segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Guiné 61/74 – P20192: Agenda cultural (703): Livro do nosso camarada ranger António Chaínho "A escrava Domingas". (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem. 

Livro do nosso camarada ranger António Chaínho 

"A escrava Domingas"
Escravos africanos


Escravos! Parafraseando o autor, António Chaínho, um camarada ranger do meu curso, 1º de 1973 em Penude, Lamego, e antigo combatente em Angola, proponho uma leitura da sua última obra intitulada: A escrava Domingas.

Escravos é, somente, a palavra inicial de um livro que trata de um assunto real onde se escondem histórias, algumas mórbidas, sendo o patrão da “matéria comprada” uma das figuras proeminentes que geriam a força humana a seu belo prazer.

A escravatura foi, sem dúvida, uma realidade social que transvazou a dignidade de homens e mulheres, trazidos em lotes, para serem vendidos a patrões que procuravam naqueles seres uma exequível razão para um trabalho onde a força física se sobrepunha aos valores morais.

O livro espelha os custos de cada lote de escravos, sendo o preço das mulheres superiores aos dos homens. É fácil entender que a mulher era, além de serviçal, utilizada para os senhorios satisfazerem-se sexualmente. Logo, o procriar era entendido como uma mais valia para o comprador. Um negro nascido era, naturalmente, um novo escravo. 

A escrava Domingas, foi uma negra oriunda de uma sanzala situada na foz do Zaire, Angola, e vendida, entre outros nove escravos, para o morgado de S. Mamede, em Vale do Sado.


Domingas, propriedade de Diogo Menezes de Athayde Lencastre, 3º Morgado de São Mamede, travou uma batalha de resistência ao longo de uma vida marcada pela escravatura e onde se sujeitou a torturas e humilhações. Porém, a sua dignidade humana foi portadora de inconfessáveis segredos que foram hermeticamente guardados no seu coração.

A história, inteligentemente trabalhada pelo autor, onde o leitor se prende com o desenrolar da narrativa, pois cada página traz-nos uma nova mensagem sobre a evolução das personagens envolvidas, remete-nos para uma crueldade racista mas que se associa, em simultâneo, com sentimentos de paixão.

Diogo Lencastre, proprietário de uma herdade muito extensa, incentivado por amigos próximos, resolveu comprar um lote de escravos a qual incorporava a escrava Domingas.

Domingas era uma jovem airosa o que desde logo provocou ao 3º Morgado de São Mamede uma enorme apetência sexual, situação esta considerada então normal nesses idos tempos, século XVIII.

Desse romance amoroso, praticado no segredo dos deuses e longe do pensamento de D. Diana, a esposa do morgado, foi gerada um criança de nome Maria Rosa. Batizada só com o nome da mãe, filha de pai incógnito, a criança cresceu e quando começou a olhar para a sombra apaixonou-se pelo filho do patrão Diogo.

Henrique, irmão de Mafalda, e por ora os únicos herdeiros do morgadio, retribuía esses ensejos e, às escondidas, lá travavam olhares para um romance amoroso futuro mas que após a morte dos pais a verdade seria literalmente desvendada.

Ou seja, após Henrique ter acesso ao testamento deixado pelo seu pai, Diogo Menezes de Athayde Lencastre, este deixou escrito que Maria Rosa era na verdade sua irmã. O clã passou a contar com o triunvirato – Henrique, Mafalda e Maria Rosa -.

No testamento deixou explícito a questão das partilhas, entre os três, e não esqueceu uma pequena dádiva para a escrava Domingas.

Proponho, de novo, a compra da obra A escrava Domingos, de António Chaínho, um camarada que vive em Grândola. 

Abraços, camaradas
José Saúde

Nota: os interessados na compra podem, caso assim o desejem, contactar o telemóvel número 961 482 269 (Zé Saúde). 



Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em:

20 DE SETEMBRO DE 2019 > Guiné 61/74 - P20162: Agenda cultural (702): Festival TODOS 2019: "A rapariga mandjako": hoje às 21h00, amanhã às 20h00, na Escola Básica de Santa Clara, Campo de Santa Clara, 200, São Vicente, Lisboa

Guiné 61/74 - P20191: (De) Caras (136): O aerograma de 1 de dezembro de 1969: "Meu amor, se calhar esta noite vou ter de pôr um lençol na cama, não vou transpirar a dormir, e… talvez tenha um sonho manga di bom"... (Fernando Calado, ex-alf mil trms, CCS/ BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70)



Lisboa > Casa do Alentejo > 26 de Maio de 2007 > Encontro do pessoal de Bambadinca 1968/71 > A organização coube ao Fernando Calado (na foto, à esquerda), coadjuvado pelo Ismael Augusto, ambos da CCS/BCAÇ 2852 (1968/71).

O grupo (mais de 60 convivas) teve na dra. Rosa Calado (na foto, ao centro), elemento da direcção da Casa do Alentrejo, uma simpatiquíssima anfitriã. O editor do blogue e fotógrafo, à direita, chegou tarde, mas ainda a tempo de constatar que a organização esteve impecável e o que o sítio não podia  er melhor, em pleno coração de Lisboa. O fotógrafo de circunstância foi o Ismael. 
  

Lisboa > Casa do Alentejo > 26 de outubro de 2013 > Sessão de lançamento do livro do José Saúde, "Guiné-Bissau, as minhas memórias de Gabu, 1973/74" (Beja: CCA - Cooperativa Editorial Alentejana, 170 pp. + c. 50 fotos) > Dois alentejanos e camaradas do nosso blogue, o Fernando Calado (de camisola vermelha) e o Ismael Augusto.(Ambos foram alf mil da CCS/BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70). E ambos partilharam o mesmo quarto...Um terceiro elemento era o João Rocha.


