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Nota do editor
Último poste da série de 25 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16418: Parabéns a você (1126): Manuel Carmelita, ex-Fur Mil Radiomontador do BCAÇ 3852 (Guiné, 1971/73)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 27 de agosto de 2016
sexta-feira, 26 de agosto de 2016
Guiné 63/74 - P16421: In Memoriam (262): Mário Campos Marinho, ex-sold trms, CART 3494 (Xime e Mansambo, 1971/74). O funeral é hoje na Senhora da Hora, Matosinhos, às 14h30 (Sousa de Castro, o grã-tabanqueiro nº 2)
Guiné > Zona Leste > Setor L1 (Bambadinca) > CART 3494 (Xime e Mansambo, 1971/74) > O Mário Campos Marinho (à civil) e o Sousa de Castro, em Mansambo, em 1973
Caros camaradas, informo o falecimento de mais um camarada da nossa companhia, a CART 3494, Guiné – Xime e Mansambo, dez71/abr74, Mário Campos Marinho com 66 anos de idade, ex-soldado de Transmissões, vítima de doença prolongada [, foto à esquerda].
O falecimento ocorreu hoje dia, 25-08-16, o corpo encontra-se em câmara ardente na Igreja da Srª da Hora em Matosinhos, de onde sairá para o cemitério local, amanhã dia. 26 de agosto de 2016 pelas 14,30 horas.
Em meu nome pessoal e de toda a companhia apresento à família sentidas condolências. Até já, camarada!
Sousa de Castro
2. LISTA PUBLICADA PELO BLOGUE DO SOUSA DE CASTRO, COM OS NOMES DOS "COMBATENTES DA CART 3494 QUE DEIXARAM A VIDA TERRENA [, ATÉ À DATA,] E QUE SÃO DO NOSSO CONHECIMENTO"
1. Fur. Milº - Manuel da Rocha Bento, Galveias - Ponte de Sor (Morto em combate na Ponta Coli, Xime em 22ABR1972)
2. Sol. - Abraão Moreira Rosa, Póvoa de Varzim (desaparecido no Rio Geba, Xime - Guiné em 10AGO1972, vítima de acidente do Sintex (Bote) devido à forte ondulação provocada pelo "Macaréu"
3. Sol. - Manuel Salgado Antunes, Quimbres - Coimbra (desaparecido no rio Geba, Xime - Guiné, em 10AGO1972) vítima de acidente do Sintex (Bote) devido à forte ondulação provocada pelo "Macaréu"
4. Sol. - José Maria da Silva e Sousa, S. Tiago de Bougado - Santo Tirso (afogamento Rio Geba, Xime - Guiné, em 10AGO1972)vítima de acidente do Sintex (Bote) devido à forte ondulação provocada pelo "Macaréu", ficou sepultado em Bambadinca, trasladado para o cemitério de Bisau no ano de 2009 (campa s/n)
http://ultramar.terraweb.biz/Memoriais_concelhos_Trofa_BougadoSantiago.htm
5. Sol. - Joaquim de Jesus Fernandes, Pôço - Vila Nova de Monsarros, (em 28AGO1992 (vítima de acidente de viação)
6. 1º Cabo - Manuel Pais Moreira, Vila Verde - Parada de Gatim, (em 1996)
7. Sol. - Silvino Vaz da Rosa e Silva, Figueiredo - Oliveira de Azemeis, (09MAR2002)
8. Sol. Radiot. - Rogério Tavares da Silva, Branca - Albergaria-a-Velha, 16JUN2002, (vítima de acidente de viação)
9. Cap. Art. - Victor Manuel da Silva Marques, Algés - Lisboa (29SET2004)
10. Sol. - Ilidio Ferreira Amaral, S. João da Pesqueira - Ervedosa do Douro, (em 17ABR2009)
11. Sol. - Adão Manuel Gomes da Silva, Figueiró - Paços de Ferreira (em OUT 2009)
12. Sol. - António da Costa, Pinheiro de Baixo - Mangualde (data desconhecida)
13. 1º cabo - Laurentino Bandeira dos Santos, Guifões - Matosinhos (data desconhecida)
14. Sol. - Joaquim Torres Trindade, Brandinhais - Maia - Porto (data desconhecida)
15. Fur. Milº - Raul Magro de Sousa Pinto, Meadela - Viana do Castelo (01ABR2012)
16. Alf. Milº - José Henrique Fernandes Araújo - Arcos de Valdevez (Agosto 2012)
17. 1º cabo - Manuel da Cruz Ramos, Póvoa de Varzim, (em 22NOV2012)
18. Sol. - Mário Rodrigues da Silva Nascimento, Figueira da Foz (08JUN2014
19. Alf. Milº - Manuel Jorge Martins Gomes, Mem Martins (em 15DEC2014)
20. Sol. - António Ferreira Lopes, Palhaça, Oliveira do Bairro (Data desconhecida)
21. Sol. - António Jorge Gomes, Granjal, Sernancelhe (Data desconhecida)
22. Sol. - Ricardo Silva do Nascimento, Cadafaz - Celorico da Beira (Data Desconhecida)
23. Mário Campos Marinho, Srª da Hora Matosinhos, em 25AGO2016
Nota do editor:
Ultimo poste da série > 30 de junho de 2016 > Guiné 63/74 - P16253: In Memoriam (261): Joaquim Vidal Saraiva (1936-2015), um adeus, emocionado, do "Tigre de Missirá"
quinta-feira, 25 de agosto de 2016
Guiné 63/74 - P16420: Notas de leitura (874): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte VIII: o caso do clínico geral Amado Alfonso Delgado (IV): "Os guineenses são muito resistentes...Numa ocasião, uma bomba caiu perto de uma mulher e feriu-a no abdómen... Eu devia abrir-lhe o abdómen pois tinha peritonite. Coloquei-lhe anestesia local e, quando lhe ia dar a geral, um avião largou outra bomba que caiu perto. A mulher levantou-se, com a ferida meio aberta, e fugiu. Não a vi mais. Depois disseram-me que a tinham localizado, já morta, a cerca de quatro quilómetros dali."
Na mata do Fiofioli, as principais operações das NT realizaram-se em março e abril de 1969, reagindo os guerrilheiros do PAIGC com ataques a aquartelamentos, destacamentos e emboscadas em abril, maio e junho, nomeadamente a Sul da linha de circulação entre Xime-Bambadinca-Mansambo-Xitole, a saber: Xime, Ponta Coli, Amedalai, Ponte do Rio Udunduma, Bambadinca, Taibatá, Demba Taco, Moricanhe, Mansambo, Ponte dos Fulas e Xitole (estrelas cor magenta)
Infogravura: Jorge Araújo (2016)
Oitava parte, enviada em 25 do corrente, das "notas de leitura" coligidas pelo nosso camarada e grã-tabanqueiro, Jorge Alves Araújo. Trata-se de um extenso documento, que está a ser publicado em diversas partes (*), tendo em conta o formato, a especificidade e as limitações do blogue.
Foto acima: O nosso grã-tabanqueiro Jorge Araújo: (i) nasceu em 1950, em Lisboa; (ii) foi fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); (iii) fez o doutoramento pela Universidade de León (Espanha), em 2009, em Ciências da Actividade Física e do Desporto, com a tese: «A prática Desportiva em Idade Escolar em Portugal – análise das influências nos itinerários entre a Escola e a Comunidade em Jovens até aos 11 anos»; (iv) é professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes), Portimão, Grupo Lusófona; (v) para além de lecionar diversas Unidades Curriculares, coordena o ramo de Educação Física e Desporto, da Licenciatura em Educação Física e Desporto].
A maioria das vezes que operei foi em sítios calmos, aonde se situavam os 'hospitalitos' [enfermarias de colmo, a que dificilmente se poderia chamar hospitais de campanha], e onde também nos chegavam pessoas que pisavam minas ou tinham sido feridas em emboscadas.
Quase sempre os feridos chegavam de noite e tinha que os operar com archotes de palha. Fiz cerca de cinquenta operações. Amputações fiz muitas devido às minas [anti]pessoais. Também operei tórax e braços.
Apanhávamos maços de erva seca [capim], cortávamos, dobrávamos e amarrávamos com a mesma palha e pegávamos-lhes fogo. Às vezes não via o que estava a operar apesar de colocar à minha volta oito a dez archotes.
Os guineenses tinham muita resistência e com qualquer coisa ficava resolvido. Para minorar uma fractura óssea, fixava-lhes um tronquito da floresta e quinze dias depois estava bom. Se era uma pneumonia, com três injecções de penicilina curavam-se. Muito poucas vezes as feridas se infectaram após as operações que realizei. Eles sangravam pouco.
No primeiro hospital onde estive [Boké] fazíamos-lhes análises de hemoglobina e era muito raro que algum tivesse mais de 5 g/dl. Em Cuba temos 13, 14 g/dl. Mas apesar desta situação, caminham mais e são mais fortes que nós.
Eis algumas! Tomávamos banho no rio. Não tínhamos nem toalhas nem sabão, nem tampouco papel para escrever alguma mensagem. Durante oito meses tive um par de ténis que era o melhor para fazer caminhadas e, por último, já os amarrava com folhas largas pois não havia corda [atacadores].
Quando nos lembramos disso, damo-nos conta de que nessas ocasiões havia coisas que não eram muito normais. Por exemplo, numa ocasião quando me encontrava numa zona perto de um rio, despi-me e lancei duas granadas à água. Imediatamente me atirei ao chão e depois das explosões mergulhei e apanhei perto de vinte peixes mortos. Nesse dia comi com abundância. Penso que todos estávamos um pouco loucos, pois a guerra é a mãe [da loucura e e a rainha de todas as coisas; alguns transforma em deuses, outros em homens; de alguns faz escravos, de outros homens livres, (cit. Heraclito; 535 a.C.-475 a.C.: filósofo pré-socrático considerado o “pai da dialética”].
Colocaram-me à disposição um sangrador de palmeiras (para fazer escorrer o vinho, tipo corta-gotas utilizados nas garrafas). Como não tinhamos desinfectante para colocar na água contaminada, pedíamos a um homem que subisse ao cimo das palmeiras e aí extraía o líquido acumulado que era como se fosse vinho. Cada três/quatro dias me traziam cerca de quatro litros desse líquido. Havia dias em que bebia perto de dois litros de vinho.
