planando por cima de tudo, aquela impressão durável, mas indefinível, quando se pressentia que íamos entrar em combate dentro de instantes: o nó na garganta, o gosto esquisito na boca, os suores quentes e frios, as borboletas no estômago. Como esquecer, então, se ainda hoje me lembro como se fosse ontem?
Cais da Rocha Conde de Óbidos - Lisboa
Foto: © Fernando Chapouto (2006). Todos os direitos reservados.
____________Nota do editor
Vd. poste anterior de 28 de Abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14536: Bibliografia de uma guerra (70): A Mina, do livro "Guerra na Bolanha", de Francisco Henriques da Silva, Âncora Editora, Lisboa, Março de 2015
quarta-feira, 29 de abril de 2015
Guiné 63/74 - P14544: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (98): 42 anos depois, recordo-me bem de ti, José Carlos Mussá Biai... Eras o único menino no Xime com nome cristão, e eu dormia no mesmo quarto do teu professor, o fur enf Osório (António Duarte, ex-fur mil, CCAÇ 12, Xime, 1973/74)
Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Subsetor do Xime > Xime > Posto Escolar Militar nº 8 > 1972 > "Alunos participando na cerimónia do içar da Bandeira Nacional em 10 de junho de 1972 (,s egundo creio). Ao centro o professor da Escola de Mansambo [?], presente a convite do camarada Carvalhido da Ponte". [Um dos miúdos era o José Carlso Mussá Bai, hoje engenheiro silvicultor a trabalhar e a viver em Lisboa] (*)
Foto ( legenda): © Jorge Araújo (2014). Todos os direitos reservados. (Edição: M.R.)
1. Mensagem de António Duarte, com data de 28 do corrente, enviada ao José Carlos Mussá Biai (**), com conhecimento aos editores:
[foto à esquerda: António Duarte, ex-fur mil da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga, Cobumba e Bissau, 1972-1974; foi transferido para a CCAC 12 (em novembro de 1972; economista, bancário reformado, formador, com larga experiência em Angola]
Boa tarde, José Carlos.
Andava para te escrever, mas tenho adiado.
Agora a propósito desta discussão levantada pelo Luís Graça (***), vejo referência ao teu nome, pelo que opto por te escrever este email.
Quero dizer-te que estive na CCaç 12, em 1973, no Xime, e como dormia no mesmo quarto do teu professor, o Furriel Enfermeiro da CCaç 12, de nome Osório, recordo-me bem de ti, ainda pequenito ires espreitar à janela para o chamares.
O curioso era o facto de tu seres o único menino no Xime que tinha nome cristão, razão pela qual é fácil recordar-me, apesar dos já 42 anos de distância e dos meus 64 longos anos de idade.
Fico extremamente feliz por constatar que hoje és um homem de vida organizada e de bem com o mundo.
Abraço de fraternidade e tudo de bom para ti e para os teus. (****)
António Duarte
________________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 27 de outubro de 2014 > Guiné 63/734 - P13812: Memória dos lugares (277): Os meninos do Xime do tempo da CART 3494 - O caso de José Carlos Mussá Biai (Jorge Araújo)
(**) Vd. poste de 10 de maio de 2005 > Guiné 63/74 - P16: No Xime também havia crianças felizes (2) (Luís Graça)
(...) Acabei de falar com o José Carlos Mussá Biai: nasceu em 1963, no Xime, e era menino no tempo em que por lá passaram a CART 2715 e a CART 3494. Era menino no tempo em que eu estive no Setor L1 da Zona leste, correspondente ao triângulo Xime-Bambadinca-Xitole [julho de 1969/março de 1971].
Sei que, até ao fim da guerra, ele, a família e os vizinhos da sua tabanca sofreram muitos ataques. Uma família inteira, perto da sua morança, morreu [, em 1/12/1973]. A sua infância não foi fácil. A vida também não foi fácil para a população civil, de etnia mandinga, que ficou no Xime.
(...) Em contrapartida, também houve algumas coisas boas. Por exemplo, o furriel miliciano enfermeiro José Luís Carvalhido da Ponte, natural de Viana do Castelo, foi alguém especial na sua vida e na vida dos outros meninos do Xime. Foi seu professor primário na única escola que lá havia, o PEM (Posto Escolar Militar) nº 14. O Mussá Biai também teve como professor, depois da CART 3494 ter ido para Mansambo [, em novembro de 1972], o furriel Osório, da CCAÇ 12, que dava aulas no Posto Escolar Militar nº 14, juntamente com a esposa. (...)
(***) Vd. poste de 28 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14535: História do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (António Duarte): Parte XXIII: dezembro de 1973: flagelação do Xime, com foguetões 122 mm: sete mortos civis
(...) Acabei de falar com o José Carlos Mussá Biai: nasceu em 1963, no Xime, e era menino no tempo em que por lá passaram a CART 2715 e a CART 3494. Era menino no tempo em que eu estive no Setor L1 da Zona leste, correspondente ao triângulo Xime-Bambadinca-Xitole [julho de 1969/março de 1971].
Sei que, até ao fim da guerra, ele, a família e os vizinhos da sua tabanca sofreram muitos ataques. Uma família inteira, perto da sua morança, morreu [, em 1/12/1973]. A sua infância não foi fácil. A vida também não foi fácil para a população civil, de etnia mandinga, que ficou no Xime.
(...) Em contrapartida, também houve algumas coisas boas. Por exemplo, o furriel miliciano enfermeiro José Luís Carvalhido da Ponte, natural de Viana do Castelo, foi alguém especial na sua vida e na vida dos outros meninos do Xime. Foi seu professor primário na única escola que lá havia, o PEM (Posto Escolar Militar) nº 14. O Mussá Biai também teve como professor, depois da CART 3494 ter ido para Mansambo [, em novembro de 1972], o furriel Osório, da CCAÇ 12, que dava aulas no Posto Escolar Militar nº 14, juntamente com a esposa. (...)
(***) Vd. poste de 28 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14535: História do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (António Duarte): Parte XXIII: dezembro de 1973: flagelação do Xime, com foguetões 122 mm: sete mortos civis
(****) Último poste da série > 10 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14455: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (97): José Maria de Sousa [ Ferreira, minhoto de Braga, com escola de condução no Porto], ex-sold mec aut (BART 1904 e PINT, Bambadinca, 1968/70) descobre os seus companheiros do conjunto musical, da CCS/BCAÇ 2852, a quem o Movimento Nacional Feminino ofereceu, em 1969, os instrumentos
Guiné 63/74 - P14543: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (19): Sem nada para dizer
1. Mensagem do nosso camarada Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67), com data de 15 de Abril de 2015:
Meus caros editores:
Anexo mais um item da minha série "Cartas ...".
Ando a atrasar-me muito mas isto não está fácil embora o faça com todo o gosto e empenho. Não tenho tido é tempo para ser mais rápido. O Luís convenceu-me a continuar por mais uns tempos e umas cartas, fazendo-me acreditar um pouco mais no interesse desta tarefa.
Brevemente irá o item n.º 20.
Agradecido pelo vosso trabalho e atenção, até sábado em M. Real.
Um grande abraço
Manuel Joaquim
Cartas de Amor e Guerra
19. Sem nada para dizer
Mansabá, 11/DEZ./66
Estou mesmo sem saber o que te dizer, como hei-de entrar em contacto contigo. A atmosfera um bocadinho irritante, talvez mesmo com certa dose de despeito, estúpido ou fundamentado, que tem há uns tempos rodeado as nossas relações, está na base deste empastamento de vazio, deste momento cheio de nada ter para te dizer.
E talvez fosse a melhor maneira de contactar contigo, gritar-te que nada tenho para te dizer. Porque, agora, é esta a verdade. Daqui a bocado poderá ser que não. Agora é.
