1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau,
1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre
outros, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:
Melaço
Com mel e aço se faz unguento, um espaço de doçura.
Tudo depende do jeito de se ser.
Quem resiste ao pão e à colher da sopa.
Frutos da natureza.
A sapiência é o que fica da arte de aprender.
Tudo está ao nosso alcance. Apenas damos nosso esforço.
Quem não se esforça fica preso para sempre à cepa.
Custa subir a escada. Mas encurta a distância e alarga os horizontes.
A amizade se conquista com a doçura dos nossos gestos e sorriso.
Berlim, 18 de Abril de 2019
dia de sol radioso
8h00m
Jlmg
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Os astros
Miríades de seres gigantes preenchem o espaço infinito do céu.
Nos circundam vertiginosos. Num silêncio sepulcral.
Descrevem rotas helicoidais, com a precisão milimétrica dum relógio ideal.
Que sabemos nós o que e para que são?
Deles recebemos o dia e a noite.
As estações do ano e as marés do mar.
A luz, a chuva e o vento são seus instrumentos para, em orquestra, tocarem a sinfonia da nossa existência.
Seu maestro é o Criador...
Berlim, 17 de Abril de 2019
7h43m
Jlmg
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Fugazmente...
Como um cometa, a vida passa vertiginosa e fugaz.
Deixa um rasto, umas vezes brilhante, outras negro, conforme a chama que a faz girar.
Se do mal, o traço é espesso e preto.
Se do bem, brilha como uma estrela e, como o sol, fica a iluminar.
O mundo seria um céu de estrelas se nossas vidas fossem um jardim de flores.
Não haveria fome e guerra em parte alguma.
Imperaria a justiça.
O mundo seria um reino de paz e alegria.
Até os anjos nele quereriam ficar...
Berlim, 16 de Abril de 2019
8h15m - Lindo dia de sol
Jlmg
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Variedade...
A riqueza da natureza está na variedade e abundância.
Tantas espécies de seres povoam a terra.
Vêm de sementes tão pequenas e parecidas.
A crosta que veste a terra é feita de material, aparentemente morto e inerte.
Vendo-o a fundo, se depara um inextricável movimento de partículas orquestradas, movidas por energia oculta.
As plantas, terrestres e aquáticas, todas se diferenciam na forma e no tamanho.
Miríades de semoventes espalhados pelo mundo.
Desde os minúsculos aos extintos dinossauros.
Todos, numa dependência incontornável da seiva e da luz do sol.
E o homem, de natureza híbrida, comungando do natural e do espiritual.
Dotado da capacidade de transformar e interferir o ambiente circundante.
Muitas vezes, com efeitos muito nefastos.
Como não um fim sem um começo, onde estará o Criador?...
Berlim, 15 de Abril de 2019
8h11m
Dia de sol
Jlmg
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Nota do editor
Último poste da série de14 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19678: Blogpoesia (615): "Serra do Pilar", "Baladas perdidas" e "A leveza do ar", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
domingo, 21 de abril de 2019
Guiné 61/74 - P19703: Parabéns a você (1608): António Branquinho, ex-Fur Mil Inf do Pel Caç Nat 63 (Guiné, 1969/71)
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Nota do editor:
Último poste da série de 20 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19699: Parabéns a você (1607): António Joaquim Oliveira, ex-1.º Cabo Quarteleiro da CART 1742 (Guiné, 1967/69)
Nota do editor:
Último poste da série de 20 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19699: Parabéns a você (1607): António Joaquim Oliveira, ex-1.º Cabo Quarteleiro da CART 1742 (Guiné, 1967/69)
sábado, 20 de abril de 2019
Guiné 61/74 - P19702: XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande (5): De Nova Iorque com amor, em dia de aniversário de casamento: o João Crisóstomo é o 47º camarada a responder à chamada da mãe de todas as Tabancas... E aproveita para ir, no dia 18 de maio, ao almoço convívio da sua companhia, a CCAÇ 1439 (Enxalé, Portogole e Missirá, 1965/67)... Com ele, são já 47 os inscritos para a Operação Monte Real 2019...
João Crisóstomo, nosso camarada da diáspora (EUA, Nova Iorque), ex-alf mil, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67), casado com a Vilma (, aqui o casal, em 2013, "just married"), e destacado ativista social luso-americano (de causas célebres como As Gravuras de Foz Coa, Memória de Aristides Sousa Mendes, e Timor Leste)
1. Acaba de me telefonar o João Crisóstomo, de Nova Iorque. A dar um abraço festivo, e a pedir duas coisas ao Carlos Vinhal, coeditor do blogue e membro da comissão organizadora do nosso Encontro Nacional:
(i) para o inscrever no XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande, Monte Real, 25 de maio próximo (*);
e (ii) e para lhe postar um "cartanito" de parabéns no dia do seu aniversário, a 22 de junho.
Hoje ele faz anos de casado (6º aniversário) e continua feliz com a sua Vilma, em Queens, Nova Iorque. E mandou mais um email a mais de 200 dos seus amigos. Aos mais próximos, fez (faz sempre) questão de telefonar.
Contrariando os seus planos de viagem para este ano, vai fazer um esforço por vir cá, a Portugal, para estar no convívio da sua companhia, a CCAÇ 1439, a 18 de maio, e aproveitar para ir a Monte Real, a 25... Nunca foi, até à data, ao Encontro Nacional da Tabanca Grande. Esta é a boa notícia. A menos boa, é que vem sozinho.
Estou muito feliz, como seu amigo e camarada, e como editor do blogue, por voltar a estar com ele, e para mais no encontro anual da nossa Tabanca, que é a mãe de todas as tabancas. Daí a razão de ser desta notícia...
Já o inclui na lista dos inscritos no nosso Encontro Nacional. São já 47 os inscritos. Disse-lhe que também tencionava ir, a 18 de maio, ao encontro da rapaziada da CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole, Missirá, 1965/67), encontro que está a ser organizado pelo Manuel Calhandra Leitão ("Ruço"), que vive na Achada, Mafra. (Telem. 938 028 152). Foi 1º cabo, apontador de morteiro 81. Mais um herói desconhecido da guerra da Guiné. Já lá fui a casa dele, há uns meses atrás. É um grande camarada que está a precisar do nosso carinho e apoio, numa fase de doença que ele felizmente está a superar com grande dignidade, lucidez e coragem. Tinha acabado de falar com ele ontem ou anteontem e ambos lamentávamos a anunciada ausência do nosso João Crisóstomo.
Hoje tenho esta feliz notícia, que me chega à Tabanca de Candoz onde passo a Páscoa todos os anos.
Só espero que, atrás do João Crisóstomo,que vem de longe, do outro lado do Atlântico (!), venha aí mais uma enxurrada de inscrições no nosso XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande, a realizar-se no próximo dia 25 de maio, em Monte Real, Leiria.
Camaradas e amigos, estamos a pouco mais de um mês da Operação Monte Real 2019. Está na altura de fazer os preparativos e dar ordens ao Carlos Vinhal para vos pôr na lista. E cada inscrito deve trazer mais um (, ou mais dois, três, quatro ou cinco, amigos, camaradas e/ou familiares). Precisamos de, pelo menos, uma centena de participantes. Email para inscrições:
Carlos Vinhal (Leça da Palmeira / Matosinhos):
carlos.vinhal@gmail.com
Entretanto, aqui ficam os nossos parabéns, de toda a Tabanca Grande, para o casal João e Vilma. Muita saúde, amor e longa vida, que eles merecem tudo.
2. Aqui fica a mensagem que ele mandou, por email, a alguns de nós, amigos e camaradas da Guiné:
Caríssimos…
“camaradas", “tabanqueiros , “amigos” e... não sei que mais “bons vocativos " poderei usar … : todos eles são apelidos saídos de um coração com saudades e com pena de não poder falar vos directamente ao telefone…
Acabei de falar com o Luís Graça e verifico que ele pôs logo a boca no mundo…. Fiquei contente , mas um pouco "sem jeito": como vou agora explicar o não ter pegado ao telefone a cada um de vocês também?... Não é “discriminação” ( palavra agora muito em uso, pelo menos aqui nos "States”…); simplesmente…não dá...
É que os contactos por telefone estão a ficar cada vez mais difíceis e, como não uso o Facebook,, sinto-me perdido para poder contactar a todos a quem gostaria. Como sabem "não dá” para falar a todos ao telefone, mesmo que todos tivessem a coragem de “apanhar " o telefone ; pois com tantas chamadas de desconhecidos a tentar "vender a banha da cobra”, não é de admirar que o ignorem por vezes. Eu faço o mesmo.
E se é verdade que alguns destes, aqui endereçados pelo Luis Graca, eu apenas conheço e convivi apenas por pouco tempo… isso não é desculpa: diz o ditado que "os amigos dos meus amigos são meus amigos também”. Um ditado que geralmente se prova válido. Enfim…
Felizmente que existe o e-mail. E aqui estou: Com saudades e muita amizade, este é credor da certeza de que não esqueço os que me são queridos. De coração os meus melhores votos nesta quadra festiva. E até 18 ou 25 de Maio, se Deus quiser.
Eu e a Vilma estamos bem, celebrando hoje o 6º aniversário do nosso casamento... Como o tempo voa Meu Deus!
João & Vilma
3. AS 47 INSCRIÇÕES NO XIV ENCONTRO NACIONAL DA TABANCA GRANDE (até à tarde de hoje)
Alfredo da Silva e esposa - Cabeceiras de Basto
António Acílio Azevedo e Irene - Leça da Palmeira / Matosinhos
António Estácio - Mem Martins / Sintra
António João Sampaio e Maria Clara - Leça da Palmeira / Matosinhos
António Joaquim Alves e Maria Celeste - Carregado / Alenquer
António José Pereira da Costa e Maria Isabel - Mem Martins / Sintra
António Martins de Matos - Lisboa
Armando Pires - Algés / Oeiras
Carlos Cabral e Judite - Pampilhosa
Carlos Pinheiro - Torres Novas
Carlos Vinhal e Dina - Leça da Palmeira / Matosinhos
Ernestino Caniço - Tomar
João Afonso Bento Soares - Lisboa
João Crisóstomo - Nova Iorque (EUA)
Joaquim Mexia Alves - Monte Real / Leiria
Jorge Canhão e Lurdes - Oeiras
José Barros Rocha - Penafiel
José Manuel Cancela e Carminda - Penafiel
José Pedroso e Helena - Sintra
José Ramos - Lisboa
Lucinda Aranha e José António - Torres Vedras
Lúcio Vieira - Torres Novas
Luís Graça e Maria Alice Carneiro - Lourinhã
Luís Paulino e Maria da Cruz - Lisboa
Manuel Augusto Reis - Aveiro
Manuel José Ribeiro Agostinho e Elisabete - Leça da Palmeira / Matosinhos
Manuel Lima Santos e Fátima - Viseu
Miguel e Giselda Pessoa - Lisboa
Rui Guerra Ribeiro - Lisboa
Vítor Ferreira e Maria Luísa - Lisboa
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Nota do editor:
(*) Último poste da série > 12 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19671: XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande (4): os melhores exemplos são os que vêm de cima... O novo grã-tabanqueiro, nº 785, o maj gen ref João Afonso Bento Soares, inscreve-se com tempo e vagar e traz com ele o José Ramos, ex-fur mil trms, chefe do posto do STM do Agrupamento de Bafatá (1968-70), um "periquito" que pede também para acomodar-se na mãe de todas as tabancas... A mês e meio do encontro, em Monte Real, há já 45 inscrições!... O normal é a malta deixar tudo para o fim...