Durante o tempo que estive na Guiné comi carne de búfalo, crocodilo, antílope, tartaruga, hipopótamo, javali, macaco, pássaros de várias espécies, apesar da comida principal ser arroz e óleo de dendém.
Em três ocasiões tive paludismo. Uma delas deu-me muito forte e quase que não me podia levantar. Eu próprio me tratava.
Andei e fiquei em vários sítios, primeiro em Kandiafara, perto da fronteira Sul, depois na mata do Fiofioli [frente Leste], aonde estive em cinco lugares diferentes, pois é um território com uns trinta quilómetros quadrados [ao longo das margens do Rio Corubal] e mudávamo-nos cada vez que sentíamos algum movimento estranho.
Informavam-me qual o dia que atacariam algum ponto [aquartelamento; destacamento; coluna de abastecimento; tabanca, …] onde estavam os portugueses. Deixavam-me geralmente a um quilómetro desse lugar. Era sempre um ataque com canhões e morteiros. Na mata não é fácil e às vezes ficava um guerrilheiro em cima de uma árvore dando indicações aonde estavam a cair os projécteis para se poder corrigir o tiro. Os portugueses, enquanto elas [granadas] iam caindo, abrigavam-se, e depois contra-atacavam.
[À intensa actividade operacional das NT na
região da mata do Fiofioli em 1969, como foram os exemplos referidos no P16396: (“Op. Lança Afiada”, entre 8 e 19 de março, movimentando cerca de 1300 efectivos; “Op. Baioneta Dourada” em 2 e 3 de abril, envolvendo um total de sete Gr Comb e “Op. Espada Grande”, em 4 e 5 de abril, com nove Gr Comb, reagiu o PAIGC, treze dias depois, com a primeira acção, realizando uma emboscada na Ponta Coli, no troço da estrada Xime-Bambadinca, em 18 de abril, esta liderada por Mário Mendes Cmdt do bigrupo que atacou os dois grupos de milícias aí instalados em missão de segurança à estrada anteriormente referida, ou seja, o Pel Mil 104 (sediado em Taibatá) e o Pel Mil 105 (destacado em Demba Taco), ambos com uma secção em Amedalai - P12154. Três anos depois, em 25 de maio de 1972, Mário Mendes viria a morrer em combate, na Ponta Varela, na acção “Gaspar 5”, envolvendo seis Gr Comb: três da CART 3494 e três da CCAÇ 12, tendo-lhe sido capturada a sua Kalashnikov, bem como documentação relacionada com as acções a desenvolver naquela zona - P13440].
1. INTRODUÇÃO
Caros Camaradas Tertulianos; aproveito para reforçar os meus agradecimentos pelos vossos comentários aos textos anteriores, considerando-os relevantes neste contexto de partilha de memórias, a partir dos quais desejo organizar uma outra narrativa, concluído este trabalho que continuo a dar a melhor atenção.
Dito isto, seguimos hoje com a oitava parte deste meu projecto relacionado com a divulgação de algumas das principais experiências transmitidas por três médicos cubanos que estiveram na Guiné Portuguesa [hoje Guiné-Bissau] em missão de “ajuda humanitária” ao PAIGC, na sua luta pela independência, nos anos de 1966 a 1969, como foi o caso do clínico Amado Alfonso Delgado.
Relembro que esta espontânea iniciativa surge na sequência de ter tido acesso ao livro escrito em castelhano pelo jornalista e investigador Hedelberto López Blanch, uma coletânea de memórias e experiências divulgadas pelos seus dezasseis entrevistados, a que deu o título de «Histórias Secretas de Médicos Cubanos» [La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005, 248 pp.] ou “on line” em formato pdf, em versão de pré-publicação.
Relembro, ainda, que por tratar-se de uma tradução e adaptação do castelhano, onde procurei respeitar as ideias expressas nas respostas dadas a cada questão, entendi não fazer juízos de valor sobre o seu conteúdo, colocando entre parênteses rectos, quando possível, algumas notas avulsas de reforço sócio-histórico ao que foi transmitido, ajudando-nos, por um lado, a melhor compreender o outro lado do conflito e, por outro, na busca de fechar o puzzle dos diferentes episódios em que ambos estivemos envolvidos.
De acordo com esta metodologia e objectivos serão bem-vindas todas as achegas factuais ao agora divulgado, pois consideramos que a história, enquanto ciência do Homem, necessita do seu aprofundamento, daí o título com que baptizei este trabalho: “d(o) outro lado do combate - memórias de médicos cubanos”.
2. O CASO DO MÉDICO AMADO ALFONSO DELGADO [III]
Esta oitava parte do projecto “memórias de médicos cubanos” corresponde ao quarto de cinco fragmentos em que foi dividida a entrevista ao doutor Amado Alfonso Delgado, médico de clínica-geral, com experiência em cirurgia.(*)
Nos três fragmentos anteriores [P16357; P16380 e P16396], referentes às primeiras quinze questões formuladas, encontramos os antecedentes que influenciaram a sua decisão de cumprir uma missão internacionalista, tendo-lhe surgido a hipótese de o fazer na Guiné Portuguesa (hoje Guiné-Bissau), que aceitou.
Esta inicia-se na véspera de Natal de 1967, tinha então vinte e sete anos de idade, na companhia de outro médico, voando de Havana até Conacri. É na Guiné-Conacri que tem a sua primeira experiência profissional africana, prestando serviço médico no Hospital de Boké, uma unidade de saúde de rectaguarda do PAIGC, juntando-se a mais quatro clínicos cubanos aí colocados anteriormente.
Em abril de 1968 tem início a sua integração na guerrilha ao ser destacado para a frente Leste para substituir o seu companheiro Daniel Salgado, médico-cirurgião militar que entretanto adoecera com o paludismo.
A sua entrada em território da Guiné-Bissau verificou-se pela fronteira Sul com a sua primeira caminhada a terminar na base de Kanchafra, aonde se encontravam vinte combatentes cubanos. Seguiram-se outras etapas ao longo de oito dias, com caminhadas cada vez mais duras, pois não estava preparado para esse desempenho. Nesse espaço de tempo passou por diversas aldeias onde se alimentava com farinha e carne, afirmando ter passado fome, habituando-se, desde então, a comer pouco.
Ao quarto dia disseram-lhe que tinha chegado à Mata do Unal, na região do Cumbijã. Continuada a “viagem” a pé, chegou à foz do Rio Corubal / Rio Geba (Xime) onde lhe foi transmitido que naquele lugar havia um problema mais perigoso que a tropa portuguesa, chamado “macaréu”. Quando chegou à outra margem [, presume-se que fosse a margem direita], encontrou um homem branco em calções, com gorro na cabeça e uma camisa. Este olhou-o com alguma indiferença, tendo-lhe perguntado: “tu pensas aguentar esta ratoeira? “Esquece, pois não duras nem três meses”. Perguntei-lhe porquê? Ao que me respondeu: “tu verás como isto é”.
Entre maio de 1968 e setembro de 1969 [dezassete meses], movimentou-se nas matas do Unal e do Fiofioli [Sector L1 - Bambadinca], com destaque para esta última frente, aonde esteve os primeiros nove meses de 1969, durante os quais teve muito trabalho, com enormes sobressaltos, muitas corridas em ziguezague, rastejanços e dores de barriga (com diarreias), que implicaram sucessivas trocas de acampamento, incluindo a destruição das suas enfermarias [, na mata do Fiofioli], por quatro vezes [, uma das quais no decurso da grande Op Lança Afiada, 8 a 19 de março de 1969].
Esteve cercado por várias vezes. Viu aviões bombardeiros, helicanhões, barcos da marinha e militares [, tropas paraquedistas do BCP 12, ] descerem de helicóptero. Para além dos constantes ataques a que esteve sujeito, foi também atacado por mosquitos que lhe perfuraram a roupa que tinha no corpo e por centenas de abelhas que lhe “ofereceram” os seus ferrões.
Por tudo isto passou vários meses sem ter contacto com o mundo. Devido a todas estas ocorrências e das tensões a elas associadas, por efeito da intervenção dos militares portugueses em diferentes acções naquela região, acreditou não ser possível sobreviver, pensando muito nos filhos, que iriam ficar sem pai… coitados.
Eis mais algumas memórias reveladas pelo médico Amado Alfonso Delgado. (**)
Entrevista com 25 questões [Parte IV, da 16.ª à 21.ª]
Caros Camaradas Tertulianos; aproveito para reforçar os meus agradecimentos pelos vossos comentários aos textos anteriores, considerando-os relevantes neste contexto de partilha de memórias, a partir dos quais desejo organizar uma outra narrativa, concluído este trabalho que continuo a dar a melhor atenção.
Dito isto, seguimos hoje com a oitava parte deste meu projecto relacionado com a divulgação de algumas das principais experiências transmitidas por três médicos cubanos que estiveram na Guiné Portuguesa [hoje Guiné-Bissau] em missão de “ajuda humanitária” ao PAIGC, na sua luta pela independência, nos anos de 1966 a 1969, como foi o caso do clínico Amado Alfonso Delgado.
Relembro que esta espontânea iniciativa surge na sequência de ter tido acesso ao livro escrito em castelhano pelo jornalista e investigador Hedelberto López Blanch, uma coletânea de memórias e experiências divulgadas pelos seus dezasseis entrevistados, a que deu o título de «Histórias Secretas de Médicos Cubanos» [La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005, 248 pp.] ou “on line” em formato pdf, em versão de pré-publicação.
Relembro, ainda, que por tratar-se de uma tradução e adaptação do castelhano, onde procurei respeitar as ideias expressas nas respostas dadas a cada questão, entendi não fazer juízos de valor sobre o seu conteúdo, colocando entre parênteses rectos, quando possível, algumas notas avulsas de reforço sócio-histórico ao que foi transmitido, ajudando-nos, por um lado, a melhor compreender o outro lado do conflito e, por outro, na busca de fechar o puzzle dos diferentes episódios em que ambos estivemos envolvidos.
De acordo com esta metodologia e objectivos serão bem-vindas todas as achegas factuais ao agora divulgado, pois consideramos que a história, enquanto ciência do Homem, necessita do seu aprofundamento, daí o título com que baptizei este trabalho: “d(o) outro lado do combate - memórias de médicos cubanos”.
