1. Terceira e última parte parte da história de amor entre Binta e o seu prometido Braima, combatente do PAIGC, enviada em mensagem de 27 de Julho de 2022, pelo nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70).
Amores em tempo de guerra III
AMORES PROIBIDOS
(3) - Binta!... Binta!...
Enlaçados nesse amor que os inebriava, deixaram-se adormecer, plenos da felicidade efémera, fora do tempo em que a guerra domina a mente, e abafa o sentimento que inunda o coração.
Já a noite ia alta quando o Braima deitado de braços cruzados olhava o céu da sua mente e tentava ouvir um coração endurecido pelo caminho que escolhera, mas que agora se desafazia em lágrimas de sangue, mas a decisão estava tomada. Tinha que se ir embora sem se despedir da sua amada.
Ele tinha consciência dos riscos da guerrilha. Não queria ver a sua Binta a carregar os armamentos que usavam para atacar os aquartelamentos tugas. Além da fome e da sede, o cansaço do peso que acartavam à cabeça e o tempo de marcha, havia o perigo das emboscadas, dos aviões, das granadas que explodiam, lançadas para retaliar os ataques dos nacionalistas guineenses. Quantas vezes tiveram de abandonar a barraca onde aquartelavam e esconderem-se no mato, deslocar-se de um lado para outro para evitar o confronto se estavam em minoria, ou apanhados de surpresa, o que acontecera algumas das vezes em mortíferas emboscada. Havia ainda outros perigos, pensou. Os camaradas que iam ver na Binta a mulher dos seus sonhos, que a cercariam na sua ausência, para obter os seus favores. Por muito amigos que fossem, e eram, porque a camaradagem construída na luta é a amizade mais profunda que se pode ter. A fome e o desejo de sexo, tornar-se-ia superior, porque muitos não tinham mulher. Ele sabia que era assim. Ele mesmo não conseguira resistir à mulher do Sissomo. Mulher para dois, como toda a gente sabia, até ele ser enviado para o sul.
Não! Não podia levá-la consigo. Tinha de se ausentar silenciosamente, para junto dos seus camaradas acantonados mais a sul, na mata de Cantanhez. Ele sabia que não lhe era difícil transpor as dezenas de quilómetros que o separava da tabanca da Binta. Desde tenra idade se habituara a caminhar pela densa floresta virgem, atravessando as bolanhas. Sabia como defender-se dos animais selvagens, os quais começavam a escassear, devido à guerra, à caça desenfreada de que eram vítimas para alimentar as gentes que viviam no mato e muitos vezes para desporto dos militares europeus. Todavia os riscos de encontro indesejados com os soldados portugueses, as cambanças dos rios e das grandes bolanhas, eram temíveis empecilhos. E havia as razões de ordem pessoal e política. A sua vida pessoal, as suas visitas, mesmo clandestinas seriam controladas pelo comissário político e viveria sob pressão contínua para a trazer para a frente de combate, para um ambiente que ele detestava acrescido dos riscos que a luta contra o opressor acarretava. Preferia manter a situação e tentar uma fuga de vez em quando, para se encontrar com ela. A situação de luta iria mudar em breve, pensou. Os portugueses se hão de cansar. Esta terra será livre. Então voltarei para casa.
E. decidiu escapulir-se silenciosamente, depois de a beijar com toda ternura e cuidados para não a libertar do Morfeu.
Teimosas lágrimas inundaram a face da Binta quando acordou e não viu mais nada, a não ser o lago do céu noturno cravejado de estrelas. O seu Braima tinha ido embora sem a levar. O coração parou por momentos, sentiu-se desmaiar... A raiva, misturada com as lágrimas e o desespero de sentir que voltou a perder o seu amado, deixaram-na esvaída, sem forças, perdida…
A vontade de viver que sempre a animara, pelo amor que secretamente guardava bem dentro do seu ser, como que se apagou. Um coração cheio de saudade teimava em dizer-lhe que esta fora a primeira e talvez a única vez que as suas vidas se encontraram.
Deixou-se perder no tempo. Já o sol ia alto quando “acordou” para a realidade. Tinha saído da Tabanca no dia anterior. Era urgente voltar discretamente para junto de sua mãe e contar-lhe o seu segredo. Ao levantar-se, viu no chão um pequeno papel com algo escrito.
Ah, com ela gostava de ter aprendido a ler para saber ali mesmo a mensagem que Braima lhe deixara. Certamente era um eterno adeus. A luta, ultimamente, tornara-se muito dura. Os soldados andavam por todo o lado. Os paraquedistas que passaram na sua tabanca vinham carregados de armas apanhadas aos “bandidos” como chamavam aos guinéus que se tinha refugiado na mata. Ia perder o seu Braima, dizia-lhe o coração. De nada valeriam as novas armas contra os aviões. Agora tinha a certeza, do fundo do coração, os portugueses que ela já odiava, iam continuar na sua terra, e o seu Braima, esse… morreria como tantos outros!? Talvez não. Tinha de continuar a acreditar no que lhe dizia o coração e levantou-se cheia de energia e confiança.
Com o papel amarfanhado na palma da mão internou-se na mata e voltou para a tabanca. Ouviu o roncar da viatura militar que todas as manhãs ia buscar água à fonte e pensou nas suas amigas que, aproveitando-se da segurança que os soldados impunham com as suas armas, como ela fizera muitas vezes, vinham com as suas vasilhas em busca da água fresca e de melhor qualidade para dar de beber às crianças. Quando transpôs o cavalo de frisa, a sentinela nem se dignou olhar para ela. Respirou fundo e foi ter com uma mãe aflita. Explicou-lhe os acontecimentos da noite e correu a casa da Cadi. Só ela lhe podia dizer o que o Braima lhe tinha escrito.
Cadi tinha ido buscar água à fonte. Aguardou com ansiedade desmedida a sua chegada e, sem explicações, pediu-lhe para ler o papel.
- Ó mulher parece que visto o demónio. - Disse-lhe a Cadi. - Que te aconteceu?
- Diz-me o que está escrito no papel. - Ordenou-lhe a Binta.
- Tá bem, não te zangues. O papel não diz nada.
- Não diz nada!? Mas tem letras? - Retorquiu a Binta com o coração acelerado.
- No papel está escrito. “Aqui”. Que é que isto quer dizer? Nada!
- Deixa comigo – disse Binta – E pegando no papel seguiu para casa, a saltitar, como um passarinho: ela entendera a mensagem. Era naquele lugar onde o deveria esperar sempre que tivesse notícias.
E a vida continuou, só que a Binta deixou de ser a mesma que partira ao encontro do seu amado.
José Teixeira
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Nota do editor
Último poste da série de 29 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23471: Estórias do Zé Teixeira (56): Amores em tempo de guerra: III - Amores proibidos (2): Binta!... Binta!... (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 30 de julho de 2022
Guiné 61/74 - P23473: Os nossos seres, saberes e lazeres (515): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (61): De novo em São Miguel, é infindável a romagem de saudade - 6 (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Junho de 2022:
Queridos amigos,
É sempre assim, esta relutância em cumprir o programa à risca, amanhã é dia de regresso a Ponta Delgada, sinto-me tão bem aqui neste Vale das Furnas que quero vir o mais proximamente possível. Arrumo as últimas recordações, o regresso será em autocarro, lá em cima também se vê uma bela paisagem a caminho de Vila Franca do Campo e do seu inevitável ilhéu de sentinela, haverá passagens por Água de Alto, tenho pena de não poder subir à ermida de Nossa Senhora da Paz; e temos depois a Lagoa, está em franco crescimento, ali perto temos o porto e o Convento de Nossa Senhora da Conceição num local um tanto mítico, a Caloura, mas também a Ribeira Chã, que sempre me surpreendeu por aquele traço antigo que guarda entre a paisagem e o povoamento. E de Ponta Delgada vos falarei mais adiante. A cabeça anda às voltas para o próximo passeio, quando voltar a São Miguel, sim, tenho que regressar ao nordeste, à Tronqueira e a à Ponta da Madrugada, estou cada vez mais convencido que foi ali que Deus começou a criação do mundo.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (61):
De novo em São Miguel, é infindável a romagem de saudade - 6
Mário Beja Santos
Estou a viver o penúltimo dia no paraíso, estes milhares de árvores e espécies arbustivas amainam-me o espírito, tal como o tanque de água férrea, os furtivos cursos de água, as coleções de plantas endémicas que não sei decifrar mas que são uma fantasia cromática sem igual, e então as camélias, os fetos, as azálias, aqui no centro na doçura do tempo, resolvi trazer comigo poemas de Natália Correia, a quem fiquei a dever muitas atenções, caso de um belo poema que me ofereceu para o meu primeiro livro publicado, corria o ano de 1981, chama-se Poema Posto em Saudade, e percorre esta minha adorada ilha, aqui fica um extrato: “Em Ilha verde e anilada/Por farturas de pastel,/deu a criação morada/Ao Arcanjo São Miguel./ Que lânguida maravilha/De terra no mar deitada/Quando a luz enlaça a Ilha/Pela cintura delicada!/Matas silentes e lúcidas/Do bosque primordial./Paz de pastos e poentes,/carmins que purpuram o mar.” Folheio as suas obras e dou com outro belo poema, tem a força de um Te Deum a mil vozes, é um bilhete de identidade, e gera-se-me a cumplicidade pela desmedida oração genesíaca, um quase sentido de eterno retorno que embala todo o qualquer açoriano: “Ilhas haverá muitas, letras de um dúbio beija-flor salpicando o mapa como a realidade dividida em horas. Um geográfico fascínio de pistolas abandonadas em bancos públicos, numa violenta imposição das mãos magnéticas dos suicidas. Mas isso não é ilha, é habitar a ilha, pelos dias inegáveis do regresso. Por isso, com a cumplicidade do peso húmido da morte, eu digo que a rigor só há uma ilha, a única, a minha, meu mistério selado pelos arbustos altivos da desaparecida”. E medito enquanto calcorreio avenidas e veredas, lagos e tanques, quanto este vigor primitivo, este coberto florestal, estas águas férreas, já em saudade me preparam para aqui voltar, tão rapidamente quanto possível. E de relance acarinho o olhar por inhames, magnólias em botão, azálias exuberantes, como se o mundo para mim tivesse nascido nesta ocasião.
