domingo, 9 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19271: (Ex)citações (345): Frases politicamente (in)corretas de um dos bravos dos céus do CTIG, o ex-ten pilav António Martins de Matos (BA 12, Bissalanca, 1972-74) - Parte I - Amo a minha Força Aérea

António Martins de Matos, ex-ten pilav,
Bissalanca. BA 12, 1972/74;  ten gen ref, 
autor de"Voando sobre um Ninho 
de Strelas (Lisboa: BooksFactory, 
2018, 375.pp.)

1. Para abrir o apetite para a sessão de lançamento do livro "Voando sobre um Ninho de Strelas", na próxima 3ª feira, às 18h00 (*), e a título de primeiras notas de  leitura, aqui ficam algumas frases e pequenos excertos, selecionados pelo nosso editor.(**)


O autor dá-nos a honra se sentar à sombra do poilão da Tabanca Grande, como camarada da Guiné que foi (e é). Desde que o conheço, há coisa de 10 anos, sempre apreciei a sua camaradagem, lealdade, frontalidade e sentido de humor (, às vezes sarcástico). Tem uma qualidade que eu aprecio: não faz fretes a ninguém, é contra o "politicamente correto", diz o que pensa, é intelectualmente honesto,  mas também sabe respeitar as opiniões dos outros.

Capa do livro





Não lhe vou chamar "glorioso maluco das máquinas voadoras", porque ele ficaria logo furioso comigo... Mas acho que estarei a ser justo se disser que ele, o Miguel Pessoa e outros pilotos da FAP que estiveram connosco na guerra do ultramar / guerra colonial, e que voaram o Fiat G-91, enfrentando no TO da Guiné, a nova ameaça que representava o míssil terra-ar Strela (, são poucos esses pilotos, da Esquadra 121, contam-se pelos dedos das duas mãos...) , são credores da nossa admiração e do nosso orgulho. (Naturalmente, a nossa homenagem é extensível a todos os demais camarads da FAP.)

Para mais, o António Martins de Matos, sempre se deu bem com a malta de terra, mar e ar... E ainda hoje alinha nos convívios das nossas tabancas, a começar pelo encontro nacional, anual, da Tabanca Grande. E, não é de mais lembrar, foi aqui, nas páginas do nosso blogue, que ele descobriu a urgência, a paixão e o desafio da escrita. Ficámos todos a ganhar. (LG)

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Nestes últimos anos tenho encontrado muitos amigos do Exército que estiveram comigo na Guiné, nos inúmeros aquartelamentos por lá espalhados e que, bem ou mal, algumas vezes tentei apoiar. Com eles acabei por cohecer uma outra visão da guerra, bem mais difícil que a minha(p. 12.


Não sei se é da velhice, se é do Alzheimer, mas tenho saudades dos bons tempos passados na Guiné (p. 13).

(…) Lista nominal dos 304 militares mortos em combate, apenas e só durante os 21 meses da minha passagem por terras da Guiné (…). Bem os gostaria de os ter podido ajudar melhor. É à memória destes 304 jovens que dedico o meu livro (p. 16).


Era o primeiro a escolher e podia ter optado por Luanda mas, por ter a noção que a guerra iria durar uns largos anos… preferi Bissau. Começava pelo pior, depois era só a melhorar. Eu sei, era jovem, não pensava (p. 35).

Na Academia Militar estudava-se o Clausewitz, como sendo a Bíblia das Guerras, mas faltavam os ensinamentos dos outros, dos que sabiam os conceitos de guerrilha, Che Guevara, Mao Tse Tung… (pp. 38/39).


À chegada a Nova Lamego abriram as portas da cauda do avião e logo se formou uma “feira de gente”, era “dia de São Avião” (p. 49).

(…) Encontrei uma cidade [, Bissau,] demasiadamente feia e suja (p. 53).

Com base nas primeiras impressões tornava-se desde logo evidente que aquela terra não nos pertencia (p. 55).

‘Ganda maçarico, isto aqui [, percurso Bissalanca-Bissau-Bissalanca,] é uma zona segura onde nada acontece’… (p. 56).


(…) Em resumo, lá tivemos que nos aguentar com o GINA [Fiat G.91]R-4 [, armado com 4 metralhadoras 12.7](…), tinha.nos dado mais jeito o R-3 dos canhões [, de 30 mm,] para, no Ultramar, não termos de andar a brincar às guerras (p. 62).

Algumas vezes foram utilizadas duas napalms de 300 litros e duas de 80 litros. Nunca soube o peso exato desta configuração, acho que já estaria fora do permitido, coitado do “Gina”, … arrastava-se pela pista (p.66).



O avião era abastecido com 3600 libras (1800 litros). (…) Numa missão normal para a zona Sul ou Norte, normalmente conseguíamos estar até cerca de uns quinze minutos na área. No ponto mais afastado da Base (, região de Buruntuma,) e sem depósitos exteriores, o tempo que se podia estar sobre o objetivo era… zero (p. 67).

(...) Por que raio de razão os aviões [, DO-27,] estavam pintados de vermelho ? (p. 71).

Que diabo andariam aqueles cérebros em Lisboa a pensar ? Estariam a dormir ? Teriam lido o tal papel sobre a evolução das guerrilhas ? Se não leram, eram incompetentes! Se leram, eram… desleixados! (p. 84).

A Guerra do Ultramar arrastou-se por 13 longos anos. Durante todo esse tempo nunca em Lisboa se produziu uma Doutrina de Emprego dos Meios Aéreos que pudesse ser usada nas três Frentes, Guiné, Angola e Moçambique (p. 87).


Normalmente ao fim de 6 minutos após soar o alarme, a parelha [de Fiat G-91] estava no ar (p. 87).

Bastava o ruído da aeronave em aproximação para se obter um efeito dissuasor no PAIGC e moralizador nas nossas tropas (...), a melhor arma que o Fiat G-91 dispunha era o seu… ruído (…), o avião Fiat G-91 não era capaz de resolver a guerra na Guiné e muito menos a de Moçambique (p. 88).


(…) Os médicos nunca iam ao mato (material precioso ?), a missão era apoiada por uma enfermeira paraquedista (p. 90).

A população da Guiné tinha mais apoio [, em termos de evacuações por via aérea] do que (hoje) os habitantes das nossas aldeias de Trás os Montes (p. 90).