Não sei porquê mas sinto-me cá dentro como que empastado, dorido, sazonado, crestado, indiferentismo doentio a bailar, plenamente consciente de que estou cheio de não vale a pena, de não te rales, de deixa correr. É um estado de espírito esquisito, algo fora do normal. Pois se até as horas que vão correndo, os dias, me não cansam na espera! Indiferente, ao ponto … (cala-te que é melhor, Manel, porque pode doer-te muito).
Escrever-te porque estás aflita sem notícias minhas, escrever-te porque te vejo aflita com o caminho que levam as nossas relações, será só isto o porquê de pegar nestas folhas, enchê-las e enviar-tas? Não, não é. Amo-te, penso eu. Está com certeza aqui a razão por que te escrevo. No “penso eu” vai o tal indiferentismo que me rodeia. Este indiferentismo crítico que me leva a julgar que se chegasse à conclusão de que te não amava ou de que me não amavas, levaria tudo com o mesmo à vontade, a mesma inconsciência com que pego num cigarro e o acendo.
Talvez te esteja a fazer sofrer com estas minhas palavras. A criar em ti a dúvida quanto aos sentimentos que te dedico. Esta vida é toda tão chata, tão pateta, tão fedorenta, tão nada! Isto é tudo tão nada, tão nada, tão nada! Quem sabe se nós não seremos mesmo nada?!?
Foto 2. © Manuel Joaquim > Mansabá, Dezembro/1966 > “ Esta vida é toda tão chata, tão pateta, tão fedorenta, tão nada!”
Apetece-me gritar que me deixem, todos! Apetece-me clamar que desejo viver sozinho, picar-me, doer-me, rir, brincar, chorar, cantar sem que incomode os outros, acamaradando com a natureza, com a inconsciência dos seres não humanos.
O meu estado psíquico não é de molde a dar-te alegria. Pelo que disse atrás tirarás a conclusão. Apesar de querer alegrar-te. Apesar de eu querer estar contigo, apesar de eu querer possuir-te, apesar de eu te querer, apesar de eu te amar.
E é mesmo, minha querida. Não vou dizer mais nada. Porque estou mesmo sem saber o que te hei-de dizer.
Calo-me e calo-te (?) com muitos e muitos beijos.
Amorosamente, sou o teu M.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 28 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14199: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (18): Férias
Meus caros editores:
Anexo mais um item da minha série "Cartas ...".
Ando a atrasar-me muito mas isto não está fácil embora o faça com todo o gosto e empenho. Não tenho tido é tempo para ser mais rápido. O Luís convenceu-me a continuar por mais uns tempos e umas cartas, fazendo-me acreditar um pouco mais no interesse desta tarefa.
Brevemente irá o item n.º 20.
Agradecido pelo vosso trabalho e atenção, até sábado em M. Real.
Um grande abraço
Manuel Joaquim
Cartas de Amor e Guerra
19. Sem nada para dizer
Foto 1 > Em Mansabá > “Apetece-me gritar que me deixem, todos!”
© Manuel Joaquim
Mansabá, 11/DEZ./66
Estou mesmo sem saber o que te dizer, como hei-de entrar em contacto contigo. A atmosfera um bocadinho irritante, talvez mesmo com certa dose de despeito, estúpido ou fundamentado, que tem há uns tempos rodeado as nossas relações, está na base deste empastamento de vazio, deste momento cheio de nada ter para te dizer.
E talvez fosse a melhor maneira de contactar contigo, gritar-te que nada tenho para te dizer. Porque, agora, é esta a verdade. Daqui a bocado poderá ser que não. Agora é.
Não sei porquê mas sinto-me cá dentro como que empastado, dorido, sazonado, crestado, indiferentismo doentio a bailar, plenamente consciente de que estou cheio de não vale a pena, de não te rales, de deixa correr. É um estado de espírito esquisito, algo fora do normal. Pois se até as horas que vão correndo, os dias, me não cansam na espera! Indiferente, ao ponto … (cala-te que é melhor, Manel, porque pode doer-te muito).
Escrever-te porque estás aflita sem notícias minhas, escrever-te porque te vejo aflita com o caminho que levam as nossas relações, será só isto o porquê de pegar nestas folhas, enchê-las e enviar-tas? Não, não é. Amo-te, penso eu. Está com certeza aqui a razão por que te escrevo. No “penso eu” vai o tal indiferentismo que me rodeia. Este indiferentismo crítico que me leva a julgar que se chegasse à conclusão de que te não amava ou de que me não amavas, levaria tudo com o mesmo à vontade, a mesma inconsciência com que pego num cigarro e o acendo.
Talvez te esteja a fazer sofrer com estas minhas palavras. A criar em ti a dúvida quanto aos sentimentos que te dedico. Esta vida é toda tão chata, tão pateta, tão fedorenta, tão nada! Isto é tudo tão nada, tão nada, tão nada! Quem sabe se nós não seremos mesmo nada?!?
Foto 2. © Manuel Joaquim > Mansabá, Dezembro/1966 > “ Esta vida é toda tão chata, tão pateta, tão fedorenta, tão nada!”
Apetece-me gritar que me deixem, todos! Apetece-me clamar que desejo viver sozinho, picar-me, doer-me, rir, brincar, chorar, cantar sem que incomode os outros, acamaradando com a natureza, com a inconsciência dos seres não humanos.
O meu estado psíquico não é de molde a dar-te alegria. Pelo que disse atrás tirarás a conclusão. Apesar de querer alegrar-te. Apesar de eu querer estar contigo, apesar de eu querer possuir-te, apesar de eu te querer, apesar de eu te amar.
E é mesmo, minha querida. Não vou dizer mais nada. Porque estou mesmo sem saber o que te hei-de dizer.
Calo-me e calo-te (?) com muitos e muitos beijos.
Amorosamente, sou o teu M.
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Nota do editor
Último poste da série de 28 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14199: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (18): Férias
Guiné 63/74 - P14542: Os nossos seres, saberes e lazeres (91): Bruxelles, mon village (Parte 3) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 6 de Abril de 2015:
Queridos amigos,
Hoje fiquei-me pela cidade, a visita a um pequeno museu na comuna de Ixelles, onde tenho sempre surpresas.
E deambular faz bem, os chuviscos passam depressa, e tínhamos o céu desanuviado. As livrarias com preciosidades em segunda mão são outra tentação, tão grande ou tão pouca que encontrei a preço reduzido "La découverte de l'Afrique", de 1965, e onde largamente se fala de Azurara e Duarte Pacheco Pereira e das nossas itinerâncias pelo Benim e Tombuctu.
Há pratos substância que me irão regalar nos próximos dias: Lovaina e a retrospetiva Chagall. Eu depois conto, e com muita satisfação.
Um abraço do
Mário
Bruxelles, mon village (3)
Beja Santos
Restam poucos vestígios das muralhas medievais da cidade, já li que havia cerca de 50 torres de atalaia, no passeio anterior mostrei-vos a Porta de Hal, quando ia a caminho da Feira da Ladra local. Vou-vos mostrar agora a Torre Anneessens, ou o que dela resta, aprecio a sério a natureza desta intervenção, indo por este bulevar adiante vamos dar à Biblioteca Real, sempre que estou de visita a este Burgo não gosto de perder as suas exposições, sempre marcantes, está num dos locais iconográficos de Bruxelas, o Mons des Arts, lá no alto tem-se uma das vistas mais esplendorosas da cidade. Adiante, a propósito da retrospetiva Chagall, falaremos desse local de visita obrigatória. Ali perto estão dois museus incontornáveis, quer o dedicado à obra de René Magritte, quer os Museus Reais de Belas Artes, recheados do melhor da pintura deste país.
Outro pormenor da Torre Anneessens, resta dizer que estamos perto do popular bairro de Marolles. E depois da história medieval vamos mudar de agulha para um banho de arte, no museu de Ixelles.