Foto (e legendas): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]-


1. O Fernando Calado, natural de Ferreira do Alentejo, vive em Lisboa há muito; é casado com a dra. Rosa Calado,  uma das "almas alenetinas " que animam há muito a Casa do Alentejo, em Lisboa (, tem integrado sucessivas direções,  exercendo o pelouro da cultura); foi alf mil trms, CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70); trabalhou na GALP e na RTP; foi docente universitário; tem página no Facebook. tem cerca de dezena e meia de referências no nosso blogue. 

Mandou-nos, no passado dia 26, a seguinte mensagem: "Conforme combinado, junto um exemplar do modelo do aerograma e um texto do conteúdo de um dos muitos que enviei.  Um grande abraço. Fernando Calado"...

             

AEROGRAMA

por Fernando Calado


A guerra colonial configura um acontecimento trágico que envolveu toda uma geração a que pertenço.

Estão feitas algumas análises políticas e sociais, mas, como é sabido, muito pouco é conhecido acerca do que pensavam e sobretudo do que sentiam no dia a dia, os militares enquadrados em unidades operacionais de intervenção.

As razões deste silêncio contido são, do meu ponto de vista, as seguintes:

- condenação política generalizada, após 25 de Abril, dos militares que  participaram, obrigados pelo regime, na guerra colonial, em contraponto com os elogios aos “heróis revolucionários” que conseguiram escapar para Paris ou outras paragens conhecidas;

- insensibilidade quase total a esta questão, por parte  das elites sociais dos últimos 44 anos;

- vergonha de comportamentos desumanos praticados ou observados sem contestação e que sempre se registam em situações-limite como é o caso da guerra;

- participação em situações de extrema violência das quais resultaram, em muitos casos, a morte daqueles que já eram nossos amigos para sempre.


Como a maioria de vós sabe, o pensamento e o sentimento que faziam parte do quotidiano era, na maior parte dos casos, transmitido aos pais, à madrinha de guerra ou à namorada através do celebérrimo aerograma.

Como também sabem, o aerograma era distribuído no embarque pelo Movimento Nacional Feminino, estrutura do regime que tinha por missão dar apoio moral aos militares nas três frentes de guerra (Angola, Moçambique e Guiné)

Estive na Guiné de Julho de 1968 a Julho de 1970 num local designado por Bambadinca,  a cerca de 30 km de Bafatá,  onde, quase diariamente, ao princípio da noite, escrevia o aerograma à minha namorada.

Gostava de partilhar com os leitores do blogue o conteúdo de um desses aerogramas com as óbvias pequenas adaptações.


Bambadinca, 1 de Dezembro de 1969

Meu amor:

Esta manhã, acordei sobressaltado, e reparei que estavam no quarto 2 bajudas (mulheres jovens da Guiné) que nos traziam a roupa lavada e que riam à gargalhada.

Estava nu, de barriga e outras coisas para cima e transpirado como sempre.

Olhei para o camarada do lado que estava tão aflito como eu, e, à boa maneira europeia, tentei cobrir-me com um lençol que não tinha.

Perguntei então às bajudas porque se riam, tendo elas respondido o seguinte: alfero, sonho manga di bom hoje mesmo.

Para além do embaraço, pensei depois que afinal eu, um homem dito civilizado, tive uma postura naturalmente preconceituosa enquanto que elas, mulheres ditas primárias, tiveram uma postura naturalmente genuína, tendo expressado com rigor o que se tinha passado e rido com gosto a propósito de uma situação bastante caricata.

Passei a manhã a tratar da organização das transmissões de vários grupos operacionais escalados para operações e mais uma vez os comandantes de pelotão disseram-me que os rádios são uma merda e que, por vezes, não funcionam em situações de emergência.

Eu bem sei que me disseram sempre que os rádios são os mesmos da 2ª. guerra mundial mas, mesmo assim, custa-me anos de vida quando não se consegue fazer o contacto para evacuação de feridos.

Sinto assim, apesar dos meus 24 anos, que tenho uma responsabilidade excessiva e não me resta outra alternativa senão tentar ser o mais eficiente possível.

Antes do almoço, depois do 2º. banho do dia, dirigi-me ao bar onde saboreei descontraidamente o meu whisky com água Perrier.

Gosto particularmente deste momento do dia.

Diz-se aqui, que na Guiné existem apenas 2 coisas boas: o whisky com água Perrier e o avião para a Metrópole.

Chegou depois o meu colega de quarto e a propósito de qualquer coisa que já não me recordo, ocorreu uma discussão de tal ordem que quase andámos ao murro.

Foi uma vergonha e fomos até ameaçados de ser castigados. São horas, dias, semanas, meses, anos a aturar-nos, sempre em tensão e dentro deste espaço ladeado por arame farpado.

Na verdade, penso que as discussões, a batota, os copos, o calor, os ataques, as emboscadas, etc. criaram uma cumplicidade tal, que tudo indica que seremos amigos do peito para toda a vida

Como se isso não bastasse durante o almoço o médico veio comunicar-me que mais de metade dos soldados da companhia estavam infectados com blenorragia (designação apropriada do termo de calão muito conhecido que dá pelo nome de esquentamento e que se reporta a uma infecção nos órgãos genitais).

Segundo ele, a penicilina não está a actuar em virtude do calor excessivo e da elevada taxa de humidade e, portanto, é necessário organizar uma reunião de esclarecimento com todos os soldados disponíveis.

Soube depois que o pedido a mim dirigido, resultava afinal, do facto do meu pelotão ter a maior taxa de elementos infectados.

Durante a tarde algumas pessoas conseguem dormir a folga, coisa que nunca consegui e ainda menos com este calor e esta humidade.

Eu, como todos os dias que não saio do aquartelamento, cumpri algumas tarefas burocráticas que a tropa, mesmo em guerra, não dispensa.

Mais tarde vagueei, uma vez mais, dum lado para o outro sempre com a sensação de estar encurralado, na ânsia de conseguir gastar o tempo que me falta para me livrar disto.