(…) Fico de cabelos em pé quando oiço alguém contar histórias do A e do B que voavam de porta aberta ou aos loopings ou com uns uísques no bucho… (p. 104).

‘Senhor major, aqui ninguém vai consigo, o senhor é que vai comigo’ (p. 106).


Com a manhã a chegar, logo o mistério que os “velhos” [do destacamento da FAP em Nova Lamego] me tinha feito recear, acabava por ser desvendado, alguém me acordava movimentando-me o sexo acima e abaixo, em ritmo bem compassado. Subitamente acordado, logo reparei na intrusa, vinda não sei de onde, negra e jovem, eventualmente demasiado jovem, seios erectos e o sorriso matreiro. Acordar destes só em África, de imediato um movimento envolvente no sentido de a tentar agarrar, logo ela rindo e recuando, dizendo com ar malicioso: ‘Ná ná, nem qui foras Tinente!’… (pp. 107/108). 


Fuzileiros, tropa difícil de entender… (p. 113).


Ao sexto mês de Comissão a neura já começava a produzir os seus efeitos (p. 125).

No final de janeiro de 73 soubemos do assassinato de Amílcar Cabral, algo que nos trouxe alguns pensamentos estranhos, tristes e confusos (p. 130).


Em termos de hierarquia militar havia enfermeiras com vários postos, de tenente a furriel. Nunca se sabia quem era quem, já que o seu fardamento habitual era com as botas da tropa, calças de camuflado e t-shirt branca, a melhor maneira de as tratar seria por “senhora enfermeira”. Logo se voltavam para nós, sorriso inquiridor, “Diga lá, senhor piloto”; não sei bem porquê, mas o coração acelerava-nos um pouco (p. 140).


Amo a minha Força Aérea (p. 299).


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Notas do editor:

(**) Último poste da série > 16 de outubro de 2018  > Guiné 61/74 - P19106: (Ex)citações (345): a Pátria, a classe social, a cunha, o mérito, os "infantes"... e que Santa Bárbara nos proteja!... (C. Martins / Luís Graça)

Guiné 61/74 - P19270: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulo 72 (Fim): Fui com a ideia de que aquela terra era Portugal, quando parti para lá; regressei com a ideia de que estava num país estrangeiro.


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > O Dino,  num posto de sentinela

Foto (e legenda): © José Claudino da Silva (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


José Calduno da Silva, chaperio em Amarante
1. Continuação da pré-publicação do próximo livro (na versão manuscrita, "Em Nome da Pátria"), do nosso camarada José Claudino Silva [foto atual à esquerda] (*):


Chegamos ao fim da viagem do "Dino" pelas suas memórias de Fulacunda, socorrendo-se do seu "roteiro literário-sentimental".

No capº 72, o último, conta como o exército lhe transmitiu, nove dias depois, a notícia da morte da sua mãe, Mabilde da Silva...

O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, quem o criou. 

Ver aqui nota detalhada dobre o autor e  a sinopse dos postes anteriores.


2. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto,
3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Cap 72º (Fim)


72º (e último) Capítulo: A MENSAGEM
José e Amélia


Quando aconteceu o maior drama por mim vivido nessa terra, já não devia estar lá.

Reconhecida internacionalmente por muitos países como Guiné-Bissau desde 1973, ainda hoje há quem pense que aquela terra era Portugal. Foi com essa ideia que parti para lá. Regressei com a ideia de que estava num país estrangeiro.

No dia 10 de Junho de 1974, cerca das cinco horas da manhã, sua excelência o senhor capitão Serrote chamou-me ao seu gabinete para me ler uma mensagem que o Jorge operador cripto decifrara:

- “Saiba nosso cabo que é com imensa pena e pesar que o informamos do falecimento da sua mãe. Condolências em nome do exército português”.


Creio terem sido estas as últimas palavras que ouvi da boca do meu capitão que ficou com o papel na mão.

 “Em meu nome pessoal e de todos os elementos da nossa companhia lamentamos a sua perda. Sentidos sentimentos”.

Devia terminar aqui este livro mas a minha guerra “Em Nome da Pátria” continuou e, embora algumas coisas não as possa provar, por muito inimagináveis que lhes pareçam, são verdadeiras.

Exactamente, no mesmo dia em que recebo a notícia da morte da minha mãe, uma enorme conjugação de casualidades permitem-me fazer algo digno dum filme de James Bond. O meu 1º sargento, um homem acérrimo defensor da lei, acede a um pedido meu.

“Toda a companhia sabe que estou doente, por favor peça uma evacuação urgente e mande-me para o hospital de Bissau”.

Ainda hoje me parece ver a sua cara de espanto ao meu pedido. O que é certo é que, contra tudo e todos, sem tampouco informar o capitão e com a ajuda do meu amigo de transmissões, requisitou uma evacuação urgente. Quatro horas depois, estava em Bissau. Acho que ainda hoje ninguém sabe o que foi aquela avioneta fazer a Fulacunda. Eu pura e simplesmente desapareci. Iria aparecer mais tarde.

EPÍLOGO

Apenas trouxe comigo a farda de saída, o meu correio e fotografias. Tudo o resto, desde a G3 aos artigos do meu negócio, ficaram para trás num canto da cantina.

Mal a avioneta aterrou em Bissalanca, fui de táxi ter com o sargento Leão, pedir-lhe para me arranjar bilhete para a Metrópole. O 1º sargento Leão tinha a mala pronta para partir no dia seguinte, num avião da TAP. Vinha à Metrópole tratar de assuntos pessoais. Ainda teria de regressar. Achava ser impossível conseguir bilhete para mim, a menos que alguém desistisse, mas ia tentar.

Recordo que naquele tempo sair das colónias era uma prioridade para muitos civis, embora na Guiné não fosse tão grave como, por exemplo, Angola. Foi uma senhora vestida com uma saia vermelha e blusa preta, esposa dum oficial da polícia, que ao ouvir o drama que eu estava a passar conseguiu o bilhete. Custou seis contos mas, no dia seguinte, viajei para a metrópole, ao lado do sargento Leão.

Embora eu não tivesse intenção de o fazer, vou dizer-lhes quem era o sargento Leão.  Trabalhei na Garagem Auto Seroa, em Paços de Ferreira, em 1969/70/71. Um dos meus patrões tinha um irmão no exército: era o Sargento Leão que em boa hora encontrei na Guiné.