O pretexto era vir à exposição de Gao Xingjian, francês de origem chinesa, autor prolífico galardoado com o Prémio Nobel da Literatura em 2000, artista múltiplo: homem de teatro, cineasta, artista plástico, muito respeitado por consagrar a sua obra à exploração dos fluxos da consciência através do movimento da tinta sobre o papel.
Deambulei pelas dezenas e dezenas de obras de mestre Gao, confesso que não é manifestação de arte que me faça faísca, reconheço a delicadeza, mas isto é tão frio, para lá dos meus sentidos, que visitei a exposição cometendo a blasfémia de estar sempre a comparar com uma espantosa exposição de gravuras japonesas, que vi em Bilbao. Este senhor não é santo do meu culto, paciência, são coisas que acontecem, mas o que veio a seguir valeu a pena esta vontade de visitar o museu de Ixelles, onde tenho assistido a acontecimentos culturais insuperáveis.
Saí diretamente da exposição do mestre Gao para esta, dedicada aos artistas belgas, durante a I Guerra Mundial. Muito económica e talentosamente organizada, deu para mergulhar no contexto da época, no pós-impressionismo, no fauvismo, no futurismo, no expressionismo, uma encruzilhada de artistas que ficaram na Bélgica e outros que partiram para o exílio nos Países Baixos e Grã-Bretanha, a exposição revelava também pastéis, desenhos a lápis, litogravuras de testemunhos de guerra, cenas de combate, destruições, anúncios de tômbolas para ajudar os carenciados. Estavam também presentes artistas do pós-guerra, gente que experimentava outras formas de modernidade como o expressionismo ou o surrealismo. No fim da guerra extinguiam-se as manifestações fauvistas, apareceram artistas interessados numa nova dimensão da arte abstrata, o construtivismo, em que se notabilizaram os soviéticos. Fixei com muito agrado este trabalho de Victor Servranckx (1897-1965), um artista que se manterá fiel a este tipo de arte abstrata até ao fim da sua vida.
Finda esta exposição, entrei numa sala onde vi todo o processo de restauro de um quadro do pintor simbolista Jean Delville, O amor das almas (1900), uma tela de grande formato (268x150), inspirada no Banquete de Platão, no qual Aristófanes descreve o mito da androgenia, tema que encarna perfeitamente o ideal do simbolismo em finais do século XIX. Aqui se evoca a nostalgia de uma unidade e harmonia originais que se vieram a perder. A tela representa dois amorosos enlaçados que parecem em levitação, os corpos estão envolvidos numa voluta e parecem conduzidos para um céu luminoso. Ao longo das paredes eram dados pormenores sobre os processos de restauro envolvidos.
O museu de Ixelles ainda tem mais exposições, vou passar de raspão pela do genial artística gráfico Lucien de Roeck, foi ele que criou o logo da Exposição Universal de 1958, preparava-me para sair, já tinha o estômago a bater horas mas não resisti ao fascínio de todo este grafismo arrebatador. À saída, fixei um último pormenor do museu, já deixara de chover e senti-me feliz por saudar este equipamento que tão bem me acolhera.
É um exterior singelo, convenhamos, com várias enxertias, ao sabor dos financiamentos dos doadores, uns ofereceram obras-primas e outros cuidaram de ir ampliando as instalações para as expor com pompa e garbo. E como é prática, há sempre um pedacinho de vegetação, dentro de algumas semanas vão irromper as flores, no auge da Primavera.
Vou desembolado pela fome, mas não resisti a esta surpresa, esta extravagante fachada de um restaurante, com tanto pechisbeque de cima a baixo. Agora é que vou mesmo à procura de uma sopinha, de uma salada e uma talhada de tarte, depois andarei a ver montras, o tempo está de chuva, é a situação ideal para ir à procura de pechinchas, CDs a um euro, que os há, confirmei, e em muito bom estado. E ao fim da tarde fui ouvir Schumann, e com muito prazer, no Conservatório. Foi um dia bem aviado, recolho-me a casa do anfitrião, jantar, um pouco de leitura e vale de lençóis, como é boa a vida de um reformado português em Bruxelas!
Só mais uns pormenores antes de apanhar o metro para regressar a Watermael-Boisfort. Em primeiro lugar esta fachada de um edifício dedicado ao ensino das artes e ofícios, faz parte daquela época esplendorosa entre guerras, muito dinheiro das minas, dos diamantes e de outras riquezas do Congo, eram tempos em que a arquitetura se conjugava com o metal e o vidro, na justa escala, reminiscência das construções palatinas. E chocou-me o contraste com aquele mamarracho ali à direita, um caixote informe, mais inadequado não podia ser.
São bastante conservadores, estes belgas. Mas não atraiçoam a História, nem a minimizam. Quando o partido comunista implodiu, centenas e centenas de intelectuais escreveram um documento apelando a que se respeitasse o seu património de luta, nas lutas laborais e na resistência ao ocupante alemão. Estes belgas conservadores deram com os costados nos mesmos campos de concentração ao lado dos homens de esquerda, e não se esquecem. A caminho da Gare du Midi, onde se pode apanhar o comboio para Paris ou para os principais centros do Norte da Alemanha, encontrei esta alameda Rosa Luxemburgo, não posso ficar insensível a estas memórias, por todo o lado se encontram lápides aos fuzilados e martirizados. Quando um povo se respeita, o dever de memória é fácil.
O mesmo se passa com esta Avenida de Estalinegrado, só conheço este nome aqui e em Paris, foi aqui que se deu a viragem e o princípio da queda do nazismo. A Bélgica não foi dos países mais sofredores mas ficou suficientemente marcada pela perseguição aos judeus e as muitas humilhações. Pois assim se respeita Estalinegrado, a cidade mártir. E já chega de considerações. Amanhã o dia é passado em Lovaina, a velha, a importantíssima cidade dos têxteis, dos curtumes e detentora de uma universidade que marcou a cultura europeia e cuja reputação chegou aos dias de hoje. Eu depois conto.
(Continua)
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Nota do editor
Poste anterior de 22 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14501: Os nossos seres, saberes e lazeres (88): Bruxelles, mon village (Parte 2) (Mário Beja Santos)
Último poste da série de 23 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14508: Os nossos seres, saberes e lazeres (90): Lançamento do livro "De Freguês a Consumidor", da autoria de Mário Beja Santos, dia 28 de Abril de 2015, às 17h30, na Direcção Geral do Consumidor, Praça Duque de Saldanha, 31-1.º, em Lisboa
Queridos amigos,
Hoje fiquei-me pela cidade, a visita a um pequeno museu na comuna de Ixelles, onde tenho sempre surpresas.
E deambular faz bem, os chuviscos passam depressa, e tínhamos o céu desanuviado. As livrarias com preciosidades em segunda mão são outra tentação, tão grande ou tão pouca que encontrei a preço reduzido "La découverte de l'Afrique", de 1965, e onde largamente se fala de Azurara e Duarte Pacheco Pereira e das nossas itinerâncias pelo Benim e Tombuctu.
Há pratos substância que me irão regalar nos próximos dias: Lovaina e a retrospetiva Chagall. Eu depois conto, e com muita satisfação.
Um abraço do
Mário
Bruxelles, mon village (3)
Beja Santos
Restam poucos vestígios das muralhas medievais da cidade, já li que havia cerca de 50 torres de atalaia, no passeio anterior mostrei-vos a Porta de Hal, quando ia a caminho da Feira da Ladra local. Vou-vos mostrar agora a Torre Anneessens, ou o que dela resta, aprecio a sério a natureza desta intervenção, indo por este bulevar adiante vamos dar à Biblioteca Real, sempre que estou de visita a este Burgo não gosto de perder as suas exposições, sempre marcantes, está num dos locais iconográficos de Bruxelas, o Mons des Arts, lá no alto tem-se uma das vistas mais esplendorosas da cidade. Adiante, a propósito da retrospetiva Chagall, falaremos desse local de visita obrigatória. Ali perto estão dois museus incontornáveis, quer o dedicado à obra de René Magritte, quer os Museus Reais de Belas Artes, recheados do melhor da pintura deste país.