Por vezes ocorrem, no final do dia, momentos de alguma descontracção. Conversamos sobre a nossa vida na Metrópole e damos umas voltinhas de jeep.

Não tenho carta de condução, mas conduzo. Recebi umas lições do meu colega de quarto e desenrasco-me. De qualquer modo ninguém, nesta situação, está interessado em saber se tenho ou não carta de condução.

Já anoiteceu e partir de agora e até pegar no sono, o que acontecerá lá para as tantas da manhã, instala-se o medo e a saudade.

Eu, que sempre gostei da noite, juro-te que aqui odeio a noite. Estamos todos fartos de fumar, de beber e de jogar, mas a verdade é que estas actividades aliviam, de facto, o medo e a saudade.

Hoje é feriado [, 1º de Dezembro, dia da Restauração da Independência de Portugal, ] e a probabilidade de haver problemas aumenta. A malta está mais concentrada, fala mais baixinho. [No dia 28 de Maio de 1969, Bambadinca tinha sido atacada em força.]

A questão do medo é surpreendente. Há camaradas que parecem não ter medo nenhum. É como se estivessem em casa ou numa esplanada e, mesmo debaixo de fogo, funcionam normalmente.

Depois, talvez a maioria, tem imenso medo, mas mercê de um enorme esforço consegue controlar a situação (julgo que me enquadro neste grupo).

Finalmente há camaradas, alguns deles aparentemente corajosos, que em quase todas as situações, entram em pânico total e que precisam sempre de ajuda. São obviamente os que sofrem mais, quer durante a situação, quer sobretudo pela vergonha que sentem depois.

Tenho saudades de tudo na metrópole: das pessoas, das ruas, dos jornais, da rádio, dos carros e até dos comboios que aqui não existem.

Quanto a ti, meu amor…

Acredita, nunca imaginei que a saudade que sinto de ti me provocasse tamanha dor física. Dói-me a cabeça, dói-me as pernas, dói-me o peito… enfim dói-me tudo.

Sei que estou desesperado, mas não resisto a dizer-te que dava anos da minha vida, se é que os vou ter, para estar neste momento contigo.

São 8 horas da noite e a temperatura nesta altura é um pouco mais amena.
Se calhar esta noite vou ter de pôr um lençol na cama, não vou transpirar a dormir, e… talvez tenha um sonho manga di bom.

Do teu para sempre

Fernando

[Revisão / fixação de texto para efeitos de edição no blogue: LG; negritos e realce a amarelo, da responsabilidade do autor]

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Nota do editor:

Último poste da série > 4 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20122: (De)Caras (111): Carlos Marques de Oliveira, membro da Magnífica Tabanca da Linha, ex-fur mil, Pel Mort 2115, 5º Pel Art e 7º Pel Art (Catió e Cabedu, 1969/71): tive o privilégio de comandar valentes artilheiros

Guiné 61/74 - P20190: Notas de leitura (1222): História das Tropas Pára-Quedistas Volume IV, é dedicado à Guiné e tem como título História do Batalhão de Caçadores Paraquedistas n.º 12; responsável pela redação e pesquisa Tenente-Coronel Luís António Martinho Grão; edição do Corpo de Tropas Paraquedistas, 1987 (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Janeiro de 2017:

Queridos amigos,
A Biblioteca da Liga dos Combatentes continua a reservar-me surpresas e leituras inesperadas. Tanto quanto me é dado saber, esta obra é a primeira iniciativa de levantamento do que foi a atividade do BCP 12 e seus antecedentes.
Trata-se de uma edição cuidada, relevando as operações em que os paraquedistas capturaram material, guerrilheiros, tiveram combates extremamente sofridos. E também se analisa a lógica seguida durante o governo de Schulz e o que se alterou com Spínola. Fica bem claro, a despeito do esforço mediático que envolveu a governação de Spínola, tropas como as paraquedistas desenvolveram atividades ofensivas de caráter notável ao tempo de Schulz. Mas no seu todo, toda a governação de Schulz continua envolta em bruma, o que é lamentável.

Um abraço do
Mário


História das tropas paraquedistas na Guiné (1)

Beja Santos

“História das Tropas Paraquedistas Portuguesas”, Volume IV, é dedicado à Guiné e tem como título História do Batalhão de Caçadores Paraquedistas n.º 12, é responsável pela redação e pesquisa o Tenente-Coronel Luís António Martinho Grão, edição do Corpo de Tropas Paraquedistas, 1987.

A primeira parte da obra é dedicada à geografia física, notas históricas, a geografia humana, estruturas administrativas, económicas e sociais, dados que o leitor manifestamente conhece, muitas obras aqui versadas abordam à exaustão estes diferentes aspetos. A segunda parte é dedicada à luta armada, começando pela pacificação da ilha de Bissau, as campanhas do Oio, a pacificação das regiões do Cacheu e do Churo, seguindo-se a história dos movimentos políticos emancipalistas, dados igualmente conhecidos pelo leitor do blogue.

Entramos seguidamente na história do Batalhão de Paraquedistas, dá-se relevo à presença de tropas paraquedistas na Guiné em 1959, em 10 de Agosto desse ano um pelotão de paraquedistas foi transportado para Bissau, acabaram por simbolizar uma missão de paz. É com a situação de conflito armado em 1963 que um pelotão de paraquedistas é enviado para a zona aérea de Cabo Verde e Guiné, com a missão fundamental da defesa do AB 2, o Aeródromo Militar de Bissau. Também nesse ano chegou à Guiné um pelotão de paraquedistas que ficou a fazer parte da companhia mista “Páras-Polícia Aérea”. No início de 1964 é enviado para Bissau um segundo pelotão de paraquedistas. O batismo de fogo ocorre em Agosto de 1963, no Sul. Em Fevereiro de 1964, as tropas paraquedistas sofreram o seu primeiro morto em território guineense. Com a intensificação da luta armada, em Fevereiro de 1964, é colocada na Guiné uma companhia de paraquedistas, os pelotões vão chegando ao longo do ano. Cria-se a Esquadra de Defesa Mista, composta pela companhia de paraquedistas, efetivos pertencentes à Polícia Aérea e por um pelotão reforçado de artilharia antiaérea, sob o comando do Capitão Tinoco de Faria. Em 1966, os paraquedistas estão em permanente atividade no corredor de Guileje. É na operação Grifo que é atingido mortalmente Tinoco de Faria.