Flores quase ciclâmicas, desvairados cursos de água, musgo, a água é elemento necessário, é fermento das grotas, da precipitação dos céus, recordatória de que há um imenso oceano a toda a volta, aqui estão microcosmos que o Homem pode domesticar, o oceano é aquele abismo que marca a distância ou a saudade em voltar.
Uma avenida leva à outra, ou à surpresa de uma pequena praça ou recinto florido, desta sombra, tão agradável em dia de quentura o que mais me embevece é o tom do céu e marcha vertiginosa das nuvens.
Nestas águas férreas repousei e não pude resistir a vir aqui à noite para colher o contraste, não é desejável por aqui esbracejar à noite, envolve perigos de vida, mas feliz fiquei com o produto da imagem, lembrou-me um quadro de uma cidade à noite, não sei de quem e qual sítio.
Despeço-me do dia mirando o edifício da Junta de Freguesia das Furnas, tudo num aprumo, até há para ali uma fonte com água a correr, o dia fina-se, vou agora pensar nas últimas imagens que me quero e vos quero oferecer, amanhã é o regresso a Ponta Delgada.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 23 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23454: Os nossos seres, saberes e lazeres (514): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (60): De novo em São Miguel, é infindável a romagem de saudade - 5 (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
É sempre assim, esta relutância em cumprir o programa à risca, amanhã é dia de regresso a Ponta Delgada, sinto-me tão bem aqui neste Vale das Furnas que quero vir o mais proximamente possível. Arrumo as últimas recordações, o regresso será em autocarro, lá em cima também se vê uma bela paisagem a caminho de Vila Franca do Campo e do seu inevitável ilhéu de sentinela, haverá passagens por Água de Alto, tenho pena de não poder subir à ermida de Nossa Senhora da Paz; e temos depois a Lagoa, está em franco crescimento, ali perto temos o porto e o Convento de Nossa Senhora da Conceição num local um tanto mítico, a Caloura, mas também a Ribeira Chã, que sempre me surpreendeu por aquele traço antigo que guarda entre a paisagem e o povoamento. E de Ponta Delgada vos falarei mais adiante. A cabeça anda às voltas para o próximo passeio, quando voltar a São Miguel, sim, tenho que regressar ao nordeste, à Tronqueira e a à Ponta da Madrugada, estou cada vez mais convencido que foi ali que Deus começou a criação do mundo.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (61):
De novo em São Miguel, é infindável a romagem de saudade - 6
Mário Beja Santos
Estou a viver o penúltimo dia no paraíso, estes milhares de árvores e espécies arbustivas amainam-me o espírito, tal como o tanque de água férrea, os furtivos cursos de água, as coleções de plantas endémicas que não sei decifrar mas que são uma fantasia cromática sem igual, e então as camélias, os fetos, as azálias, aqui no centro na doçura do tempo, resolvi trazer comigo poemas de Natália Correia, a quem fiquei a dever muitas atenções, caso de um belo poema que me ofereceu para o meu primeiro livro publicado, corria o ano de 1981, chama-se Poema Posto em Saudade, e percorre esta minha adorada ilha, aqui fica um extrato: “Em Ilha verde e anilada/Por farturas de pastel,/deu a criação morada/Ao Arcanjo São Miguel./ Que lânguida maravilha/De terra no mar deitada/Quando a luz enlaça a Ilha/Pela cintura delicada!/Matas silentes e lúcidas/Do bosque primordial./Paz de pastos e poentes,/carmins que purpuram o mar.” Folheio as suas obras e dou com outro belo poema, tem a força de um Te Deum a mil vozes, é um bilhete de identidade, e gera-se-me a cumplicidade pela desmedida oração genesíaca, um quase sentido de eterno retorno que embala todo o qualquer açoriano: “Ilhas haverá muitas, letras de um dúbio beija-flor salpicando o mapa como a realidade dividida em horas. Um geográfico fascínio de pistolas abandonadas em bancos públicos, numa violenta imposição das mãos magnéticas dos suicidas. Mas isso não é ilha, é habitar a ilha, pelos dias inegáveis do regresso. Por isso, com a cumplicidade do peso húmido da morte, eu digo que a rigor só há uma ilha, a única, a minha, meu mistério selado pelos arbustos altivos da desaparecida”. E medito enquanto calcorreio avenidas e veredas, lagos e tanques, quanto este vigor primitivo, este coberto florestal, estas águas férreas, já em saudade me preparam para aqui voltar, tão rapidamente quanto possível. E de relance acarinho o olhar por inhames, magnólias em botão, azálias exuberantes, como se o mundo para mim tivesse nascido nesta ocasião.
Metrosideros, de cabeleira ao vento, terão séculos ou milénios?
Aí, para dezembro de 1967, o comandante do Batalhão Independente de Infantaria nº18 deu-me instruções para preparar o discurso endereçado aos recrutas, metia juramento de bandeira. Fui num fim de tarde para o café Gil e nada de melhor me ocorreu do que falar do que estava a viver, o sentir-me bem naquele espaço de basalto e lava, aquele cornucópia de flores, as que mais me assombravam eram as azálias e as hortênsias, estávamos no inverno, aqui a natureza revela sempre exuberância, e jamais esquecera a pátina dos plátanos, todos aqueles tapetes de terra musgosa, as hortênsias prontas para disparar nos meses próximos, estava-me na lembrança a primeira ida às furnas, estrada de paralelepípedos, flanqueada por quilómetros de hortênsias, fez-se então paragem na Lagoa, amor à primeira vista, passeio pela freguesia, demorada visita ao parque, e só depois o Pico de Ferro. E deu-me para ir alinhavando as letras do tal discurso, fazer uma ode àquelas gentes que me foram dado conhecer na Ilha Verde, uns vindos da Graciosa ou de Santa Maria, outros de São Miguel, falar de um povo destemido, com provas dadas no mundo baleeiro, profundo conhecedor das artes da navegação, de tais espaços saíram presidentes da República, poetas e escritores de primeira plana, missionários e grandes músicos, se Portugal se fizera ao mar, ao mar ali se lançaram as gentes do arquipélago, e com que reconhecimento internacional. E no discurso apareceram azálias e hortênsias, que o açoriano trata com esmero e fascínio, é o que lhe brota da terra e que sobressai, em contraste, do basalto e da lava e da bagacina.Flores quase ciclâmicas, desvairados cursos de água, musgo, a água é elemento necessário, é fermento das grotas, da precipitação dos céus, recordatória de que há um imenso oceano a toda a volta, aqui estão microcosmos que o Homem pode domesticar, o oceano é aquele abismo que marca a distância ou a saudade em voltar.