No dia 11 de Junho, logo que aterrámos em Lisboa, liguei para Penafiel. Foi para a loja do Sr. Amaro que me conhecia muito bem. Identifiquei-me e perguntei se sabia dizer-me o horário do funeral da Senhora Mabilde da Silva, a minha mãe.

"Ó Claudino,  o funeral já foi há dias ela morreu no dia 1, rapaz."

A minha Pátria demorara 9 dias a cumprir a sua obrigação de me informar da morte da minha mãe. Eu cumpri muito melhor a minha parte.

Para mim, a minha mãe viveu mais tempo do que na realidade viveu. Jamais perdoarei os dirigentes do meu país na época me fizeram.

O Leão ficou comigo até há hora do comboio e viemos os dois de Santa Apolónia até Campanhã.

Omiti até agora tudo o que fui lendo em que me referia à minha mãe. Não foi muito. A minha mãe não teve meios de me criar e entregou-me à minha avó. Isso nunca impediu de a respeitar; orgulho-me da minha mãe. Sem ela, eu não estaria aqui. Só passei uma festa com a minha mãe: Foi o último Natal, antes de assentar praça. Ainda bem que o fiz!

Reapareci a 27 de Agosto de 1974 no anexo do hospital militar em Campolide. Deram-me dois comprimidos enquanto lá estive, três semanas. Estava a piorar e os médicos não me ligavam nada. Sem passar cartão a ninguém, mais uma vez desapareci.

A minha companhia foi extinta em 26 de Setembro de 1974. Fui esperá-los a Lisboa. Os meus camaradas estiveram mais 112 dias na Guiné do que eu. Voltei a ser no fim, tal como fora no início, um privilegiado.

Quando pensava que já me chamava José Claudino da Silva, ainda surgiria nova situação caricata.  O meu colega de trabalho (aquele sim!), o Abreu, pintor de automóveis, foi para a tropa alguns meses depois. Especialidade: cabo escriturário, colocado em Penafiel. Foi incumbido, juntamente com um tenente, de trabalhar no dossiê  dos desaparecidos nas províncias ultramarinas.

Foi isto que ele me contou! 

“ Quando vi que o teu nome estava lá, disse ao tenente. Vai-me desculpar, senhor tenente,  mas este nome conheço-o. O 1º cabo 158532/71 José Claudino da Silva não está desaparecido. Ele é chapeiro e trabalha na mesma oficina onde eu trabalho. Sei bem o nome dele José Claudino da Silva”.

Claro que fui chamado e apresentei-me no R.A.L. 5 para esclarecer a minha situação. Na minha caderneta militar, passei à disponibilidade em 23 de Setembro de 1975. Durante o meu “desaparecimento” da tropa, aproveitei para casar com a Amélia.

Na minha caderneta militar e na página das ocorrências extraordinárias, estão as frases:

1975. Transferido para o R.A.S.P. desde o dia 1 de Maio.
Reunida em sessão no H.M.P. confirmo o soldado 158532/71

APROVADO PARA TODO O SERVIÇO MILITAR

(LÁ VAMOS COMEÇAR TUDO DE NOVO)



VENCEU A POESIA

FIM

7 de Outubro de 2017

Texto original da autoria de
José Claudino da Silva

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Guiné 61/74 - P19269: Blogpoesia (598): "Montanha verde da saudade", "Não sei para onde ir..." e "Nunca é tarde...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Montanha verde da saudade

Reclino minha cabeça na montanha verde da saudade.
Sorvo a temperança que sobe dos vales.
Me embriago nas delícias da brisa azul
que se solta livre do mar além.
Poiso ao de leve nas boninas coloridas como se fosse libelinha.
Sonho com as estrelas dum céu de Agosto.
Oiço as vozes lancinantes dos estrondos da história longínqua dos tempos.
Me recomponho feliz na paz do mar da consciência.

Ouvindo Händel Largo Orgel & Trompete
https://www.youtube.com/watch?v=eaxEWTJL6kw
Berlim, 8 de Dezembro de 2018
9h29m
JLMG

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Não sei para onde ir...

Não sei para onde ir.
Vou para a Feira Popular.
Em qualquer noite do ano,
Um oásis de paz e de alegria.
Universal.
Muita luz. Muita vida a esvoaçar.
Há carrocéis. A roda gigante.
Carrinhos eléctricos.
O poço da morte.
Rostos contentes. Famílias inteiras de braço dado.
Da cidade e de fora.
Passeiam nas ruinhas.
Pipocas e farturas verdes.
Cheiro de sardinhas.
Assadas no carvão.
Restaurantes com fartura.
Vinho da pipa. Cerveja imperial.
Café do Brasil.
Tanta coisa mais...Um não acabar.
Que noitada bem passada!
Tudo foi.
Já não há...
E, porquê?

Ouvindo Carlos Paredes
Berlim, 3 de Dezembro de 2018
7h29m
JLMG

********************

Nunca é tarde...

Nunca é tarde para reparar nas coisas belas.
As mais pequeninas. Muito simples.
Estão na borda dos caminhos.
Flores sem nome.
Com libelinhas às cores.
Na casinha branca.
Muito baixinha.
Afitada a azul.
Um terreiro à frente.
Junto à estrada.
Com alegria dentro
e a dona ao sol.
A bordar o linho.
O sorriso puro, só a criança tem.
Um olhar profundo seus olhitos têm.
Que nos fulminam quando a olhamos.
Como ela vai bem.
Tão agasalhada.
Pela mão da mãe.
O esgar da jovem,
como se não fosse nada,
a fazer de conta,
quando um rapaz a mira
e a pareceu gostar.
Aquela fontinha eterna,
Onde nos leva a avó.
Faz o tanque cheio
e ainda rega o campo.
É um encanto vê-la.
O passarito só.
À mesma hora vem.
Canta seu rosário
e se vai embora.
O mendigo velho,
tão bondoso olhar.
Reza uma avé Maria,
quando lhe dão a esmola.
A padeirinha alegre,
com o açafate cheio,
corre a freguesia.
Deixa os seis paezinhos,
sem bater à porta.
A forja acesa,
ao raiar da aurora.
Como ama a vida
o ferreiro alegre.
Ouvem-se as pancadas
sobre o ferro em brasa.
O pedreiro chega
quando vem para casa.
Quem me dera agora
começar de novo.
Tanta coisa bela
Que nos passou ao lado.
Nunca será tarde.
Para saborear a vida.
Basta só querer...