Em Maio de 1964, Arnaldo Schulz chega à Guiné e solicitará mais tropas, será assim criado o BCP n.º 12. O livro dá conta da atividade operacional que decorreu entre Janeiro de 1967 a Maio de 1968.
Registe-se a observação:  
“As tropas paraquedistas, mercê da sua grande mobilidade e poder ofensivo, foram empenhadas pelo Comando-Chefe em operações e curta duração, onde o poder de fogo e a manobra rápida contavam decisivamente para o êxito nos ataques a bases e concentrações de guerrilheiros. Até meados do ano do 1968, os paraquedistas foram utilizados em ações de helitransporte de assalto, emboscadas e batidas de curta duração. As tropas do BCP 12 atuavam quase sempre em operações independentes sob comando operacional de um oficial superior paraquedista. O seu comandante, Tenente-Coronel Costa Campos, comandou quase todas as operações em que os militares paraquedistas tomaram parte”.
Ao longo do relato faz-se o sumário de operações onde se obtiveram êxitos significativos ou se travaram duros combates: a Operação Trovão, em que o carregamento de material capturado, em vários helicópteros demorou cerca de quatro horas; a Operação Ciclone I, em Caboxanque; Operação Barracuda III, realizada em Maio de 1968, mais uma vez o volume de material capturado foi de tal envergadura que exigiu várias horas para a sua total evacuação. O BCP, em Fevereiro de 1968 recebeu uma companhia de milícias que deu-lhes instrução, foi assim formada a companhia de milícias que operava ao lado dos paraquedistas.

O documento relata igualmente um grave incidente ocorrido com os fuzileiros, formara-se uma associação desportiva denominada ASA, sob o patrocínio dos Comandos da BA 12 e do BCP 12. Houvera até então um excelente clima de amizade entre paraquedistas e fuzileiros. Em 3 de Junho de 1967 paraquedistas e fuzileiros envolveram-se em violenta desordem que custou a vida a dois paraquedistas, os Comandos encerraram a associação desportiva ASA. Faz-se igualmente destaque para a atividade aeroterrestre, a construção de infraestruturas e destaca-se as condecorações recebidas.

Dá-se entretanto a alteração em Maio de 1968 dos comandos superiores, chega Spínola e um novo tenente-coronel para comandar o BCP 12. É instituída uma nova lógica para a atividade dos paraquedistas:  
“O novo Comandante-Chefe iria, de imediato, introduzir alterações de emprego operacional das tropas do BCP 12; às missões de combate helitransportadas, de curta duração e sob comando direto do seu comandante, irão suceder-se as operações em que os militares paraquedistas se vão manter durante períodos muito dilatados em áreas distintas do seu aquartelamento em Bissau, muitas vezes sob comandos estranhos ao BCP 12, em missões de reforço de tropas de quadrícula”.
Neste novo contexto, a atividade operacional dos novos efetivos do BCP 12 desenrola-se no itinerário Bula-Có, tratava-se de proporcionar aos novos elementos do Batalhão um primeiro contacto com o terreno da Guiné. Em Agosto desse ano, Spínola criou os Comandos Operacionais nas áreas mais críticas e/ou vulneráveis à ação do inimigo. As tropas paraquedistas, tal como outras forças de intervenção do Comando-Chefe, passaram então a ser empenhadas, durante largos períodos, conjuntamente com unidades de quadrícula do exército. Os Comandos Operacionais integravam, normalmente uma ou mais companhias do BCP 12, sendo o seu comando atribuído, com frequência, a oficiais superiores paraquedistas. Neste novo ambiente, as tropas do BCP 12 são usadas em operações de grande risco nomeadamente no Sul. Por esse tempo, o PAIGC passou a concentrar o seu esforço ofensivo sobre Gandembel, para contrariar a atividade guerrilha do PAIGC as nossas tropas iam lançando ações diárias de patrulhamento nas imediações dos aquartelamentos de Gandembel, Porto Balana, Guileje e Mejo. O PAIGC reage, é um período de inferno sobre Gandembel.

(Continua)


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Nota do editor

Último poste da série 27 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20183: Notas de leitura (1221): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (25) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/4 - P20189: A galeria dos meus heróis (33): Jorge Levi, o "caluanda" que foi desertor do exército colonial por acidente... (Luís Graça)



Angola > Luanda > Ilha de Luanda > Restaurante Coconuts > 19 de Setembro de 2004 > Em frente a praia, privativa ou quase. Com seguranças, em todos os lados. O apartheid do dinheiro. Uma almoço de peixe grelhado com vinho ficava então, no mínimo, entre 40 a 50 dólares (o equivalente ao salário mínimo na função pública, em Angola)... Estive em Luanda, pela primeira vez,  em 2003.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2004). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





O autor, em Contuboel,
c. junho/julho d
e 1969.  Foto: Luís Graça

A galeria dos meus heróis > Jorge Levi,o caluanda que foi desertor da guerra colonial por acidente


 Há uma nova versão, aumentada e melhor,  vd. poste P23094 (*)


domingo, 29 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20188: Blogpoesia (637): "O acabar do dia", "Luminoso amanhecer de Setembro Outunal" e "Cicatrizes", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante a semana, que continuamos a publicar com prazer:


O acabar do dia

Os últimos passos nos introduzem em casa.
A fadiga nos assoma.
Apetece sentar na varanda e ver o dia deitar.
Cada vez mais indistintas as formas dos seres.
Tinge-se o céu de cinza e luz cadente.
Na cozinha tilintam os tachos sobre o fogão.
O estrugido, com cebola e alho, exala o seu perfume embriagante.
Me cheira a norte, retinto e puro.