Outro pormenor da Torre Anneessens, resta dizer que estamos perto do popular bairro de Marolles. E depois da história medieval vamos mudar de agulha para um banho de arte, no museu de Ixelles.
O pretexto era vir à exposição de Gao Xingjian, francês de origem chinesa, autor prolífico galardoado com o Prémio Nobel da Literatura em 2000, artista múltiplo: homem de teatro, cineasta, artista plástico, muito respeitado por consagrar a sua obra à exploração dos fluxos da consciência através do movimento da tinta sobre o papel.
Deambulei pelas dezenas e dezenas de obras de mestre Gao, confesso que não é manifestação de arte que me faça faísca, reconheço a delicadeza, mas isto é tão frio, para lá dos meus sentidos, que visitei a exposição cometendo a blasfémia de estar sempre a comparar com uma espantosa exposição de gravuras japonesas, que vi em Bilbao. Este senhor não é santo do meu culto, paciência, são coisas que acontecem, mas o que veio a seguir valeu a pena esta vontade de visitar o museu de Ixelles, onde tenho assistido a acontecimentos culturais insuperáveis.
Saí diretamente da exposição do mestre Gao para esta, dedicada aos artistas belgas, durante a I Guerra Mundial. Muito económica e talentosamente organizada, deu para mergulhar no contexto da época, no pós-impressionismo, no fauvismo, no futurismo, no expressionismo, uma encruzilhada de artistas que ficaram na Bélgica e outros que partiram para o exílio nos Países Baixos e Grã-Bretanha, a exposição revelava também pastéis, desenhos a lápis, litogravuras de testemunhos de guerra, cenas de combate, destruições, anúncios de tômbolas para ajudar os carenciados. Estavam também presentes artistas do pós-guerra, gente que experimentava outras formas de modernidade como o expressionismo ou o surrealismo. No fim da guerra extinguiam-se as manifestações fauvistas, apareceram artistas interessados numa nova dimensão da arte abstrata, o construtivismo, em que se notabilizaram os soviéticos. Fixei com muito agrado este trabalho de Victor Servranckx (1897-1965), um artista que se manterá fiel a este tipo de arte abstrata até ao fim da sua vida.
Victor Servranckx, Opus 53, 1923
Finda esta exposição, entrei numa sala onde vi todo o processo de restauro de um quadro do pintor simbolista Jean Delville, O amor das almas (1900), uma tela de grande formato (268x150), inspirada no Banquete de Platão, no qual Aristófanes descreve o mito da androgenia, tema que encarna perfeitamente o ideal do simbolismo em finais do século XIX. Aqui se evoca a nostalgia de uma unidade e harmonia originais que se vieram a perder. A tela representa dois amorosos enlaçados que parecem em levitação, os corpos estão envolvidos numa voluta e parecem conduzidos para um céu luminoso. Ao longo das paredes eram dados pormenores sobre os processos de restauro envolvidos.
O museu de Ixelles ainda tem mais exposições, vou passar de raspão pela do genial artística gráfico Lucien de Roeck, foi ele que criou o logo da Exposição Universal de 1958, preparava-me para sair, já tinha o estômago a bater horas mas não resisti ao fascínio de todo este grafismo arrebatador. À saída, fixei um último pormenor do museu, já deixara de chover e senti-me feliz por saudar este equipamento que tão bem me acolhera.
É um exterior singelo, convenhamos, com várias enxertias, ao sabor dos financiamentos dos doadores, uns ofereceram obras-primas e outros cuidaram de ir ampliando as instalações para as expor com pompa e garbo. E como é prática, há sempre um pedacinho de vegetação, dentro de algumas semanas vão irromper as flores, no auge da Primavera.
Vou desembolado pela fome, mas não resisti a esta surpresa, esta extravagante fachada de um restaurante, com tanto pechisbeque de cima a baixo. Agora é que vou mesmo à procura de uma sopinha, de uma salada e uma talhada de tarte, depois andarei a ver montras, o tempo está de chuva, é a situação ideal para ir à procura de pechinchas, CDs a um euro, que os há, confirmei, e em muito bom estado. E ao fim da tarde fui ouvir Schumann, e com muito prazer, no Conservatório. Foi um dia bem aviado, recolho-me a casa do anfitrião, jantar, um pouco de leitura e vale de lençóis, como é boa a vida de um reformado português em Bruxelas!
Só mais uns pormenores antes de apanhar o metro para regressar a Watermael-Boisfort. Em primeiro lugar esta fachada de um edifício dedicado ao ensino das artes e ofícios, faz parte daquela época esplendorosa entre guerras, muito dinheiro das minas, dos diamantes e de outras riquezas do Congo, eram tempos em que a arquitetura se conjugava com o metal e o vidro, na justa escala, reminiscência das construções palatinas. E chocou-me o contraste com aquele mamarracho ali à direita, um caixote informe, mais inadequado não podia ser.
São bastante conservadores, estes belgas. Mas não atraiçoam a História, nem a minimizam. Quando o partido comunista implodiu, centenas e centenas de intelectuais escreveram um documento apelando a que se respeitasse o seu património de luta, nas lutas laborais e na resistência ao ocupante alemão. Estes belgas conservadores deram com os costados nos mesmos campos de concentração ao lado dos homens de esquerda, e não se esquecem. A caminho da Gare du Midi, onde se pode apanhar o comboio para Paris ou para os principais centros do Norte da Alemanha, encontrei esta alameda Rosa Luxemburgo, não posso ficar insensível a estas memórias, por todo o lado se encontram lápides aos fuzilados e martirizados. Quando um povo se respeita, o dever de memória é fácil.
O mesmo se passa com esta Avenida de Estalinegrado, só conheço este nome aqui e em Paris, foi aqui que se deu a viragem e o princípio da queda do nazismo. A Bélgica não foi dos países mais sofredores mas ficou suficientemente marcada pela perseguição aos judeus e as muitas humilhações. Pois assim se respeita Estalinegrado, a cidade mártir. E já chega de considerações. Amanhã o dia é passado em Lovaina, a velha, a importantíssima cidade dos têxteis, dos curtumes e detentora de uma universidade que marcou a cultura europeia e cuja reputação chegou aos dias de hoje. Eu depois conto.
(Continua)
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Nota do editor
Poste anterior de 22 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14501: Os nossos seres, saberes e lazeres (88): Bruxelles, mon village (Parte 2) (Mário Beja Santos)
Último poste da série de 23 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14508: Os nossos seres, saberes e lazeres (90): Lançamento do livro "De Freguês a Consumidor", da autoria de Mário Beja Santos, dia 28 de Abril de 2015, às 17h30, na Direcção Geral do Consumidor, Praça Duque de Saldanha, 31-1.º, em Lisboa
Guiné 63/74 - P14541: Convívios (670): Almoço Convívio do BCAÇ 2851, dia 6 de Junho (António Pimentel)
1. O nosso Camarada António Pimentel, ex-Alf Mil do Rec Inf do BCAÇ 2851 (Guiné, 1968/70), solicitou-nos a publicação do seguinte convite para a festa do convívio anual da sua Unidade:
Caro Luís Graça,
Para conhecimento de todos os que estiveram envolvidos com a nossa ação na Guiné e queiram compartilhar connosco este ALMOÇO ANUAL.
O nosso almoço anual é sempre no primeiro sábado de Junho, dia 6.