Nota do editor:
(*) Último poste da série > 12 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19671: XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande (4): os melhores exemplos são os que vêm de cima... O novo grã-tabanqueiro, nº 785, o maj gen ref João Afonso Bento Soares, inscreve-se com tempo e vagar e traz com ele o José Ramos, ex-fur mil trms, chefe do posto do STM do Agrupamento de Bafatá (1968-70), um "periquito" que pede também para acomodar-se na mãe de todas as tabancas... A mês e meio do encontro, em Monte Real, há já 45 inscrições!... O normal é a malta deixar tudo para o fim...
Guiné 61/74 - P19701: Os nossos seres, saberes e lazeres (319): Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983" (António Graça de Abreu) - Parte III: Pequim e Macau, out / nov 1982
1. Foi professor de Português em Pequim (Beijing) e tradutor nas Edições de Pequim em Línguas Estrangeiras. Viveu em Pequim e Xangai entre 1977 e 1983. Ex-alf mil SGE, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), é membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com 230 referências. Vive em Cascais. É um cidadão do mundo, poeta, escritor e reputado sinólogo. Chama-se António [José] Graça de Abreu, nascido no Porto em 1947.
2. Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983" (*)
por António Graça de Abreu
Pequim, 15 de Outubro de 1982
As autoridades chinesas deram-me o dia 26 de Outubro [de 1982] como limite da minha estadia na China. Vim com um visto de turista que já não pode mais ser prorrogado, a não ser que eu tenha uma actividade laboral que justifique a permanência no país. O embaixador Costa Lobo [ , embaixador em Pequim, entre 1982 e 1985], disse-me anteontem que tinha enviado, há dias, um telex para o Palácio das Necessidades, registando o meu pedido de trabalho na embaixada, mas que não obtivera qualquer reposta. Deve ser verdade.
A espada de Démocles suspende-se sobre a cabeça de um pacato cidadão das terras lusitanas. Ou talvez não, a espada pode cair mas, em vez do gume afiado ser de ferro, aparecerá revestido de uma lâmina de papelão. A ver vamos…
Ando preocupado, pois claro, como preocupado viajo pela vida há já não sei quantos anos. Sei que o ponto de viragem é a curva com mais curvas que encontrei desde que nasci. Todavia, fui eu que escolhi a estrada, sou eu que conduzo, acelero, travo, volteio. Os obstáculos no percurso são colocados por estranhos, não depende de mim o traçado da via, nem os buracos traiçoeiros, o piso escalavrado, os barrancos na berma, a lama ou a gravilha. Eu sabia que era sim e não tive receio da viagem. Agora só me resta continuar a conduzir e a manobrar. Que não me faltem forças para chegar vitorioso ao fim da prova mais dura de toda a minha vida. Como troféu, receberei não uma taça, não uma coroa de louros, mas uma mulher chinesa.
Pequim, 19 de Outubro de 1982
Estou com um pé no estribo para saltar para Hong Kong e Macau. Faço um pequeno balanço do que tenho escrito neste diário e há sempre mais vida do que a escrevinhação quotidiana mostra, as palavras saem inseguras, confusas, falhas de energia. Quando começarei a escrever bem, a escrever obra? Tenho montado o esquema, já levantei a arquitectura do romance a inventar “Chen Yuhua, a Menina de Jade”, mas não escrevo nada.
As minhas incapacidades capazes terão a ver com as raízes que mergulham de modo avassalador e profundo no húmus dos dias. Porém, em vez de árvore frondosa, nasce um caule enfezado e retorcido, rebentos e ramos que quase não se vêem.
Pequim, 20 de Outubro de 1982
Vd. poste de 19 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19698: Os nossos seres, saberes e lazeres (317): Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983" (António Graça de Abreu) - Parte II: 12 de setembro de 1980: o 4º centenário da morte de Luís de Camões
2. Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983" (*)
por António Graça de Abreu
Pequim, 15 de Outubro de 1982
O António Graça de Abreu, em Pequim, na Praça Tianamen, s/d, [c. 1977/83] |
As autoridades chinesas deram-me o dia 26 de Outubro [de 1982] como limite da minha estadia na China. Vim com um visto de turista que já não pode mais ser prorrogado, a não ser que eu tenha uma actividade laboral que justifique a permanência no país. O embaixador Costa Lobo [ , embaixador em Pequim, entre 1982 e 1985], disse-me anteontem que tinha enviado, há dias, um telex para o Palácio das Necessidades, registando o meu pedido de trabalho na embaixada, mas que não obtivera qualquer reposta. Deve ser verdade.
A espada de Démocles suspende-se sobre a cabeça de um pacato cidadão das terras lusitanas. Ou talvez não, a espada pode cair mas, em vez do gume afiado ser de ferro, aparecerá revestido de uma lâmina de papelão. A ver vamos…
Ando preocupado, pois claro, como preocupado viajo pela vida há já não sei quantos anos. Sei que o ponto de viragem é a curva com mais curvas que encontrei desde que nasci. Todavia, fui eu que escolhi a estrada, sou eu que conduzo, acelero, travo, volteio. Os obstáculos no percurso são colocados por estranhos, não depende de mim o traçado da via, nem os buracos traiçoeiros, o piso escalavrado, os barrancos na berma, a lama ou a gravilha. Eu sabia que era sim e não tive receio da viagem. Agora só me resta continuar a conduzir e a manobrar. Que não me faltem forças para chegar vitorioso ao fim da prova mais dura de toda a minha vida. Como troféu, receberei não uma taça, não uma coroa de louros, mas uma mulher chinesa.
Pequim, 19 de Outubro de 1982
Estou com um pé no estribo para saltar para Hong Kong e Macau. Faço um pequeno balanço do que tenho escrito neste diário e há sempre mais vida do que a escrevinhação quotidiana mostra, as palavras saem inseguras, confusas, falhas de energia. Quando começarei a escrever bem, a escrever obra? Tenho montado o esquema, já levantei a arquitectura do romance a inventar “Chen Yuhua, a Menina de Jade”, mas não escrevo nada.
As minhas incapacidades capazes terão a ver com as raízes que mergulham de modo avassalador e profundo no húmus dos dias. Porém, em vez de árvore frondosa, nasce um caule enfezado e retorcido, rebentos e ramos que quase não se vêem.
Pequim, 20 de Outubro de 1982
Seis horas da tarde no bar do hotel Yangjing. Espero o Tian Hu, meu aluno na Faculdade de Línguas Estrangeiras de Xangai, colega da Yu Ping. O rapaz vive aqui na capital e chega para, no edifício ao lado do hotel, o Dian Hua Dianbao Dalou, ou o seja, a Grande Central de Telefones e Comunicações, me ajudar na ligação telefónica para a Yu Ping, em Xangai, tudo falado em chinês para não levantar qualquer suspeita.
O Tian Hu tem 23 anos, é arguto e esperto, e tem sido uma espécie de hongniang, a “casamenteira” na China clássica que costuma mexer habilmente os cordelinhos dos enredos pré-matrimoniais rumo à concretização de casamentos difíceis.
Pequim, 22 de Outubro de 1982
A Yu Ping chegou para se despedir de mim, pelos atalhos, via Hefei e Tianjin.
Fui buscá-la às sete da manhã à estação dos caminhos-de-ferro de Pequim. A festa nos nossos olhos, corações em alvoroço e entrámos no trolley 106, no percurso até ao Dongwu Gongyuan, o Jardim Zoológico. Não fomos ver leões, nem pandas, nem elefantes, tomámos logo o autocarro 332 até ao Yiheyuan, o Palácio de Verão. Não fomos ver o lago nem os aposentos da imperatriz Ci Xi, avançámos logo para o autocarro 333 até Wofusi, o Templo do Buda Deitado. Não fomos visitar o Mestre, nem acender pauzinhos de incenso no pavilhão dourado. Trocámos tudo pela caminhada pelo Jardim Botânico, até ao Vale das Cerejeiras, já em Xiangshan, a Colina Perfumada. Passámos pela casa onde Cao Xueqin (1715-1763) viveu e morreu, deixando inacabado o manuscrito do Hong Lou Meng 红楼梦,
O Sonho do Pavilhão Vermelho, uma fabulosa história que cruza amores possíveis e impossíveis e é o mais famoso romance de toda a literatura chinesa. Mais acima, escondido na vegetação, fica o Templo das Nuvens Azuis, numa curiosa arquitectura sino-indiana. Não era altura para mais visitas. Perto, num pequeno bosque de bambus, está o pavilhão com o ataúde de cristal destinado ao corpo de Sun Yat-sen [1866-1925], pai da República Chinesa. Uma saudação e continuámos o caminho.
Estamos agora em pleno Vale das Cerejeiras, deitados num leito de urze e folhas secas, escondidos na vegetação, a meia encosta, entre árvores baixas e arbustos, ignorados, esquecidos, enlaçados, um homem de um reino distante e uma mulher de Xangai, dois num só, envoltos em faiscantes novelos de ternura, o céu azul por cobertor, a terra tépida por leito e almofada. Gostar até à loucura, a China-mulher nos meus braços, sob o meu corpo, eu dentro dela, ela toda em mim, espasmos sublimes, nuvens e chuva caindo docemente no verde ondulante de colinas perfumadas.
Macau, 31 de Outubro de 1982
Cheguei a Macau há uma semana, esta singular península que é, há vários séculos, refúgio dos missionários no Império do Meio, os portugueses da religião alheia que, por delitos que não cometiam, recebiam ordens para abandonar a China e aqui se acolhiam, à espera de melhores dias, melhores meses, melhores anos. Quase todos davam a volta às proibições e acabavam por regressar à terra chinesa.
A minha situação é semelhante. Fixaram-me um prazo limite para sair da China e aí vim eu, recambiado até Macau. Em Pequim, naquele aeroporto frio e triste, ao entrar no BAC 111 chinês para voar até Hong Kong, sofredor de desconcertos e angústias, os olhos permaneceram secos, mas as lágrimas corriam por dentro, e encharcavam tudo.
Macau, 6 de Novembro de 1982
Na quinta passagem por Macau, estou a fazer uma mãozinha de jornalismo num novo semanário, o “Tribuna de Macau”, dirigido pelo José Rocha Dinis que veio do “Diário de Notícias” e já me conhecia das crónicas, muitas, que tenho publicado no DN, como correspondente em Pequim. Para sobreviver, necessito absolutamente de ganhar umas patacas.