Bebe-se uns goles de tinto seco para atiçar o apetite.
Mais um pouco e a mesa ferve de alegria com os da casa.
É este o ram-ram simples que nos vai preenchendo a vida, enquanto o Senhor quiser...

Berlim, 23 de Setembro de 2019
19h21m
Jlmg

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Luminoso amanhecer de Setembro Outonal

Brilham ao sol as derradeiras folhas raiadas de Outono.
Sombreando de negro, os caules e os ramos entristecidos.

Pelos passeios ainda molhados, gravitam as damas pressurosas Em direcção às suas compras.
De todos os lados, chegam e se vão os carros e bicicletas.
Pelos corredores do super, os interessados andarilham pelas prateleiras, à procura do que falta na sua dispensa.

E os passaritos, lá fora, nas suas andanças, procuram migalhas esquecidas sobre as mesas.

Várias rodadas já decorreram, aqui no bar, na hora grata do pequeno almoço.

Tudo continua igual, ao mesmo ritmo, desde que em Julho passado, zarpei a Portugal.
E, assim vai passando a vida noutro país.
Nunca seja pior...

Bar do Edeka em Berlim, 26 de Setembro de 2019
10h40m
Jlmg

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Cicatrizes

Nunca mais apagam as cicatrizes da infância.
Quando se começa a despertar para as coisas da vida.
Quando se começa a ver que as coisas e as gentes não são como parecem.
O perigo espreita em cada canto.
Afinal, o melhor amigo nos desiludiu naquela hora.
O abade e o professor nos pega de ponta, sabe-se lá porquê.
Para quê tanta ilusão na escola, se quem vinga são os mais ladinos.

Tudo fica gravado e jamais se apaga...

Berlim, 27 de Setembro de 2019
9h12m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20167: Blogpoesia (636): "A canção mais linda", "Artista solista" e "Setembro Outunal", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P20187: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XXVIII: cap inf Artur Carneiro Geraldes Nunes (Sá da Bandeira / Lubango, 1934 - Guiné, Cabedu, 1968)






1. Continuação da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um dos 47 Oficiais, oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar que morreram em combate no período 1961-1975, na guerra do ultramar ou guerra colonial (em África e na Ásia). 
Trabalho de pesquisa do cor art ref António Carlos Morais da Silva [, foto atual à direita], instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972.

Morais da Silva foi cadete-aluno nº 45/63, do corpo de alunos da Academia Militar. É membro da nossa Tabanca Grande, com o nº 784, desde 7 do corrente.

Ver aqui referências no blogue ao Cap Artur Nunes e à sua CCAÇ 1788.

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P20186: Parabéns a você (1687): António Bastos, ex-1.º Cabo At Inf do Pel Caç Ind 953 (Guiné, 1964/66)

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Nota do editor

Último poste da série de 26 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20176: Parabéns a você (1686): Amílcar Mendes, ex-1.º Cabo Comando da 38.ª CComandos (Guiné, 1972/74) e António Medina, ex-Fur Mil Art da CART 527 (Guiné, 1963/65)

sábado, 28 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20185: Os nossos seres, saberes e lazeres (357): Montechoro, Albufeira, Lagos, Sagres (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Maio de 2019:

Queridos amigos,
Percorre-se a artéria comercial de Albufeira e há lembranças de Torremolinos, Marbella, Lloret del Mar, empreendimentos para acolher aos muitos milhares, com muitas comidas e bebidas, areais extensos, passeios marítimos, um constante ruído de fundo.
Lagos é uma surpresa no que tange à preservação do património, sem prejuízo do bulício comercial. E a costa é um esplendor, a caminho de Sagres, onde se inventou que o infante tinha uma escola, perfeita mistificação, mas o que ali se construiu empolga, é como se ali acabasse um imenso passeio no continente europeu, olhando em frente, e pondo os olhos na costa sinuosa que sobe dentro de Portugal assiste-se à espetacular costa vicentina que só se pode captar na sua inteireza em passeio marítimo. Paciência.

Um abraço do
Mário


Montechoro, Albufeira, Lagos, Sagres (2)

Beja Santos

O viandante deambula pelo centro histórico, está bom tempo, pelo que lhe foi dado ver muitos turistas enxameiam as praias da Oura, dos Pescadores, do Peneco, atiram-se à água e por ali vão em grandes braçadas, as crianças gralham em várias línguas, como certificando o que diz o folheto sobre Albufeira:  
“Primeiro, o mar e as praias famosas, as muitas tonalidades das rochas e falésias. Aqui, a vida tem o ritmo das metrópoles turísticas, em que os corpos que se bronzeiam durante o dia se agitam, quando o sol se põe, nos restaurantes, bares e discotecas que iluminam a noite. Alguns quilómetros para o interior e tudo muda. Amendoeiras, figueiras, pinheiros e laranjeiras salpicam de verde a paisagem. O rendilhado das chaminés destaca-se do vermelho ocre dos telhados. Aldeias bucólicas convidam a conhecer um quotidiano feito de natureza e tranquilidade”.
O viandante não se bronzeou, calcorreia o tal cosmos de comes e bebes, não resiste a registar o que por ali vai.



Já foi central elétrica, tem agora umas exposições de nível caseiro. Existem igrejas, bateu-se à porta de um arquivo histórico que tem uma boa exposição sobre a censura na cultura e nas artes, 1936-1974, intitulada “O que ficou por dizer”, não se avistou uma livraria, não se resiste a um comentário de que estas ruas de El Dorado cá no vale fazem suspirar pelo casario branco que se avista lá no topo. Continuemos.