Um abraço,
António Pimentel
Alf Mil do Rec Inf do BCAÇ 2851
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
Guiné 63/74 - P14540: Em busca de... (257): Elementos do conjunto musical "Os Bambadincas": o Toni (cantor romântico), o Serafim (baterista), o Peixoto (viola ritmo e cantor pop) e mais um outro 1º cabo, que era viola baixo...Eu sou o o "Braga", viola solo, e queria muito abraçar-vos, na Trofa, no próximo dia 30 de maio, por ocasião do convivio do pessoal de Bambadinca 1968/71
1. Mensagem do nosso camarada José Sousa [JMSF], que entrou recentemente para a nossa Tabanca Grande (*)
[Imagem à esquerda: José Sousa, o "Braga", viola solo do conjunto musical Os Bambadincas, natural de Braga, e hoje sócio de uma escola de condução do Porto, ex-soldado de rendição individual (BART 1904 e Pelotão de Intendência, Bambadinca, 1968/70)]
De: José Sousa
Data: 26 de abril de 2015 às 15:12
Assunto: Almoço do convívio do pessoal de Bambadinca (1968/71)... Em busca dos elementos do conjunto musical Os Bambadincas
Camarada de armas, sou um ex-combatente da Guiné, estive sediado em Bambadinca (1968/70, por casualidade vi há dois dias atrás umas fotos onde mostra um grupo musical (Os Bambadincas) a actuar para todos os colegas em Bambadinca, junto ás instalações dos oficiais e sargentos que me trouxeram muitas saudades, pois eu estou na foto, era o viola solo do conjunto (José Maria) conhecido por Braga.
Apesar de ter sentido um grande aperto no coração, foi uma enorme alegria ter visto ao fim de 46 anos os meus amigos: Toni (cantor romântico); Serafim (Baterista), Peixoto (viola ritmo e cantor pop) e o viola baixo que sinceramente não consigo lembrar-me do nome dele! (Acho que ele, antes de ir para o exército, praticava halterofilismo e trabalhava na oficina (chapeiro?), penso que sim.)
Eu pertencia ao Batalhão que vocês foram render [, o BART 1904], depois passei para os serviços de intendência que também estavam sediados em Bambadinca e a minha vida lá estava ligada com todos vós.
Caso estes meus colegas do conjunto musical estejam vivos e de saúde (por Deus espero que sim!), e se forem ao almoço convívio [,na Trofa, em 30 de maio,] (***), para mim seria uma grande satisfação também participar e dar-lhes um abraço maior do que daqui até Bambadinca.
Agradecia que me dissessem alguma coisa. (****)
O meu telem. 969 456 423
José Sousa
Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Por volta de maio de 1969 > Atuação do conjunto musical "Os Bambadincas", formado por cinco elementos: da direita para a esquerda, o 1º cabo Tony ("cantor romântico"), o 1º cabo Serafim (bateria), o 1º cabo Peixoto (viola ritmo e cantor pop), o José Maria de Sousa [, Ferreira, mais conhecido por "Braga"; era soldado do pelotão de intendência (viola solo)], e ainda "um outro 1º cabo que "deveria ser chapeiro e que, na vida civil, praticava halterofilismo"... Com exceção do Sousa, todos pertenciam ao BCAÇ 2852 e eram 1ºs cabos...
Pela consulta da história da unidade (BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70), presume-se que:
(i) o Peixoto seja o 1º cabo escriturário José Faria Taveiro Peixoto, nº 11176267, do comando do batalhão, secção de pessoal e reabastecimento;
(ii) o Serafim deve ser o 1º cabo mecânico auto António Luis S. Serafim, nº 06148667, do pelotão de manutenção comandado pelo alf mil Ismael Quitério Augusto, nosso grã-tabanqueiro;
(iii) o Tony, pelo nome e nº mecanográfico terminado em 61, pode ser o 1º cabo nº 14219661 António N. Sousa ("Era refratário, e tinha cinco a seis anos a mais do que nós", diz o Sousa; julga que era condutor, e natural de Lisboa, onde já cantava, com nomes fadistas conhecidos como a Maria da Fé).
Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: L.G.)
Eu pertencia ao Batalhão que vocês foram render [, o BART 1904], depois passei para os serviços de intendência que também estavam sediados em Bambadinca e a minha vida lá estava ligada com todos vós.
Caso estes meus colegas do conjunto musical estejam vivos e de saúde (por Deus espero que sim!), e se forem ao almoço convívio [,na Trofa, em 30 de maio,] (***), para mim seria uma grande satisfação também participar e dar-lhes um abraço maior do que daqui até Bambadinca.
Agradecia que me dissessem alguma coisa. (****)
O meu telem. 969 456 423
José Sousa
Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Por volta de maio de 1969 > Atuação do conjunto musical "Os Bambadincas", formado por cinco elementos: da direita para a esquerda, o 1º cabo Tony ("cantor romântico"), o 1º cabo Serafim (bateria), o 1º cabo Peixoto (viola ritmo e cantor pop), o José Maria de Sousa [, Ferreira, mais conhecido por "Braga"; era soldado do pelotão de intendência (viola solo)], e ainda "um outro 1º cabo que "deveria ser chapeiro e que, na vida civil, praticava halterofilismo"... Com exceção do Sousa, todos pertenciam ao BCAÇ 2852 e eram 1ºs cabos...
Pela consulta da história da unidade (BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70), presume-se que:
(i) o Peixoto seja o 1º cabo escriturário José Faria Taveiro Peixoto, nº 11176267, do comando do batalhão, secção de pessoal e reabastecimento;
(ii) o Serafim deve ser o 1º cabo mecânico auto António Luis S. Serafim, nº 06148667, do pelotão de manutenção comandado pelo alf mil Ismael Quitério Augusto, nosso grã-tabanqueiro;
(iii) o Tony, pelo nome e nº mecanográfico terminado em 61, pode ser o 1º cabo nº 14219661 António N. Sousa ("Era refratário, e tinha cinco a seis anos a mais do que nós", diz o Sousa; julga que era condutor, e natural de Lisboa, onde já cantava, com nomes fadistas conhecidos como a Maria da Fé).
Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: L.G.)
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Notas do editor:
(*) Vd poste de22 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14503: Tabanca Grande (459): José Sousa (JMSF), soldado de rendição individual, do BART 1904 e depois do Pelotão de Intendência, viola solo do conjunto musical de Bambadinca, ao tempo do BCAÇ 2852... Grã-tabanqueiro nº 681
(**) Vd. poste de 10 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14455: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (97): José Maria de Sousa [ Ferreira, minhoto, com escola de condução no Porto], ex-sold mec aut (BCAÇ 1904 e PINT, Bambadinca, 1968/70) descobre os seus companheiros do conjunto musical a quem o Movimento Nacional Feminino ofereceu, em 1969, os instrumentos
(*) Vd poste de22 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14503: Tabanca Grande (459): José Sousa (JMSF), soldado de rendição individual, do BART 1904 e depois do Pelotão de Intendência, viola solo do conjunto musical de Bambadinca, ao tempo do BCAÇ 2852... Grã-tabanqueiro nº 681
(**) Vd. poste de 10 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14455: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (97): José Maria de Sousa [ Ferreira, minhoto, com escola de condução no Porto], ex-sold mec aut (BCAÇ 1904 e PINT, Bambadinca, 1968/70) descobre os seus companheiros do conjunto musical a quem o Movimento Nacional Feminino ofereceu, em 1969, os instrumentos
(****) Último poste da série > 15 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14477: Em busca de... (256): Raul Rodrigues Ferreira que foi chefe do Posto Estagiário do Quadro Administrativo da Colónia da Guiné (Alexandre Cardoso)
Guiné 63/74 - P14539: Parabéns a você (896): Giselda Pessoa, ex-Sargento Enfermeira Paraquedista da BA 12 (Guiné, 1972/74)
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Nota do editor
Último poste da série de 27 de Abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14531: Parabéns a você (895): Hugo Guerra, Coronel DFA Ref, ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 65 (Guiné, 1968/70) e Humberto Nunes, ex-Alf Mil Art, CMDT do 23.º Pel Art (Guiné, 1972/74)
Nota do editor
Último poste da série de 27 de Abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14531: Parabéns a você (895): Hugo Guerra, Coronel DFA Ref, ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 65 (Guiné, 1968/70) e Humberto Nunes, ex-Alf Mil Art, CMDT do 23.º Pel Art (Guiné, 1972/74)
terça-feira, 28 de abril de 2015
Guiné 63/74 - P14538: Agenda cultural (393): Lançamento do livro "CARTAS DE MATO" - CORRESPONDÊNCIA PACÍFICA DE GUERRA", de Daniel Gouveia que terá lugar no próximo dia 5 de Maio de 2015, pelas 15 horas, na Livraria/Galeria Municipal Verney, em Oeiras
Convite para o lançamento do livro "CARTAS DE MATO" - CORRESPONDÊNCIA PACÍFICA DE GUERRA", de Daniel Gouveia que terá lugar no próximo dia 5 de Maio de 2015, pelas 15 horas, na Livraria/Galeria Municipal Verney, em Oeiras.