2. O CASO DO MÉDICO AMADO ALFONSO DELGADO [III]
Esta oitava parte do projecto “memórias de médicos cubanos” corresponde ao quarto de cinco fragmentos em que foi dividida a entrevista ao doutor Amado Alfonso Delgado, médico de clínica-geral, com experiência em cirurgia.(*)
Nos três fragmentos anteriores [P16357; P16380 e P16396], referentes às primeiras quinze questões formuladas, encontramos os antecedentes que influenciaram a sua decisão de cumprir uma missão internacionalista, tendo-lhe surgido a hipótese de o fazer na Guiné Portuguesa (hoje Guiné-Bissau), que aceitou.
Esta inicia-se na véspera de Natal de 1967, tinha então vinte e sete anos de idade, na companhia de outro médico, voando de Havana até Conacri. É na Guiné-Conacri que tem a sua primeira experiência profissional africana, prestando serviço médico no Hospital de Boké, uma unidade de saúde de rectaguarda do PAIGC, juntando-se a mais quatro clínicos cubanos aí colocados anteriormente.
Em abril de 1968 tem início a sua integração na guerrilha ao ser destacado para a frente Leste para substituir o seu companheiro Daniel Salgado, médico-cirurgião militar que entretanto adoecera com o paludismo.
A sua entrada em território da Guiné-Bissau verificou-se pela fronteira Sul com a sua primeira caminhada a terminar na base de Kanchafra, aonde se encontravam vinte combatentes cubanos. Seguiram-se outras etapas ao longo de oito dias, com caminhadas cada vez mais duras, pois não estava preparado para esse desempenho. Nesse espaço de tempo passou por diversas aldeias onde se alimentava com farinha e carne, afirmando ter passado fome, habituando-se, desde então, a comer pouco.
Ao quarto dia disseram-lhe que tinha chegado à Mata do Unal, na região do Cumbijã. Continuada a “viagem” a pé, chegou à foz do Rio Corubal / Rio Geba (Xime) onde lhe foi transmitido que naquele lugar havia um problema mais perigoso que a tropa portuguesa, chamado “macaréu”. Quando chegou à outra margem [, presume-se que fosse a margem direita], encontrou um homem branco em calções, com gorro na cabeça e uma camisa. Este olhou-o com alguma indiferença, tendo-lhe perguntado: “tu pensas aguentar esta ratoeira? “Esquece, pois não duras nem três meses”. Perguntei-lhe porquê? Ao que me respondeu: “tu verás como isto é”.
Entre maio de 1968 e setembro de 1969 [dezassete meses], movimentou-se nas matas do Unal e do Fiofioli [Sector L1 - Bambadinca], com destaque para esta última frente, aonde esteve os primeiros nove meses de 1969, durante os quais teve muito trabalho, com enormes sobressaltos, muitas corridas em ziguezague, rastejanços e dores de barriga (com diarreias), que implicaram sucessivas trocas de acampamento, incluindo a destruição das suas enfermarias [, na mata do Fiofioli], por quatro vezes [, uma das quais no decurso da grande Op Lança Afiada, 8 a 19 de março de 1969].
Esteve cercado por várias vezes. Viu aviões bombardeiros, helicanhões, barcos da marinha e militares [, tropas paraquedistas do BCP 12, ] descerem de helicóptero. Para além dos constantes ataques a que esteve sujeito, foi também atacado por mosquitos que lhe perfuraram a roupa que tinha no corpo e por centenas de abelhas que lhe “ofereceram” os seus ferrões.
Por tudo isto passou vários meses sem ter contacto com o mundo. Devido a todas estas ocorrências e das tensões a elas associadas, por efeito da intervenção dos militares portugueses em diferentes acções naquela região, acreditou não ser possível sobreviver, pensando muito nos filhos, que iriam ficar sem pai… coitados.
Eis mais algumas memórias reveladas pelo médico Amado Alfonso Delgado. (**)
Entrevista com 25 questões [Parte IV, da 16.ª à 21.ª]
“Cirurgias com a ténue luz de fachos de palha ardendo”
(Cap XI, pp. 136 e ss)
(xvi) Neste contexto complexo
realizou operações cirúrgicas?
A maioria das vezes que operei foi em sítios calmos, aonde se situavam os 'hospitalitos' [enfermarias de colmo, a que dificilmente se poderia chamar hospitais de campanha], e onde também nos chegavam pessoas que pisavam minas ou tinham sido feridas em emboscadas.
Quase sempre os feridos chegavam de noite e tinha que os operar com archotes de palha. Fiz cerca de cinquenta operações. Amputações fiz muitas devido às minas [anti]pessoais. Também operei tórax e braços.
(xvii) Como faziam
os archotes?
Apanhávamos maços de erva seca [capim], cortávamos, dobrávamos e amarrávamos com a mesma palha e pegávamos-lhes fogo. Às vezes não via o que estava a operar apesar de colocar à minha volta oito a dez archotes.
Os guineenses tinham muita resistência e com qualquer coisa ficava resolvido. Para minorar uma fractura óssea, fixava-lhes um tronquito da floresta e quinze dias depois estava bom. Se era uma pneumonia, com três injecções de penicilina curavam-se. Muito poucas vezes as feridas se infectaram após as operações que realizei. Eles sangravam pouco.
No primeiro hospital onde estive [Boké] fazíamos-lhes análises de hemoglobina e era muito raro que algum tivesse mais de 5 g/dl. Em Cuba temos 13, 14 g/dl. Mas apesar desta situação, caminham mais e são mais fortes que nós.
(xviii) Conte algumas das suas experiências
com a população
A maioria da população não sabia a sua idade, era o mesmo dizer cinquenta como trinta anos, devido ao contexto onde viviam. Eram muito afectuosos e protegiam-nos muito, às vezes às custas das suas próprias vidas.
Eu senti-me muito bem na Guiné e creio que foi uma das melhores épocas de trabalho da minha vida. Às vezes chegava a uma tabanca, e era para eles como um filme ao verem um branco. De repente ficava cercado por quarente/cinquenta crianças e logo me começavam a tocar nos pelos, na cara, nos braços. Era algo raro que nunca antes tinha visto.
Numa outra ocasião, uma bomba caiu perto de uma mulher e feriu-a no abdómen. Eu levava um manual de como aplicar a anestesia, porque naquele momento não me encontrava com o assistente. Devia abrir o seu abdómen pois tinha peritonite. Coloquei-lhe anestesia local, e quando lhe ia dar a geral, um avião largou outra bomba que caiu perto. A mulher levantou-se, com a ferida meio aberta, e fugiu. Não a vi mais. Despois disseram-me que a tinham localizado, já morta, a cerca de quatro quilómetros dali. Eram coisas que se passavam.
Outras vezes tive que ser dentista. Tinha equipamento para extrair dentes e por sorte eles têm poucas cáries. Aprendi e extrai, naquele tempo, perto de cinquenta.
Como já referi, os guineenses são pessoas muito resistentes. Um dia chegou-me um homem que tinha sido atingido por uma bala, há três meses atrás. Ela entrou-lhe pelo abdómen e saiu-lhe pelas costas, e estava como se nada tivesse acontecido. Se fosse em Cuba, morria-se três vezes. Tive que o enviar para Conacri [Boké], pois era uma operação complicada.
Noutra ocasião levaram-me uma criança que não obrava pelo ânus, mas por orifício perto do recto na ponta da nalga. Não sabia o que era, apalpei-o e encontrei uma coisa dura dentro. Enviei-o para Boké aonde lhe fizeram uma radiografia e viram que era um pau que a tinha atravessado desde a nalga até ao diafragma. Atravessou seis alças intestinais. O pau tinha apodrecido e as fezes saíam por esse sítio. O médico Almenares operou-o e teve de lhe cortar seis pedaços de intestino.
Estando na Mata do Fiofioli, trouxeram-me um comandante [?] com uma ferida no abdómen. Deitava pouco sangue, pus-lhe um penso e enviei-o para o hospital de Boké para o operarem. Para o transportar até esse lugar, designaram entre catorze a dezasseis homens. Dois o colocaram numa padiola em cima dos seus ombros e seguiram. Foram-se revezando pelo caminho ao longo de duzentos quilómetros [?]. Ao fim de um mês, este comandante apareceu para me cumprimentar e agradecer-me pois já estava bom.
Também atendi em duas ocasiões feridos com mordeduras, na cara, provocadas por leopardos [, ou mais provavelmente onças] feridos por caçadores, pois normalmente estes animais não atacam os seres humanos. Atendi, ainda, vários elementos da população com mordidelas de serpentes, pois existem milhares delas na Guiné.
Sim, várias doenças raras. Por exemplo, aldeias inteiras com tracoma, que é uma infecção nos olhos e nas pálpebras que deixa cegas as pessoas. Visitei aldeias aonde muitos estavam cegos. Pessoas com lepra avançada, a que, lhes faltavam dedos, e por isso nos davam as mãos pois gostavam muito de nos cumprimentar.
Havia uma doença, a míasis, produzida pela picada de uma mosca, que provoca um abcesso e daí saiam vermes (bichos). Outra que produzia umas bolhas no corpo, denominada oncocercose, que é um tipo de filária. Uma vez lembrei-me de lancetar uma dessas bolhas a um doente e não fechava. Essa doença tem tratamento especial. Existe um verme que se mete por debaixo da pele e os guineenses apanham um palito, o amarram com um fio de palma, o introduzem no furúnculo e o vão rolando todos os dias até que tiram o enorme bicho a que chamam «verme (bicho) da Guiné».
Existem muitos parasitas e insectos perigosos como a nígua, que se introduz na pele das pessoas em época seca e forma como um furúnculo. Tem-se que o extrair o qual tem a forma de carraça.
Eu senti-me muito bem na Guiné e creio que foi uma das melhores épocas de trabalho da minha vida. Às vezes chegava a uma tabanca, e era para eles como um filme ao verem um branco. De repente ficava cercado por quarente/cinquenta crianças e logo me começavam a tocar nos pelos, na cara, nos braços. Era algo raro que nunca antes tinha visto.
Numa outra ocasião, uma bomba caiu perto de uma mulher e feriu-a no abdómen. Eu levava um manual de como aplicar a anestesia, porque naquele momento não me encontrava com o assistente. Devia abrir o seu abdómen pois tinha peritonite. Coloquei-lhe anestesia local, e quando lhe ia dar a geral, um avião largou outra bomba que caiu perto. A mulher levantou-se, com a ferida meio aberta, e fugiu. Não a vi mais. Despois disseram-me que a tinham localizado, já morta, a cerca de quatro quilómetros dali. Eram coisas que se passavam.