Entrada por saída nestes estabelecimentos que oferecem passeios aos golfinhos, às grutas, aqui se alugam carros, se toma conhecimento do Zoomarine e se podem fazer reservas para ir a Lagos, Loulé, Silves e Monchique, Quarteira, Faro, mas também Lisboa, Gibraltar, Sevilha e algo mais. Registado o espetáculo do consumo, e por pudor escondidas as imagens das toneladas de álcool que se vendem na via pública, parte-se para Lagos, aqui chegaram, ao tempo do Infante D. Henrique os primeiros escravos oriundos da Senegâmbia que Zurara descreve num tom lamentoso que nos faz chorar pelo sofrimento alheio.






Há cuidados na preservação deste belo património, justifica-se, ao tempo do rei D. Sebastião foi capital do Reino do Algarve. É bom estar sempre a aprender, por aqui o viandante já tinha passado mas não houvera oportunidade de conhecer essa joia em talha dourada que é a Igreja de Santo António, deslumbramento sem rival, tem fausto que nos lembra os tempos de D. João V, foi capela militar e continua a sê-lo, recomenda-se a quem visita Lagos que em circunstância alguma deve perder a contemplação de tal esplendor, será ignorância do viandante, não conhece no reino dos Algarves um outro que se lhe equipare.



É cidade amuralhada, tem pormenores fantásticos e acrescentos que dão brado, o grande escultor Cutileiro deixou aqui algumas marcas de água, reconhecíveis e para sempre, e agora parte-se para ver os recortes da costa, toda ela deslumbrante, deixa-se aqui só uma imagem para abrir o apetite, pois a seguir parte-se para Sagres.


Toda esta costa, recortada, escalavrada, de tons uniformes, parece areia compacta que veio do Jurássico, a beijar um mar turquesa, está nos antípodas do que se vem construindo de modo atamancado e rapace para dar prazer a turistas de todos os escalões. E veio à memória mais uma poesia de Nuno Júdice na sua “Geografia do Caos”:

“Na baía terrestre, os prédios formam uma invencível armada
de vidro e cimento. Pousaram aqui; e as suas tripulações escondem-se
em porões com vista para os subúrbios, praticando a imobilidade
do sol posto, virando as cartas, rodando sobre um eixo de portas
giratórias. Não se ouvem os gritos do comandante; nenhum uivo
de farol indica o caminho para fora do porto. Alguém subiu
ao terraço, e os seus olhos embaciam-se, como se uma nostalgia
de convés lhe percorresse a memória. Com a mão, percorre
o círculo em que o mar e a terra se cruzam; mas todos os barcos
estão vazios, como se carregassem sombras. Um ruído de
elevadores sobrepõe-se ao vento, e um ritmo de portas a abrir
pontua o ruído surdo de rádios e televisões, por trás das
portas fechadas, onde ninguém vive.”

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 21 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20166: Os nossos seres, saberes e lazeres (355): Montechoro, Albufeira, Lagos, Sagres (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 26 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20177: Os nossos seres, saberes e lazeres (356): pelas ruas do meu Porto: o edifício da Liga dos Combatentes (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)

Guiné 61/74 - P20184: Fotos à procura de... uma legenda (120) : Messe improvisada numa ponte em 26 de janeiro de 1968... Parte II (Jorge Araújo)


Foto 2A – Guiné,algures, 19 de Dezembro de 1967. [Apontador e municiador do morteiro 81.]

Citação: (1967), "Guerra da Guiné: exército português em operações.", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_114445 (2019-9)


Jorge Alves Araújo, ex-fur mil op esp / Ranger, CART 3494 
(Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do blogue.


FOTO À PROCURA DE… UMA LEGENDA
- "MESSE" IMPROVISADA NUMA PONTE EM 26JAN1968 [?] - PARTE II



1. – INTRODUÇÃO

No passado mês de Fevereiro apresentei ao fórum – no poste P19493 – uma "foto à procura de… uma legenda: "messe" improvisada sob uma ponte, datada de 26 de Janeiro de 1968, conforme se reproduz abaixo. (*)



Citação: (1968), "Exercito português. Guiné. Messe improvisada numa ponte.", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_114447 (2019-2-12)

Fonte: Casa Comum, Fundação Mário Soares. Pasta: 06916.004.036. Título: Exército português. Guiné. Messe improvisada numa ponte. Assunto: Exército Português em operações de guerra na Guiné. "Messe" improvisada sob uma ponte. Data: Sexta, 26 de Janeiro de 1968. Fundo: MAS – Arquivo Mário Soares – Fotografias Exposição Permanente. Tipo Documental: Fotografias.


Aí se colocavam duas questões: Serão fuzileiros? E que ponte seria esta?

A participação do auditório foi imediata, tendo-se registado quase três dezenas de comentários (sugestões), onde cada um avançou com uma hipótese, mas sem saber, ao certo, quem estava mais próximo da verdade.  [Autores: Tabanca Grande, Valdemar Queiroz, Virgílio Teixeira, Hélder Sousa, José Câmara, Cherno Baldé, Jorge Araújo]

Hoje, na sequência de novas leituras e pesquisas, localizámos uma outra foto, esta datada de 19 de Dezembro de 1967, onde conseguimos identificar, pelo menos, um militar que se encontra em duas fotos, mas em contextos diferentes.

Eis os dois exemplos:


Foto 1-A – A primeira, datada de 26 de Janeiro de 1968




Foto 2 – A segunda, datada de 19 de Dezembro de 1967, militares operando morteiro 81

Citação: (1967), "Guerra da Guiné: exército português em operações.", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_114445 (2019-9)

Fonte: Casa Comum, Fundação Mário Soares. Pasta: 06916.004.034. Título: Guerra da Guiné: exército português em operações. Assunto: Exército português em operações de guerra na Guiné. Especialistas de artilharia operando um morteiro. Data: Terça, 19 de Dezembro de 1967. Fundo: MAS – Arquivo Mário Soares – Fotografias Exposição Permanente. Tipo Documental: Fotografias.