Tenho a sorte de ter também como amigo o Jorge Neto Valente a quem devo, até ao resto dos meus dias, um agradecimento vasto como o delta do rio das Pérolas. Cedeu-me, como das outras vezes em que vim a Macau, sem eu pagar um avo, o 4º. andar do apartamento no Pátio da Casa Forte, ali defronte da igreja de S. Lourenço, quase sempre vazio porque o Jorge o destina a contabilistas de Hong Kong que, de quando em vez, vêm a esta cidade para o ajudar a tratar de assuntos e negócios. Tenho um mini-lar em Macau, sobrevivo, vivo em busca de melhor vida.
Macau, 15 de Novembro de 1982
Migram as aves,
em busca do calor, do grão ou da frescura.
Assim também os homens,
em busca do ouro, do pão ou da ternura.[1]
Por isso:
Regresso ao meu amor Macau,
após mil falas, dez mil silêncios.
Na foz de um rio de pérolas,
a cidade cicia segredos, envolta em bruma.
Macau, 19 de Novembro de 1982
Apesar de muitos destroços portugueses e chineses coalhando as águas barrentas em volta de Aomen 澳门, a Porta da Baía, gosto muito de Macau, sinto-me bem neste burgo, único em toda a Ásia. Por norma sou bem recebido e não me sinto em terra estranha. Tenho vindo sempre sozinho, a partir das paragens chinesas e aqui, diante de tanta mulher bonita, agiganta-se a minha pena por não ter nenhuma. Tem sido a minha sina sínica. Creio que sei como amar bem uma mulher, como na minha ingenuidade me entrego e desejo partilhar tudo. E habituei-me a receber tão pouco… O que é que falha em mim, no que ao feminino diz respeito?
Espero supremos prazeres e viver com alegria, mas no fundo também sei que gosto de estar triste. Trata-se deste malfadado masoquismo afectivo que tanto compraz ao português puro, a começar pelo primeiro grande modelador da alma lusitana, o meu amigo Luís de Camões, continuado por outro enorme cultivador de paixões infelizes, Manuel Maria Barbosa du Bocage que em Macau, 1789, padecia igualmente de mal amar e de mal viver. Bocage que escrevia: “Camões, grande Camões, quão semelhante/ acho o teu fado ao meu.
E o meu fado também com parecenças com os maiores poetas, e eu, pobre vate coxo e inapto, com uma Dinamene lá longe, em Xangai. Eu, esquartejando-me pela China e por Macau, a viver pobremente da pena, do que escrevo e traduzo, e sempre tudo tão mal pago. Eu, rigorosamente como o Camões (ele em Moçambique) “a comer de amigos”, hoje o almoço pago pelo Joaquim Amaral, ontem o jantar pago pelo Rogério Beltrão Coelho. Eu, com setenta patacas no bolso.
______________
Nota do autor:
[1] Na tarde de 19 de Dezembro de 1999, no grande espectáculo comemorativo da transição de poderes, da devolução de Macau à China, que teve lugar no Centro Cultural de Macau, os alunos da Escola Portuguesa disseram poemas de Miguel Torga, Camilo Pessanha, António Manuel Couto Viana, Bai Juyi (por mim traduzido para português), António Gedeão, Eugénio de Andrade e, para meu completo espanto e surpresa, o primeiro poema declamado pelos jovens era este, da autoria de António Graça de Abreu, eu próprio.
[Fixação de texto e links; LG]
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Nota do editor:
(*) Último poste da série > 20 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19700: Os nossos seres, saberes e lazeres (318): No condado de Oxford, a pretexto de um casamento em Fairford (1) (Mário Beja Santos)
Pequim, 22 de Outubro de 1982
A Yu Ping chegou para se despedir de mim, pelos atalhos, via Hefei e Tianjin.
Fui buscá-la às sete da manhã à estação dos caminhos-de-ferro de Pequim. A festa nos nossos olhos, corações em alvoroço e entrámos no trolley 106, no percurso até ao Dongwu Gongyuan, o Jardim Zoológico. Não fomos ver leões, nem pandas, nem elefantes, tomámos logo o autocarro 332 até ao Yiheyuan, o Palácio de Verão. Não fomos ver o lago nem os aposentos da imperatriz Ci Xi, avançámos logo para o autocarro 333 até Wofusi, o Templo do Buda Deitado. Não fomos visitar o Mestre, nem acender pauzinhos de incenso no pavilhão dourado. Trocámos tudo pela caminhada pelo Jardim Botânico, até ao Vale das Cerejeiras, já em Xiangshan, a Colina Perfumada. Passámos pela casa onde Cao Xueqin (1715-1763) viveu e morreu, deixando inacabado o manuscrito do Hong Lou Meng 红楼梦,
O Sonho do Pavilhão Vermelho, uma fabulosa história que cruza amores possíveis e impossíveis e é o mais famoso romance de toda a literatura chinesa. Mais acima, escondido na vegetação, fica o Templo das Nuvens Azuis, numa curiosa arquitectura sino-indiana. Não era altura para mais visitas. Perto, num pequeno bosque de bambus, está o pavilhão com o ataúde de cristal destinado ao corpo de Sun Yat-sen [1866-1925], pai da República Chinesa. Uma saudação e continuámos o caminho.
Estamos agora em pleno Vale das Cerejeiras, deitados num leito de urze e folhas secas, escondidos na vegetação, a meia encosta, entre árvores baixas e arbustos, ignorados, esquecidos, enlaçados, um homem de um reino distante e uma mulher de Xangai, dois num só, envoltos em faiscantes novelos de ternura, o céu azul por cobertor, a terra tépida por leito e almofada. Gostar até à loucura, a China-mulher nos meus braços, sob o meu corpo, eu dentro dela, ela toda em mim, espasmos sublimes, nuvens e chuva caindo docemente no verde ondulante de colinas perfumadas.
Macau, 31 de Outubro de 1982
Cheguei a Macau há uma semana, esta singular península que é, há vários séculos, refúgio dos missionários no Império do Meio, os portugueses da religião alheia que, por delitos que não cometiam, recebiam ordens para abandonar a China e aqui se acolhiam, à espera de melhores dias, melhores meses, melhores anos. Quase todos davam a volta às proibições e acabavam por regressar à terra chinesa.
A minha situação é semelhante. Fixaram-me um prazo limite para sair da China e aí vim eu, recambiado até Macau. Em Pequim, naquele aeroporto frio e triste, ao entrar no BAC 111 chinês para voar até Hong Kong, sofredor de desconcertos e angústias, os olhos permaneceram secos, mas as lágrimas corriam por dentro, e encharcavam tudo.
Macau, 6 de Novembro de 1982
Na quinta passagem por Macau, estou a fazer uma mãozinha de jornalismo num novo semanário, o “Tribuna de Macau”, dirigido pelo José Rocha Dinis que veio do “Diário de Notícias” e já me conhecia das crónicas, muitas, que tenho publicado no DN, como correspondente em Pequim. Para sobreviver, necessito absolutamente de ganhar umas patacas.
Tenho a sorte de ter também como amigo o Jorge Neto Valente a quem devo, até ao resto dos meus dias, um agradecimento vasto como o delta do rio das Pérolas. Cedeu-me, como das outras vezes em que vim a Macau, sem eu pagar um avo, o 4º. andar do apartamento no Pátio da Casa Forte, ali defronte da igreja de S. Lourenço, quase sempre vazio porque o Jorge o destina a contabilistas de Hong Kong que, de quando em vez, vêm a esta cidade para o ajudar a tratar de assuntos e negócios. Tenho um mini-lar em Macau, sobrevivo, vivo em busca de melhor vida.
Macau, 15 de Novembro de 1982
Migram as aves,
em busca do calor, do grão ou da frescura.
Assim também os homens,
em busca do ouro, do pão ou da ternura.[1]
Por isso:
Regresso ao meu amor Macau,
após mil falas, dez mil silêncios.
Na foz de um rio de pérolas,
a cidade cicia segredos, envolta em bruma.
Macau, 19 de Novembro de 1982
Apesar de muitos destroços portugueses e chineses coalhando as águas barrentas em volta de Aomen 澳门, a Porta da Baía, gosto muito de Macau, sinto-me bem neste burgo, único em toda a Ásia. Por norma sou bem recebido e não me sinto em terra estranha. Tenho vindo sempre sozinho, a partir das paragens chinesas e aqui, diante de tanta mulher bonita, agiganta-se a minha pena por não ter nenhuma. Tem sido a minha sina sínica. Creio que sei como amar bem uma mulher, como na minha ingenuidade me entrego e desejo partilhar tudo. E habituei-me a receber tão pouco… O que é que falha em mim, no que ao feminino diz respeito?
Espero supremos prazeres e viver com alegria, mas no fundo também sei que gosto de estar triste. Trata-se deste malfadado masoquismo afectivo que tanto compraz ao português puro, a começar pelo primeiro grande modelador da alma lusitana, o meu amigo Luís de Camões, continuado por outro enorme cultivador de paixões infelizes, Manuel Maria Barbosa du Bocage que em Macau, 1789, padecia igualmente de mal amar e de mal viver. Bocage que escrevia: “Camões, grande Camões, quão semelhante/ acho o teu fado ao meu.
E o meu fado também com parecenças com os maiores poetas, e eu, pobre vate coxo e inapto, com uma Dinamene lá longe, em Xangai. Eu, esquartejando-me pela China e por Macau, a viver pobremente da pena, do que escrevo e traduzo, e sempre tudo tão mal pago. Eu, rigorosamente como o Camões (ele em Moçambique) “a comer de amigos”, hoje o almoço pago pelo Joaquim Amaral, ontem o jantar pago pelo Rogério Beltrão Coelho. Eu, com setenta patacas no bolso.
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Nota do autor:
[1] Na tarde de 19 de Dezembro de 1999, no grande espectáculo comemorativo da transição de poderes, da devolução de Macau à China, que teve lugar no Centro Cultural de Macau, os alunos da Escola Portuguesa disseram poemas de Miguel Torga, Camilo Pessanha, António Manuel Couto Viana, Bai Juyi (por mim traduzido para português), António Gedeão, Eugénio de Andrade e, para meu completo espanto e surpresa, o primeiro poema declamado pelos jovens era este, da autoria de António Graça de Abreu, eu próprio.
[Fixação de texto e links; LG]
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Nota do editor:
(*) Último poste da série > 20 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19700: Os nossos seres, saberes e lazeres (318): No condado de Oxford, a pretexto de um casamento em Fairford (1) (Mário Beja Santos)
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Guiné 61/74 - P19700: Os nossos seres, saberes e lazeres (318): No condado de Oxford, a pretexto de um casamento em Fairford (1) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Dezembro de 2018:
Queridos amigos,
Mais um regresso a esta encantadora região de Oxfordshire, o pretexto era um casamento, mas a curiosidade parecia ilimitada, havia que encontrar locais que dessem felicidade a uma criança de sete anos. E alegria não faltou, logo neste passeio por Faringdon, com muitas marcas do período vitoriano e eduardiano, programaram-se visitas a aldeias históricas, passeios nas margens do Tamisa, visitas a jardins e casas senhoriais, tudo se irá contar como aquele grupinho viveu com alegria estas férias nas Cotswold.