Berlim, 6de Dezembro de 2018
9h25m
JLMG
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19252: Blogpoesia (597): "O render da Companhia...", "As carências" e "Magnos retrocessos...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P19268: Parabéns a você (1535): Amaro Samúdio, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 3477 (Guiné, 1971/73)

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Nota do editor

Último poste da série de5 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19258: Parabéns a você (1534): José Pereira, ex-1.º Cabo At Inf da CCAÇ 5 (Guiné, 1966/68) e Manuel Carvalho, ex-Fur Mil Armas Pesadas Inf da CCAÇ 2366 (Guiné, 1968/70)

sábado, 8 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19267: Agenda cultural (662): lançamento do Livro "Família Regalla: Hora da Verdade!", de Ricardo Moreira Regalla Dias-Pinto, 5 de janeiro de 2019, pelas 18h30, no Hotel Aveiro Center, Aveiro




1. Mensagem do nosso leitor Ricardo Dias-Pinto (*):

Data: quarta, 5/12/2018 à(s) 20:43

Assunto: Lançamento do Livro "Família Regalla: Hora da Verdade!"


Exmos(as). Senhores(as),

Venho por este meio convidar V. Exa. a estar presente no lançamento do meu livro que decorrerá no Hotel Aveiro Center,  no próximo dia 5 de Janeiro de 2019 pelas 18.30 horas.

Aproveito para informar que o Hotel Aveiro Center fez um acordo para que todos possam beneficiar de melhores condições caso pretendam permanecer, bastando para isso reservar quartos o quanto antes através do número de telefone: 234380390 e mencionando a vossa presença no evento. (**)

Melhores cumprimentos,

Ricardo Moreira Regalla Dias-Pinto
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(...) Estou a escrever um livro sobre a minha família.

O meu bisavô Francisco Augusto Regalla, combateu em 1915 na Coluna de Operações em Bissau pelo que gostava muito de pedir autorização para colocar uma vossa fotografia, mais propriamente a nº 3 da Fortaleza de Amura de cuja guarnição o meu bisavô fez parte durante algum tempo.

Naturalmente que, caso autorizem, terei o maior prazer em nomear o vosso blogue nos agradecimentos do referido livro que terá o título: Família Regalla: A Hora da Verdade!" (...) 


(**) Último poste da série > 4 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19257: Agenda cultural (661): "Voando sobre um ninho de Strelas", livro de memórias de António Martins de Matos, ten gen pilav ref. Sessão de apresentação: 11 de dezembro, 3ª feira, 18 horas, no Hotel Travel Park, na Av. Almirante Reis 64, Lisboa (metro Anjos). Estamos todos convidados.

Guiné 61/74 - P19266: Os nossos seres, saberes e lazeres (296): Viagem à Holanda acima das águas (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Setembro de 2018:

Queridos amigos,
Um dos aspetos que acicata a viagem é o facto de que por mais informação que se possua e até visualização dos lugares, o completamente inesperado acaba por nos encher o espírito. Foi logo o caso desta igreja de São Pedro, uma dicotomia entre a pompa contida e a severa linha calvinista, reduzindo a amostra religiosa a túmulos e epitáfios, lápides e memoriais, alguns túmulos e pintura. A surpresa veio de se verificar que os Peregrinos, em fuga às perseguições religiosas de Henrique VIII, aqui tiveram guarida, até partir para a América do Norte, onde fundaram comunidade e se transformaram num dos pilares da História norte-americana.
É por isso que a viagem nunca acaba desde que a curiosidade permaneça desperta.

Um abraço do
Mário


Viagem à Holanda acima das águas (2)

Beja Santos

A Igreja de São Pedro de Leiden é o monumento icónico da cidade. Começou por ser uma basílica cruciforme católica, com a Reforma transformou-se num bastião protestante, é hoje monumento nacional, considerado um lugar de reunião polivalente. Entra-se e é rapidamente percebido que o templo está marcado pelo rigor protestante. Dentro e fora, contudo, encontramos brasões de armas, monumentos, epitáfios, lápides, emblemas das corporações, escudos funerários, painéis religiosos, cruzes, túmulos, sinos, pintura em superfície seca… O mínimo que se pode dizer é que o viandante tem muitíssimo para ver naquele contexto aparente de imponência grave e de vigilância austera.




Este Juízo Final aqui exposto, é um empréstimo, a sua casa primitiva está em obras. É uma das mensagens mais poderosas que acompanham o Cristianismo em que a pintura exerce um papel pedagógico sem precedentes: no retábulo encerra-se a mensagem do que é viver bem praticando o bem e fugindo das fontes do mal, daí a advertência do fogo do inferno em contraposição à contemplação paradisíaca.


Memorial evocativo dos Peregrinos.

Entre o muito que há para ver neste grandioso templo, temos a história dos Peregrinos de Mayflower, alguns deles, em fuga dos rigores do protestantismo de Henrique VIII, que também se dedicou à perseguição religiosa, chegaram a Leiden em 1609. Daí a importância que os Peregrinos nos Estados Unidos dão a este templo. Os Peregrinos viajaram para a América do Norte a bordo do Mayflower, a sua expetativa era construir uma vida nova, não se davam muito bem com a severa moralidade holandesa. Estava iminente o fim da trégua de doze anos da República com o reino de Espanha, em 1621 sentiram-se forçados a abandonar o país. Era aqui que os Peregrinos celebravam as suas missas, o batistério e uma parede exterior conservam placas comemorativas. E deixaram outra lembrança, o Pacto do Mayflower, onde declararam a intenção de formar uma comunidade política que pretendiam estabelecer no norte da colónia britânica da Virgínia (atualmente Plymouth, Massachusetts).



A grelha do Coro de São Pedro em Leiden é tida como a mais antiga dos Países Baixos, trata-se de uma construção com vigamento de carvalho velho que data de 1410, sendo o friso do século XVI.


Leiden é quase completamente plana. Fora do quase há um castelo, hoje uma reminiscência de uma cidadela que vem do século IX, ainda há muralhas com uma altura de seis metros para lembrar o seu papel defensivo. Hoje é uma atração turística para desfrutar panorâmicas que o solo da cidade não permite desfrutar. O viandante entusiasmou-se com esta visão da igreja de São Pedro incrustada no casco histórico, não deixa de ser impressionante.