E agora… será mais fácil identificar? (**)

Nesta segunda foto veem-se dois militares, portugueses, num tosco espaldão de morteiro 81, mal identificados, na legenda,  como "especialistas de artilharia". Pode tratar-se de uma cena "para a fotografia", o que era comum no TO da Guiné. De qualquer modo, um  dos militares  faz o papel de "apontador" e outro, o de "municiador", justamente o homem que procuramos identificar... Em segundo plano, vê-se o arame farpado e algumas árvores, de copa baixa. O solo parece ser arenoso. Pormenor interessante:  as duas fotos em questão são provenientes do mesmo arquivo, o arquivo pessoal de Mário Soares (MAS). Não sabemos como foram lá parar.

Aguardo sugestões.

Com um forte abraço de amizade e votos de boa saúde.

Jorge Araújo.

27SET2019
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Notas do editor:

(**) Último poste da série > 26 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20180: Fotos à procura de... uma legenda (120): Seleção das minhas fotos do Festival Todos 2019... Parte III: enquanto fui ali e já vim... Ou, ainda, cumprindo a obra de misericórdia, "dar de beber a quem tem sede"... (Luís Graça)

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20183: Notas de leitura (1221): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (25) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Maio de 2019:

Queridos amigos,
O bardo despede-se do Como, não com uma litania ou uma epifania mas com um epitáfio. São versos de mágoa e quem o acompanha foi acidentalmente levado para uma outra experiência duríssima, não uma batalha mas uma vivência de anos num local inconfundível, Madina do Boé.
É de supor que vários autores tenham descrito esta via-sacra, a que conheço está em duas obras de Gustavo Pimenta que experimentou Madina do Boé em carne viva, estava de férias quando em fevereiro de 1969 ocorreu o brutal desastre da travessia do Ché-Ché. E dá-nos uma dimensão do que era uma coluna entre Canjadude e Ché-Ché, as primícias do Inferno, tudo contado com a serenidade e um saber de experiência feito.
E agora o BCAV 490 vai regressar a Bissau, segue para outras paragens, entre elas Farim, Jumbembem e Cuntima. Temos ainda muito rio para navegar.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (25)

Beja Santos

“Nesta grande operação
muitos rapazes sofreram:
30 feridos gravemente,
dez colegas morreram.

No Como já se sabia
que havia muitos bandoleiros.
Os paraquedistas e fuzileiros
lutavam com valentia.
O Batalhão de Cavalaria,
desempenhava a sua missão,
lutando pela Nação.
Todo o pessoal trabalhou
e muito bandido tombou
nesta grande operação.

A Comando e Serviços passou
todo o tempo livre de perigo.
Não atirámos ao inimigo,
mas foi porque não calhou.
Algumas vezes se esperou,
mas nunca lá apareceram.
Talvez fosse porque temeram
a força que lá havia.
E fazendo reforços, noite e dia,
muitos rapazes sofreram.

Dão muito que falar
estes maus tempos passados,
mas diminuímos os malvados
que a ilha queriam tomar.
Têm que se conformar
que não vencem nossa gente.
Atacaram constantemente,
mas a tudo resistimos,
e no fim da operação vimos
30 feridos gravemente.

Vamos então regressar
para a nossa bela cidade,
onde estamos à vontade
para uns dias descansar.
Pior do que tudo foi o azar,
dos que a mocidade perderam.
Pela Pátria combateram,
dando a sua própria vida,
e abalando desta lida
dez colegas morreram.”

********************

Gustavo Pimenta
O bardo, em jeito de epitáfio, regista o seu olhar quanto aos acontecimentos do Como, eleva o tom para falar da bravura, da coragem, curva-se perante as perdas em combate. É nisto que o acompanhante do bardo se lembra de outras paragens, fora dos azimutes da BCAV 490, lembra-se de um longo penar que deu pelo nome de Béli e Madina do Boé, imagine-se. Guarda memória de dois livros injustamente descurados de Gustavo Pimenta, “sairòmeM Guerra Colonial”, de 1999, e “A sorte de ter medo”, de 2017. Chegou à Guiné em setembro de 1967, em jeito de aperfeiçoamento operacional andou pela Mata do Poindom, acima do Xime, depois Porto Gole, mais tarde viajam para Madina do Boé, irá também falar de Béli. Deixará em ambos os livros impressões daquele horror.
Transcreve-se o que ele vai escrever em “A sorte de ter medo”:

“O percurso até ao rio Corubal, em cuja margem se situa a povoação de Ché-Ché, é perigoso, sobretudo após se passar Canjadude que fica a meio caminho.
É preciso ir ao Ché-Ché verificar as condições de travessia do rio, especialmente as da jangada que permitirá colocar na outra margem a companhia e as viaturas em que se fará transportar com toda a sua bagagem.
O alferes do terceiro grupo de combate vai no DO 27 com o major do batalhão que faz o PCV que controla uma operação do efetivo estacionado em Ché-Ché, e do ar fotografa o local.
No dia seguinte, com o seu grupo de combate, reforçado por outro de nativos, protege uma coluna que vai reabastecer a tropa e as populações de Canjadude e Ché-Ché e onde seguem o major e um furriel de Engenharia que vão observar a jangada.
Saem manhã cedo, até Canjadude as viaturas seguem a boa velocidade, o percurso é considerado seguro.
A partir daí a viagem é a pé, a tropa ladeando a picada em proteção à coluna com uma equipa de nativos à frente a picar o terreno, prevenindo a existência de minas.
Pela mesma hora, outra equipa de picadores sai do Ché-Ché em sentido contrário ao da coluna, devendo encontrar-se a meio do percurso.
Estabelece-se o contato: quatro nativos, com Mauser a tiracolo e uma pica na mão, aguardam a coluna – há mais de duas horas, dizem – sentados na berma à sombra de uma árvore. Escassa e débil força para tão delicada missão. A tropa retoma o seu lugar nas viaturas, a coluna avança com a velocidade possível pela estrada esburacada de terra batida.