Um abraço do
Mário
No condado de Oxford, a pretexto de um casamento em Fairford (1)
Beja Santos
Quem não conhece as Cotswold, só tem a perder, são paisagens encantadoras, povoados bem mantidos com os seus tetos de palha, não esquecendo todo o património de Oxford, os passeios campestres, as torres das igrejas, os campos sem fim, as casas senhoriais, os vales fecundos por onde correm ribeiros, sinais da arte normanda, gótica e tardo-gótica e a evidência dos tempos áureos da era vitoriana e eduardiana. Desta vez o viandante vem com a família, o pretexto é um casamento de um amigo de longa data que resolveu dar o nó em Fairford. O viandante e família ficam aboletados em Faringdon, mesmo na fronteira das Cotswold. E logo de manhã, aproveitando a temperatura amena, vão todos à igreja All Saints.
O leitor tenha a benevolência de aqui nos circunscrevermos a uma igreja, ela é talvez uma medida de centenas e centenas de templos que marcam uma civilização e diferentes patamares culturais. A igreja é do século XIII, está marcada pelo românico, as pias batismais são bem antigas mas assentam numa base do século XIX. Há esculturas góticas, do que se chama gótico perpendicular. As faces das portas têm desenhos diferentes. Há alfaias que desapareceram com a Reforma. Estas três imagens falam do antigo e do moderno e de um dever de memória que nunca se apaga: as papoilas da Flandres, o símbolo do sangue derramado na I Guerra Mundial.
Aqui temos o barroco e o século XX, e se nos multiplicássemos em imagens podia-se fazer uma peregrinação por quase toda a História de Arte desde a Idade Média aos nossos dias, este vitral é genuinamente gótico, o órgão é de 1969, a nave e os transeptos estão marcados pelo românico. O que se pode pedir mais a uma igreja de uma pequenina cidade chamada Farington?
Fora puro acaso esta visita a All Saints’ Church Faringdon, decorriam exposições sobre a I Guerra Mundial, o sufragismo, a ajuda a África. Assim se deambulava entre a nave e os transeptos, os vitrais góticos, as capelas. Numa capela o viandante encontrou a escultura de Lady Dorothy Unton, ajoelhada, que grande beleza, tantos séculos depois, este alabastro parece reluzir até ao fim dos tempos. E mais papoilas, um sangue derramado que os britânicos não deixam esquecer.
Depois de se visitar toda a épica das sufragistas, para não esquecer como aquele combate foi vibrante e ajudou a transformar o mundo, veio-se ao exterior, a torre da igreja está ligada à Guerra Civil, Oliver Cromwell enviou aqui tropas dos seus Cabeças Redondas, Faringdon era fiel aos princípios absolutistas de Carlos I, o Stuart que acabou decapitado. Há marcas do fogo de artilharia que caiu sobre esta igreja. O viandante não cedeu à bisbilhotice, andou por ali a ver as marcas que feriram o templo religioso.
Se há detalhe que o viandante nunca perde são os cemitérios ingleses, numa atmosfera de completa paz, vendo passar coelhos, ouvindo o grasnar dos corvos, percorrem-se estas lápides onde a emoção da perda é sempre contida, são cemitérios sem dramatismo, sempre orlados de vegetação e com bancos para que o visitante deite contas à vida e possa lembrar todos estes que já partiram.
Aqui está o velho edifício da Câmara, a Town Hall medieval, numa das faces o memorial daqueles que morreram em combate nas duas guerras mundiais. Em frente a este monumento, o viandante e os seus familiares lançaram-se numa loja muito comum em todas as vilas e cidades da Grã-Bretanha, uma charity shop, aqui se compra tudo que almas generosas oferecem para uma causa, desde brinquedos a roupas, CD’s e DVD’s e enormes porções de livros. Havia que ser comedido, quem viaja low cost tem que fazer contas ao peso. Mas começaram muito bem estas curtas férias nas Cotswold.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 19 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19698: Os nossos seres, saberes e lazeres (317): Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983" (António Graça de Abreu) - Parte II: 12 de setembro de 1980: o 4º centenário da morte de Luís de Camões
Queridos amigos,
Mais um regresso a esta encantadora região de Oxfordshire, o pretexto era um casamento, mas a curiosidade parecia ilimitada, havia que encontrar locais que dessem felicidade a uma criança de sete anos. E alegria não faltou, logo neste passeio por Faringdon, com muitas marcas do período vitoriano e eduardiano, programaram-se visitas a aldeias históricas, passeios nas margens do Tamisa, visitas a jardins e casas senhoriais, tudo se irá contar como aquele grupinho viveu com alegria estas férias nas Cotswold.
Um abraço do
Mário
No condado de Oxford, a pretexto de um casamento em Fairford (1)
Beja Santos
Quem não conhece as Cotswold, só tem a perder, são paisagens encantadoras, povoados bem mantidos com os seus tetos de palha, não esquecendo todo o património de Oxford, os passeios campestres, as torres das igrejas, os campos sem fim, as casas senhoriais, os vales fecundos por onde correm ribeiros, sinais da arte normanda, gótica e tardo-gótica e a evidência dos tempos áureos da era vitoriana e eduardiana. Desta vez o viandante vem com a família, o pretexto é um casamento de um amigo de longa data que resolveu dar o nó em Fairford. O viandante e família ficam aboletados em Faringdon, mesmo na fronteira das Cotswold. E logo de manhã, aproveitando a temperatura amena, vão todos à igreja All Saints.
O leitor tenha a benevolência de aqui nos circunscrevermos a uma igreja, ela é talvez uma medida de centenas e centenas de templos que marcam uma civilização e diferentes patamares culturais. A igreja é do século XIII, está marcada pelo românico, as pias batismais são bem antigas mas assentam numa base do século XIX. Há esculturas góticas, do que se chama gótico perpendicular. As faces das portas têm desenhos diferentes. Há alfaias que desapareceram com a Reforma. Estas três imagens falam do antigo e do moderno e de um dever de memória que nunca se apaga: as papoilas da Flandres, o símbolo do sangue derramado na I Guerra Mundial.
Aqui temos o barroco e o século XX, e se nos multiplicássemos em imagens podia-se fazer uma peregrinação por quase toda a História de Arte desde a Idade Média aos nossos dias, este vitral é genuinamente gótico, o órgão é de 1969, a nave e os transeptos estão marcados pelo românico. O que se pode pedir mais a uma igreja de uma pequenina cidade chamada Farington?
Fora puro acaso esta visita a All Saints’ Church Faringdon, decorriam exposições sobre a I Guerra Mundial, o sufragismo, a ajuda a África. Assim se deambulava entre a nave e os transeptos, os vitrais góticos, as capelas. Numa capela o viandante encontrou a escultura de Lady Dorothy Unton, ajoelhada, que grande beleza, tantos séculos depois, este alabastro parece reluzir até ao fim dos tempos. E mais papoilas, um sangue derramado que os britânicos não deixam esquecer.
Depois de se visitar toda a épica das sufragistas, para não esquecer como aquele combate foi vibrante e ajudou a transformar o mundo, veio-se ao exterior, a torre da igreja está ligada à Guerra Civil, Oliver Cromwell enviou aqui tropas dos seus Cabeças Redondas, Faringdon era fiel aos princípios absolutistas de Carlos I, o Stuart que acabou decapitado. Há marcas do fogo de artilharia que caiu sobre esta igreja. O viandante não cedeu à bisbilhotice, andou por ali a ver as marcas que feriram o templo religioso.
Se há detalhe que o viandante nunca perde são os cemitérios ingleses, numa atmosfera de completa paz, vendo passar coelhos, ouvindo o grasnar dos corvos, percorrem-se estas lápides onde a emoção da perda é sempre contida, são cemitérios sem dramatismo, sempre orlados de vegetação e com bancos para que o visitante deite contas à vida e possa lembrar todos estes que já partiram.
Aqui está o velho edifício da Câmara, a Town Hall medieval, numa das faces o memorial daqueles que morreram em combate nas duas guerras mundiais. Em frente a este monumento, o viandante e os seus familiares lançaram-se numa loja muito comum em todas as vilas e cidades da Grã-Bretanha, uma charity shop, aqui se compra tudo que almas generosas oferecem para uma causa, desde brinquedos a roupas, CD’s e DVD’s e enormes porções de livros. Havia que ser comedido, quem viaja low cost tem que fazer contas ao peso. Mas começaram muito bem estas curtas férias nas Cotswold.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 19 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19698: Os nossos seres, saberes e lazeres (317): Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983" (António Graça de Abreu) - Parte II: 12 de setembro de 1980: o 4º centenário da morte de Luís de Camões
Guiné 61/74 - P19699: Parabéns a você (1607): António Joaquim Oliveira, ex-1.º Cabo Quarteleiro da CART 1742 (Guiné, 1967/69)
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Nota do editor
Último poste da série de 19 de Abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19696: Parabéns a você (1606): Augusto Vilaça, ex-Fur Mil Art da CART 1692 (Guiné, 1967/69); Leão Varela, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1566 (Guiné, 1966/68) e Victor Barata, ex-1.º Cabo Esp MMA - Do 27 da BA 12 (Guiné,1971/73)
Nota do editor
Último poste da série de 19 de Abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19696: Parabéns a você (1606): Augusto Vilaça, ex-Fur Mil Art da CART 1692 (Guiné, 1967/69); Leão Varela, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1566 (Guiné, 1966/68) e Victor Barata, ex-1.º Cabo Esp MMA - Do 27 da BA 12 (Guiné,1971/73)
sexta-feira, 19 de abril de 2019
Guiné 61/74 - P19698: Os nossos seres, saberes e lazeres (317): Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983" (António Graça de Abreu) - Parte II: 12 de setembro de 1980: o 4º centenário da morte de Luís de Camões
República Popular da China > Pequim > s/d > O António Graça de Abreu na praça Tianamen [ou Praça da Paz Celestial]
Foto (e legenda): © António Graça de Abreu (2008). Todos os direitos reservados.
[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Mensagem de António Graça de Abreu, com data de ontem, às 18h20:
Obrigado, Luís, pela publicação dos textozinhos do meu Diário de Pequim. Este, novo, sobre o Camões 1980, parece-me sempre actual e tem a ver com todos nós.(*)
Abraço, António Graça de Abreu
2. Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito", escrito na China, entre 1977 e 1983 (*)
por António Graça de Abreu
[ex-alf mil SGE, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), é membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com cerca de 230 referências.]
Pequim, 12 de Setembro de 1980
No número de Setembro de 1980, a revista China em Construção, edição em português, a propaganda de divulgação oficial de tudo o que é China, elaborada aqui nas Edições de Pequim -- onde, com a Adélia Goulart, trabalho há mais de um ano --, saiu um extenso texto meu.
4º. Centenário de Luís de Camões comemorado na China
Nos últimos dias de Junho passado tive a honra de participar numa pequena reunião e convívio luso-chinês realizado na Faculdade de Línguas Estrangeiras de Pequim que teve como motivo da comemoração o 4º. Centenário da morte do maior poeta português, Luís de Camões (1524-1580).
Foi um encontro muito simples, mas cujo significado e importância merecem destaque no contexo das relações culturais entre Portugal e a China. Quatro alunos dos cursos de Língua e Cultura Portuguesas da Faculdade de Línguas Estrangeiras de Pequim disseram um soneto e uma redondilha de Camões, Alma minha gentil que te partiste e Descalça vai para a fonte, em português e numa bonita tradução para chinês.