Concluída a visita a Leiden, regressa-se a Alphen aan den Rijn, é tempo de conhecer o lugar onde se dorme e come, é uma cidade com cerca de 110 mil habitantes, tem uma população próxima de Leiden, a cidade dispersa-se, mas mantém uma densidade por quilómetro quadrado bem alta. Há quem critique esta casa de cultura, considerando-a uma monstruosidade que atenta contra os princípios ecológicos. Vista de perto, tem este gigantismo de cimento e vidro, o viandante sentiu-se atraído pelas linhas curvilíneas, uma sensação de profundidade, enganadora pela ilusão ótica da escala.



Em plena artéria comercial ultramoderna é possível encontrar entretenimentos que vêm do passado, aquela caranguejola musical atrai muita gente, o burrico não está para conversas, mais comunicativo é o cão, que parece zelar pela caixa de música enquanto o patusco empresário recolhe as moedas.

Fim do primeiro dia acima das águas da Holanda.

(Continua)
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Nota do editor

Último poeta da série de 1 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19250: Os nossos seres, saberes e lazeres (295): Viagem à Holanda acima das águas (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19265: E as nossas palmas vão para... (18): O Arquivo Geral do Exército pela excecional colaboração prestada na pesquisa, de 5 anos, para o meu Livro dos Heróis Limianos... apesar das tremendas dificuldades em instalações e pessoal: 10 milhões de fichas individuais e 20 quilómetros de prateleiras todos os dias em risco, está lá toda a Guerra do Ultramar! (Mário Leitão)


Mário Leitão e o Director do Arquivo-Geral do Exército, tenente-coronel Fernando Felício



Capa do livro "Heróis Limianos da Guerra do Ultramar", de Mário Leitão (Ponta de Lima, ed. autor, 2018, 272 pp.) (*)

[O Mário Leitão, hoje farmacêutico reformado, foi fur mil, na Farmácia Militar de Luanda, Delegação n.º 11 do Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos (LMPQF), no período de 1971 a 1973; é natural de (e residente em) em Ponte de Lima, é membro da nossa Tabanca Grande, e já tem 3 livros publicados: "Biodiversidade das Lagoas de Bertiandos e S. Pedro d´Arcos" (2012), "História do Dia do Combatente Limiano" (2017) e, agora, "Heróis Limianos da Guerra do Ultramar" (2018)].


Fotos: © Mário Leitão  (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Mensagem do nosso amigo e camarada limiano, António Mário Leitão: 

Data: sexta, 7/12/2018 à(s) 12:23
Assunto: Livro dos Heróis Limianos

Caro Luís, um grande abraço!

Como não podia deixar de o fazer, entreguei pessoalmente um livro ao Sr. Director do Arquivo-Geral do Exército, tenente-coronel Fernando Felício, a quem devo a minha gratidão pelos serviços extraordinários que a sua instituição me prestou durante 5 anos de pesquisa.

É claro que na ocasião também agradeci ao seu adjunto, major dr. Marcelo Borges, e ao sargento-ajudante Fonseca, que foram incansáveis no fornecimento de processos para análise!

A propósito deste meu agradecimento devo denunciar as tremendas dificuldades de pessoal e de instalações com que esta unidade militar se debate, as quais tardam a ser solucionadas pelos governantes da nossa praça!

Aqueles 10 milhões de fichas individuais e os 20 quilómetros de prateleiras não podem continuar a correr os riscos actuais! A Guerra do Ultramar está lá toda, à espera de digitalização e de tectos seguros, e as calamidades dos incêndios não acontecem só em Terras de Santa Cruz! (Que o diabo seja surdo!)

Agradeço a publicação no nosso blogue!

Outro abraço e até breve! 
Mário Leitão 

2. Poste publicado, em 5 do corrente, na página do Facebook de António Mário Leitão:

Missão cumprida!

As biografias dos 53 Rapazes da minha terra que morreram na tropa durante a Guerra Colonial só puderam ficar registadas para a História porque este cidadão, tenente-coronel Fernando Felício, compreendeu, logo que iniciei as minhas pesquisas, a grande importância dessa missão de cinco anos.

Como Director e Comandante do Arquivo Geral do Exército (**), e no estrito cumprimento da sua missão, facultou-me todo o apoio e todas as facilidades para escrever este livro, o qual, sem disso eu ter consciência, catapultou Ponte de Lima para o primeiro dos concelhos a escrever a história da vida de cada um dos seus filhos mortos ao serviço da Pátria naquele conflito.

A par desta figura, uma outra se destaca como grande destinatário da minha gratidão: o forjanense coronel dr. Luís Coutinho de Almeida, que partilhou comigo muitos dias de pesquisa no Convento de Chelas.

Aqui deixo, com garantia de perenidade, um grande abraço de amizade e gratidão para esses dois senhores Oficiais Superiores!

Não vos admireis, pois, por no dia de hoje me sentir particularmente feliz. (***)
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sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19264: Notas de leitura (1128): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (63) (Mário Beja Santos)

Selo Comemorativo do I Centenário do BNU


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Abril de 2018:

Queridos amigos,

Estamos pois em 1961, na China formam-se os jovens quadros do PAIGC, em Conacri Amílcar Cabral teria a escola-piloto, acolhe aqueles que Rafael Barbosa envia para a luta armada, há grande tensão com outros partidos e grupos hostis ao PAIGC, gente que consegue apoio e granjeia simpatias junto de acólitos de Sekou Touré. 

No Senegal, as simpatias de Senghor não apontam para o PAIGC, os Manjacos do Movimento de Libertação da Guiné [MLG]têm carta livre para agir, e vão mesmo agir, ao longo do segundo semestre de 1961, a correspondência do gerente de Bissau isso certifica.

Em março de 1962, o PAIGC dentro da Guiné sofre um grande abalo, alguns dos melhores quadros são apanhados com a boca na botija. O gerente de Bissau prevê um período de apaziguamento, está redondamente enganado, a subversão do Sul vai pôr a vida das pessoas em bolandas, nunca mais o Sul será o mesmo.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (63)

Beja Santos

1961 marca o início das hostilidades na Guiné, o Movimento de Libertação da Guiné  (MLG), orientado por Manjacos, muitos deles a residir no Senegal, procuram antecipar-se ao PAIGC, o seu grande rival. Temos notícias dos acontecimentos por carta confidencial dirigida ao governo do BNU pelo gerente de Bissau em 21 de julho:

“Por informações fidedignas, colhidas em meio competentes, informamos V. Exas. de que na madrugada de ontem se verificou um assalto à povoação de S. Domingos, que dista 130 km de Bissau, visando especialmente o edifício onde está instalado um pelotão de tropas europeias e indígenas.