Outras vezes tive que ser dentista. Tinha equipamento para extrair dentes e por sorte eles têm poucas cáries. Aprendi e extrai, naquele tempo, perto de cinquenta.
Como já referi, os guineenses são pessoas muito resistentes. Um dia chegou-me um homem que tinha sido atingido por uma bala, há três meses atrás. Ela entrou-lhe pelo abdómen e saiu-lhe pelas costas, e estava como se nada tivesse acontecido. Se fosse em Cuba, morria-se três vezes. Tive que o enviar para Conacri [Boké], pois era uma operação complicada.
Noutra ocasião levaram-me uma criança que não obrava pelo ânus, mas por orifício perto do recto na ponta da nalga. Não sabia o que era, apalpei-o e encontrei uma coisa dura dentro. Enviei-o para Boké aonde lhe fizeram uma radiografia e viram que era um pau que a tinha atravessado desde a nalga até ao diafragma. Atravessou seis alças intestinais. O pau tinha apodrecido e as fezes saíam por esse sítio. O médico Almenares operou-o e teve de lhe cortar seis pedaços de intestino.
Estando na Mata do Fiofioli, trouxeram-me um comandante [?] com uma ferida no abdómen. Deitava pouco sangue, pus-lhe um penso e enviei-o para o hospital de Boké para o operarem. Para o transportar até esse lugar, designaram entre catorze a dezasseis homens. Dois o colocaram numa padiola em cima dos seus ombros e seguiram. Foram-se revezando pelo caminho ao longo de duzentos quilómetros [?]. Ao fim de um mês, este comandante apareceu para me cumprimentar e agradecer-me pois já estava bom.
Também atendi em duas ocasiões feridos com mordeduras, na cara, provocadas por leopardos [, ou mais provavelmente onças] feridos por caçadores, pois normalmente estes animais não atacam os seres humanos. Atendi, ainda, vários elementos da população com mordidelas de serpentes, pois existem milhares delas na Guiné.
(xix) Encontrou doenças
que não existem em Cuba?
Sim, várias doenças raras. Por exemplo, aldeias inteiras com tracoma, que é uma infecção nos olhos e nas pálpebras que deixa cegas as pessoas. Visitei aldeias aonde muitos estavam cegos. Pessoas com lepra avançada, a que, lhes faltavam dedos, e por isso nos davam as mãos pois gostavam muito de nos cumprimentar.
Havia uma doença, a míasis, produzida pela picada de uma mosca, que provoca um abcesso e daí saiam vermes (bichos). Outra que produzia umas bolhas no corpo, denominada oncocercose, que é um tipo de filária. Uma vez lembrei-me de lancetar uma dessas bolhas a um doente e não fechava. Essa doença tem tratamento especial. Existe um verme que se mete por debaixo da pele e os guineenses apanham um palito, o amarram com um fio de palma, o introduzem no furúnculo e o vão rolando todos os dias até que tiram o enorme bicho a que chamam «verme (bicho) da Guiné».
Existem muitos parasitas e insectos perigosos como a nígua, que se introduz na pele das pessoas em época seca e forma como um furúnculo. Tem-se que o extrair o qual tem a forma de carraça.
(xx) Anormalidades da sua vida
nas matas de Guiné-Bissau?
Eis algumas! Tomávamos banho no rio. Não tínhamos nem toalhas nem sabão, nem tampouco papel para escrever alguma mensagem. Durante oito meses tive um par de ténis que era o melhor para fazer caminhadas e, por último, já os amarrava com folhas largas pois não havia corda [atacadores].
Quando nos lembramos disso, damo-nos conta de que nessas ocasiões havia coisas que não eram muito normais. Por exemplo, numa ocasião quando me encontrava numa zona perto de um rio, despi-me e lancei duas granadas à água. Imediatamente me atirei ao chão e depois das explosões mergulhei e apanhei perto de vinte peixes mortos. Nesse dia comi com abundância. Penso que todos estávamos um pouco loucos, pois a guerra é a mãe [da loucura e e a rainha de todas as coisas; alguns transforma em deuses, outros em homens; de alguns faz escravos, de outros homens livres, (cit. Heraclito; 535 a.C.-475 a.C.: filósofo pré-socrático considerado o “pai da dialética”].
Colocaram-me à disposição um sangrador de palmeiras (para fazer escorrer o vinho, tipo corta-gotas utilizados nas garrafas). Como não tinhamos desinfectante para colocar na água contaminada, pedíamos a um homem que subisse ao cimo das palmeiras e aí extraía o líquido acumulado que era como se fosse vinho. Cada três/quatro dias me traziam cerca de quatro litros desse líquido. Havia dias em que bebia perto de dois litros de vinho.
Durante o tempo que estive na Guiné comi carne de búfalo, crocodilo, antílope, tartaruga, hipopótamo, javali, macaco, pássaros de várias espécies, apesar da comida principal ser arroz e óleo de dendém.
Em três ocasiões tive paludismo. Uma delas deu-me muito forte e quase que não me podia levantar. Eu próprio me tratava.
(xxi) Andava junto
com os guerrilheiros?
Andei e fiquei em vários sítios, primeiro em Kandiafara, perto da fronteira Sul, depois na mata do Fiofioli [frente Leste], aonde estive em cinco lugares diferentes, pois é um território com uns trinta quilómetros quadrados [ao longo das margens do Rio Corubal] e mudávamo-nos cada vez que sentíamos algum movimento estranho.
[À intensa actividade operacional das NT na
região da mata do Fiofioli em 1969, como foram os exemplos referidos no P16396: (“Op. Lança Afiada”, entre 8 e 19 de março, movimentando cerca de 1300 efectivos; “Op. Baioneta Dourada” em 2 e 3 de abril, envolvendo um total de sete Gr Comb e “Op. Espada Grande”, em 4 e 5 de abril, com nove Gr Comb, reagiu o PAIGC, treze dias depois, com a primeira acção, realizando uma emboscada na Ponta Coli, no troço da estrada Xime-Bambadinca, em 18 de abril, esta liderada por Mário Mendes Cmdt do bigrupo que atacou os dois grupos de milícias aí instalados em missão de segurança à estrada anteriormente referida, ou seja, o Pel Mil 104 (sediado em Taibatá) e o Pel Mil 105 (destacado em Demba Taco), ambos com uma secção em Amedalai - P12154. Três anos depois, em 25 de maio de 1972, Mário Mendes viria a morrer em combate, na Ponta Varela, na acção “Gaspar 5”, envolvendo seis Gr Comb: três da CART 3494 e três da CCAÇ 12, tendo-lhe sido capturada a sua Kalashnikov, bem como documentação relacionada com as acções a desenvolver naquela zona - P13440].
[Quarenta dias depois desta emboscada, na noite de 28 de maio de 1969, os guerrilheiros do PAIGC atacaram pela primeira vez (e que viria a ser a única) o aquartelamento e posto administrativo de Bambadinca (Sector L1), aonde estava instalado, à data, o comando do BCAÇ 2852 (1968/70). Participaram no ataque, que durou cerca de quarenta minutos, dois bigrupos (mais de cem elementos), tendo utilizado três canhões s/r (cujos invólucros se apresentam na imagem à direita), morteiros, RPG, metralhadoras ligeiras e pesadas e armas automáticas de assalto, sem grandes consequências - P11575.
[Em simultâneo com este ataque, outros guerrilheiros procediam à sabotagem da ponte sobre o Rio Udunduma, ao tempo sem qualquer segurança, situada a quatro quilómetros, na estrada Bambadinca-Xime. Para o local seguiu o 3.º Pelotão da CART 2339 (Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69), comandado por Carlos Marques Santos (ex-Fur Mil), reforçado pelo Pel Caç Nat 63, visando a ocupação e defesa do pontão, criando um posto avançado de protecção a Bambadinca.
Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) – Uma das primeiras imagens da Ponte do Rio Udunduma, objecto de sabotagem por parte do PAIGC, na noite de 28 de maio de 1969, aquando do ataque ao quartel de Bambadinca (P11162, com a devida vénia). Aqui passei o 2.º semestre de 1973 e mais algumas semanas de 1974.
[Em 2 de junho de 1969, com início às 20h30, ocorreram, com pequenos intervalos entre si, novos ataques a Amedalai, Demba Taco e Moricanhe, respectivamente. Esta última tabanca seria evacuada dois dias depois para reforço de Amedalai - P1019.
[Em 8 de junho, pelas 18h15, seria a vez do Xitole ser flagelado com mort 82, registando-se novos ataques três dias depois (11 de junho: às 05h05 e 22h50) com mort 82 e canhão s/r, todos eles sem consequências. Nesse mesmo dia (11), às 00h01, novo ataque, agora a Mansambo, com canhão s/r, mort 82, LGFog e armas automáticas, durante trinta minutos, sem consequências. Um novo ataque seria repetido dois dias depois (13), com início às 18h30, com a utilização do mesmo material bélico, sem consequências. No dia seguinte (14) seria flagelado o destacamento de Taibatá, defendido pelo Pel Mil 104. Finalmente em 18 de junho, pelas 17h30, foi flagelado, durante 25 minutos, o destacamento da Ponte dos Fulas, no subsector do Xitole, com mort 82, igualmente sem consequências (in: história do BCAÇ 2852 - Bambadinca, 1968/70, pp. 87/88).
[É de crer que este vasto programa de acções esteja relacionado com o documento assinado por Amílcar Cabral (1924-1973), em 4 de junho de 1969, dando instruções para a realização de ataques, no dia 10 de junho, a diversos quartéis e destacamentos da frente Leste (Bambadinca, Gabú, Cabuca, Xime, Mansambo, Canjadude e várias tabancas com milícias e tropas portuguesas), devendo nalguns casos ser repetido durante três dias - P12156].
Continua…
_________________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 17 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16396: Notas de leitura (871): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte VII: o caso do clínico geral Amado Alfonso Delgado (III): Na mata do Fiofioli, pensei que ia morrer, pensei nos meus filhos, que iriam ficar sem pai… coitados, tão pequenos
(**) Último poste da série "Notas de leitura" > 22 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16412: Notas de leitura (873): "O que a Censura cortou": notícias da Guiné, por José Pedro Castanheira (Mário Beja Santos)
[Em simultâneo com este ataque, outros guerrilheiros procediam à sabotagem da ponte sobre o Rio Udunduma, ao tempo sem qualquer segurança, situada a quatro quilómetros, na estrada Bambadinca-Xime. Para o local seguiu o 3.º Pelotão da CART 2339 (Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69), comandado por Carlos Marques Santos (ex-Fur Mil), reforçado pelo Pel Caç Nat 63, visando a ocupação e defesa do pontão, criando um posto avançado de protecção a Bambadinca.
Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) – Uma das primeiras imagens da Ponte do Rio Udunduma, objecto de sabotagem por parte do PAIGC, na noite de 28 de maio de 1969, aquando do ataque ao quartel de Bambadinca (P11162, com a devida vénia). Aqui passei o 2.º semestre de 1973 e mais algumas semanas de 1974.
[Em 2 de junho de 1969, com início às 20h30, ocorreram, com pequenos intervalos entre si, novos ataques a Amedalai, Demba Taco e Moricanhe, respectivamente. Esta última tabanca seria evacuada dois dias depois para reforço de Amedalai - P1019.
[Em 8 de junho, pelas 18h15, seria a vez do Xitole ser flagelado com mort 82, registando-se novos ataques três dias depois (11 de junho: às 05h05 e 22h50) com mort 82 e canhão s/r, todos eles sem consequências. Nesse mesmo dia (11), às 00h01, novo ataque, agora a Mansambo, com canhão s/r, mort 82, LGFog e armas automáticas, durante trinta minutos, sem consequências. Um novo ataque seria repetido dois dias depois (13), com início às 18h30, com a utilização do mesmo material bélico, sem consequências. No dia seguinte (14) seria flagelado o destacamento de Taibatá, defendido pelo Pel Mil 104. Finalmente em 18 de junho, pelas 17h30, foi flagelado, durante 25 minutos, o destacamento da Ponte dos Fulas, no subsector do Xitole, com mort 82, igualmente sem consequências (in: história do BCAÇ 2852 - Bambadinca, 1968/70, pp. 87/88).
[É de crer que este vasto programa de acções esteja relacionado com o documento assinado por Amílcar Cabral (1924-1973), em 4 de junho de 1969, dando instruções para a realização de ataques, no dia 10 de junho, a diversos quartéis e destacamentos da frente Leste (Bambadinca, Gabú, Cabuca, Xime, Mansambo, Canjadude e várias tabancas com milícias e tropas portuguesas), devendo nalguns casos ser repetido durante três dias - P12156].
Continua…
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 17 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16396: Notas de leitura (871): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte VII: o caso do clínico geral Amado Alfonso Delgado (III): Na mata do Fiofioli, pensei que ia morrer, pensei nos meus filhos, que iriam ficar sem pai… coitados, tão pequenos
(**) Último poste da série "Notas de leitura" > 22 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16412: Notas de leitura (873): "O que a Censura cortou": notícias da Guiné, por José Pedro Castanheira (Mário Beja Santos)
Guiné 63/74 - P16419: Inquérito 'on line' (67): Valha-nos, ao menos, isso: as NT nunca usaram soldados-meninos....
Guiné > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589/BCAÇ 1894 (Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68). > O menino a fingir de soldado, empunhando a custo uma G3... Foto (fabulosa) do álbum fotográfico do nosso camarada Manuel Caldeira Coelho, ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 (Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68)(*)...
Foto: © Manuel Coelho (2011). Todos os direitos reservados [Edição: LG]
INQUÉRITO DE OPINIÃO:
"SIM, CONHECI CAMARADAS APARENTANDO 16 ANOS OU MENOS COMO O UMARU BALDÉ"...
1. Sim, aparentando 16 ou até menos anos > 4 (9%)
2. Sim, aparentando 16/17 anos > 6 (14%)
3. Sim, aparentando 18 anos > 3 (7%)
4. Não, não conheci camaradas guineenses com 18 ou menos anos > 25 (60%)
5. Não sei/ não tenho opinião > 3 (7%)
Total > 41 (100%)
Votos apurados: 41
Sondagem fechada em 21 agosto de 2016, às 13h44 (ªª)
_________________
Notas do editor:
(ª) Vd, poste de 27 de junho de 2014 > Guiné 63/74 - P13337: Fotos à procura... de uma legenda (29): O menino... soldado de Madina do Boé, a G3 e a Kalash... (Manuel Coelho, ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68)
(ª) Vd, poste de 27 de junho de 2014 > Guiné 63/74 - P13337: Fotos à procura... de uma legenda (29): O menino... soldado de Madina do Boé, a G3 e a Kalash... (Manuel Coelho, ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68)
Guiné 63/74 - P16418: Parabéns a você (1126): Manuel Carmelita, ex-Fur Mil Radiomontador do BCAÇ 3852 (Guiné, 1971/73)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 24 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16414: Parabéns a você (1125): António Fernando Marques, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71)
Nota do editor
Último poste da série de 24 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16414: Parabéns a você (1125): António Fernando Marques, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71)
quarta-feira, 24 de agosto de 2016
Guiné 63/74 - P16417: Álbum fotográfico de Adelaide Barata Carrêlo, a filha do ten SGE Barata (CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71): um regresso emocionado - Parte VI: Bafatá, parte velha
Foto nº 1 > O supermercado das libanesas (à esquerda) eo edifício da antiga Casa Gouveia
Foto nº 1 A > O supermercado das libanesas, em primeiro plano
Foto nº 1 B > O edifício da antiga Casa Gouveia: está para alugar ou vender...
Foto nº 2 > A antiga rua principal com destaque, à esquerda, para o edifício da antiga Casa Gouveia... Deduz-se, pelos postes de iluminação pública, que a cidade já não se deita às escuras... E parece estar mais "limpinha": há contentores para o lixo!... E na rua das libaneses há 3 viaturas automóveis com ar de novas... Durante anos, o que se via nas ruas da parte velha de Bafatá eram viaturas abandonadas... Algo está a mudar, na nossa "querida princesa do Geba"...
Fotop nº 3 - O velho mercado da cidade
Foto nº 4 > A estátua de Amílcar Cabral, filho de Bafatá e pai da nacionalidade
Foto nº 5 > Restos da bomba de gasolina da SACOR
Foto nº 6 > O hospital regional, ao cimo da rua principal, do lado direito... É outra herança colonial
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Outubro de 2015 > Bafatá > Parte velha
Fotos (e texto): © Adelaide Carrêlo (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Nota do editor:
Último poste da série > 23 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16413: Álbum fotográfico de Adelaide Barata Carrêlo, a filha do ten SGE Barata (CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71): um regresso emocionado - Parte V: Em Bafatá, reencontrando o sr. Dinis, da Escola de Condução Automóvel
Guiné 63/74 - P16416: Os nossos seres, saberes e lazeres (170): Eu fui ao Faial e não vi os Capelinhos (2) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Março de 2016:
Queridos amigos,
Sim, foi visita meteórica no âmbito das comemorações do Dia Mundial dos Direitos do Consumidor, em Março, ainda se lembram deste reformado para palestrar sobre o consumo no presente.
Apanhei mau tempo no canal, numa nesga de luz apanhei um recorte do Pico, tive a sorte em visitar uma exposição de truz sobre baleeiros e a baleação, não saí da Horta mas vi o suficiente para querer voltar.
Umas viagens atrás meti-me num autocarro e fiz metade da ilha visitando Pedro Miguel, Ribeirinha, Salão e Cedros, depois regressámos e entrou-se na Horta pelos Flamengos (há flamengos em várias ilhas, terão sido povoadores que deixaram boa memória para além da obra).
A viagem nunca acaba, é este o sonho que nos embala.
Um abraço do
Mário
Eu fui ao Faial e não vi os Capelinhos (2)
Beja Santos
Ir à Horta e não pôr os pés no Peter Café Sport e como ir a Roma e não ver o Papa. O Peter, penso que ninguém desconhece, é o lendário café de todos aqueles que frequentam aquele que é considerado o melhor porto de abrigo do Atlântico Norte, a Horta. Aqui cheguei com o anfitrião, pedi abrótea frita e enquanto esperava voltei a bisbilhotar este espantoso interior marcado pelas lembranças dos navegadores. Um pitéu de abrótea frita demora algum tempo a preparar, anuncia-se para esta noite muito mau tempo, venho até à avenida, o tempo está ligeiramente descoberto, não sei o que me reserva o dia de amanhã, e pumba apanho a montanha do Pico com um pouco de forro no cume, mas confesso que quando revi a imagem me agradou a ligação entre porto, o canal e a sublime montanha. Do coração, espero que gostem.
Luta-se contra o tempo, o anfitrião mal me viu despachar a abrótea avisou-me que até à noite escura há muito mais a calcorrear, o Monte da Guia de onde se deslumbra um belo panorama sobre Porto Pim, pelo jantar irei vaguear pelo portão fortificado, tal como na Igreja Matriz de S. Salvador, verei ao longe as lembranças dos Dabney, uma família norte-americana que marcou o Faial, tudo encravado entre o Monte da Guia e o Monte Queimado, e a viagem continua, o anfitrião diz que é uma exposição que não se pode perder até porque o fotógrafo é Jorge Barros.
Dou o maior apreço a estas mostras da calçada portuguesa e de como se lavrava com rendilhados de pedra a simbologia dos serviços públicos. Não me recordo de outra marca dos CTT como esta, vai do tempo em que a carta e a encomenda tinham um peso desmesurado nas ligações com o continente e a América do Norte, havia também o telegrama para anunciar o nascimento e a morte e a cabine telefónica, naquele tempo era o veículo mais próximo inter-ilhas e a toda a distância. O serviço público mudou de natureza e de rosto, mas, por favor, não desfaçam esta lembrança lavrada na pedra.
A exposição chama-se “Baleeiro, o rochedo do mar” é uma homenagem num dos grandes fotógrafos portugueses, Jorge Barros, à coragem daqueles homens que viviam todos os riscos da baleação.
Passaram por inúmeras atribulações, enfrentaram o majestoso cetáceo com o arpão. E um dia, esta pesca foi proibida, os heróis do mar deixaram de lutar com monstros, grandes como montanhas, vão envelhecendo, têm histórias para contar. O artista da imagem captou-os isoladamente ou em grupo, e enquanto percorremos a exposição recorda-se um trecho de Raul Brandão em Ilhas Desconhecidas (1924) e o sopro épico perpassa todas as imagens:
“Baleia! Baleia!