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Nota do editor
Último poste da série de 25 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14523: Agenda cultural (392): "O medo à espreita", documentário (Portugal, 2015, 86'), de Marta Pessoa, hoje, às 18h00, no Cinema São Jorge, no âmbito do Indie Lisboa 2015 - 12ª Festival Internacional de Cinema Independente
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Nota do editor
Último poste da série de 25 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14523: Agenda cultural (392): "O medo à espreita", documentário (Portugal, 2015, 86'), de Marta Pessoa, hoje, às 18h00, no Cinema São Jorge, no âmbito do Indie Lisboa 2015 - 12ª Festival Internacional de Cinema Independente
Guiné 63/74 - P14537: Em bom português nos entendemos (11): O 25 de abril, a lusofonia, a nossa língua comum... e o nosso apreço pelo portal de referência que é o Ciberdúvidas da Língua Portuguesa (onde é mais que justo destacar o trabalho dedicado, empenhado e competente do seu cofundador e coordenador editorial, o jornalista José Mário Costa)
Lisboa > Av da Liberdade > 25 de abril de 2015 > Tradicional desfile > Imigrantes guineenses... Veja-se a elegância das mulheres, com cravos no cabelo... Pelas palavras de ordem, e pelos cartazes, verifica-se que eram um grupo de imigantes, de diversas nacionalidades, que se manifestavam, em português, pela legalização, e contra a "Europa fortaleza", em nome da solidariedade e da sua contribuição ativa para a economia portuguesa (incluindo a segurança social)...
Fotos (e legenda): © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados.
1. Com a devida vénia, reproduz-se aqui um texto recentíssimo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, com data de 24/4/2015 [, retirámos alguns dos hiperlinks para o tornar menos pesado]:
Abertura [2048] > O 25 de Abril e a afirmação da língua portuguesa em África
As comemorações do 25 de Abril de 1974, data de grande significado histórico em Portugal e nas suas então colónias em África, coincidem no presente ano com as dos 40 anos das respetivas independências* e a afirmação, nesses países, do português como idioma oficial comum, em toda a sua diversidade e caraterísticas próprias. Diversas iniciativas assinalam as efemérides, de que salientamos dois exemplos:
– a realização em Benguela, entre 7 e 9 de maio p. f., do Colóquio Internacional das Línguas Nacionais, uma iniciativa do Instituto Superior Politécnico Jean Piaget de Benguela, que, além de ser o primeiro evento em Angola sobre a normalização das línguas africanas nacionais, também pretende marcar a comemoração do 40.º aniversário da sua independência;
– o Festival Jovem da Lusofonia, que decorre em Coimbra entre 30 de abril e 1 de maio, com o objetivo de promover a música, as danças e a gastronomia dos países africanos de língua oficial portuguesa.
E fica a sugestão de (re)leitura dos seguintes textos em arquivo no Ciberdúvidas, assinalando, de algum modo, o que o 25 de Abril trouxe para a língua portuguesa:
As comemorações do 25 de Abril de 1974, data de grande significado histórico em Portugal e nas suas então colónias em África, coincidem no presente ano com as dos 40 anos das respetivas independências* e a afirmação, nesses países, do português como idioma oficial comum, em toda a sua diversidade e caraterísticas próprias. Diversas iniciativas assinalam as efemérides, de que salientamos dois exemplos:
– a realização em Benguela, entre 7 e 9 de maio p. f., do Colóquio Internacional das Línguas Nacionais, uma iniciativa do Instituto Superior Politécnico Jean Piaget de Benguela, que, além de ser o primeiro evento em Angola sobre a normalização das línguas africanas nacionais, também pretende marcar a comemoração do 40.º aniversário da sua independência;
– o Festival Jovem da Lusofonia, que decorre em Coimbra entre 30 de abril e 1 de maio, com o objetivo de promover a música, as danças e a gastronomia dos países africanos de língua oficial portuguesa.
E fica a sugestão de (re)leitura dos seguintes textos em arquivo no Ciberdúvidas, assinalando, de algum modo, o que o 25 de Abril trouxe para a língua portuguesa:
E sobre a emergência das variedades africanas do português:
E, ainda, estes outros contributos:
Um grande abraço (Alfabravo) ao José Mário Costa, jornalista português, cofundador (com João Carreira Bom, já falecido) e responsável editorial do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa.
2. Comentário de L.G.:
O José Mário Costa trabalha apaixonadamente e "pro bono", neste projeto... Falei-lhe há dias do nosso blogue e do nosso "calão" da Tabanca Grande, bem como do nosso "livro de estilo"... Também nós, combatentes da Guiné, criámos um léxico próprio que deve merecer alguma atenção dos especialistas da língua... (vd. a lista, já longa, das nossas mais de 400 Abreviaturas, Siglas, Acrónimos, Gíria, Calão, Expressões Idiomáticas, Crioulo, etc.).
Tenho grande apreço pelo trabalho dedicado, empenhado e competente que ele faz há anos, neste portal de referência que é o Ciberdúvidas da Língua Portuguesa... Ele e sua equipa de colaboradores e consultores, apesar da crónica escassez de recursos (incluindo a falta de apoios institucionais)... O Ciberdúvidas é um verdadeiro serviço público... E merece as nossas (ou pelo menos, as minhas) palmas!
Tenho grande apreço pelo trabalho dedicado, empenhado e competente que ele faz há anos, neste portal de referência que é o Ciberdúvidas da Língua Portuguesa... Ele e sua equipa de colaboradores e consultores, apesar da crónica escassez de recursos (incluindo a falta de apoios institucionais)... O Ciberdúvidas é um verdadeiro serviço público... E merece as nossas (ou pelo menos, as minhas) palmas!
Já agora, recorde-se que ele é autor do programa televisivo Cuidado com a Língua!, cuja primeira série se encontra recolhida em livro, em colaboração com a professora Maria Regina Rocha. (Ver mais aqui.)
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Nota do editor:
Vd. os últimos cinco postes da série:
8 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10499: Em bom português nos entendemos (10): Camarada, companheiro, colega, irmão, amigo, camarigo...