Vieram a esta Faculdade, o embaixador de Portugal na China, Dr. António Ressano Garcia, o conselheiro da Embaixada, Dr. João de Deus Ramos, a profª. Conceição Afonso, eu próprio, o vice-director da Faculdade e decano dos cursos de Estudos Ibero-Americanos, prof. Liu Zhengquan e, fundamental, as quase quatro dezenas de chineses que na capital da China estudam a língua portuguesa. Sob a égide de Camões, as pessoas encontraram-se, conversaram, deram conteúdo a uma das mais bonitas palavras da língua chinesa, youyi 友 谊,que significa "amizade."
O Embaixador de Portugal na China referiu a satisfação que sentia, por, a propósito de Luís de Camões, se poder encontrar com tantos jovens chineses que estudam português e que no futuro desempenharão um papel importante nas relações não só entre Portugal e a China, mas entre a China e o vasto mundo da língua portuguesa.
Que interesse poderá ter hoje recordar, na República Popular da China, o grande poeta português quando este país se procura projectar no futuro através das "quatro modernizações" ?
Os maiores poetas -- na China um Qu Yuan, um Li Bai, um Du Fu, em Portugal um Camões ou um Fernando Pessoa – estes, os maiores poetas não morrem, são passado, presente e futuro e continuam, século após século, a ser a voz de todo um povo.
Entender Camões é, quatrocentos anos depois da sua morte, conhecermo-nos melhor, como cidadãos à deriva, ou de pés bem assentes na terra, no embate, no diluir pelo mundo. Vamos ver porquê.
Luís de Camões, fidalgo pobre, valdevinos, desregrado e brigão, apanhado pela engrenagem complexa da sociedade do seu tempo, participou activamente, até à exaustão, na grande aventura dos Descobrimentos Portugueses. Antes de quaisquer outros povos, os homens do Douro e do Tejo chegariam por mar, às costas de África, América, Índia e também China.
Aqui em Pequim encontrei alguns amigos que eram de opinião que Camões teria sido um precursor do colonialismo português. É verdade que durante o longo governo dos reaccionários Salazar e Caetano, derrubado em 1974, o poeta foi transformado numa espécie de arauto do expansionismo português. De facto, em Os Lusíadas, o grande poema épico da nossa língua, Camões cantou "o ilustre peito lusitano" e os que "entre gente remota edificaram / Novo Reino que tanto sublimaram." Mas Camões também reconhece, nas últimas estrofes dos mesmos Lusíadas, que o Portugal que cantava estava metido "no gosto da cobiça e da rudeza / duma austera, apagada e vil tristeza". Camões, profundamente humano, nunca rejeitou, antes assumiu plenamente, a contradição das palavras e da vida.
Camões é o português de corpo inteiro, aventureiro, apaixonado e triste, cavaleiro andante errando pelas mais estranhas paragens do mundo, contraditório, lapidarmente humano. É o poeta que traduz, em versos maravilha, o que de bom e de mau se conjugam no génio português. Homem do Renascimento, Camões buscou uma sociedade mais justa. Um campeão dos humildes, "um socialista antes do tempo", como lhe chamou, talvez com um certo exagero, o camonista brasileiro Afrânio Peixoto. Teve perfeito conhecimento dos males do mundo, porque os viveu, estudou e sofreu e diz:
Não me falta na vida honesto estudo
Com longa experiência misturado…
Como afirmou o prof. Rodrigues Lapa, "Camões inseriu corajosamente em Os Lusíadas alguns versos que nos asseguram uma posição político-social de cidadão vigilante:
Vejamos no canto VII de Os Lusíadas:
Também não cuideis que cante
Quem, com hábito honesto e grave, veio,
Por contentar o Rei no ofício novo
A despir e roubar o próprio povo!
Nem quem acha que é justo e que é direito
Guardar-se a lei do rei, severamente,
E não acha que é justo e bom respeito
Que se pague o suor da servil gente.
Camões, um colonialista? Se participou na grande expansão portuguesa pelo mundo, que de resto abriu caminhos ao desenvolvimento da Humanidade, isso deveu-se à dinâmica do período histórico em que viveu. Se é verdade que os Portugueses oprimiram outros povos na sequência dos Descobrimentos, Camões assumiu uma atitude crítica e não foi um elemento passivo capaz de assistir, impávido e sereno, às muitas injustiças cometidas. Se tal não tivesse acontecido, o poeta não teria morrido pobre e miserável, vivendo praticamente de esmolas, de caridade, de amigos.
Como homem do Renascimento, Camões foi o poeta de um mundo novo e diferente, mais amplo, mais vasto, que então começava, se abria todos os homens.
Na sua obra lírica, foi também o grande poeta do Amor, e da negação do Amor. Ninguém como ele, na língua portuguesa, cantou o Amor, a complexidade de quem ama e é amado, as desilusões, o sofrimento, as "memórias da alegria", essa pura paixão tão portuguesa de amar e não amar.
O jovem Friedrich Engels, companheiro de Marx, numa carta escrita a 30 de Abril de 1839 ao seu amigo Wilhelm Graeber, diz que está a estudar a língua portuguesa que "é como ondas do mar sobre flores e prados" e depois confessa-lhe que gosta de "se sentar num jardim com o o sol batendo-lhe nas costas lendo os Lusíadas." O que levaria Engels a gostar de Camões e de Os Lusíadas ?
Um grande historiador português deste século, Jaime Cortesão, dá uma das muitas respostas possíveis:
"O português de Camões foi moldadado pelas águas e pelos ventos, foi enriquecido pelas verdades de outras gentes e alumiado pelas estrelas de todos os céus. É o português-tritão que se misturou a todas as ondas e a amargo sargaço dos oceanos; é o português suave que se diria respirar como as velas, ao sopro perene dos alisados; é o português amoroso que lançou os fundamentos do Império no sangue de outras raças; é o português para quem o perigo é o sal da vida e todos s homens são camaradas; e a Pátria, na própria frase do poeta, é toda a Terra."
Em Pequim, Junho de 1980, quatrocentos anos depois da morte de Luís de Camões, portugueses e chineses recordaram o grande poeta que soube moldar o génio de todo um povo nessa língua que, como escreveu Engels, "é como as ondas do mar sobre flores e prados."
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1. Mensagem de António Graça de Abreu, com data de ontem, às 18h20:
Obrigado, Luís, pela publicação dos textozinhos do meu Diário de Pequim. Este, novo, sobre o Camões 1980, parece-me sempre actual e tem a ver com todos nós.(*)
Abraço, António Graça de Abreu
2. Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito", escrito na China, entre 1977 e 1983 (*)
por António Graça de Abreu
Pequim, 12 de Setembro de 1980
No número de Setembro de 1980, a revista China em Construção, edição em português, a propaganda de divulgação oficial de tudo o que é China, elaborada aqui nas Edições de Pequim -- onde, com a Adélia Goulart, trabalho há mais de um ano --, saiu um extenso texto meu.
Antes da publicação, o que escrevi e passo a transcrever, foi traduzido para chinês e levado à consideração, ou censura, dos nossos chefes. Não me cortaram uma só palavra, não limparam uma vírgula, passou tudo pelos dentes e entendimento do pente feio da censura chinesa. Aí vai o que escrevi:
4º. Centenário de Luís de Camões comemorado na China
Nos últimos dias de Junho passado tive a honra de participar numa pequena reunião e convívio luso-chinês realizado na Faculdade de Línguas Estrangeiras de Pequim que teve como motivo da comemoração o 4º. Centenário da morte do maior poeta português, Luís de Camões (1524-1580).
Foi um encontro muito simples, mas cujo significado e importância merecem destaque no contexo das relações culturais entre Portugal e a China. Quatro alunos dos cursos de Língua e Cultura Portuguesas da Faculdade de Línguas Estrangeiras de Pequim disseram um soneto e uma redondilha de Camões, Alma minha gentil que te partiste e Descalça vai para a fonte, em português e numa bonita tradução para chinês.
Vieram a esta Faculdade, o embaixador de Portugal na China, Dr. António Ressano Garcia, o conselheiro da Embaixada, Dr. João de Deus Ramos, a profª. Conceição Afonso, eu próprio, o vice-director da Faculdade e decano dos cursos de Estudos Ibero-Americanos, prof. Liu Zhengquan e, fundamental, as quase quatro dezenas de chineses que na capital da China estudam a língua portuguesa. Sob a égide de Camões, as pessoas encontraram-se, conversaram, deram conteúdo a uma das mais bonitas palavras da língua chinesa, youyi 友 谊,que significa "amizade."
O Embaixador de Portugal na China referiu a satisfação que sentia, por, a propósito de Luís de Camões, se poder encontrar com tantos jovens chineses que estudam português e que no futuro desempenharão um papel importante nas relações não só entre Portugal e a China, mas entre a China e o vasto mundo da língua portuguesa.
Que interesse poderá ter hoje recordar, na República Popular da China, o grande poeta português quando este país se procura projectar no futuro através das "quatro modernizações" ?
Os maiores poetas -- na China um Qu Yuan, um Li Bai, um Du Fu, em Portugal um Camões ou um Fernando Pessoa – estes, os maiores poetas não morrem, são passado, presente e futuro e continuam, século após século, a ser a voz de todo um povo.
Entender Camões é, quatrocentos anos depois da sua morte, conhecermo-nos melhor, como cidadãos à deriva, ou de pés bem assentes na terra, no embate, no diluir pelo mundo. Vamos ver porquê.
Luís de Camões, fidalgo pobre, valdevinos, desregrado e brigão, apanhado pela engrenagem complexa da sociedade do seu tempo, participou activamente, até à exaustão, na grande aventura dos Descobrimentos Portugueses. Antes de quaisquer outros povos, os homens do Douro e do Tejo chegariam por mar, às costas de África, América, Índia e também China.
Aqui em Pequim encontrei alguns amigos que eram de opinião que Camões teria sido um precursor do colonialismo português. É verdade que durante o longo governo dos reaccionários Salazar e Caetano, derrubado em 1974, o poeta foi transformado numa espécie de arauto do expansionismo português. De facto, em Os Lusíadas, o grande poema épico da nossa língua, Camões cantou "o ilustre peito lusitano" e os que "entre gente remota edificaram / Novo Reino que tanto sublimaram." Mas Camões também reconhece, nas últimas estrofes dos mesmos Lusíadas, que o Portugal que cantava estava metido "no gosto da cobiça e da rudeza / duma austera, apagada e vil tristeza". Camões, profundamente humano, nunca rejeitou, antes assumiu plenamente, a contradição das palavras e da vida.