Escassos quilómetros percorridos a viatura segue na frente – uma GMC, sem capota para evitar traumatismos ao condutor em caso de rebentar alguma mina e com os guarda-lamas cobertos de sacos de areia para amortecer o impacto – é violentamente sacudida pelo rebentamento de uma anticarro.
O major de Engenharia, que exigia ir ao lado do condutor na viatura da frente para não apanhar a nuvem de pó que a coluna levanta, fica gravemente ferido.
O alferes do terceiro grupo, que ia na caixa da mesma viatura, voa alguns metros juntamente com três soldados que o acompanhavam, um dos quais o enfermeiro.
Parada a coluna, procura-se socorrer o major. O furriel que, a dias do fim da comissão o quis acompanhar, ao precipitar-se para ele pisa uma antipessoal e morre minutos depois.
O enfermeiro fica ferido pelos dois rebentamentos.
Monta-se a segurança em volta do local. Picam-se os arredores à procura de mais minas, rebentam duas, uma delas fere mortalmente um soldado do grupo de nativos.
Tenta-se o contacto rádio com a sede do batalhão para pedir evacuação dos feridos e dos mortos, o ANGRC9 não atinge nenhum recetor, ninguém responde.
De súbito, surgem dois helicópteros, um a seguir ao outro, voando no sentido de Ché-Ché para Nova Lamego. Consegue-se o contacto com um deles e pede-se-lhe apoio para a evacuação. Responde que estão a evacuar feridos graves da tropa de Ché-Ché, que se prossiga até lá e aí se verá o que será possível fazer.

A viatura que despoletou a mina, com a frente desfeita, fica no local. Avança para a frente outra GMC, com capota, sem sacos de areia e apenas com o condutor, os grupos de combate regressam à segurança lateral da coluna, retoma-se a picagem da estrada.
Já com o Ché-Ché à vista, outra mina anticarro que os picadores não detetaram é ativada pela viatura que segue em frente, o condutor sai inexplicavelmente ileso. A iniciar a coluna vai agora um Unimog, que, de tão leve, ficará desfeito se outra rebentar. Atinge-se o aquartelamento já o fim do dia se aproxima. O efetivo local, além de vários feridos, sofreu três mortos nativos na operação que efetuara. Os helis não param de chegar e partir com os feridos, entre os quais o enfermeiro da coluna.
Os mortos ficam, serão levados no dia seguinte, nas viaturas, de regresso a Nova Lamego.”

Dias depois, a companhia ruma a Madina do Boé, faz-se a cambança:
“Os bombardeiros T6 vêm sobrevoar levemente a zona, duas horas depois a primeira viatura desembarca no outro lado.
A transferência de toda a coluna demora o dia inteiro, numa azáfama permanente, cansativa e perigosa: deslocar a jangada agarrando a corda e impulsionando-a é uma manobra que tende a desequilibrá-la dado o enorme peso que suporta com as viaturas carregadas e os homens que nela seguem.
Os jatos Fiat aparecem sobre o local e rapidamente desaparecem.
Monta-se o dispositivo de segurança ao verdadeiro destacamento em que se transforma o local de desembarque onde se vai pernoitar.
Mal o dia nasce, aguarda-se a chegada dos T6, o itinerário até Madina vai ser efetuado picando minuciosamente o terreno e com eles permanentemente, aos círculos, por cima: está-se na zona do Boé onde as colunas só conseguem mover-se com proteção aérea constante.
A coluna avança lentamente, ao ritmo em que se consegue uma picagem conscienciosa, sob um calor asfixiante e com o pessoal estafado.
Pelo caminho, aqui e além na berma da estrada, viaturas destroçadas por minas em operações anteriores adornam a paisagem com um toque inusitado e assustador.
Ao início da tarde atingem o aquartelamento que envolve e protege a isolada povoação local".

Admito que existam outros relatos tão circunstanciados como este, mas Gustavo Pimenta faz parte daquele contingente que em fevereiro de 1969 provará um desastre de imensas proporções na travessia do Ché-Ché, o que ele vai descrevendo nesta sua obra é como que um auto-de-fé, que em ponto algum deste Portugal se invoque ignorância do que ali se passou: que Béli está a cerca de 15 quilómetros da fronteira da República da Guiné e que mais para sudoeste fica Guilege; que Madina se situa para Sul, está num vale, entre pequenas elevações montanhosas, beneficia de uma nascente de água ali a cinquenta metros fora do arame farpado, tem uma população maioritariamente Fula.
Regista os abrigos, as condições do quartel, como se vive, há mesmo para ali uma dobadoira de pormenores:
“Na ponta mais a sul do perímetro há um pequeno edifício, espécie de arrecadação de coisas inúteis, em frente ao qual está o mastro em que, permanentemente, esfarrapada nas extremidades, flutua a bandeira nacional: aqui não há condições para cerimónias de hastear e arriar.
Todos os edifícios evidenciam ter sido duramente atingidos pelo fogo inimigo.
No beiral do edifício do comando um enxame de abelhas montou residência.
Dentro do terreno fortificado, uma vaca, que parece não ser de ninguém, vagueia pachorrentamente”.

Fazem-se patrulhamentos, dentro do aquartelamento os militares mantêm-se junto dos respetivos abrigos, por vezes há tréguas, a seguir vem a tempestade de fogo, os ataques a Béli também são incessantes, o destacamento será abandonado, mais tarde chegará a hora de retirar de Marina do Boé, no início do ano de 1969. O desastre na travessia do Ché-Ché é do conhecimento de todos.

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 20 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20161: Notas de leitura (1219): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (24) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 23 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20170: Notas de leitura (1220): “Antologia de textos lusófonos sobre o Senegal”, seleção de textos de António Montenegro, José Horta e Mallé Kassé, sem indicação de editor; Dakar, 2015 (Mário Beja Santos)