Uma avenida leva à outra, ou à surpresa de uma pequena praça ou recinto florido, desta sombra, tão agradável em dia de quentura o que mais me embevece é o tom do céu e marcha vertiginosa das nuvens.
Nestas águas férreas repousei e não pude resistir a vir aqui à noite para colher o contraste, não é desejável por aqui esbracejar à noite, envolve perigos de vida, mas feliz fiquei com o produto da imagem, lembrou-me um quadro de uma cidade à noite, não sei de quem e qual sítio.
Despeço-me do dia mirando o edifício da Junta de Freguesia das Furnas, tudo num aprumo, até há para ali uma fonte com água a correr, o dia fina-se, vou agora pensar nas últimas imagens que me quero e vos quero oferecer, amanhã é o regresso a Ponta Delgada.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 23 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23454: Os nossos seres, saberes e lazeres (514): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (60): De novo em São Miguel, é infindável a romagem de saudade - 5 (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P23472: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte XXXVII: China: Visita à Falésia Vermelha, no outono de 1081, a 16 do sétimo mês, por Su Dongbo (1037-1101) (tradução de António Graça de Abreu)
China > Falésia Vermelha > s/d > O António Graça de Abreu
Fotos (e legenda): © António Graça de Abreu (2022) Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
[ António Graça de Abreu, foto à esquerda, com a esposa: (i) docente universitário reformado, escritor, sinólogo (especialista em língua, literatura e história da China); (ii) natural do Porto, vive em Cascais; (iii) autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); (iv) ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74; (v) é membro da nossa Tabanca Grande desde 2007, tem mais de 310 referências no blogue; (vi) texto e fotos (sem legendas) enviados em 26/7/2022 ]
Primeira visita à Falésia Vermelha
por Su Dongbo (1037-1101) / António Graça de Abreu
No Outono de 1081, a 16 do sétimo mês, fui de barco com alguns amigos até à Falésia Vermelha. Soprava uma brisa doce, serenas as águas do rio. Ofereci vinho aos meus amigos, recitámos poemas em louvor da lua, entoámos canções da minha autoria.
Depois, a lua apareceu sobre as montanhas do leste e começou a sua viagem entre as constelações. Uma leve névoa branca estendia-se sobre o rio, o brilho das águas confundia-se com o resplandecer do céu. Demos liberdade à frágil barca e vogámos para águas distantes, como se flutuássemos no vazio, cavalgando brisas, despreocupados quanto a parar, como se tivéssemos abandonado o mundo suspensos nas asas do vento e fôssemos uma espécie de génios imortais.
Bebíamos, satisfeitos, cantávamos marcando a cadência na madeira da barca. Foi esta a canção:
Os remos traseiros são de pau de canela,
os remos da frente são caules de orquídeas.
Batem na luminosidade do céu,
subindo no cintilar da corrente.
No espaço ilimitado
abre-se o sentir de um coração.
Ao longe, um homem sábio,
caminha pelos confins do mundo.
Um dos convidados da jornada sabia tocar flauta e acompanhou a nossa canção. A música suspirava, como um queixume, um soluço, um gemido, o som prolongava-se, ondulante, estendendo-se como fios de seda. O dragão das águas dançava na sua caverna escondida, lágrimas encharcavam a barca de uma viúva solitária.
Emocionado, apertei os panos da minha cabaia e perguntei ao meu amigo o porquê da tristeza e da melancolia. Respondeu:
“O príncipe guerreiro Cao Cao já tudo explicou.
Clara a lua, raras as estrelas,
os corvos sombrios voam para sul.”
Ora a oeste de onde nós estávamos, situa-se Xiakou, do outro lado, a leste, fica Wuchang. Misturam-se as montanhas e os cursos de água, imensos, sombrios, azuis. Aqui foi Cao Cao derrotado pelo jovem Zhou Yu. Depois de ter tomado de assalto a cidade de Jingzhou e submetido Jiangling, o príncipe Cao avançou para leste, seguindo o leito do rio. As suas barcaças de guerra estendiam-se por cem léguas, os seus pendões e bandeiras escondiam o céu. Sentado nas margens do rio, tendo guardado a sua alabarda, bebia vinho e recitava poemas. Cao Cao foi um dos grandes heróis da nossa História, mas onde está hoje?
Como falar então de mim ou de vós, lenhadores, pescadores nas ilhotas do rio, camaradas de peixes e amigos de veados… Viajamos numa barca minúscula como uma casca de árvore, em vez de termos taças de vinho, bebemos em humildes calabaças, esvoaçamos entre céu e terra como gente efémera, somos simples grãos de cereal no meio de infindáveis mares.
Lamentamos a passagem de uma vida tão breve e rápida, temos inveja do grande rio Yangtsé que jamais se cansa de correr. Gostávamos de nos juntar aos imortais no seu voo, de partir para longe, de existir para sempre, arrastados pelo brilho do luar. Sabemos que tudo isso é impossível de alcançar e deixamos cair na placidez do vento o eco lúgubre das nossas queixas.
Eu pergunto:
“Conhecem a água e a lua? Desaparecem, mas jamais se separam de nós. A lua cresce, decresce, mas não aumenta nem diminui.”
Se considerarmos o todo do ponto de vista do que muda, então o céu e a terra não deviam durar mais do que um piscar de olhos. Se considerarmos o todo do ponto de vista do que não muda, então a natureza e nós próprios, mudamos mas pouco.
Vale a pena invejar o que quer que seja?
Para tudo o que existe na natureza, entre céu e terra, surge sempre um mestre. É algo que não podemos escolher e decidir. Mas podemos contar com a brisa serena por cima do rio e uma lua clara entre montanhas. A primeira traz o som aos nossos ouvidos, a segunda, as cores aos nossos olhos. Estas podem ser nossas, para fruir sem gastar, o que mostra que o criador não escondeu tudo, há prazeres à solta ao alcance do coração dos homens.
Feliz, o meu amigo sorriu. Enxaguámos então as calabaças que enchemos outra vez de vinho. Comemos fruta e umas tantas iguarias. Os pratos e os copos espalhavam-se em desordem. Deitámo-nos nas tábuas da barca, encostados uns aos outros, sem nos apercebermos que, a leste, o dia já nascia.
赤壁赋
壬戌之秋,七月既望,苏子与客泛舟游于赤壁之下。清风徐来,水波不兴。举酒属客,诵明月之诗,歌窈窕之章。
少焉,月出于东山之上,徘徊于斗牛之间。白露横江,水光接天。纵一苇之所如,凌万顷之茫然。浩浩乎如冯虚御风,而不知其所止;飘飘乎如遗世独立,羽化而登仙。于是饮酒乐甚,扣舷而歌之。歌曰:
“桂棹兮兰桨,击空明兮溯流光。渺渺兮予怀,望美人兮天一方”
客有吹洞箫者,倚歌而和之。其声呜呜然,如怨如慕,如泣如诉,余音袅袅,不绝如缕。舞幽壑之潜蛟,泣孤舟之嫠妇。苏子愀然,正襟危坐而问客曰:“何为其然也?
”客曰:“月明星稀,乌鹊南飞,此非曹孟德之诗乎?西望夏口,东望武昌,山川相缪,郁乎苍苍,此非孟德之困于周郎者乎?方其破荆州,下江陵,顺流而东也,舳舻千里,旌旗蔽空,酾酒临江,横槊赋诗,固一世之雄也,而今安在哉?
况吾与子渔樵于江渚之上,侣鱼虾而友麋鹿,驾一叶之扁舟,举匏樽以相属。寄蜉蝣于天地,渺沧海之一粟。哀吾生之须臾,羡长江之无穷。挟飞仙以遨游,抱明月而长终。知不可乎骤得,托遗响于悲风。”
苏子曰:“客亦知夫水与月乎?逝者如斯,而未尝往也;盈虚者如彼,而卒莫消长也。盖将自其变者而观之,则天地曾不能以一瞬;自其不变者而观之,则物与我皆无尽也,而又何羡乎!
且夫天地之间,物各有主,苟非吾之所有,虽一毫而莫取。惟江上之清风,与山间之明月,耳得之而为声,目遇之而成色,取之无禁,用之不竭,是造物者之无尽藏也,而吾与子之所共适。”
客喜而笑,洗盏更酌。肴核既尽,杯盘狼籍。相与枕藉乎舟中,不知东方之既白。
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Nota do editor:
Último poste da série > 20 de julho de 2022 > Guiné 61/74 - P23448: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte XXXVI: Brasil, Rio de Janeiro, 1989, 2015, 2020
Se considerarmos o todo do ponto de vista do que muda, então o céu e a terra não deviam durar mais do que um piscar de olhos. Se considerarmos o todo do ponto de vista do que não muda, então a natureza e nós próprios, mudamos mas pouco.