Parece um penedo escuro à flor das águas…
Mas o homem impressiona-me ainda mais que a baleia: é tremendo, de pé, minúsculo, com a vida no olhar e nas mãos. No barco está tudo calado e ansioso, ninguém diz palavra inútil: homens, barco, arpoador e arpão, tudo tem o mesmo corpo e a mesma alma. São sete, dominados pela ação, trespassados pelo ar e por este cheiro que penetra pela boca e pelos poros, gerador de energia – é um ser único, só nervos e vontade, à caça do monstro que seduz”.
Dormi num local encantador, uma pousada dentro do forte de Santa Cruz, construído em 1967 para proteção da Horta contra os ataques de piratas e corsários. É monumento nacional e estalagem desde 1969. Aqui há uns anos realizou-se um colóquio internacional para debater a batalha naval mais importante na história da independência dos EUA, fiquei a saber que a batalha aconteceu à beira do forte. Teve um estalajadeiro célebre, o ator Raymond Burr, que me lembro de ter visto na série Perry Mason. Estes louvores não obstam a que diga a verdade: dormi mal e porcamente com o mau tempo no canal, o vento a sibilar, as bátegas de chuva a açoitar os vidros, a vegetação vergada com a ventania, era espetáculo mas cheguei a uma idade em que preciso de pelo menos umas cinco horas bem dormidas, o que não aconteceu. Paciência, ao menos malhei com os ossos em monumento nacional.
Trata-se de um monumento expectante, faz parte do Convento do Carmo, a última utilidade conhecida foi a de aquartelamento de tropas, está devoluto, sabe-se lá se um dia não aparece um projeto para hotel de charme. Olho sem nostalgia, as coisas são o que são, já dispusemos de fortes e fortins, castelos e mansardas, quartéis para batalhões e batarias, seguramente que se reconhecia importância ao tempo para esta posição estratégica, vivemos em acalmia e com tropa reduzida, a verdade é que nunca vivemos tantas décadas em paz e dentro da contabilidade de se viver na União Europeia também temos esta vantagem, não é possível imaginar agressor para as nossas costas.
E aqui se finda a viagem, trabalhou-se de manhã e de tarde, o dia abriu e era possível viajar de avião, o que aconteceu. Não deu para ir aos Capelinhos, o que sempre me maravilha, fica para a próxima deleitar as cinzas expelidas pelo vulcão, paisagem surreal e que maravilha. Adeus e até à próxima.
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Nota do editor
Poste anterior de 17 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16395: Os nossos seres, saberes e lazeres (169): Eu fui ao Faial e não vi os Capelinhos (1) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Sim, foi visita meteórica no âmbito das comemorações do Dia Mundial dos Direitos do Consumidor, em Março, ainda se lembram deste reformado para palestrar sobre o consumo no presente.
Apanhei mau tempo no canal, numa nesga de luz apanhei um recorte do Pico, tive a sorte em visitar uma exposição de truz sobre baleeiros e a baleação, não saí da Horta mas vi o suficiente para querer voltar.
Umas viagens atrás meti-me num autocarro e fiz metade da ilha visitando Pedro Miguel, Ribeirinha, Salão e Cedros, depois regressámos e entrou-se na Horta pelos Flamengos (há flamengos em várias ilhas, terão sido povoadores que deixaram boa memória para além da obra).
A viagem nunca acaba, é este o sonho que nos embala.
Um abraço do
Mário
Eu fui ao Faial e não vi os Capelinhos (2)
Beja Santos
Ir à Horta e não pôr os pés no Peter Café Sport e como ir a Roma e não ver o Papa. O Peter, penso que ninguém desconhece, é o lendário café de todos aqueles que frequentam aquele que é considerado o melhor porto de abrigo do Atlântico Norte, a Horta. Aqui cheguei com o anfitrião, pedi abrótea frita e enquanto esperava voltei a bisbilhotar este espantoso interior marcado pelas lembranças dos navegadores. Um pitéu de abrótea frita demora algum tempo a preparar, anuncia-se para esta noite muito mau tempo, venho até à avenida, o tempo está ligeiramente descoberto, não sei o que me reserva o dia de amanhã, e pumba apanho a montanha do Pico com um pouco de forro no cume, mas confesso que quando revi a imagem me agradou a ligação entre porto, o canal e a sublime montanha. Do coração, espero que gostem.
Luta-se contra o tempo, o anfitrião mal me viu despachar a abrótea avisou-me que até à noite escura há muito mais a calcorrear, o Monte da Guia de onde se deslumbra um belo panorama sobre Porto Pim, pelo jantar irei vaguear pelo portão fortificado, tal como na Igreja Matriz de S. Salvador, verei ao longe as lembranças dos Dabney, uma família norte-americana que marcou o Faial, tudo encravado entre o Monte da Guia e o Monte Queimado, e a viagem continua, o anfitrião diz que é uma exposição que não se pode perder até porque o fotógrafo é Jorge Barros.
Dou o maior apreço a estas mostras da calçada portuguesa e de como se lavrava com rendilhados de pedra a simbologia dos serviços públicos. Não me recordo de outra marca dos CTT como esta, vai do tempo em que a carta e a encomenda tinham um peso desmesurado nas ligações com o continente e a América do Norte, havia também o telegrama para anunciar o nascimento e a morte e a cabine telefónica, naquele tempo era o veículo mais próximo inter-ilhas e a toda a distância. O serviço público mudou de natureza e de rosto, mas, por favor, não desfaçam esta lembrança lavrada na pedra.
A exposição chama-se “Baleeiro, o rochedo do mar” é uma homenagem num dos grandes fotógrafos portugueses, Jorge Barros, à coragem daqueles homens que viviam todos os riscos da baleação.
Passaram por inúmeras atribulações, enfrentaram o majestoso cetáceo com o arpão. E um dia, esta pesca foi proibida, os heróis do mar deixaram de lutar com monstros, grandes como montanhas, vão envelhecendo, têm histórias para contar. O artista da imagem captou-os isoladamente ou em grupo, e enquanto percorremos a exposição recorda-se um trecho de Raul Brandão em Ilhas Desconhecidas (1924) e o sopro épico perpassa todas as imagens:
“Baleia! Baleia!
Parece um penedo escuro à flor das águas…
Mas o homem impressiona-me ainda mais que a baleia: é tremendo, de pé, minúsculo, com a vida no olhar e nas mãos. No barco está tudo calado e ansioso, ninguém diz palavra inútil: homens, barco, arpoador e arpão, tudo tem o mesmo corpo e a mesma alma. São sete, dominados pela ação, trespassados pelo ar e por este cheiro que penetra pela boca e pelos poros, gerador de energia – é um ser único, só nervos e vontade, à caça do monstro que seduz”.
Dormi num local encantador, uma pousada dentro do forte de Santa Cruz, construído em 1967 para proteção da Horta contra os ataques de piratas e corsários. É monumento nacional e estalagem desde 1969. Aqui há uns anos realizou-se um colóquio internacional para debater a batalha naval mais importante na história da independência dos EUA, fiquei a saber que a batalha aconteceu à beira do forte. Teve um estalajadeiro célebre, o ator Raymond Burr, que me lembro de ter visto na série Perry Mason. Estes louvores não obstam a que diga a verdade: dormi mal e porcamente com o mau tempo no canal, o vento a sibilar, as bátegas de chuva a açoitar os vidros, a vegetação vergada com a ventania, era espetáculo mas cheguei a uma idade em que preciso de pelo menos umas cinco horas bem dormidas, o que não aconteceu. Paciência, ao menos malhei com os ossos em monumento nacional.
Trata-se de um monumento expectante, faz parte do Convento do Carmo, a última utilidade conhecida foi a de aquartelamento de tropas, está devoluto, sabe-se lá se um dia não aparece um projeto para hotel de charme. Olho sem nostalgia, as coisas são o que são, já dispusemos de fortes e fortins, castelos e mansardas, quartéis para batalhões e batarias, seguramente que se reconhecia importância ao tempo para esta posição estratégica, vivemos em acalmia e com tropa reduzida, a verdade é que nunca vivemos tantas décadas em paz e dentro da contabilidade de se viver na União Europeia também temos esta vantagem, não é possível imaginar agressor para as nossas costas.
E aqui se finda a viagem, trabalhou-se de manhã e de tarde, o dia abriu e era possível viajar de avião, o que aconteceu. Não deu para ir aos Capelinhos, o que sempre me maravilha, fica para a próxima deleitar as cinzas expelidas pelo vulcão, paisagem surreal e que maravilha. Adeus e até à próxima.
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Nota do editor
Poste anterior de 17 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16395: Os nossos seres, saberes e lazeres (169): Eu fui ao Faial e não vi os Capelinhos (1) (Mário Beja Santos)
Guiné 63/74 - P16415: Convívios (765): Encontro dos Falcões de Sare Bacar, pessoal da CCAÇ 3414, levado a efeito entre os dias 5 e 8 de Agosto passado, na cidade do Porto (Joaquim Carlos Peixoto, ex-Fur Mil Inf MA)
1. Em mensagem de ontem, 23 de Agosto de 2016, o nosso camarada Joaquim Carlos Peixoto (ex-Fur Mil Inf MA, CCAÇ 3414, Bafatá e Sare Bacar, 1971/73) enviou-nos para publicação a reportagem do Convívio deste ano dos Falcões de Sare Bacar, levado a efeito na Antiga, Mui Nobre, Sempre Leal e Invicta Cidade do Porto, nos dias 5 a 8 de Agosto último.
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Nota do editor
Último poste da série de 28 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16343: Convívios (764): Moledo, Lourinhã, 14 de agosto de 2016: encontro de combatentes, 5º aniversário da AVECO - Associação dos Veteranos Combatentes do Oeste... Estamos todos convidados!
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Nota do editor
Último poste da série de 28 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16343: Convívios (764): Moledo, Lourinhã, 14 de agosto de 2016: encontro de combatentes, 5º aniversário da AVECO - Associação dos Veteranos Combatentes do Oeste... Estamos todos convidados!