Camões é o português de corpo inteiro, aventureiro, apaixonado e triste, cavaleiro andante errando pelas mais estranhas paragens do mundo, contraditório, lapidarmente humano. É o poeta que traduz, em versos maravilha, o que de bom e de mau se conjugam no génio português. Homem do Renascimento, Camões buscou uma sociedade mais justa. Um campeão dos humildes, "um socialista antes do tempo", como lhe chamou, talvez com um certo exagero, o camonista brasileiro Afrânio Peixoto. Teve perfeito conhecimento dos males do mundo, porque os viveu, estudou e sofreu e diz:
Não me falta na vida honesto estudo
Com longa experiência misturado…
Como afirmou o prof. Rodrigues Lapa, "Camões inseriu corajosamente em Os Lusíadas alguns versos que nos asseguram uma posição político-social de cidadão vigilante:
Vejamos no canto VII de Os Lusíadas:
Também não cuideis que cante
Quem, com hábito honesto e grave, veio,
Por contentar o Rei no ofício novo
A despir e roubar o próprio povo!
Nem quem acha que é justo e que é direito
Guardar-se a lei do rei, severamente,
E não acha que é justo e bom respeito
Que se pague o suor da servil gente.
Camões, um colonialista? Se participou na grande expansão portuguesa pelo mundo, que de resto abriu caminhos ao desenvolvimento da Humanidade, isso deveu-se à dinâmica do período histórico em que viveu. Se é verdade que os Portugueses oprimiram outros povos na sequência dos Descobrimentos, Camões assumiu uma atitude crítica e não foi um elemento passivo capaz de assistir, impávido e sereno, às muitas injustiças cometidas. Se tal não tivesse acontecido, o poeta não teria morrido pobre e miserável, vivendo praticamente de esmolas, de caridade, de amigos.
Como homem do Renascimento, Camões foi o poeta de um mundo novo e diferente, mais amplo, mais vasto, que então começava, se abria todos os homens.
Na sua obra lírica, foi também o grande poeta do Amor, e da negação do Amor. Ninguém como ele, na língua portuguesa, cantou o Amor, a complexidade de quem ama e é amado, as desilusões, o sofrimento, as "memórias da alegria", essa pura paixão tão portuguesa de amar e não amar.
O jovem Friedrich Engels, companheiro de Marx, numa carta escrita a 30 de Abril de 1839 ao seu amigo Wilhelm Graeber, diz que está a estudar a língua portuguesa que "é como ondas do mar sobre flores e prados" e depois confessa-lhe que gosta de "se sentar num jardim com o o sol batendo-lhe nas costas lendo os Lusíadas." O que levaria Engels a gostar de Camões e de Os Lusíadas ?
Um grande historiador português deste século, Jaime Cortesão, dá uma das muitas respostas possíveis:
"O português de Camões foi moldadado pelas águas e pelos ventos, foi enriquecido pelas verdades de outras gentes e alumiado pelas estrelas de todos os céus. É o português-tritão que se misturou a todas as ondas e a amargo sargaço dos oceanos; é o português suave que se diria respirar como as velas, ao sopro perene dos alisados; é o português amoroso que lançou os fundamentos do Império no sangue de outras raças; é o português para quem o perigo é o sal da vida e todos s homens são camaradas; e a Pátria, na própria frase do poeta, é toda a Terra."
Em Pequim, Junho de 1980, quatrocentos anos depois da morte de Luís de Camões, portugueses e chineses recordaram o grande poeta que soube moldar o génio de todo um povo nessa língua que, como escreveu Engels, "é como as ondas do mar sobre flores e prados."
Nota do editor:
(*) Último poste da série > 18 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19693: Os nossos seres, saberes e lazeres (316): Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983" (António Graça de Abreu) - Parte I: janeiro de 1980
(*) Último poste da série > 18 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19693: Os nossos seres, saberes e lazeres (316): Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983" (António Graça de Abreu) - Parte I: janeiro de 1980
Guiné 61/74 - P19697: Notas de leitura (1170): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (2) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Janeiro de 2019:
Queridos amigos,
Santos Andrade está agora a fazer recruta, todos a fizemos. Podem dar um contributo aqui para a história do BCAV 490 em verso? Filipe Leandro Martins em "O Pé na Paisagem" lembra as botas da tropa, texto de rara impressividade: "Os dois pares que tínhamos iam sempre brilhar nas formaturas, nas revistas, nas chamadas. Quando as recebíamos elas vinham tão grosseiras que era difícil amaciar-lhes o pelo, bebiam frascos de tinta e latas de graxa, aguentavam escovadelas dementes, duras de roer. Alguns havia que passavam o fim de semana a dar-lhes pomada e a queimar-lhes o pelo. Outros passavam o dia à volta dos dois pares. Eram engraxadores de coração, a graxa entrara-lhes na alma através dos dedos, o prazer que tinham era mirarem-se no espelho das botas, ouvirem elogios do alferes na parada".
Mas mais, muito mais, aconteceu na nossa recruta. Toca a lembrar!
Um abraço do
Mário
Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (2)
Beja Santos
“Missão Cumprida”, de Santos Andrade, é a história em verso do BCAV 490. Foi composto e impresso na Tipografia das Missões, Guiné Portuguesa, em julho de 1965, o que significa que o autor antes de regressar da sua comissão tinha a obra acabada. O bardo conta como vai para a vida militar, como chega a Mafra, passa por Estremoz, fala das desditas das perdas, da vida em Bissorã, da Batalha do Como, da chegada a Jumbembem, fala-se de Farim, Cuntima, Guidage, de operações, muitas, de emboscadas, de armadilhas, de valentia, do retorno a Bissau, há memórias de tudo, apelos sentimentais, até o termo da gesta, com o fado do regresso.
É verdade que há já um conjunto de histórias de unidades militares em verso, creio, salvo melhor opinião, que esta é a primeira que se escreveu na literatura da guerra da Guiné, presta-se a uma homenagem a Santos Andrade, a quem fez parte do BCAV 490 e a quem tanto escreveu, por artes colaterais, incidentais, no que aqui em verso se nomeia. E assim ocorreu um projeto, com algo de mobilizador, ir publicando o que Santos Andrade versejou e lembrar outros autores, dando a possibilidade a muitos, a começar por quem esteve nas fileiras do BCAV 490 a quem tem histórias similares ir depondo ao longo de uma série de transcrições desta tão impressiva “Missão Cumprida”.
Assim, ao encetar o que o bardo conta de si e do seu batalhão, convida-se a que muitos testemunhem e aumentem esta missão cumprida que continuamos a cumprir até que o último dos combatentes entregue em definitivo o estandarte nos labirintos da História. Valeu?
************
Santos Andrade já chegou às Caldas da Rainha, começa a vida militar:
Algum tempo se passou
até que cheguei ao quartel.
Dei a guia a um Furriel
que para uma bicha me levou.
Um Soldado me informou
que tinha muito que passar
e eu comecei a admirar
este grande curralão.
Entrei eu nesta prisão
para a recrutar tirar.
Desta vida amargurada
vou-lhes contar um bocado:
até ao juramento de bandeira
andei sempre constipado.
Começámos a instrução
Com todas as impertinências:
aprender a fazer continências:
e a rastejar pelo chão.
Ficou-me de recordação
aquela terra enlameada:
ficar com a farda molhada
e com um frio de tremer
nunca mais me hei-de esquecer
Desta vida amargurada.
Quando toca a alvorada,
tudo sem se levantar.
Às sete horas vai-se formar
p’ró café e marmelada;
às oito horas na parada
já está tudo alinhado
já a corneta tem tocado
para a Companhia avançar.
De tudo o que estou a passar
vou-lhes contar um bocado.
Eu não estava acostumado
à vida militar
Tive que me habituar,
mas vi-me atrapalhado:
uma vez, arregaçado,
passei por dentro duma Ribeira,
caí numa ribanceira,
fiquei todo esfolado,
e andei sempre adoentado
até ao juramento de bandeira
Toda a gente deve saber
que isto é para enrijar
para quando se for lutar
nós já saibamos sofrer
para podermos vencer
quem se opõe ao nosso lado.
Por isso o tempo foi passado
assim com tanto sofrimento
e aqui neste Regimento
andei sempre constipado.
************
E de novo veio à tona da memória mais trechos de “O Pé na Paisagem”, de Filipe Leandro Martins:
“Toda a gente estava a pé, o murmúrio tornava-se algazarra, batiam-se portas metálicas sem cuidados na azáfama de chegar primeiro. E nisto acenderam-se as luzes: todos de verde ou quase. Havia quem desistisse de se fardar, olhando para o chão com desânimo ou trocando uma vez mais os atacadores e as fivelas difíceis. Os espertos andavam numa roda-viva, a rir e ensinar.
À porta dois ou três grupos barbeados de fresco e abotoados conversavam e batiam com os pés no chão para assustar o frio. Alguns verificavam nos placardes os horários, listas de nomes, avisos velhos”.
E, mais adiante:
“Depois começou a chamada, milhões de nomes a acertar com números, e a fome a roer. Depois firme. Sentido. Os braços esticados, dedos juntos, olhar em frente. Não mexe. O furriel deu um passo em direcção a nós, perna estendida, patada no chão. Deu meia volta, muito teso. Fez a continência a um homem franzino, enquanto a malta bichanava que era um alferes. O alferes fez um gesto mole em resposta, virámo-nos para a direita e lá fomos a caminho do refeitório, a toque de caixa.
Grandes mesas de mármore, molhadas de gordura, arrastar cadeiras, firme, sentido, sentar, arrastar cadeiras. Café com leite aguado, pão escuro com margarina, mastigar, guardar uma bucha dura nos bolsos. Os monitores começaram a berrar e nunca mais pararam durante três meses, levantar, sentar, marchar, comer, dormir, correr, sair, entrar, lavar, correr, deitar, rastejar, saltar, disparar, limpar, engraxar, marchar, correr, ouvir e calar.”
É sempre bom retornar ao diário do soldado Inácio Maria Góis. É faxineiro na cozinha, tem o condão de nos revoltar o estômago:
“O feijão é retirado de dentro dos sacos, não é lavado nem limpo, leva alguns quilos de sódio para ser cozido mais rápido. As couves são cortadas ao meio e não são lavadas, atiram-nas assim para dentro das panelas, apenas as batatas são lavadas. É por isso que aparecem nos nossos pratos lesmas e lagartas".
E consta do seu diário:
“Aqui nos encontramos aproximadamente mil jovens a tirar a recruta. As suas idades variam entre os 21 e os 22 anos. Na sua maioria são do Alentejo e Algarve e os restantes vêm do Ribatejo, Norte e Lisboa”.
O abaixo assinado Mário Beja Santos deu-lhe para recordar estas facetas e facécias quando escreveu “A Viagem do Tangomau”, recebeu guia de marcha foi da estação do Rossio até à Malveira, daqui até ao convento em autocarro. Foi praxado, como era usual. Cuidara de ir ao barbeiro na véspera, pedira corte a preceito. Na receção, um quarteleiro manganão observou-lhe que levava as tranças compridas, já para o corte, aqui não se quer gente com canos no cabelo, chamam lêndeas, tentou protestar, veio a ameaça do corte de fim de semana, resignado, lá foi para a tosquia.
Como o Santos Andrade depois da recruta foi para Mafra, vamos os dois, a seguir, entrar num certo despique.
(continua)
Escola de Sargentos do Exército, Caldas da Rainha.