Vale a pena invejar o que quer que seja?
Para tudo o que existe na natureza, entre céu e terra, surge sempre um mestre. É algo que não podemos escolher e decidir. Mas podemos contar com a brisa serena por cima do rio e uma lua clara entre montanhas. A primeira traz o som aos nossos ouvidos, a segunda, as cores aos nossos olhos. Estas podem ser nossas, para fruir sem gastar, o que mostra que o criador não escondeu tudo, há prazeres à solta ao alcance do coração dos homens.
Feliz, o meu amigo sorriu. Enxaguámos então as calabaças que enchemos outra vez de vinho. Comemos fruta e umas tantas iguarias. Os pratos e os copos espalhavam-se em desordem. Deitámo-nos nas tábuas da barca, encostados uns aos outros, sem nos apercebermos que, a leste, o dia já nascia.
赤壁赋
壬戌之秋,七月既望,苏子与客泛舟游于赤壁之下。清风徐来,水波不兴。举酒属客,诵明月之诗,歌窈窕之章。
少焉,月出于东山之上,徘徊于斗牛之间。白露横江,水光接天。纵一苇之所如,凌万顷之茫然。浩浩乎如冯虚御风,而不知其所止;飘飘乎如遗世独立,羽化而登仙。于是饮酒乐甚,扣舷而歌之。歌曰:
“桂棹兮兰桨,击空明兮溯流光。渺渺兮予怀,望美人兮天一方”
客有吹洞箫者,倚歌而和之。其声呜呜然,如怨如慕,如泣如诉,余音袅袅,不绝如缕。舞幽壑之潜蛟,泣孤舟之嫠妇。苏子愀然,正襟危坐而问客曰:“何为其然也?
”客曰:“月明星稀,乌鹊南飞,此非曹孟德之诗乎?西望夏口,东望武昌,山川相缪,郁乎苍苍,此非孟德之困于周郎者乎?方其破荆州,下江陵,顺流而东也,舳舻千里,旌旗蔽空,酾酒临江,横槊赋诗,固一世之雄也,而今安在哉?
况吾与子渔樵于江渚之上,侣鱼虾而友麋鹿,驾一叶之扁舟,举匏樽以相属。寄蜉蝣于天地,渺沧海之一粟。哀吾生之须臾,羡长江之无穷。挟飞仙以遨游,抱明月而长终。知不可乎骤得,托遗响于悲风。”
苏子曰:“客亦知夫水与月乎?逝者如斯,而未尝往也;盈虚者如彼,而卒莫消长也。盖将自其变者而观之,则天地曾不能以一瞬;自其不变者而观之,则物与我皆无尽也,而又何羡乎!
且夫天地之间,物各有主,苟非吾之所有,虽一毫而莫取。惟江上之清风,与山间之明月,耳得之而为声,目遇之而成色,取之无禁,用之不竭,是造物者之无尽藏也,而吾与子之所共适。”
客喜而笑,洗盏更酌。肴核既尽,杯盘狼籍。相与枕藉乎舟中,不知东方之既白。
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Nota do editor:
Último poste da série > 20 de julho de 2022 > Guiné 61/74 - P23448: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte XXXVI: Brasil, Rio de Janeiro, 1989, 2015, 2020
sexta-feira, 29 de julho de 2022
Guiné 61/74 - P23471: Estórias do Zé Teixeira (56): Amores em tempo de guerra: III - Amores proibidos (2): Binta!... Binta!... (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)
1. Segunda parte da história de amor entre Binta e o seu prometido Braima, combatente do PAIGC, enviada em mensagem de 27 de Julho de 2022, pelo nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70).
Amores em tempo de guerra III
AMORES PROIBIDOS
(2) - Binta!... Binta!...
A Binta ficou perdida naqueles olhos que a mantinham prisioneira, iluminados pelo luar que surgiu repentinamente, enlaçada no pescoço do homem que a envolvia com os seus braços, estreitando-a contra o seu corpo e a beijou ternamente na testa num longo segundo.
Binta estava sem forças. Pranteava e não sabia se de comoção, ou de fúria ao ouvir o Braima negar-lhe a companhia, na árdua luta que ele travava contra o colonialista de Lisboa e não conseguia entender tal recusa.
– Não! Agora que te reencontrei vou contigo, quero ser tua, de mais ninguém, e a mais sábia maneira de o ser é acompanhar-te nos perigos da luta em que acreditas. Se há uma liberdade a conquistar, conquistemo-la juntos, se for necessário morrer, morramos juntos. Os dois seremos mais fortes. Vou contigo!
– Como eu gostava de te levar comigo, minha querida, ter-te sempre a meu lado, sentir o teu coração a palpitar! Como eu gostava de ter a presença do teu corpo, o teu sorriso, o teu olhar de criança apaixonada que me cativou, sempre a meu lado! Mas, não! Não posso comprometer o nosso amor. Não posso arriscar perder-te. Prefiro contemplar-te apenas com o coração e sonhar contigo a toda a hora. Acredita que esta luta não vai ser muito longa no tempo. Vamos ter uma Pátria nossa. Uma bandeira vai unir o nosso povo e seremos livres. Eu prometo regressar à tabanca, à minha terra amada, casar contigo e vamos ter muitos filhos. Vamos ser muito felizes, porque o amor que nos une tem de dar o seu fruto.
– Ó Braima, meu tolinho. Ainda acreditas que os colonialistas nos vão deixar? Ainda acreditas que esta maldita luta pela libertação vai ter fim? Loucura a tua! Eles são muitos, estão sempre a chegar. Têm armas e canhões, têm dinheiro e boa comida, têm... A Metrópole ou Lisboa, deve ser o paraíso deles... E nós o que temos?! Tu! Onde dormes?... o que comes?... que dinheiro possuis para comprares arroz?
– Tens de acreditar em mim. Vamos receber armas para abater os aviões que massacram e impedem que avancemos na luta. Depois, atacaremos os quartéis na cidade. Cercaremos as suas posições nas tabancas. Vamos destruí-los e construir a nossa pátria gloriosa, mas esta luta não é para ti. Continua junto dos teus pais e confia.
– Se acreditas tão piamente na vitória, porque não me deixas ir contigo? Braima, Braima, meu amor! Porquê? Porquê?
O calor de dois corpos unidos e sedentos de se amar pedia tréguas na conversa. Binta tremia num misto de dor, alegria e emoção. Não conhecera outro homem. Guardara-se para aquele momento com o seu Braima. Ela sabia pela mãe, que os primeiros ritos eram dolorosos para a mulher, mas precisava viver aquele momento. Queria entregar-se totalmente ao Braima, para lhe afirmar com a vida, que era dele, e só dele, mas tremia... sem medo.
O Braima não era um novato nestas coisas do amor. O coração, esse reservara-o para a Binta. Queria continuar a conversa para serenar a sua amada, mas o corpo pedia-lhe a entrega total...
– Vai com calma, não te apresses, vive o momento – disse a si mesmo.
Sentindo que a Binta estava tensa, estendeu-se a seu lado, apoiado sobre o cotovelo, procurando cruzar ternamente o seu olhar. Voltou a pôr a boca sobre a dela e acariciou-lhe os lábios com a língua num roçar leve, ternurento. Depois contornou-lhe o rosto e mordiscou-lhe o lóbulo de uma orelha, cobrindo-lhe a face e a testa de beijos, enquanto a sua mão acariciava os mamilos enrijecidos.
– O que é isto que me faz tremer como que estivesse com febre, estes arrepios deliciosos, que eu nunca senti e me fazem feliz? - Interrogava-se Binta, saboreando o momento, numa entrega total de si mesma.
O mundo à sua volta deixara de existir. O mundo, agora, eram eles os dois. Nada mais interessava que não fosse o amor que vibrava no seu corpo, transformando-a na mulher que sempre sonhara ser - a mulher do Braima. As mãos dele corriam-lhe o corpo num bailado estonteante de descoberta de sensibilidades e tensões que nunca sentira.