Pela escuridão da noite, não foi possível calcular o número de assaltantes. Supõe-se que tenham sido cerca de 50, pela diversidade de pontos por onde partiam os disparos. Os bandoleiros usavam caçadeiras de zagalotes e apenas por este facto ficaram feridos 3 soldados, um com gravidade.

O ataque foi prontamente repelido. Não se conseguiu fazer qualquer prisioneiro, nem apurar o número de feridos ou mortos, porque os bandoleiros levaram-nos para o território vizinho, certamente para não serem identificados eles ou a família. São, todavia, portugueses, pelas frases que foram ouvidas alguns, quando atingidos pelas balas dos nossos soldados.

Uma hora depois da refrega, tudo voltou à normalidade, mas foram imediatamente enviados reforços. Não se nota que o criminoso acto tenha tido qualquer reflexo na população indígena ou europeia, que se mostra confiante.

As autoridades redobraram de vigilância, especialmente junto à fronteira, mas estranha-se que o miserável ataque tenha partido de um território com quem mantemos relações de amizade, e não da fronteira da Guiné de Sekou Touré”.

O Movimento de Libertação da Guiné andou dias depois a praticar vandalismo em Susana e Varela, deu sinais de atividade nos meses seguintes, queimando pontões, incendiando armazéns. No acervo documental do Arquivo Histórico do BNU encontra-se um interessante relatório relativo ao saque e incêndio de Guidaje, tem a data de 18 de novembro de 1961 e foi elaborado pela gerência da Sociedade Comercial Ultramarina em Bissau.

Leia-se a introdução, abona alguns dados relevantes:

“Começadas em Julho as incursões no norte da Província, na sequência já conhecida de S. Domingos, Varela e Susana, e a relativa falta de apoio militar naquela zona, o nosso encarregado de Ingoré apresentou-se em Bissau dada a insegurança da área, que está guarnecida apenas com um pelotão indígena, do qual uma secção era destacada para servir Bigene, e do qual dois ou três soldados tinham desertado levando consigo as espingardas.

Após conversa com V. Ex.ª o Governador que garantiu ao signatário que o Ingoré acabara de ser fortemente reforçado e que na véspera não houvera qualquer incidente, enviámos um empregado para o Ingoré, acompanhado do Sr. Manuel de Figueiredo que levou instruções e plenos poderes para decidir em face da situação sobre a atitude a tomar. Analisada localmente a situação, o Sr. Figueiredo determinou a continuação da actividade com abaixamento de stock.

Em conversa havida anteriormente com Sua Ex.ª o Governador, este chamou a nossa atenção para absoluta necessidade de se manter a vida normal da Província a todo o custo, não se deviam diminuir os stocks, ao qual lhe respondemos que os montantes de stocks nada tinham como movimento comercial dada a existência sempre de quantidades de mercadoria em depósito durante a época das chuvas, que de qualquer modo não valia a pena arriscar.

Em 9 de Agosto, fomos apresentar cumprimentos, nas instalações do BNU, ao Sr. Dr. Castro Fernandes, nosso Exm.º Presidente da Mesa da Assembleia Geral, que aproveitou a oportunidade para reafirmar a necessidade expressa por sua Ex.ª o Governador, preconizando mesmo que o Governo da Província estabelecesse sanções severas contra qualquer das firmas grandes que reduzisse a sua actividade, fechando sucursais, por motivos da situação existente, dadas as perturbações que daí poderiam advir. Disse S. Ex.ª também que não devíamos reduzir os stocks. Por outro lado, afirmou da necessidade dos indivíduos se manterem na Província com as suas famílias, mulheres e crianças, mantendo-se o regime normal de vida anterior aos incidentes. Declarou-nos que estava disposto até a vir todos os meses estar na Província com a sua esposa e filha”.

O que se vai seguir no relatório é um caso exemplar de suspeição por rumor ou boato ou mesmo ajuste de contas, bem típico de uma atmosfera em que os protagonistas sentem que a paz vivida abriu fissuras, e que se temem traições ou graves infidelidades.

O gerente da Sociedade desloca-se a Farim onde fizera concentrar os empregados de Bigene e Guidage, procura dar apoio moral e dar conhecimento da orientação a seguir, determinando que certas mercadorias seriam transferidas para Bissau através de Farim. Estamos em 15 de agosto e o Governador chama de novo o gerente da Sociedade à noite. O Chefe de Gabinete do Governador mostrou ao gerente um telegrama acabado de receber do Administrador de Farim pedindo a transferência do encarregado da Sociedade em Guidage, “dada a colaboração que vinha fazendo com o inimigo, vendendo-lhe arroz, gasolina, etc., recebendo em casa as autoridades da localidade senegalesa de Tanafe, promovendo reuniões noturnas, etc.”. O gerente reage apontando os inconvenientes de tal transferência. E o gerente é convidado a ir averiguar os factos a Guidage, o gerente contesta. A 16 de agosto chega um telegrama de Farim transmitindo o pedido do Administrador para transferir o empregado de Guidage. Nova conversa com o Governador, é sugerido que o empregado venha a Bissau imediatamente para se ajuizar da sua boa ou má-fé, seria a PIDE a proceder a averiguações.

A 18 de agosto o empregado de Guidage chegou a Bissau.

“Demos-lhe conhecimento das suspeitas que a seu respeito tinham sido levantadas e procurámos inteirar-nos da situação. Nada de concreto pudemos apurar do empregado, a não ser o que já sabíamos, que comprara durante a campanha cerca de 400 toneladas de mancarra. O empregado mostrou-se alarmado, declarou que as afirmações feitas eram redonda mentira com excepção evidente da parte das vendas por quanto não recebera ordens de ninguém para deixar de vender aos clientes que se apresentavam ao balcão, ainda que soubesse que viviam além-fronteiras. Se estes ultrapassavam a fronteira, nada lhe podiam imputar uma vez que não é a ele que lhe compete a vigilância da fronteira. Quanto a fazer reuniões nocturnas em sua casa e ausentar-se de Guidage durante a noite, desafiava quem quer que fosse a prová-lo. Quanto a receber em sua casa indivíduos do lado de lá da fronteira, sendo a única casa da localidade com condições e até dada a ausência de outros comerciantes, como sempre, a quem lhe apareceu para comer qualquer coisa ou que vindo a Guidage e que consigo contactara, dera comida ou oferecera um uísque. Na realidade, entre essas pessoas contava-se até o enfermeiro de Tanafe que viera a Guidage ver um doente ou até mesmo fazer uma autópsia e que teve de dormir em sua casa”.