18 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10165: Em bom português nos entendemos (9): Uma declaração de amor, bem humorada, à língua portuguesa (Teolinda Gersão + netos)
26 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10074: Em bom português nos entendemos (8): O angolês, termos angolanos que pode dar jeito integrar no nosso léxico (Luís Graça, com bué de jindandu para o Raul Feio e demais kambas kalus)
18 de março de 2010 > Guiné 63/74 - P6015: Em bom português nos entendemos (7): O kapuxinho vermelho, contado aos nosso netos, de Lisboa a Dili, de Bissau a S. Paulo (Nelson Herbert / Luís Graça)
13 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3447: Em bom português nos entendemos (6): Histórias... ou estórias de guerra? Venham elas... (J. Mexia Alves)
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Guiné 63/74 - P14536: Bibliografia de uma guerra (70): A Mina, do livro "Guerra na Bolanha", de Francisco Henriques da Silva, Âncora Editora, Lisboa, Março de 2015
1. Mensagem do nosso camarada Francisco Henriques da Silva (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, Có, Mansabá e Olossato, 1968/70; ex-embaixador na Guiné-Bissau nos anos de 1997 a 1999), com data de 18 de Abril de 2015:
Meu caro Luis Graça e todos os camaradas e amigos desta tertúlia,
Como o prometido é devido, aqui estou a enviar um excerto da minha obra “Guerra na Bolanha - de estudante, a militar e diplomata” (Âncora Editora, Lisboa, Março de 2015).
O episódio aqui relatado consta de páginas 159 a 161 do livro em apreço e é ilustrado com uma fotografia autêntica da época da autoria de Maurício Esparteiro.
Recordo que, em tempos, enviei para o blogue um relato do ataque a Mansabá em 3 de Abril de 1969 que também integra a obra.(*)
O lançamento foi efectuado em 17 de Março em Oeiras, mas será feita uma sessão de apresentação em Lisboa, na Sociedade Histórica da Independência de Portugal em 5 de Maio, pelas 18 horas, para a qual estão todos convidados e de que oportunamente enviarei para estas mesmas páginas um lembrete.
Saudações amigas
Francisco Henriques da Silva
(ex-Alferes miliciano de infantaria da CCaç 2402
e ex-embaixador em Bissau 1997-1999)
A Mina
Um pouco mais adiante, no nosso percurso para Bissorã é detectada uma nova mina e desta feita, coube-me a mim, como especialista em explosivos, levantá-la. Armado apenas com uma faca de mato lá fui desempenhar-me dessa ingrata tarefa, pedindo a todos que se afastassem pelo menos uns 50 metros e se refugiassem por detrás dos troncos das árvores.
À boa maneira lusitana, existia sempre um ou outro mirone, que, apesar dos avisos e das proibições, das ordens berradas pelos furriéis, iam ver as minas e manifestavam muita curiosidade em saber como se desmontavam. A certa altura irritei-me, tive de parar o que estava fazer e pedi ao meu “guarda-costas”, que estava para ali a olhar feito parvo, que se retirasse:
– Mas eu estou aqui para protegê-lo, meu alferes – disse-me ele.
– Oh, homem, não proteges nada! Vamos mas és os dois para o galheiro em menos de dois tempos! Além disso parece-me que esta mina está contra-armadilhada! Isto é perigosíssimo! – retruquei.
O que é que se passa pela nossa cabeça quando estamos a desmontar uma mina com cerca de seis quilos e meio de trotil? Sabemos que qualquer erro seria, como diziam os nossos instrutores em Tancos, o primeiro, o único e o fatal. Nesse momento tudo nos incomoda, as pessoas, o arvoredo, a areia seca do arremedo de estrada em que nos encontramos, os ruídos indefinidos da floresta, as formigas que, indiferentes, passeavam num carreiro ali ao lado; alguém que assobiou lá ao longe, sem qualquer motivo; o fumo de um cigarro que o furriel deitou ali bem perto de nós, há minutos. E depois o que nos passa em flashes sucessivos pela cabeça: os eléctricos amarelos de Lisboa, tão perto do nosso coração e tão longe; a namorada que já não tínhamos, mas que podíamos ter; a última música dos Beatles, que era bem gira; os pais, os irmãos e a avó, com os seus límpidos olhos azuis e o seu ar autoritário; os estudos inacabados; a estupidez incomensurável da guerra naquele país ignorado e que poucos sabiam localizar com exactidão no mapa. Enfim, o que é que, em boa verdade, não nos passa pela cabeça?
Mas, atenção: temos de nos concentrar, o importante é desactivar a mina, tão depressa quanto possível, mas sem grandes pressas. Temos medo? Creio que não. Estamos apenas apreensivos. Como é que isto se define? Não sei. A juventude e alguma inconsciência que a caracteriza acaba com qualquer vislumbre de medo e a prudência não é para aqui chamada. Vamos a isto? Vamos! Mãos à obra.
Chamei a minha gente, para conferenciar com os furriéis e um dos condutores.
– Meus amigos, aquela mina deve estar contra-armadilhada e eu receio que não consiga dar conta do recado. Alguém tem sugestões? Podemos rebentá-la no local. É o que se costuma fazer e é uma hipótese a considerar. Mas vamos, antes, tentar retirá-la com o guincho do Unimog. O que é que acham?
À falta de melhor, com uma ou outra hesitação, acabaram todos por concordar. Então expliquei-lhes o que pretendia fazer:
– Como esta coisa pode rebentar imediatamente ou a meio caminho, quando estiver a ser puxada, nunca se sabe, o pessoal vai-se afastar ainda mais. Portanto, recuam todos para uma distância segura. Vamos esticar o cabo até ao limite, depois vamos passá-lo pelo ramo daquela árvore – e apontei com o dedo para uma árvore próxima –, em seguida, vamos prender o gancho às pegas laterais da mina que são de corda. Finalmente, com toda a calma, içamo-la. Quando estiver no ar baixamo-la muito, mas muito, lentamente. – e voltando-me para o condutor – Percebeste? Atenção! Tudo pode acontecer. Deixem-se de brincadeiras! Isto é a sério! Não quero aqui ninguém de ninguém!
Todo o pessoal se abrigou a uma distância razoável do local, internando-se na floresta e escondendo-se atrás das árvores e dos morros de baga-baga. Com esta dispersão, corria-se o risco de sermos emboscados ou de alguém colocar o pé numa mina antipessoal. Porém, não houve nada. Os guerrilheiros assentaram a mina e terão ido à sua vida. Bom, procedemos com o maior cuidado. A mina elevou-se no ar, aí um metro ou um pouco mais. Não aconteceu o que quer que fosse. Depois baixámos o cabo muito devagar até repousar novamente no solo, ao lado do buraco, onde se encontrava previamente. Não estava contra-armadilhada como se temia, mas o inimigo havia deixado uma moeda de 25 tostões metropolitana presa a um clipe grande de escritório (!). Da estupefacção passei ao riso. Mas que ideia aquela! Desarmei, com segurança, a mina e a companhia lá ficou a ganhar 2000 escudos, que era o prémio por mina anticarro detectada e levantada (em geral, 1000 escudos para quem a descobria e outros 1000 para quem a levantava). O dinheiro reverteu, como habitualmente, para o fundo comum.
O resto da estrada foi cuidadosamente picada até ao subsector de Bissorã, cuja tropa, quase toda originária dos Açores, já estava preocupada com a nossa demora e alguns dos graduados, num acto meio-tresloucado foram ter connosco, ao limite da respectiva área, de bicicletas motorizadas!
A loucura não paga imposto.
C’était notre drôle de guerre!
____________
Notas do editor
(*) Vd poste de 7 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13858: Memórias de Mansabá (34): As amêndoas da Páscoa de 1969 (Francisco Henriques da Silva)
Último poste da série de 23 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11616: Bibliografia de uma guerra (69): "Guiné - Terra que aprendemos a amar", mais um livro em sextilhas do nosso camarada Manuel Maia
Meu caro Luis Graça e todos os camaradas e amigos desta tertúlia,
Como o prometido é devido, aqui estou a enviar um excerto da minha obra “Guerra na Bolanha - de estudante, a militar e diplomata” (Âncora Editora, Lisboa, Março de 2015).