– Como é maravilhoso sentir o teu amor! - disse a Binta ao ouvido do Braima no momento em que lhe mordia o lóbulo de uma orelha e pensava nas muitas vezes que os soldados tugas, abusadamente, lhe comprimiram os seios, sem que ela tivesse o mínimo prazer, pelo contrário... sentia ódio e raiva que expressava com o olhar de mulher que se sentia ofendida pelo abuso. Ah! Mas o alferes Barbosa respeitava-a muito e nunca a tocou. Esse era diferente, o Braima branco...
Binta impregnada de desejos libidinosos desapertara o pano que a cobria e afastara-o deixando o seu corpo ao luar, o que fez o Braima perder a respiração. – Oh, mulher! Era uma voz rouca, imbuída de desejos, que ele nunca experimentara. Sentiu que a sua virilidade se expandia desmedida sem controlo. Binta! Binta! Que mulher! – Com extrema fúria, beijou-a na boca entreaberta, enterrando, em seguida, o rosto entre os seis chupando ardorosamente a pele suave. Entontecido, parou e respirou fundo tentando controlar-se.
– Alguma coisa errada? - Gemeu a Binta.
– Não. É apenas o meu desejo de te tornar minha. Quero fazer-te feliz e não sei se vou conseguir. És tão bonita, tão mulher...
O rosto de Binta abriu-se num sorriso acolhedor. Então, Braima beijou-a de novo, calmamente, acariciou-lhe o corpo, sentiu o seio farto e rijo, a cava da cintura, o quadril fazendo uma amena curva e a coxa forte e musculada de uma mulher de trabalho. Ela tremia a cada toque acariciador, tanto era o seu prazer. A mão dele continuou numa toada leve e lenta até encontrar os anéis do púbis que afagou com carinho. Sua boca procurou um mamilo. A língua tocou-lhe ao de leve, provocando um grito de prazer em Binta, que o medo de ser ouvido por alguém, logo abafou. A guerra continuava no meio deles, mesmo naquele lugar ermo, alta ia a noite.
...E o amor aconteceu.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 28 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23467: Estórias do Zé Teixeira (55): Amores em tempo de guerra: III - Amores proibidos (1): Binta!... Binta!... (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)
Amores em tempo de guerra III
AMORES PROIBIDOS
(2) - Binta!... Binta!...
A Binta ficou perdida naqueles olhos que a mantinham prisioneira, iluminados pelo luar que surgiu repentinamente, enlaçada no pescoço do homem que a envolvia com os seus braços, estreitando-a contra o seu corpo e a beijou ternamente na testa num longo segundo.
Deixaram-se envolver pelo silêncio das palavras escondidas, esmagadas há tanto tempo nos seus corações. Braima inclinou-se para a beijar de novo e os seus lábios selaram-se ternamente. Sensações novas invadiram todo o seu corpo deixando-a eletrizada, perdida no tempo e no espaço. O passado deixou de existir naquele momento. Um novo presente nascia, há que vivê-lo!
Braima falou, suspirando:
– Há muito tempo que sonho com este momento – enquanto a pousava suavemente no capim e se deitava a seu lado. Noites e noites sem dormir, vendo-te sem te ver, ouvindo-te sem te ouvir... sonhando contigo, mas a libertação do nosso povo meteu-se entre nós. Agora que não podemos derrotar o passado, que nos afastou um do outro, temos de conquistar o futuro, vencê-lo para que seja nosso, temos de conquistar a liberdade...
Braima falou, suspirando:
– Há muito tempo que sonho com este momento – enquanto a pousava suavemente no capim e se deitava a seu lado. Noites e noites sem dormir, vendo-te sem te ver, ouvindo-te sem te ouvir... sonhando contigo, mas a libertação do nosso povo meteu-se entre nós. Agora que não podemos derrotar o passado, que nos afastou um do outro, temos de conquistar o futuro, vencê-lo para que seja nosso, temos de conquistar a liberdade...
– Braima, Braima, meu querido, esqueceste-te que sempre tivemos liberdade de ser o que somos, mesmo se isso aconteça apenas nas nossas cabeças – disse a Binta pousando os sequiosos lábios sobre a boca do Braima, enquanto lágrimas de emoção lhe lavavam a face. - O medo de te perder, desde o dia em que foste embora, atormenta-me a todo o momento, as notícias que de ti chegam, sempre tarde, são a razão do meu viver, porque o coração vai-me dizendo que continuas vivo e a amar-me. É esta a razão da minha vida, esperar por ti. Agora quero ir contigo. Não te vou perder, nunca mais.
-– Não me perderás, juro por Alá, o Misericordioso, louvado seja Ele. Não há bala que ouse tocar-me. Voltarei... voltaremos para viver o nosso amor. Mas tu não podes vir comigo. Os perigos não têm fim, nem escolha possível e é preciso saber fintá-los. Confia em mim e me basta - disse-lhe o Braima, olhos nos olhos, enquanto a cingia tentando fazer dos dois, um só corpo.
-– Não me perderás, juro por Alá, o Misericordioso, louvado seja Ele. Não há bala que ouse tocar-me. Voltarei... voltaremos para viver o nosso amor. Mas tu não podes vir comigo. Os perigos não têm fim, nem escolha possível e é preciso saber fintá-los. Confia em mim e me basta - disse-lhe o Braima, olhos nos olhos, enquanto a cingia tentando fazer dos dois, um só corpo.
Binta estava sem forças. Pranteava e não sabia se de comoção, ou de fúria ao ouvir o Braima negar-lhe a companhia, na árdua luta que ele travava contra o colonialista de Lisboa e não conseguia entender tal recusa.
– Não! Agora que te reencontrei vou contigo, quero ser tua, de mais ninguém, e a mais sábia maneira de o ser é acompanhar-te nos perigos da luta em que acreditas. Se há uma liberdade a conquistar, conquistemo-la juntos, se for necessário morrer, morramos juntos. Os dois seremos mais fortes. Vou contigo!
– Como eu gostava de te levar comigo, minha querida, ter-te sempre a meu lado, sentir o teu coração a palpitar! Como eu gostava de ter a presença do teu corpo, o teu sorriso, o teu olhar de criança apaixonada que me cativou, sempre a meu lado! Mas, não! Não posso comprometer o nosso amor. Não posso arriscar perder-te. Prefiro contemplar-te apenas com o coração e sonhar contigo a toda a hora. Acredita que esta luta não vai ser muito longa no tempo. Vamos ter uma Pátria nossa. Uma bandeira vai unir o nosso povo e seremos livres. Eu prometo regressar à tabanca, à minha terra amada, casar contigo e vamos ter muitos filhos. Vamos ser muito felizes, porque o amor que nos une tem de dar o seu fruto.
– Ó Braima, meu tolinho. Ainda acreditas que os colonialistas nos vão deixar? Ainda acreditas que esta maldita luta pela libertação vai ter fim? Loucura a tua! Eles são muitos, estão sempre a chegar. Têm armas e canhões, têm dinheiro e boa comida, têm... A Metrópole ou Lisboa, deve ser o paraíso deles... E nós o que temos?! Tu! Onde dormes?... o que comes?... que dinheiro possuis para comprares arroz?
– Tens de acreditar em mim. Vamos receber armas para abater os aviões que massacram e impedem que avancemos na luta. Depois, atacaremos os quartéis na cidade. Cercaremos as suas posições nas tabancas. Vamos destruí-los e construir a nossa pátria gloriosa, mas esta luta não é para ti. Continua junto dos teus pais e confia.
– Se acreditas tão piamente na vitória, porque não me deixas ir contigo? Braima, Braima, meu amor! Porquê? Porquê?
O calor de dois corpos unidos e sedentos de se amar pedia tréguas na conversa. Binta tremia num misto de dor, alegria e emoção. Não conhecera outro homem. Guardara-se para aquele momento com o seu Braima. Ela sabia pela mãe, que os primeiros ritos eram dolorosos para a mulher, mas precisava viver aquele momento. Queria entregar-se totalmente ao Braima, para lhe afirmar com a vida, que era dele, e só dele, mas tremia... sem medo.
O Braima não era um novato nestas coisas do amor. O coração, esse reservara-o para a Binta. Queria continuar a conversa para serenar a sua amada, mas o corpo pedia-lhe a entrega total...
– Vai com calma, não te apresses, vive o momento – disse a si mesmo.
Sentindo que a Binta estava tensa, estendeu-se a seu lado, apoiado sobre o cotovelo, procurando cruzar ternamente o seu olhar. Voltou a pôr a boca sobre a dela e acariciou-lhe os lábios com a língua num roçar leve, ternurento. Depois contornou-lhe o rosto e mordiscou-lhe o lóbulo de uma orelha, cobrindo-lhe a face e a testa de beijos, enquanto a sua mão acariciava os mamilos enrijecidos.