____________Notas do editor
Poste anterior de 12 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19673: Notas de leitura (1168): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (1) (Mário Beja Santos)
Último poste da série de15 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19682: Notas de leitura (1169): Um luso-cabo-verdiano que amou desmedidamente a Guiné (1) (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P19696: Parabéns a você (1606): Augusto Vilaça, ex-Fur Mil Art da CART 1692 (Guiné, 1967/69); Leão Varela, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1566 (Guiné, 1966/68) e Victor Barata, ex-1.º Cabo Esp MMA - Do 27 da BA 12 (Guiné,1971/73)
____________
Nota do editor
Último poste da série:
18 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19690: Parabéns a você (1605): Raul Brás, ex-Soldado Condutor da CCAÇ 2381 (Guiné, 1968/70)
quinta-feira, 18 de abril de 2019
Guiné 61/74 - P19695: Manuscrito(s) (Luís Graça) (154): Feliz Páscoa 2019, da Tabanca de Candoz para todos os demais tabanqueiros
Marco de Canaveses > Paredes deViadores e Manhncelos > Candoz > Tabanca de Candoz, 11 de setembro de 2011. Autorretrato.
Foto (e legenda): © Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados. [Edição: : Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Feliz Páscoa de 2019: da Tabanca de Candoz para todos os demais tabanqueiros
Já lá vem, em festa, p’la estrada fora,
O compasso pascal da freguesia,
Chega à nossa casa mesmo na hora,
E a todos saúda com alegria.
Mais do que a tradição, é a certeza
De que a Páscoa é também renascimento,
E há sempre mais um lugar à mesa,
Para nosso geral contentamento.
Se não for preenchido, é o dos ausentes,
E, em especial, o dos nossos mortos queridos;
Aos que vieram e estão aqui presentes,
Saibam que nós ficamos muito honrados.
E, aos do compasso, diremos, reconhecidos:
Tenham um dia feliz, mesmo… estourados!
Quinta de Candoz, 19 de abril de 2019,
O(s) régulos(s) da Tabanca de Candoz
_____________
Já lá vem, em festa, p’la estrada fora,
O compasso pascal da freguesia,
Chega à nossa casa mesmo na hora,
E a todos saúda com alegria.
Mais do que a tradição, é a certeza
De que a Páscoa é também renascimento,
E há sempre mais um lugar à mesa,
Para nosso geral contentamento.
Se não for preenchido, é o dos ausentes,
E, em especial, o dos nossos mortos queridos;
Aos que vieram e estão aqui presentes,
Saibam que nós ficamos muito honrados.
E, aos do compasso, diremos, reconhecidos:
Tenham um dia feliz, mesmo… estourados!
Quinta de Candoz, 19 de abril de 2019,
O(s) régulos(s) da Tabanca de Candoz
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Nota do editor:
ÚLtimo poste da série > 19 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19603: Manuscrito(s) (Luís Graça (153): Lembrando hoje o pai, o meu, o teu, o nosso pai...
ÚLtimo poste da série > 19 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19603: Manuscrito(s) (Luís Graça (153): Lembrando hoje o pai, o meu, o teu, o nosso pai...
Guiné 61/74 - P19694: Consultório militar do José Martins (43): As Últimas Campanhas na África Portuguesa (1961-1974): De Dados Oficiais a Dados Oficiosos (Parte III)
1. Conclusão da publicação do trabalho do nosso camarada e "consultor
militar", José Martins (ex-Fur Mil TRMS, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude,
1968/70), sobre os dados oficiais e oficiosos das Últimas Campanhas na
África Portuguesa, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 3 de Abril
passado.
Em tempo:
Corrigenda enviada ao Blogue, em 22 de Abril de 2019, pelo autor do trabalho, José Marcelino Martins:
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Nota do editor
Postes anteriores de:
16 de Abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19686: Consultório militar do José Martins (41): As Últimas Campanhas na África Portuguesa (1961-1974): De Dados Oficiais a Dados Oficiosos (Parte I)
e
17 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19689: Consultório militar do José Martins (42): As Últimas Campanhas na África Portuguesa (1961-1974): De Dados Oficiais a Dados Oficiosos (Parte II)
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Em tempo:
Corrigenda enviada ao Blogue, em 22 de Abril de 2019, pelo autor do trabalho, José Marcelino Martins:
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Nota do editor
Postes anteriores de:
16 de Abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19686: Consultório militar do José Martins (41): As Últimas Campanhas na África Portuguesa (1961-1974): De Dados Oficiais a Dados Oficiosos (Parte I)
e
17 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19689: Consultório militar do José Martins (42): As Últimas Campanhas na África Portuguesa (1961-1974): De Dados Oficiais a Dados Oficiosos (Parte II)
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Guiné 61/74 - P19693: Os nossos seres, saberes e lazeres (316): Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983" (António Graça de Abreu) - Parte I: janeiro de 1980
Foto (e legenda): © António Graça de Abreu (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. O António Graça de Abreu, ex-alf mil SGE, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), é membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com cerca de 230 referências.
Nasceu no Porto, em 1947; é escritor, tradutor, poeta, sinólogo, com mais de duas dezenas de livros publicados; é professor universitário; licenciou-se em Filologia Germânica e é Mestre em História pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa.
Da sua experiência militar, no CAOP1 (1972/74), escreveu um pessoalíssimo e original Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (Lisboa: Guerra e Paz, Editores, 2007), de que já publicámos inúmeros excertos no nosso blogue.
Dele publicamos também recentemente a série Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu).
É casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais.
Menos conhecida, dos amigos e camaradas da Guiné, ou sejam, dos nossos leitores, é a sua obra de tradução, para português, dos grandes clássicos da poesia chinesa bem como a sua estadia na China, entre 1977 e 1983, onde leccionou Língua e Cultura Portuguesa nas Universidades de Pequim e Shanghai, tendo trabalhado nas Edições Pequim.
Do seu "diário secreto, ainda inédito", escrito nos anos de 1977 a 1983, enviou alguns excertos para as pessoas da sua "mailing list", incluindo o nosso blogue. Dado tratar-se de um camarada nosso com um papel conhecido e ativo no desenvolvimento das relações culturais entre Portugal e a China (incluindo Macau), e, portanto, da lusofonia, achamos oportuno e pertinente publlicar, com a sua autorização, alguns desses excertos.
Publicamos hoje a parte I (Pequim, janeiro de 1980) e oportunamente a Parte II (Pequim, outubro de 1982; Macau, novembro de 1982) (LG)
por António Graça de Abreu
Pequim, 22 de Janeiro de 1980
A minha danwei 单位, a “entidade de trabalho”, é as Edições de Pequim, mas tenho igualmente ajudado um pouco a profª. Conceição Afonso na leccionação no Curso de Língua e Cultura Portuguesa numa outra danwei, a Faculdade de Línguas Estrangeiras de Pequim.
Original visita à Escola de Trabalho, Estudo e Reeducação no distrito de Lugoujiao,fundada em 1978, nos arredores de Pequim.
No nosso Portugal chamavam reformatórios ou casas de correção a estes estabelecimentos, tutorias destinadas a jovens transviados, problemáticos, de difícil inserção na sociedade.
Aqui, a Escola tem quase trezentos alunos, quarenta dos quais são raparigas, jovens oriundos de famílias desagregadas, não funcionais. Estavam habituados a provocar distúrbios nas escolas que frequentavam. Dizem-me que aqui se procura disciplinar os rapazes e raparigas, através do exemplo, do estudo e do trabalho físico que lhes ocupa 1/3 do tempo lectivo. Os temas ensinados são os mesmos do ensino secundário, mas com menor carga horária.
Os trezentos alunos estão distribuídos por dez classes, fazem trabalho manual, cultivam arroz e trabalham numa fábrica de plásticos integrada na escola. Quando têm família que os receba, vão a casa de quinze em quinze dias. Têm também duas semanass de férias por ano.
Muitos destes jovens cometeram delitos graves, mas não são criminosos. 10 a 20% deles reincidiram nos erros, mas a maioria aceita e gosta da Escola. Não existe uma vigilância apertada, não há muros altos, alguns alunos já fugiram, regressaram e voltaram a fugir. Não é fácil o labor dos professores e empregados.
A Escola é recente e o director que nos recebe, e vai dando as explicações, diz que tem pouca experiência de lidar com estes jovens problemáticos. Procura-se incutir um ideal na mente de cada um, explicando-lhes que eles não são os principais responsáveis pelos erros que cometem. Claro que eles também terão algumas culpas, no entanto não os devemos acusar directamente. É necessário fazer-lhes compreender porque cometeram erros, quais as causas, próprias e alheias, até que ponto são eles as vítimas.
Trata-se de salvar os adolescentes e de procurar formar jovens úteis à sociedade. Os professores têm obrigação de gostar dos alunos, de os compreender e orientar, os jovens necessitam de sentir que são amados, o seu comportamento não atraiu o amor, mas os afectos são importantíssimos na melhoria permanente de todos. Tenta-se ajudá-los a compreender melhor a sociedade, a dar-lhes interesse pela vida, a trabalhar pelo colectivo. Todos recebem um pequeno salário de 7 yuans por mês e já desfilaram orgulhosos na grande Avenida Chang’an no 1 de Outubro, o Dia Nacional da China.
Depois da extensa e didáctica conversa introdutória, fomos visitar a Escola. Instalações muito deficientes, salas de aula espartanas e nuas, à moda da China, camaratas para duas dezenas de jovens, cada uma, tudo muito feio, frio e pobre.
Os rapazes e raparigas não nos vieram saudar com a jovialidade de quem encontra amigos. Os rostos marcados pelo rasgar das vidas, ainda tão breves, sentindo-se observados, peixes fora do aquário, quase nenhum sorriso. Interessante, mas deprimente e triste esta passagem por uma casa de correção de jovens, em Pequim.
Como disse o director do reformatório “são flores em mau estado, estragadas pelos bichos.” E os “bichos” seremos todos nós.
Pequim, 31 de Janeiro de 1980
Sugeri às Edições [Pequim] uma viagem especial, duzentos e cinquenta quilómetros de bicicleta desde Shijiazhuang, capital da província de Hebei até Anyang, já na província de Henan e importante centro histórico. No século XIV a.C., Anyang foi capital da dinastia Shang-Yin e um dos grandes centros urbanos da China antiga. Há imensos vestígios arqueológicos, mal conhecidos, a visitar absolutamente. Pedi para ir comigo como intérprete, auxiliar de logística, a pedalar a meu lado pela China abaixo um dos jovens camaradas que trabalha comigo nas Edições onde não estamos muito ocupados e há tempo de sobra para outras actividades.
A minha danwei 单位, a “entidade de trabalho”, é as Edições de Pequim, mas tenho igualmente ajudado um pouco a profª. Conceição Afonso na leccionação no Curso de Língua e Cultura Portuguesa numa outra danwei, a Faculdade de Línguas Estrangeiras de Pequim.
Sou professor, por formação, e tenho dado aulas aqui nas Edições aos chineses que comigo trabalham, e a muitos outros chineses que estudam ou estudaram português e vêm assistir e participar no nosso aprendizado com a língua portuguesa. Estou por isso, relativamente bem informado sobre o que se passa nestas paragens quanto ao ensino do português.