O episódio aqui relatado consta de páginas 159 a 161 do livro em apreço e é ilustrado com uma fotografia autêntica da época da autoria de Maurício Esparteiro.
Recordo que, em tempos, enviei para o blogue um relato do ataque a Mansabá em 3 de Abril de 1969 que também integra a obra.(*)
O lançamento foi efectuado em 17 de Março em Oeiras, mas será feita uma sessão de apresentação em Lisboa, na Sociedade Histórica da Independência de Portugal em 5 de Maio, pelas 18 horas, para a qual estão todos convidados e de que oportunamente enviarei para estas mesmas páginas um lembrete.
Saudações amigas
Francisco Henriques da Silva
(ex-Alferes miliciano de infantaria da CCaç 2402
e ex-embaixador em Bissau 1997-1999)
A Mina
Um pouco mais adiante, no nosso percurso para Bissorã é detectada uma nova mina e desta feita, coube-me a mim, como especialista em explosivos, levantá-la. Armado apenas com uma faca de mato lá fui desempenhar-me dessa ingrata tarefa, pedindo a todos que se afastassem pelo menos uns 50 metros e se refugiassem por detrás dos troncos das árvores.
À boa maneira lusitana, existia sempre um ou outro mirone, que, apesar dos avisos e das proibições, das ordens berradas pelos furriéis, iam ver as minas e manifestavam muita curiosidade em saber como se desmontavam. A certa altura irritei-me, tive de parar o que estava fazer e pedi ao meu “guarda-costas”, que estava para ali a olhar feito parvo, que se retirasse:
– Mas eu estou aqui para protegê-lo, meu alferes – disse-me ele.
– Oh, homem, não proteges nada! Vamos mas és os dois para o galheiro em menos de dois tempos! Além disso parece-me que esta mina está contra-armadilhada! Isto é perigosíssimo! – retruquei.
O que é que se passa pela nossa cabeça quando estamos a desmontar uma mina com cerca de seis quilos e meio de trotil? Sabemos que qualquer erro seria, como diziam os nossos instrutores em Tancos, o primeiro, o único e o fatal. Nesse momento tudo nos incomoda, as pessoas, o arvoredo, a areia seca do arremedo de estrada em que nos encontramos, os ruídos indefinidos da floresta, as formigas que, indiferentes, passeavam num carreiro ali ao lado; alguém que assobiou lá ao longe, sem qualquer motivo; o fumo de um cigarro que o furriel deitou ali bem perto de nós, há minutos. E depois o que nos passa em flashes sucessivos pela cabeça: os eléctricos amarelos de Lisboa, tão perto do nosso coração e tão longe; a namorada que já não tínhamos, mas que podíamos ter; a última música dos Beatles, que era bem gira; os pais, os irmãos e a avó, com os seus límpidos olhos azuis e o seu ar autoritário; os estudos inacabados; a estupidez incomensurável da guerra naquele país ignorado e que poucos sabiam localizar com exactidão no mapa. Enfim, o que é que, em boa verdade, não nos passa pela cabeça?
Mas, atenção: temos de nos concentrar, o importante é desactivar a mina, tão depressa quanto possível, mas sem grandes pressas. Temos medo? Creio que não. Estamos apenas apreensivos. Como é que isto se define? Não sei. A juventude e alguma inconsciência que a caracteriza acaba com qualquer vislumbre de medo e a prudência não é para aqui chamada. Vamos a isto? Vamos! Mãos à obra.
Olossato - Levantamento de uma mina
Com efeito, ao escavar a terra sob a parte inferior da caixa de madeira da mina anticarro, deparei com algo de estranho, que não sabia exactamente o que era. Parecia-me um arame, junto com um objecto redondo metálico em forma de pastilha. Não percebi muito bem o que era, mas estava desconfiado. Não conseguia, porém, escavar mais, até porque podia desequilibrar a mina e se esta estivesse contra-armadilhada podia dar por terminada a minha comissão na Guiné e começar de imediato outra no Além. Acresce que, à torreira do Sol, estava com as mãos suadas e sujas de terra. Não podia continuar. Lembrei-me de um alferes sapador que, umas semanas antes, lá para o Sul, ao tentar desactivar uma mina, com as mãos suadas, deixou escapar o percutor e ficou feito em carne picada, que, segundo me contaram, mal cabia toda dentro de um quico. Para rematar, com todos os acontecimentos do dia, estava enervado com pequenas coisas e não com a mina propriamente dita ou seria por causa dela? Parei para descansar, beber um gole de água, puxar de um cigarro. Sosseguei. Mas não tinha chegado ao fim das minhas tribulações.Chamei a minha gente, para conferenciar com os furriéis e um dos condutores.
– Meus amigos, aquela mina deve estar contra-armadilhada e eu receio que não consiga dar conta do recado. Alguém tem sugestões? Podemos rebentá-la no local. É o que se costuma fazer e é uma hipótese a considerar. Mas vamos, antes, tentar retirá-la com o guincho do Unimog. O que é que acham?
À falta de melhor, com uma ou outra hesitação, acabaram todos por concordar. Então expliquei-lhes o que pretendia fazer:
– Como esta coisa pode rebentar imediatamente ou a meio caminho, quando estiver a ser puxada, nunca se sabe, o pessoal vai-se afastar ainda mais. Portanto, recuam todos para uma distância segura. Vamos esticar o cabo até ao limite, depois vamos passá-lo pelo ramo daquela árvore – e apontei com o dedo para uma árvore próxima –, em seguida, vamos prender o gancho às pegas laterais da mina que são de corda. Finalmente, com toda a calma, içamo-la. Quando estiver no ar baixamo-la muito, mas muito, lentamente. – e voltando-me para o condutor – Percebeste? Atenção! Tudo pode acontecer. Deixem-se de brincadeiras! Isto é a sério! Não quero aqui ninguém de ninguém!
Todo o pessoal se abrigou a uma distância razoável do local, internando-se na floresta e escondendo-se atrás das árvores e dos morros de baga-baga. Com esta dispersão, corria-se o risco de sermos emboscados ou de alguém colocar o pé numa mina antipessoal. Porém, não houve nada. Os guerrilheiros assentaram a mina e terão ido à sua vida. Bom, procedemos com o maior cuidado. A mina elevou-se no ar, aí um metro ou um pouco mais. Não aconteceu o que quer que fosse. Depois baixámos o cabo muito devagar até repousar novamente no solo, ao lado do buraco, onde se encontrava previamente. Não estava contra-armadilhada como se temia, mas o inimigo havia deixado uma moeda de 25 tostões metropolitana presa a um clipe grande de escritório (!). Da estupefacção passei ao riso. Mas que ideia aquela! Desarmei, com segurança, a mina e a companhia lá ficou a ganhar 2000 escudos, que era o prémio por mina anticarro detectada e levantada (em geral, 1000 escudos para quem a descobria e outros 1000 para quem a levantava). O dinheiro reverteu, como habitualmente, para o fundo comum.
O resto da estrada foi cuidadosamente picada até ao subsector de Bissorã, cuja tropa, quase toda originária dos Açores, já estava preocupada com a nossa demora e alguns dos graduados, num acto meio-tresloucado foram ter connosco, ao limite da respectiva área, de bicicletas motorizadas!
A loucura não paga imposto.
C’était notre drôle de guerre!
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Notas do editor
(*) Vd poste de 7 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13858: Memórias de Mansabá (34): As amêndoas da Páscoa de 1969 (Francisco Henriques da Silva)
Último poste da série de 23 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11616: Bibliografia de uma guerra (69): "Guiné - Terra que aprendemos a amar", mais um livro em sextilhas do nosso camarada Manuel Maia
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