– O que é isto que me faz tremer como que estivesse com febre, estes arrepios deliciosos, que eu nunca senti e me fazem feliz? - Interrogava-se Binta, saboreando o momento, numa entrega total de si mesma.
O mundo à sua volta deixara de existir. O mundo, agora, eram eles os dois. Nada mais interessava que não fosse o amor que vibrava no seu corpo, transformando-a na mulher que sempre sonhara ser - a mulher do Braima. As mãos dele corriam-lhe o corpo num bailado estonteante de descoberta de sensibilidades e tensões que nunca sentira.
– Como é maravilhoso sentir o teu amor! - disse a Binta ao ouvido do Braima no momento em que lhe mordia o lóbulo de uma orelha e pensava nas muitas vezes que os soldados tugas, abusadamente, lhe comprimiram os seios, sem que ela tivesse o mínimo prazer, pelo contrário... sentia ódio e raiva que expressava com o olhar de mulher que se sentia ofendida pelo abuso. Ah! Mas o alferes Barbosa respeitava-a muito e nunca a tocou. Esse era diferente, o Braima branco...
Binta impregnada de desejos libidinosos desapertara o pano que a cobria e afastara-o deixando o seu corpo ao luar, o que fez o Braima perder a respiração. – Oh, mulher! Era uma voz rouca, imbuída de desejos, que ele nunca experimentara. Sentiu que a sua virilidade se expandia desmedida sem controlo. Binta! Binta! Que mulher! – Com extrema fúria, beijou-a na boca entreaberta, enterrando, em seguida, o rosto entre os seis chupando ardorosamente a pele suave. Entontecido, parou e respirou fundo tentando controlar-se.
– Alguma coisa errada? - Gemeu a Binta.
– Não. É apenas o meu desejo de te tornar minha. Quero fazer-te feliz e não sei se vou conseguir. És tão bonita, tão mulher...
O rosto de Binta abriu-se num sorriso acolhedor. Então, Braima beijou-a de novo, calmamente, acariciou-lhe o corpo, sentiu o seio farto e rijo, a cava da cintura, o quadril fazendo uma amena curva e a coxa forte e musculada de uma mulher de trabalho. Ela tremia a cada toque acariciador, tanto era o seu prazer. A mão dele continuou numa toada leve e lenta até encontrar os anéis do púbis que afagou com carinho. Sua boca procurou um mamilo. A língua tocou-lhe ao de leve, provocando um grito de prazer em Binta, que o medo de ser ouvido por alguém, logo abafou. A guerra continuava no meio deles, mesmo naquele lugar ermo, alta ia a noite.
...E o amor aconteceu.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 28 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23467: Estórias do Zé Teixeira (55): Amores em tempo de guerra: III - Amores proibidos (1): Binta!... Binta!... (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)
Guiné 61/74 - P23470: Nota de leitura (1469): Sobre Graça Falcão, a melhor fonte será porventura "A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926", de Armando Tavares da Silva; Caminhos Romanos, 2016 (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Janeiro de 2020:
Queridos amigos,
Há algo de assombroso no percurso curricular de Graça Falcão, um condecorado com a Torre e Espada que irá ver o seu nome bem maltratado, no campo dos negócios, das relações políticas e sociais, pouca gente merecerá tanta hostilidade na Guiné como ele. Está ligado a um grande desastre no Morés, de onde escapou por uma unha negra. Como responsável pelo presídio de Farim, elaborou duas cartas topográficas que, assegura António Carreira no estudo que aqui é referenciado, é um documento memorável e indispensável para estudar aprofundadamente as rotas da expansão da islamização na Guiné.
Um abraço do
Mário
Graça Falcão, uma das figuras mais espantosas que passaram pela Guiné
Beja Santos
Sobre Graça Falcão, a melhor fonte será porventura "A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926", de Armando Tavares da Silva, Caminhos Romanos, 2016. Tivesse eu condições e metia-me a estudar algumas figuras de traços mirabolantes ou com elevada carga enigmática: Graça Falcão, Marques Geraldes, Rafael Barbosa ou Osvaldo Vieira. Graça Falcão, alferes, é transferido de Angola para a Guiné em abril de 1892, em cumprimento de uma medida disciplinar determinada pelo Governador-geral de Angola. Alferes da Bateria de Artilharia de Montanha, é graduado em tenente a 1 de maio de 1894 e em 23 de maio é nomeado Comandante do Presídio de Farim. Será nessas funções que elaborará duas cartas topográficas (1894-1897), com alto significado, pois dão alguma compreensão à expansão do islamismo no rio Farim, António Carreira publicará um estudo alusivo, aqui se fará referência. Em abril de 1895, a pedido dos Balantas de Barro, Graça Falcão vai a esta localidade, solo que nunca tinha sido pisado por autoridade alguma portuguesa, deixa a bandeira e lavra o competente auto de vassalagem. Em 22 de setembro de 1896 é Cavaleiro da Torre e Espada pelos serviços prestados ao reaver três embarcações em poder dos gentios do Biombo e da ilha de Jata. Será louvado por Portaria Régia pelo bom resultado de uma expedição ao Oio. Em 1897, dá-se uma desastrada incursão de Graça Falcão no Oio, ele andara por aqui no ano anterior. O Tenente Herculano da Cunha relatará as peripécias como Graça Falcão conseguiu escapar vivo, andou sozinho fugitivo, embora Herculano da Cunha, nos seus relatórios, o desse por morto. Irá ressuscitar, abandona a vida militar, entrega-se a negócios, suscita ódios, são histórias dignas do mais vibrante romance de aventuras. Encontrei correspondência do responsável do BNU na Guiné considerando-o homem de mau caráter e mau pagador. Postos estes episódios de uma carreira mirabolante, vamos ao documento de António Carreira.
Ele começa por afirmar que a Guiné esteve sempre sujeita à influência dos movimentos desencadeados pelos dirigentes islâmicos, tanto do Futa-Toro como do Firdu e do Futa-Djaló. E faz uma resenha histórica:
“A luta travada em África pelos povos islamizados com vista à submissão dos animistas à doutrina do Alcorão data de há cerca de nove séculos. Nesse decurso de tempo, conheceu fases de progresso, de estagnação ou mesmo de retrocesso, e fases de grande e espetacular progresso.
Sabe-se com segurança que os povos de Sonin e de Mandé atingiram a área da nossa Guiné nos séculos XIII ou XIV. Admite-se como certo que estes dois grandes grupos, ao fixarem-se no Alto Geba (no Cabo, N’Gabu ou N’Gabu-El, como era então conhecido) e no Brasso (ou Berassu), eram, ainda, na sua totalidade, animistas.
No início do século XVIII, nesta área, só existia um culto: o animista. Os povos que o seguiam estavam distribuídos da seguinte forma:
1.º Nas duas margens do Casamansa: Felupes, Baiotes, Banhuns, Cassangas e Balantas (os atuais Diolás dos Franceses), Soninqués, Mandés e Fulacundas (os nossos Fulas-Forros);
2.º No Futa-Djaló: a) Os denominados Djaló-Nkas, os mestiços de Mandés, sobretudo Sossos; b) Os descendentes de camadas de origem peul ou pulô, que em data imprecisa, mas por volta de 1500-1511, invadiram o Futa. Os parentes mais próximos destes Pulis existiam em estado de relativa pureza étnica na primeira vintena deste século no Ferlo e no Futa-Toro, mas, tal como os de Futa-Djaló, muitos ainda inteiramente animistas”.
A islamização acentuou-se no Futa-Toro, e encontrou sérias resistências no Futa-Djaló. Houve lutas terríveis que duraram até ao final do século XVIII ou mesmo no início do XIX. Foram dados como submetidos e dominados os animistas do Futa-Djaló e então os Fulas dividiram o território numa espécie de províncias religiosas. António Carreira disserta sobre esta organização religiosa e o seu controlo. E diz mais adiante que em cerca de 1900 se deu a penetração do Casamansa, na Guiné Portuguesa e no Futa-Djaló de Marabus procedentes da Mauritânia. A expansão islâmica espalhou-se por uma boa parte da colónia. “O Boé, designadamente a povoação de Dandum, passou a ser um dos principais refúgios dos familiares e partidários de Alfá Iaia. Muitos deles encaminharam-se, através da nossa Guiné, para o Casamansa e Gâmbia”. Estava consumada a islamização da região Leste e também de Farim.