Guiné 63/74 - P16414: Parabéns a você (1125): António Fernando Marques, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71)
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Nota do editor
Último poste da série de 22 de Agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16411: Parabéns a você (1124): Carlos Cordeiro, ex-Fur Mil Inf do CIC (Angola, 1969/71) e José Luís Vacas de Carvalho, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2206 (Guiné, 1969/71)
Nota do editor
Último poste da série de 22 de Agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16411: Parabéns a você (1124): Carlos Cordeiro, ex-Fur Mil Inf do CIC (Angola, 1969/71) e José Luís Vacas de Carvalho, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2206 (Guiné, 1969/71)
terça-feira, 23 de agosto de 2016
Guiné 63/74 - P16413: Álbum fotográfico de Adelaide Barata Carrêlo, a filha do ten SGE Barata (CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71): um regresso emocionado - Parte V: Em Bafatá, reencontrando o sr. Dinis, da Escola de Condução Automóvel
Fotos (e texto): © Adelaide Carrêlo (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Adelaide Carrelo | 10/08/2016
Assunto - A viagem pela minha Guiné
Bom dia, Luís,
Adorei ver o meu BU (*), hoje logo de manhã!!!
Seguem 2 fotos minhas (agora que já me conheces), uma com 8 anos e a
outra actual.
Um beijinho
PS - Vou fazer mais uma selecção das fotos da minha viagem, para te enviar. As próximas são de Bafatá.
2. Continuação da publicação do álbum fotográfico e das notas de viagem de Adelaide Barata Carrelo, à Guiné-Bissau, em outubro-novembro de 2015 (*):
A viagem continua de Buba até Bafatá por estradas de terra molhada pelas chuvas que caem sem pejo, escondendo o alcatrão de outrora [fotos nºs 3 e 4].
Tudo começou quando o meu filho nos disse que tinha sido selecionado para trabalhar na TESE em Bafatá. Foi como um relembrar daquilo que nunca vi mas sabia que não poderia ser muito diferente de Nova Lamego há quarenta e quatro anos atrás. Muito estranho este sentimento, não tive medo de o deixar partir. Claro que em condições diferentes de quem partiu para lá durante a Guerra.
Senti Bafatá como uma “mãe” que me iria substituir por um tempo que parecia infindável.
A esperança de voltar a pisar esta terra renasce. Durante este tempo as lembranças começam a tornar-se cada vez mais frequentes e o filme “Bafatá Filme Clube” foi a melhor estrada para entrar nesta cidade (**).
Ao seguir na estrada vermelha, vieram-me ao pensamento os militares que cruzarem esta floresta, sem saber para onde iam mas com a certeza do regresso. Pensamentos perdidos no verde da paisagem, atentos a cada passo que podia ser fatal.
Em Bafatá revi o sr. Dinis [, foto nº 2], que conheci em Nova Lamego, na altura tinha uma escola de condução que permanece ainda hoje em Bafatá [, foto nº 1]. Ele lembrava-se muito bem dos meus pais, e de nós os três ainda meninos.
Foi com as lágrimas nos olhos que abracei este senhor que tem pela Guiné um amor incondicional, fez tropa na Guiné, veio à Metrópole casar e voltou com a esposa, D. Célia, até hoje. Habituaram-se e ter e a perder, como todos os Guineenses.
Neste sítio também não há pressas. Os dias sucedem-se às noites e o tempo passa devagar. Realmente a adaptação do ser humano é impressionante. Quando a noite cai e a escuridão nos envolve, os nossos olhos passam a ver como os felinos. Só a partir das 20h00 quando a luz mortiça nos ilumina, bebemos um café no “Ponto de Encontro”, na companhia da D. Célia (sempre a sorrir) e do sr. Dinis, mas inexplicavelmente durante o dia não sentes a falta desta cafeína que pensas não poder passar sem ela.
Cá tudo nos falta, até aquilo que não existe. Quando observo as atitudes de muita gente que reclama por tudo e por nada, só penso “uma semaninha na Guiné, fazia-te bem ao corpo e à alma”.
Continuamos a viagem...
A esperança de voltar a pisar esta terra renasce. Durante este tempo as lembranças começam a tornar-se cada vez mais frequentes e o filme “Bafatá Filme Clube” foi a melhor estrada para entrar nesta cidade (**).
Ao seguir na estrada vermelha, vieram-me ao pensamento os militares que cruzarem esta floresta, sem saber para onde iam mas com a certeza do regresso. Pensamentos perdidos no verde da paisagem, atentos a cada passo que podia ser fatal.
Em Bafatá revi o sr. Dinis [, foto nº 2], que conheci em Nova Lamego, na altura tinha uma escola de condução que permanece ainda hoje em Bafatá [, foto nº 1]. Ele lembrava-se muito bem dos meus pais, e de nós os três ainda meninos.
Foi com as lágrimas nos olhos que abracei este senhor que tem pela Guiné um amor incondicional, fez tropa na Guiné, veio à Metrópole casar e voltou com a esposa, D. Célia, até hoje. Habituaram-se e ter e a perder, como todos os Guineenses.
Neste sítio também não há pressas. Os dias sucedem-se às noites e o tempo passa devagar. Realmente a adaptação do ser humano é impressionante. Quando a noite cai e a escuridão nos envolve, os nossos olhos passam a ver como os felinos. Só a partir das 20h00 quando a luz mortiça nos ilumina, bebemos um café no “Ponto de Encontro”, na companhia da D. Célia (sempre a sorrir) e do sr. Dinis, mas inexplicavelmente durante o dia não sentes a falta desta cafeína que pensas não poder passar sem ela.
Cá tudo nos falta, até aquilo que não existe. Quando observo as atitudes de muita gente que reclama por tudo e por nada, só penso “uma semaninha na Guiné, fazia-te bem ao corpo e à alma”.
Continuamos a viagem...
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Notas do editor
(*) Último poste da série > 10 de agosto de 2016 > ó o BU [um chimpanzé, ou "dari", em crioulo, que ] vivia em cativeiro numa reserva natural em Buba
(*) Último poste da série > 10 de agosto de 2016 > ó o BU [um chimpanzé, ou "dari", em crioulo, que ] vivia em cativeiro numa reserva natural em Buba
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segunda-feira, 22 de agosto de 2016
Guiné 63/74 - P16412: Notas de leitura (873): "O que a Censura cortou": notícias da Guiné, por José Pedro Castanheira (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Setembro de 2015:
Queridos amigos,
Este livro de José Pedro Castanheira, que ainda é possível adquirir a um preço próximo de 11 euros, comprando três números do Expresso de 2013, permite-nos dimensionar quem eram os grandes alvos do exame prévio, a natureza dos corpos arbitrários, tantas vezes improcedentes e inconsequentes. É ridículo o que se cortou da biografia de Amílcar Cabral, até partir para a clandestinidade. O que Augusto de Carvalho escreveu sobre Spínola foi considerado incendiário, atirado para o balde; o abate e aviões nos céus da Guiné, assunto altamente controlado e nem a fotografia do capitão Peralta em julgamento escapou ao lápis azul.
Hoje são simples curiosidades de um mundo execrável que os mais novos não conhecem. É bom rever as imagens. Foi assim.
Um abraço do
Mário
Jornal Expresso, o que a censura cortou: notícias da Guiné
Beja Santos
O jornalista José Pedro Castanheira apresentou assim a génese deste livro surgido em 2009 e republicado pelo Expresso em forma de três cadernos em 2013:
“Em Janeiro de 2008, comecei a escrever no Expresso uma coluna chamada ‘O que a Censura cortou’. A ideia era registar, semana após semana, os cortes efetuados pela Censura 35 anos antes. Foi uma das iniciativas tomadas para assinalar os 35 anos do semanário. O objetivo era não apenas revelar os efeitos da Censura no Expresso, mas tentar mostrar, a partir de um caso concreto e exemplar, o que ele significara no jornalismo português e na própria vida de uma nação. Uma compilação dos textos viria a ser editada em livro em Abril de 2009. Esta é uma reedição desse livro, que se julgou oportuna no âmbito das muitas iniciativas que serão realizadas ao longo de 2013 para comemorar os 40 anos do Expresso. Diferentemente do livro de 2009, este será dividido em três partes, oferecidas aos leitores juntamente com as edições do jornal de 19 e 26 de Janeiro e 2 de Fevereiro de 2013”.
Esclareço o leitor que adquiri recentemente estes três números do Expresso, que ainda não estão esgotados, com o custo aproximado de 11 euros. Não vamos falar da Censura, vamos só exemplificar o que foi censurado no Expresso entre a sua data de lançamento, em 6 de Janeiro de 1973 e 25 de Abril de 1974, com notícias referentes à Guiné. Em 27 de Janeiro de 1973, o Expresso pretende abordar o assassinato de Amílcar Cabral. A Censura cortou na íntegra a biografia de Amílcar Cabral, o jornal protestou e a notícia veria a ser parcialmente autorizada. Na notícia davam-se informações totalmente inócuas, como é o caso de: “Praticando diversos desportos, pertenceu à equipa de futebol da Casa dos Estudantes do Império, que chegou a ganhar o campeonato popular de Lisboa. A sua habilidade mereceu-lhe dos colegas o cognome de ‘cabecinha de ouro’". Augusto Carvalho, a pretexto deste assassinato, vai a Bissau, traça um perfil do governador da Guiné, a Censura corta que se farta: “Foi geral a ideia que conseguimos escolher em meios muito próximos do general: que os governadores-gerais ser campeões dos movimentos de africanização enquadrada num contexto federativo do todo nacional, onde a língua seria o cimento a unir a diversidade de culturas que enriqueceriam uma pátria comum, espalhada pelos quatros cantos do universo” e a Censura revela-se inclemente quando o jornalista escreve: “Spínola é um demagogo (…) disse-nos um representante do PAIGC com quem conseguimos contactar em Bissau. Como é natural, Bissau está cheia de elementos da organização guerrilheira. Espiões e espiados ao mesmo tempo” e escrevia-se mais adiante a propósito de Aristides Pereira como o sucessor de Cabral à frente do PAIGC: “A formação portuguesa é comum a todos eles e todos insistem num ensino do português nas escolas do PAIGC como idioma de entendimento entre as diversas etnias”.
Em 6 de Outubro o Expresso pretende falar dos primeiros aviões abatidos na Guiné-Bissau, e cita a France Presse onde se dizia que o número de perdas em aeronaves ascendia a 25, desde Março. A notícia fora proibida pela Censura. E vem a seguir uma curiosidade: “Um atraso ou uma qualquer deficiência de comunicação levou a que fosse posta em página. Quando os responsáveis do semanário souberam da inclusão de uma notícia proibida, mandaram para a impressora e substituíram-na por uma breve acerca da visita a Bona do primeiro-ministro do Japão, Tanaka. A infração quase passaria despercebida não fosse a denúncia do matutino de ultradireita Época”.