O nosso idioma começou a ser estudado na China no ano de 1961 e, singularmente, muitos dos primeiros alunos haviam estudado russo, passando depois para o português. Com o conflito ideológico entre soviéticos e chineses no final dos anos cinquenta, que levou à saída da China de milhares e milhares de técnicos russos, o conhecimento da língua de Tolstoi e de Lenin quase deixou de ter utilidade.
O nosso idioma começou a ser estudado na China no ano de 1961 e, singularmente, muitos dos primeiros alunos haviam estudado russo, passando depois para o português. Com o conflito ideológico entre soviéticos e chineses no final dos anos cinquenta, que levou à saída da China de milhares e milhares de técnicos russos, o conhecimento da língua de Tolstoi e de Lenin quase deixou de ter utilidade.
Para alguns, não muitos, jovens chineses, a língua de Camões e Eça passou então a ser uma alternativa de vida, e avançaram do russo para o português, e a mudança não terá sido tarefa fácil. Até 1975, os cursos ministrados em vários lugares de Pequim foram apenas de português do Brasil e funcionaram em condições precárias, inclusive os professores não eram propriamente mestres, mas refugiados políticos, cidadãos escapados à ditadura brasileira, com diversas profissões que nada tinham a ver com o ensino.
A Revolução Cultural, com o encerramento da Faculdade de Línguas Estrangeiras durante cinco anos, foi responsável pelo desmembramento dos cursos e pelo desinteresse criado nos alunos. O governo chinês teve, no entanto, o bom senso, em 1965, de enviar para Macau, quase em segredo, 60 jovens chineses que estudaram português durante quase três anos. Alguns deles trabalham hoje comigo nas Edições e tiveram um professor que nunca mais esqueceram, de nome Júlio Dinis.
Neste momento funcionam na Faculdade de Línguas Estrangeiras, Departamento de Estudos Ibero-Americanos, dois cursos de Língua e Cultura Portuguesa, com quarenta alunos, uma professora portuguesa e sete professores chineses. Os alunos têm uma média de 20 anos e foram escolhidos para frequentar os cursos através de um exame especial, após terem terminado o secundário.
A Revolução Cultural, com o encerramento da Faculdade de Línguas Estrangeiras durante cinco anos, foi responsável pelo desmembramento dos cursos e pelo desinteresse criado nos alunos. O governo chinês teve, no entanto, o bom senso, em 1965, de enviar para Macau, quase em segredo, 60 jovens chineses que estudaram português durante quase três anos. Alguns deles trabalham hoje comigo nas Edições e tiveram um professor que nunca mais esqueceram, de nome Júlio Dinis.
Neste momento funcionam na Faculdade de Línguas Estrangeiras, Departamento de Estudos Ibero-Americanos, dois cursos de Língua e Cultura Portuguesa, com quarenta alunos, uma professora portuguesa e sete professores chineses. Os alunos têm uma média de 20 anos e foram escolhidos para frequentar os cursos através de um exame especial, após terem terminado o secundário.
Os cursos, além da língua portuguesa, literatura portuguesa, História de Portugal, debruçam-se também sobre outros temas como literatura clássica chinesa, política, etc. Prolongam-se por quatro anos e funcionam em regime de internato. Equivalem ao nosso Ensino Superior, embora o nível geral seja inferior ao do das nossas universidades, quando acontece elas em Portugal funcionarem bem. Após terminarem o curso, os estudantes não têm opção de escolha e são distribuídos por diferentes lugares, departamentos ou serviços. Alguns irão trabalhar nas embaixadas da China nos países de língua portuguesa, outros no turismo, como guias-intérpretes, outros como tradutores, intelectuais ligados ao mundo cultural da língua portuguesa.
Os alunos são trabalhadores e ao fim de um ano de aprendizagem começa a ser possível conversar com eles em português. Temos falta de materiais de ensino. É uma pena que sendo a nossa língua a quinta mais falada do mundo, não exista um bom manual, feito em Portugal, destinado ao ensino do português no estrangeiro.
Também não temos ainda um verdadeiro leitorado de português em Pequim, dado que as relações diplomáticas são recentes e não foi assinado nenhum acordo cultural entre os nossos dois países, mas eu próprio, de férias em Lisboa, no Verão passado, fiz a ligação com o ICALP, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa e com a Fundação Calouste Gulbenkian que já nos enviaram duas bibliotecas básicas de clássicos portugueses, uma para as Edições e outra para a Faculdade.
Os alunos são trabalhadores e ao fim de um ano de aprendizagem começa a ser possível conversar com eles em português. Temos falta de materiais de ensino. É uma pena que sendo a nossa língua a quinta mais falada do mundo, não exista um bom manual, feito em Portugal, destinado ao ensino do português no estrangeiro.
Também não temos ainda um verdadeiro leitorado de português em Pequim, dado que as relações diplomáticas são recentes e não foi assinado nenhum acordo cultural entre os nossos dois países, mas eu próprio, de férias em Lisboa, no Verão passado, fiz a ligação com o ICALP, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa e com a Fundação Calouste Gulbenkian que já nos enviaram duas bibliotecas básicas de clássicos portugueses, uma para as Edições e outra para a Faculdade.
Também temos recebido outros livros, jornais, revistas, diapositivos e discos. É pouco, mas estes materiais já estão a ser utilizados das mais variadas formas. A Fundação Calouste Gulbenkian, através do seu Serviço Internacional, prometeu bolsas de estudo em Portugal para cada um dos professores chineses que ensinam português na Faculdade de Linguas Estrangeiras de Pequim.
Em Xangai, cidade com 10 milhões de habitantes, na também Faculdade de Línguas Estrangeiras, funciona igualmente um curso de português, com 12 alunos e uma professora brasileira, a Drª. Yuko, por acaso de origem japonesa, mas nascida em São Paulo. Já me convidaram a ir a Xangai dar duas semanas de aulas, o que, creio, acontecerá ainda este ano.
Pequim, 25 de Janeiro de 1980
Em Xangai, cidade com 10 milhões de habitantes, na também Faculdade de Línguas Estrangeiras, funciona igualmente um curso de português, com 12 alunos e uma professora brasileira, a Drª. Yuko, por acaso de origem japonesa, mas nascida em São Paulo. Já me convidaram a ir a Xangai dar duas semanas de aulas, o que, creio, acontecerá ainda este ano.
Pequim, 25 de Janeiro de 1980
Original visita à Escola de Trabalho, Estudo e Reeducação no distrito de Lugoujiao,fundada em 1978, nos arredores de Pequim.
No nosso Portugal chamavam reformatórios ou casas de correção a estes estabelecimentos, tutorias destinadas a jovens transviados, problemáticos, de difícil inserção na sociedade.
Aqui, a Escola tem quase trezentos alunos, quarenta dos quais são raparigas, jovens oriundos de famílias desagregadas, não funcionais. Estavam habituados a provocar distúrbios nas escolas que frequentavam. Dizem-me que aqui se procura disciplinar os rapazes e raparigas, através do exemplo, do estudo e do trabalho físico que lhes ocupa 1/3 do tempo lectivo. Os temas ensinados são os mesmos do ensino secundário, mas com menor carga horária.
Os trezentos alunos estão distribuídos por dez classes, fazem trabalho manual, cultivam arroz e trabalham numa fábrica de plásticos integrada na escola. Quando têm família que os receba, vão a casa de quinze em quinze dias. Têm também duas semanass de férias por ano.
Muitos destes jovens cometeram delitos graves, mas não são criminosos. 10 a 20% deles reincidiram nos erros, mas a maioria aceita e gosta da Escola. Não existe uma vigilância apertada, não há muros altos, alguns alunos já fugiram, regressaram e voltaram a fugir. Não é fácil o labor dos professores e empregados.
A Escola é recente e o director que nos recebe, e vai dando as explicações, diz que tem pouca experiência de lidar com estes jovens problemáticos. Procura-se incutir um ideal na mente de cada um, explicando-lhes que eles não são os principais responsáveis pelos erros que cometem. Claro que eles também terão algumas culpas, no entanto não os devemos acusar directamente. É necessário fazer-lhes compreender porque cometeram erros, quais as causas, próprias e alheias, até que ponto são eles as vítimas.
Trata-se de salvar os adolescentes e de procurar formar jovens úteis à sociedade. Os professores têm obrigação de gostar dos alunos, de os compreender e orientar, os jovens necessitam de sentir que são amados, o seu comportamento não atraiu o amor, mas os afectos são importantíssimos na melhoria permanente de todos. Tenta-se ajudá-los a compreender melhor a sociedade, a dar-lhes interesse pela vida, a trabalhar pelo colectivo. Todos recebem um pequeno salário de 7 yuans por mês e já desfilaram orgulhosos na grande Avenida Chang’an no 1 de Outubro, o Dia Nacional da China.
Depois da extensa e didáctica conversa introdutória, fomos visitar a Escola. Instalações muito deficientes, salas de aula espartanas e nuas, à moda da China, camaratas para duas dezenas de jovens, cada uma, tudo muito feio, frio e pobre.
Os rapazes e raparigas não nos vieram saudar com a jovialidade de quem encontra amigos. Os rostos marcados pelo rasgar das vidas, ainda tão breves, sentindo-se observados, peixes fora do aquário, quase nenhum sorriso. Interessante, mas deprimente e triste esta passagem por uma casa de correção de jovens, em Pequim.
Como disse o director do reformatório “são flores em mau estado, estragadas pelos bichos.” E os “bichos” seremos todos nós.
Pequim, 31 de Janeiro de 1980
Sugeri às Edições [Pequim] uma viagem especial, duzentos e cinquenta quilómetros de bicicleta desde Shijiazhuang, capital da província de Hebei até Anyang, já na província de Henan e importante centro histórico. No século XIV a.C., Anyang foi capital da dinastia Shang-Yin e um dos grandes centros urbanos da China antiga. Há imensos vestígios arqueológicos, mal conhecidos, a visitar absolutamente. Pedi para ir comigo como intérprete, auxiliar de logística, a pedalar a meu lado pela China abaixo um dos jovens camaradas que trabalha comigo nas Edições onde não estamos muito ocupados e há tempo de sobra para outras actividades.
O objectivo da viagem passa também por conhecer outras paragens da China, pedalando gloriosamente por dentro do mundo camponês, fotografar e escrever depois umas crónicas que poderão ser publicadas na revista onde agora trabalho, a China em Construção. A minha sugestão de publicação estende-se a outras revistas das Edições de Pequim em Línguas Estrangeiras, não importa qual seja o idioma.
Aguardo desenvolvimentos.[1]
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[1] Esperei meses e meses por uma resposta que acabou por chegar, diplomaticamente negativa.
[Links da responsabilidade do editor LG]
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Nota do editor:
Último poste da série > 13 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19675: Os nossos seres, saberes e lazeres (315): Viagem à Holanda acima das águas (19) (Mário Beja Santos)
Aguardo desenvolvimentos.[1]
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[1] Esperei meses e meses por uma resposta que acabou por chegar, diplomaticamente negativa.
[Links da responsabilidade do editor LG]
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Nota do editor:
Último poste da série > 13 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19675: Os nossos seres, saberes e lazeres (315): Viagem à Holanda acima das águas (19) (Mário Beja Santos)
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