Carreira, que publica este trabalho em 1963, recorda que percorrera as duas margens do rio Farim a pé há mais de quarenta anos, fizera ali vários recenseamentos fiscais. Nessa época, os Balantas só em mínima parte se tinham deixado mandinguizar, ou seja, islamizar. E é muito interessante o que escreve a seguir:
“Em outro trabalho já publicado tive a oportunidade de esclarecer que a designação Balanta-Mané deriva da junção do etnónimo Balanta do apelido, de origem mandinga, Mané. Parece que foram os cristãos que o difundiram com o intuito de individualizar os Balantas integrados na cultura Mandinga e para não se confundirem com os que se conservavam apegados às tradições próprias do grupo. Como o apelido Mané era o mais generalizado no setor Mandinga confinante com os Balantas, estes, quase em massa, mal se mandinguizavam, adotavam-no espontaneamente como segundo nome. Portanto, o sinal mais concludente da integração do Balanta na cultura Mandinga era o uso deste apelido”.
Depois de ter feito referência às confrarias islâmicas do Senegal e do Futa-Djaló e a sua influência no território da colónia, alude ao estudo da difusão do islamismo entre os povos da Guiné. Diz que falta documentação adequada. E é então que informa que Teixeira da Mota lhe facultara duas cartas topográficas da região de Farim elaboradas pelo oficial do Exército Jaime Augusto da Graça Falcão. Diz que o conheceu e o apreciou e que estes documentos revelam esboços topográficos que dão uma imagem bastante exata do que era, então, a distribuição da população pelas duas margens do rio Farim. Segue-se uma enumeração exaustiva e interpretativa dos dois mapas e conclui vaticinando que este modesto subsídio sirva para despertar a ideia da elaboração de um estudo sistemático do processo da islamização das gentes da Guiné.
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Nota do editor
Último poste da série de 25 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23460: Nota de leitura (1468): “A desmobilização dos combatentes africanos das Forças Armadas Portuguesas da Guerra Colonial”, por Fátima da Cruz Rodrigues, na revista Ler História, n.º 65 de 2013 (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P23469: Ser solidário (247): Pedido de apoio para o transporte de 150 carteiras escolares de Lisboa para Bissau, destinadas à Escola Privada Humberto Braima Sambu
Foto com a devida vénia a Expresso das Ilhas.CV
1. Mensagem de Avelino Vaz, Director da Escola Privada Humberto Braima Sambu de Bissau, com data de 15 de Julho de 2022:
Pedido de apoio
Escola HBS escolahbs3@gmail.com
Caros,
Somos um grupo de professores a partir da Guiné Bissau. Abrimos uma escola para ajudar alunos da nossa comunidade, Bairro Militar-Plak 1, localizada nos arredores de Bissau.
Entretanto, enfrentamos problema de falta de carteiras/mesas nas salas de aula há 2 anos. Tentámos, sem sucesso, solucionar o problema através do nosso governo e empresas nacionais.
Preocupados com a situação, pesquisamos na internet sobre as entidades internacionais que podem nos apoiar nesta questão e encontramos o Colégio Pedro Arrupe, e esse nos doou 150 carteiras.
De agora em diante, o nosso maior desafio é fazer chegar esses materiais a Bissau, motivo pelo qual recorremos a Luís Graça & Camaradas da Guiné, solicitando-vos apoio em transportar esses recursos para Guiné.
Apesar de não termos muito para retribuir, garantimos zelar e promover o nome, os trabalhos e a importância da vossa instituição a nível nacional e sub-região oeste africana e na áfrica em geral.
A Escola Humberto é uma escola que funciona em caráter comunitário e atende um público cuja maioria das famílias vive abaixo da linha da pobreza, com menos de 1 dólar por dia, e não conseguem contribuir com os estudos dos seus filhos.
Sem mais assunto de momento, as nossas melhores saudações.
Atentamente,
Avelino Vaz
Diretor de Relações Institucionais
Telefone/Whatsapp: 00245 95546 8411
Instagram: @escola.hbs
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2. Comentário do coeditor
Na impossibilidade de apoiarmos directamente a Escola Privada Humberto Sambu no transporte, de Lisboa para Bissau, do material cedido pelo Colégio Pedro Arrupe, deixamos aqui o pedido de apoio do seu Director, Avelino Vaz.
Ficamos na espectativa de que alguma ONG portuguesa ou empresa privada se disponibilize para levar a "bom porto" esta carga tão preciosa para quem tão pouco tem.
Leiam aqui o artigo "Guiné-Bissau: A escola comunitária que começou à sombra de uma árvore e hoje tem mais de mil alunos" dedicado à Escola Privada Humberto Braima Sambu
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Nota do editor
Último poste da série de 22 DE MAIO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23283: Ser solidário (246): O Núcleo de Ponte de Lima, da Liga dos Combatentes, associou-se à Campanha do Estado-Maior-General das Forças Armadas de doação de Manuais Escolares (1.º ao 6.º ano) para a Guiné-Bissau (Manuel Oliveira Pereira, ex-Fur Mil)
Guiné 61/74 - P23468: FAP (125): Os helicópteros SA-330 Puma e AL III em Angola, no apoio ao BCP 21 (Jaime Silva, ex-alf mil pára, 1ª CCP / BCP 21, 1970/72)
Foto nº 3 > Angola > Norte - Montes Mil e Vinte > 26 de junho de 1970 > Heli SA-330 Puma na recuperação do 3º Pel da 1ª CCP /BCP 21 (1970/72)... Nesta operação morreu um soldado do meu pelotão.
Foto nº 1 > Angola > BCP 21 (1970/72) > 1970 > Heli SA-330 Puma no treino de paraquedistas (1)
Foto nº 4 > Angola > BCP 21 (1970/72) > Leste > Chiume > Dezembro de 1971 > No Leste de Angola, Chiume (Cú de Judas), heli AL III no apoio ao 3º pelotão, 1ª CCP / BCP 21.
Fotos (e legendas) © Jaime Bonifácio Marques da Silva (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
I. Mensagem de Jaime Silva (ex-alf mil paraquedista, BCP 21, Angola, 1970/72, membro da nossa Tabanca Grande, nº 643, desde 31/1/2014, tendo já cerca de 7 dezenas de referências) no nosso blogue; reside na Lourinhã, é professor de educação física, reformado, foi autraca em Fafe, onde residiu durante cerca de 4 décadas):
Data - 28 jul 2022, 17:25
Assunto - Helis PUMA e AL III
Caro Luís
Aqui vão as 4 relíquias do meu álbum de memórias, relativamente ao assunto dos helicópteros PUMA e AL III (*)
1. Quando os PUMAS chegam a Angola, a minha companhia estava destacada no Leste e, quando chegámos, soubemos que os pilotos da FA treinaram o transporte de militares com os paraquedistas.
As fotos nºs 2 e 3 testemunham o momento.
2. A foto nº 3 capta o momento em que o PUMA se prepara para recuperar o meu pelotão (3.º Pelotão da 1ª CCP do BCP 21).
Foi a nossa estreia no PUMA. ( A operação decorreu entre 24 e 26 de junho no Norte - Montes Mil e Vinte e, nela, morreu um soldado do meu pelotão.)
3. O Al III - documento o momento em que o Heli acabava de nos dar apoio com rações de combate e água para prosseguir a operação de combate que decorreu na zona de Chiume no Leste de angola. Foi por alturas de novembro / dezembro de 1971. (**)
É o que tenho. Memórias!
Abraço, Jaime.
II. Comentário do editor LG:
Obrigado, Jaime, pela tua pronta resposta ao meu pedido. Como se disse no poste P23462, a Guiné tinha mais de um quinto (n=21) do total dos heli AL III que operavam nos três territórios em guerra (n=94). Em contrapartida , nunca teve helis SA-330 PUMA (chegados tardiamente a Angola e Moçambique, em 1970), com maior capacidade e autonomia que os AL III.
Caro Luís
Aqui vão as 4 relíquias do meu álbum de memórias, relativamente ao assunto dos helicópteros PUMA e AL III (*)
1. Quando os PUMAS chegam a Angola, a minha companhia estava destacada no Leste e, quando chegámos, soubemos que os pilotos da FA treinaram o transporte de militares com os paraquedistas.
As fotos nºs 2 e 3 testemunham o momento.
2. A foto nº 3 capta o momento em que o PUMA se prepara para recuperar o meu pelotão (3.º Pelotão da 1ª CCP do BCP 21).
Foi a nossa estreia no PUMA. ( A operação decorreu entre 24 e 26 de junho no Norte - Montes Mil e Vinte e, nela, morreu um soldado do meu pelotão.)