Falando por mim, foi a ler o livro de José Pedro Castanheira que vi a fotografia do capitão Peralta, capturado na operação Jove. Peralta foi condenado a dez anos e um mês de prisão. O Expresso quis publicar na capa uma foto sua, a censura só autorizou a legenda.
Para Balsemão, se não fosse o 25 de Abril, o Expresso seria forçado a fechar, era totalmente impossível continuar a publicar num jornal que a Censura mutilava nos sucessivos exames. No final do ano de 1973, Marcello Rebelo de Sousa fazia o balanço do ano, levou 24 cortes, o que se dizia sobre o Ultramar era impensável, não se podia falar do Congresso dos Combatentes, nem dos oficiais que apoiavam Spínola, nem das homilias do Padre Mário, de Macieira de Lixa. Entrara-se num período tormentoso onde era totalmente proibido falar em aumentos de preços, greves, uma entrevista a Álvaro Cunhal, por exemplo. À guisa de conclusão escreve-se que das 58 edições o número de artigos que vieram da Censura pelo menos com uma mancha azul foi de 1584. Não deixa de ser revelador que em todas as edições do Expresso tenha havido pelo menos um texto cortado na íntegra. O recorde deu-se a 3 de Fevereiro de 1973, quando o carimbo ‘proibido’ foi usado 18 vezes. A grande história da semana era uma reportagem com o General Spínola em Bissau.
E uma última nota, digna de ponderação: “Nos seus primeiros 16 meses de vida – e pese embora a Censura – o jornal acompanhou, nos locais, tudo quanto demais importante se passava de interesse para Portugal e para os portugueses. Foi à Guiné quando Amílcar Cabral foi assassinado e acompanhou o comando sui generis de António de Spínola; esteve na zona de Wiriamu, para tentar fazer o rescaldo do famoso massacre; acompanhou Caetano na sua importante deslocação a Londres; trouxe reportagens de Angola e revelou a até então desconhecida e misteriosa Macau. Assistiu às grandes pelejas parlamentares dos deputados liberais, foi ao Congresso da Oposição em Aveiro, cobriu de forma exemplar as eleições para a Assembleia Nacional. No plano externo, assistiu às importantes eleições em França, enviou repórteres à África do Sul, Suazilândia e Japão, testemunhou o importante Consistório de cardeais no Vaticano, cobriu os primeiros dias da ditadura de Pinochet no Chile bem como o golpe dos coronéis na Grécia, acompanhou a instabilidade do franquismo. Muitas dessas grandes reportagens tiveram a mesma assinatura: Augusto de Carvalho, o grande repórter dos primeiros anos do Expresso e seguramente um dos grandes repórteres portugueses”.
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Nota do editor
Último poste da série de 19 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16401: Notas de leitura (872): “Subsídios para o estudo da circuncisão entre os Balantas”, por James Pinto Bull (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Este livro de José Pedro Castanheira, que ainda é possível adquirir a um preço próximo de 11 euros, comprando três números do Expresso de 2013, permite-nos dimensionar quem eram os grandes alvos do exame prévio, a natureza dos corpos arbitrários, tantas vezes improcedentes e inconsequentes. É ridículo o que se cortou da biografia de Amílcar Cabral, até partir para a clandestinidade. O que Augusto de Carvalho escreveu sobre Spínola foi considerado incendiário, atirado para o balde; o abate e aviões nos céus da Guiné, assunto altamente controlado e nem a fotografia do capitão Peralta em julgamento escapou ao lápis azul.
Hoje são simples curiosidades de um mundo execrável que os mais novos não conhecem. É bom rever as imagens. Foi assim.
Um abraço do
Mário
Jornal Expresso, o que a censura cortou: notícias da Guiné
Beja Santos
O jornalista José Pedro Castanheira apresentou assim a génese deste livro surgido em 2009 e republicado pelo Expresso em forma de três cadernos em 2013:
“Em Janeiro de 2008, comecei a escrever no Expresso uma coluna chamada ‘O que a Censura cortou’. A ideia era registar, semana após semana, os cortes efetuados pela Censura 35 anos antes. Foi uma das iniciativas tomadas para assinalar os 35 anos do semanário. O objetivo era não apenas revelar os efeitos da Censura no Expresso, mas tentar mostrar, a partir de um caso concreto e exemplar, o que ele significara no jornalismo português e na própria vida de uma nação. Uma compilação dos textos viria a ser editada em livro em Abril de 2009. Esta é uma reedição desse livro, que se julgou oportuna no âmbito das muitas iniciativas que serão realizadas ao longo de 2013 para comemorar os 40 anos do Expresso. Diferentemente do livro de 2009, este será dividido em três partes, oferecidas aos leitores juntamente com as edições do jornal de 19 e 26 de Janeiro e 2 de Fevereiro de 2013”.
Esclareço o leitor que adquiri recentemente estes três números do Expresso, que ainda não estão esgotados, com o custo aproximado de 11 euros. Não vamos falar da Censura, vamos só exemplificar o que foi censurado no Expresso entre a sua data de lançamento, em 6 de Janeiro de 1973 e 25 de Abril de 1974, com notícias referentes à Guiné. Em 27 de Janeiro de 1973, o Expresso pretende abordar o assassinato de Amílcar Cabral. A Censura cortou na íntegra a biografia de Amílcar Cabral, o jornal protestou e a notícia veria a ser parcialmente autorizada. Na notícia davam-se informações totalmente inócuas, como é o caso de: “Praticando diversos desportos, pertenceu à equipa de futebol da Casa dos Estudantes do Império, que chegou a ganhar o campeonato popular de Lisboa. A sua habilidade mereceu-lhe dos colegas o cognome de ‘cabecinha de ouro’". Augusto Carvalho, a pretexto deste assassinato, vai a Bissau, traça um perfil do governador da Guiné, a Censura corta que se farta: “Foi geral a ideia que conseguimos escolher em meios muito próximos do general: que os governadores-gerais ser campeões dos movimentos de africanização enquadrada num contexto federativo do todo nacional, onde a língua seria o cimento a unir a diversidade de culturas que enriqueceriam uma pátria comum, espalhada pelos quatros cantos do universo” e a Censura revela-se inclemente quando o jornalista escreve: “Spínola é um demagogo (…) disse-nos um representante do PAIGC com quem conseguimos contactar em Bissau. Como é natural, Bissau está cheia de elementos da organização guerrilheira. Espiões e espiados ao mesmo tempo” e escrevia-se mais adiante a propósito de Aristides Pereira como o sucessor de Cabral à frente do PAIGC: “A formação portuguesa é comum a todos eles e todos insistem num ensino do português nas escolas do PAIGC como idioma de entendimento entre as diversas etnias”.
Em 6 de Outubro o Expresso pretende falar dos primeiros aviões abatidos na Guiné-Bissau, e cita a France Presse onde se dizia que o número de perdas em aeronaves ascendia a 25, desde Março. A notícia fora proibida pela Censura. E vem a seguir uma curiosidade: “Um atraso ou uma qualquer deficiência de comunicação levou a que fosse posta em página. Quando os responsáveis do semanário souberam da inclusão de uma notícia proibida, mandaram para a impressora e substituíram-na por uma breve acerca da visita a Bona do primeiro-ministro do Japão, Tanaka. A infração quase passaria despercebida não fosse a denúncia do matutino de ultradireita Época”.
Falando por mim, foi a ler o livro de José Pedro Castanheira que vi a fotografia do capitão Peralta, capturado na operação Jove. Peralta foi condenado a dez anos e um mês de prisão. O Expresso quis publicar na capa uma foto sua, a censura só autorizou a legenda.
Para Balsemão, se não fosse o 25 de Abril, o Expresso seria forçado a fechar, era totalmente impossível continuar a publicar num jornal que a Censura mutilava nos sucessivos exames. No final do ano de 1973, Marcello Rebelo de Sousa fazia o balanço do ano, levou 24 cortes, o que se dizia sobre o Ultramar era impensável, não se podia falar do Congresso dos Combatentes, nem dos oficiais que apoiavam Spínola, nem das homilias do Padre Mário, de Macieira de Lixa. Entrara-se num período tormentoso onde era totalmente proibido falar em aumentos de preços, greves, uma entrevista a Álvaro Cunhal, por exemplo. À guisa de conclusão escreve-se que das 58 edições o número de artigos que vieram da Censura pelo menos com uma mancha azul foi de 1584. Não deixa de ser revelador que em todas as edições do Expresso tenha havido pelo menos um texto cortado na íntegra. O recorde deu-se a 3 de Fevereiro de 1973, quando o carimbo ‘proibido’ foi usado 18 vezes. A grande história da semana era uma reportagem com o General Spínola em Bissau.
E uma última nota, digna de ponderação: “Nos seus primeiros 16 meses de vida – e pese embora a Censura – o jornal acompanhou, nos locais, tudo quanto demais importante se passava de interesse para Portugal e para os portugueses. Foi à Guiné quando Amílcar Cabral foi assassinado e acompanhou o comando sui generis de António de Spínola; esteve na zona de Wiriamu, para tentar fazer o rescaldo do famoso massacre; acompanhou Caetano na sua importante deslocação a Londres; trouxe reportagens de Angola e revelou a até então desconhecida e misteriosa Macau. Assistiu às grandes pelejas parlamentares dos deputados liberais, foi ao Congresso da Oposição em Aveiro, cobriu de forma exemplar as eleições para a Assembleia Nacional. No plano externo, assistiu às importantes eleições em França, enviou repórteres à África do Sul, Suazilândia e Japão, testemunhou o importante Consistório de cardeais no Vaticano, cobriu os primeiros dias da ditadura de Pinochet no Chile bem como o golpe dos coronéis na Grécia, acompanhou a instabilidade do franquismo. Muitas dessas grandes reportagens tiveram a mesma assinatura: Augusto de Carvalho, o grande repórter dos primeiros anos do Expresso e seguramente um dos grandes repórteres portugueses”.
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Nota do editor
Último poste da série de 19 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16401: Notas de leitura (872): “Subsídios para o estudo da circuncisão entre os Balantas”, por James Pinto Bull (Mário Beja Santos)
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