Este imbróglio terá novos desenvolvimentos, desconfiança de um, desconfiança de outro, até o irmão do empregado de Guidage acabará por ser ouvido, entretanto haverá saque e incêndio em Guidage, os assaltantes, diz o relatório, eram Manjacos, Mandingas e Balantas-mané, estavam armados com carabinas de calibre militar de 7,7 mm e espingardas de caça calibre 12.

Em 16 de março de 1962 a confidencial enviada de Bissau para Lisboa refere dados que são bem conhecidos e historicamente relevantes:

“Levamos ao conhecimento de V. Exas. que na madrugada de terça-feira, dia 13, agentes da PIDE em colaboração com os Serviços Secretos do Exército assaltaram uma casa num dos bairros indígenas da cidade, prendendo os principais responsáveis na Guiné, do chamado ‘Partido Africano Independente da Guiné e Cabo Verde’, célula comunista dirigida e orientada por Amílcar Cabral, refugiado em Conacri.

Eram cinco os dirigentes que se encontravam reunidos, conseguindo um deles iludir a vigilância dos guardas e evadir-se de forma audaciosa, rompendo por um cordão de caçadores especiais que estabeleciam o dispositivo de segurança em redor da casa.

Nos dias imediatos sucederam-se várias prisões, entre elas a do contínuo do nosso Banco, Inácio Soares de Carvalho, que foi ontem detido, dia 15, pelas 8,15 horas.

Vário material subversivo foi apanhado, que conduzirá à detenção de mais elementos, tanto residindo nesta cidade como espalhados pela Província. Envolvidos no assunto encontram-se alguns régulos, cuja detenção ainda não foi feita.

Do material apreendido constam:

- Um plano de ataque a organismos oficiais e casas comerciais, a fazer por elementos disfarçados djilas transportando balaios contendo armas;
- Plantas do Quartel de Santa Luzia, aeroporto, Associação Comercial, Pastelaria Império, cinema, BNU, Casa Gouveia, Sociedade Comercial Ultramarina, Barbosas e Ctª., Alfândega, etc.;
- Uma planta do local ainda não identificado onde se encontram escondidas algumas armas;
- Ficheiro contendo nomes e fotografias;
- Máquinas de escrever, arquivos, etc.;
- Vária correspondência de Amílcar Cabral, contendo instruções e normas de orientação.

O material apreendido permite supor que esta célula comunista levou, pelo menos, dois anos a organizar-se.

A sua descoberta e eliminação afasta, também, por muito tempo, o perigo de qualquer actividade terrorista, sendo difícil reorganizarem-se por estes tempos mais próximos.

Entre os detidos figuram alguns polícias indígenas da PSP, nenhum deles, porém, fazendo parte da Esquadra que fornece os efectivos de vigilância e defesa do edifício do Banco.

Juntamos o crachá utilizado pelos elementos do Partido, que nos foi cedido pela PIDE.

Deverão ser longas as diligências da PIDE para a conclusão do caso, mas logo que estejamos na posse de mais informes, transmiti-lo-emos a V. Exas.”

Enganava-se o gerente de Bissau quanto ao afastamento de perigo nos tempos mais próximos devido à prisão dos dirigentes do PAIGC no interior da Guiné. Em 26 de junho de 1962 vai dar notícia de que o Sul está em plena efervescência.

(Continua)



Imagem retirada do livro 'Portugal no Ultramar', 1954, Edições Sotramel - Sociedade de Comércio e Propaganda, Lda com o apoio na cedência de fotos da Agência Geral do Ultramar.


Imagem retirada do livro 'Portugal no Ultramar', 1954, Edições Sotramel - Sociedade de Comércio e Propaganda, Lda com o apoio na cedência de fotos da Agência Geral do Ultramar. 


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Notas do editor:

Poste anterior de 30 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19246: Notas de leitura (1126): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (62) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de > Guiné 61/74 - P19253: Notas de leitura (1127): “Lineages of State Fragility, Rural Civil Society in Guinea-Bissau”, por Joshua B. Forrest; Ohio University Press, 2003 (4) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19263: Em bom português nos entendemos (20): "Partir mantenhas"... (Virgínio Briote)


Amadora > Academia Militar > Campus Amadora > 1963... O Virgínio Briote foi aqui aluno... Não seguiu a carreira das armas, mas fez a guerra da Guiné, em 1965/67; trabalhou depois como quadro superior numa multinacional farmacêutica... E é nosso editor, jubilado. Tem mais de 200 referências no nosso blogue e textos notáveis como os publicados na série Guiné, Ir e Voltar...

[Sobre esta foto: recorde-se que a Academia Militar toma esta designação em 1959, e tem o seu antecedente histórico na Escola do Exército, fundada em 12 de Janeiro de 1837 pelo Marquês de Sá da Bandeira. A sua sede é no Paço da Rainha ou Palácio da Bemposta, na Rua Gomes Freire, em Lisboa, com um polo na Amadora, desde 1959. No Campus Amadora,  sito na Amadora
Na Amadora, na Avenida Conde Castro Guimarães, situa-se hoje a parte significativa do corpo de alunos, nomeadamente os alunos internos, os serviços académicos, e parte proporcional dos serviços de apoio e administração.

O município da Amadora, por sua vez,  foi criado em 11 de setembro de 1977, por secessão das freguesias da Amadora e da Venteira, do nordeste do concelho de Oeiras. Entre os seus símbolos, contam-se o Aqueduto das Águas Livres, bem como os campos de aviação que tiveram tanta importância na emergência da aviação em Portugal, sendo que ainda hoje o Estado-Maior da Força Aérea Portuguesa se situa no concelho, na freguesia de Alfragide. Na foto acima, vêem-se os primeiros prédios da Reboleira, a célebre Reboleira do J. Pimenta, mais tarde freguesia, hoje extinta com a reforma administrativa de 2013, tendo  a parte Norte da freguesia sido anexada à freguesia da Venteira, e a parte Sul, para a recém-criada freguesia de Águas Livres].

Foto: © Virgínio Briote (2014). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



I. Mais um exemplo de um vocábulo, desta feita do crioulo da Guiné-Bissau e de Cabo Verde,  "mantenhas",  que vem grafado no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, sendo citado o seu uso (na expressão "partir mantenhas") no nosso blogue (Luís Graça & Camaradas da Guiné) (*)

mantenhas

2ª pess. sing. pres. conj. de manter
fem. pl. de mantenha

man·ter |ê| - Conjugar
(latim vulgar manutenere, de manus, -us, mão + teneo, -ere, ter, segurar)

verbo transitivo e pronominal

1. Deixar ou ficar em determinada posição ou estado.

2. Conservar; defender; observar.

3. Guardar.

4. Dar ou obter o necessário para viver. = Alimentar, Sustentar

verbo pronominal

5. Alimentar-se.

6. Conservar-se, permanecer. [...]

 man·te·nha

(da locução portuguesa [que Deus te] mantenha)

substantivo feminino

[Cabo Verde Guiné-Bissau] Saudação, cumprimento, lembrança (ex.: mantenhas nesta casa).

"mantenhas", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/mantenhas [consultado em 06-12-2018].



II. Uso na expressão "partir mantenhas" no nosso blogue:


Partir mantenhas (**)
Virgíno Briote,
Seatlle,Washington,
 EUA, julho de 2014


Por Virgínio Briote

[ex-aluno da Academia Militar; ex-alf mil, CCAV 489, Cuntima e alf mil 'comando', cmdt Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67; nosso coeditor, jubilado]


Temos aqui um guia apanhado aos terroristas e outro daqui, um caçador nativo, bom conhecedor da região e homem da nossa confiança, o tenente-coronel de óculos chegados à ponta do nariz, cócegas no mapa com o pingalim.

Deixaram Aldeia Formosa pelas 15 horas daquela tarde, dois grupos de combate de uma companhia de caçadores atrás, mais um pelotão de milícias, uma Fox à frente, outra a fechar a coluna.


Estava prevista a chegada à base de ligação, Saala Delta, pelas 18h30, deixar aí o apoio, e começar a progressão rumo ao objectivo, que deveria ser alcançado ao alvorecer. Segundo a ordem de operações, os grupos de combate da companhia de apoio deveriam estacionar, emboscados na estrada, frente a Nhantafará. 

Paragens, algumas demoradas, devidas a problemas com uma das viaturas e alguns atascamentos atrasaram a caminhada. Saala Delta só foi atingida pelas duas da madrugada.  Pararam, chamaram o intérprete, falaram com um guia, depois com o outro. O guia IN dizia não conhecer a estrada, o caçador que estávamos mesmo, mesmo, em Saala Delta, um soldado das milícias que já passou, que talvez seja para trás. Melhor esperar pelo acordar do dia, progredir depois. 

Por volta das cinco, o grupo reiniciou a progressão, companhia para trás, emboscada. A certa altura, de um momento para o outro, o tal guia apanhado aos terroristas ajoelhou-se e não quis continuar. Bem se insistiu, tentou saber-se o que se passava, nada. Embora tivessem perdido tempo a tentar resolver o assunto, não ficaram com dúvidas que estavam no rumo certo, que o objectivo estava próximo. Prosseguiram com cautelas redobradas até que avistaram, recortadas na neblina, duas ou três barracas. 

Duas equipas destacaram-se com o guia, o tal caçador da inteira confiança do comandante do batalhão. Enquanto os dez homens procuravam dispor-se em linha, com os olhos no acampamento, deixaram de prestar atenção ao caçador. E, quando o soldado guineense que o acompanhava se lembrou dele,  ainda o viram, mas a desaparecer entre as casas de mato.

Na mesma altura, como se estivesse tudo combinado, aparece o PCV às voltas em cima deles, a solicitar indicação de posição. Uma rajada foi disparada sobre os intrusos. Ataque imediato à tabanca mesmo em frente, alguns guerrilheiros com armas nas mãos e população a correrem, cada um para seu lado, todos misturados, mulheres e crianças aos gritos.

Os atacantes a recolherem as crianças, as mães, os anciãos e o IN a esgueirar-se de qualquer maneira, a disparar sobre aquela gente toda, sem contemplações. Nada mais havia a fazer, só tirar dali as pessoas e procurar abrigo. A pouco mais de cem metros, foram disparados roquetes para a zona do abarracamento. E, pelo mesmo caminho, com os civis à frente, dirigiram-se ao reencontro da companhia de apoio. Uns quilómetros depois ainda se ouviram alguns rebentamentos, vindos da mata do acampamento que tinham deixado a arder.

Quatro mulheres, 6 crianças, 3 velhos, uma pistola Seska, cinco calças de caqui, duas camisas, um par de polainitos, três barretes, seis bornais, três almotolias de óleo, três centenas de cartuchos de calibres diversos, caixas de fósforos do Ghana, suspensórios, recipientes de material de limpeza, portas-cartucheiras Simonov, calças civis, prospectos "Faúlha", documentos em marabú, uma revista francesa sobre África, quatro exemplares de "O nosso primeiro livro de leitura", cadernos escolares de Augusto Sanco, exemplares de jornais "Libertação", foi tudo, meu tenente-coronel.

Uma aselhice que, afinal, acabou por trazer algum benefício ao batalhão. Sem que ninguém se apercebesse, as duas equipas a organizarem-se para o ataque, e o guia de toda a confiança do tenente-coronel a ir “partir mantenhas” (#) com os parentes que tinha no acampamento do PAIGC. 

Alguém do batalhão disse mais tarde que o comandante tinha recebido a informação que o guia morrera durante a fuga, nas proximidades do acampamento. 

A Fox à frente, luzes no máximo, os picadores a pé a abrirem caminho à coluna, o regresso interminável a Buba, os olhos a fecharem-se-lhes de cansaço e sono, uma sensação de frustração que nem visto. Depois, no cais, em Buba, continuaram a dormitar, à espera da lancha para Bolama.

Chegaram já quase à noite, àquela cidade do passado. Parada nos tempos, mesmo assim uma beleza.

(#) Cumprimentar
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