3. O Al III - documento o momento em que o Heli acabava de nos dar apoio com rações de combate e água para prosseguir a operação de combate que decorreu na zona de Chiume no Leste de angola. Foi por alturas de novembro / dezembro de 1971. (**)
É o que tenho. Memórias!
Abraço, Jaime.
II. Comentário do editor LG:
Obrigado, Jaime, pela tua pronta resposta ao meu pedido. Como se disse no poste P23462, a Guiné tinha mais de um quinto (n=21) do total dos heli AL III que operavam nos três territórios em guerra (n=94). Em contrapartida , nunca teve helis SA-330 PUMA (chegados tardiamente a Angola e Moçambique, em 1970), com maior capacidade e autonomia que os AL III.
Havia 11 PUMAS: 6 em Angola e 5 em Moçambique. Como tu também me confirmaste, os AL III serviam sobretudo em Angola na versão helicanhão, equipado com um canhão de 20 mm, apoiando os PUMA.
A capacidade de transporte do AL III era mais reduzida (6 militares = 2 + 4), podendo às vezes transportar 7 (2 + 5) ou até 8 (2 + 6).
Foram produzidos mais de dois mil Alouette III, entre 1961 e 1985, pela empresa francesa Aérospatiale. Características técnicas: velocidade máxima, 220 km; alcance alcance, com peso máximo de descolagem_ 540 km; teto máximo 3.200 m/ 10.500 pés
Já o SA - 330 PUMA, também da Aérospatiale, de uso civil e militar, tinha 3 tripulantes (piloto, copiloto e mecânico) e levava 16 passageiros (ou 20 militares). Foi introduzido no mercado em 1968 e até 1987 construiram-se cerca de 7 centenas de unidades. (Outras características técnicas desta aeronave: velocidade máxima, 250 km/hora; alcance, com peso máximo de descolagem: 580 km; teto máximo: 4.800 metros / 15.700 pés).
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Notas do ediror:
(*) Vd. poste de 26 de julho de 2022 > Guiné 61/74 - P23462: A nossa guerra em números (19): Meios e operações da FAP - Parte I: número e tipo de aeronaves: helicópteros, aviões de combate, de transporte e outros
quinta-feira, 28 de julho de 2022
Guiné 61/74 - P23467: Estórias do Zé Teixeira (55): Amores em tempo de guerra: III - Amores proibidos (1): Binta!... Binta!... (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)
1. Em mensagem do dia 27 de Julho de 2022, o nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70) enviou-nos, para a sua série Amores em Tempo de guerra, a continuação da história de amor entre Binta e o seu prometido, combatente do PAIGC.
Amores em tempo de guerra III
AMORES PROIBIDOS
(1) - Binta!... Binta!...
O coração deu um pulo. Já se tinham passado alguns anos, mas aquela voz estava-lhe gravada no coração. Era ele, o Braima, que a chamava do meio da floresta, ou estaria a sonhar?! Tinha de se manter calma e avisá-lo do perigo. Olhou na direção do som. Fez um sorriso e mexeu os lábios pedindo silêncio. Mal viu o Braima, mas sentiu-o a seu lado e o seu corpo vibrou de emoção. O coração quase a traiu. O alferes, que a cotejava, estava ali por perto a contemplá-la, enquanto lavava a sua roupa, no pequeno riacho que passava ao lado da tabanca.
O alferes adorava a bajuda. Tentara todas as formas possíveis para a conquistar. Binta defendia-se afirmando que estava comprometida com o filho do Mamadu, o chefe da tabanca vizinha que era também o sargento-chefe da milícia, sob o comando e orientação do Barbosa. Afirmava – mentindo – que o noivo era soldado do exército português e cumpria tropa em Bolama. Mantinha-se assim intocável e respeitada pelos soldados de quem era lavadeira para ganhar algum dinheiro e fazer o pé-de-meia para quando constituísse família com o Braima, a quem fora prometida nos tempos de criança.
Amores em tempo de guerra III
AMORES PROIBIDOS
(1) - Binta!... Binta!...
O coração deu um pulo. Já se tinham passado alguns anos, mas aquela voz estava-lhe gravada no coração. Era ele, o Braima, que a chamava do meio da floresta, ou estaria a sonhar?! Tinha de se manter calma e avisá-lo do perigo. Olhou na direção do som. Fez um sorriso e mexeu os lábios pedindo silêncio. Mal viu o Braima, mas sentiu-o a seu lado e o seu corpo vibrou de emoção. O coração quase a traiu. O alferes, que a cotejava, estava ali por perto a contemplá-la, enquanto lavava a sua roupa, no pequeno riacho que passava ao lado da tabanca.
O alferes adorava a bajuda. Tentara todas as formas possíveis para a conquistar. Binta defendia-se afirmando que estava comprometida com o filho do Mamadu, o chefe da tabanca vizinha que era também o sargento-chefe da milícia, sob o comando e orientação do Barbosa. Afirmava – mentindo – que o noivo era soldado do exército português e cumpria tropa em Bolama. Mantinha-se assim intocável e respeitada pelos soldados de quem era lavadeira para ganhar algum dinheiro e fazer o pé-de-meia para quando constituísse família com o Braima, a quem fora prometida nos tempos de criança.
Sofria em silêncio e acreditava que a guerra acabaria um dia, ou fugiria para o mato ao encontro do seu amado. Tentou manter a calma. Acabou de lavar a roupa do alferes, enviou-lhe um sorriso matreiro e correu para casa. Pôs a roupa a secar, voltou ao rio para tomar banho e esperou o lusco-fusco. Então cobriu-se com o mais lindo pano, pôs o lenço mais garrido na cabeça e perfumou o corpo. Aproveitando a hora do rancho dos militares, abandonou a tabanca para ir ao encontro do seu amado.
O sol acabara de desaparecer. Os contornos das moranças e das árvores já se fundiam nas sombras da noite. Binta caminhava por entre as casas redondas de cana entrançada, chapeadas com lama, atenta a qualquer movimento vindo dos abrigos militares ou das moranças, que os oficiais e sargentos tinham arrendado a seu pai.
Ouve-o de novo chamar pelo seu nome. Agora bem perto. Se dúvidas tivera desapareceram. Era ele que estava ali e vinha buscá-la.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 19 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23443: Estórias do Zé Teixeira (54): Amores em tempo de guerra: II - Correspondência desviada (conclusão) (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)
O sol acabara de desaparecer. Os contornos das moranças e das árvores já se fundiam nas sombras da noite. Binta caminhava por entre as casas redondas de cana entrançada, chapeadas com lama, atenta a qualquer movimento vindo dos abrigos militares ou das moranças, que os oficiais e sargentos tinham arrendado a seu pai.
Estava com medo de que o alferes tivesse notado algo de estranho no seu comportamento, no momento em que o Braima a chamara e estivesse a espiá-la. Dos furriéis e soldados não tinha medo. Ela cuidava da roupa do alferes e estava prometida em casamento pelo seu pai, sentia-se intocável e respeitada. Chegada à porta de saída, onde o arame farpado que rodeava a tabanca para impedir eventuais tentativas de invasão dos guerrilheiros, deixava uma brecha em aberto, a sebe deslocável conhecida como “cavalo de frisa” que fazia de cancela, notou que esta já estava fechado e hesitou. As pernas tremiam-lhe, o coração palpitava em demasia, a respiração tornou-se ofegante. Só a mente sabia o que fazer.
A sentinela era o Gonzaga, de quem era também a lavadeira da sua roupa. Um bom rapaz que tentara, mais que uma vez, conquistar os seus favores. Recuara sempre face à sua firmeza e talvez porque era a protegida do alferes. Era altura de o testar. Decidida, chegou ao “cavalo de frisa” e arrastou-o o suficiente para passar.
- Alto lá, aonde vais, minha boneca?
- Uma cabra fugiu para o mato, vou buscá-la e volto já.
- Anda aqui à minha beira. “Quero ter “conversa giro contigo”.
- Agora não, que está noite e a cabra pode fugir. Mais logo, quando chegar. Posso ir…?
- Prometes? Oh! Já não acredito!
- Gonzaga, eu prometo. E desata a correr pela picada fora, penetrando na mata em busca de uma cabra que não tinha fugido.
Depois de andar largos metros na mata escura, voltou à picada que seguia para Falace. Picada quase absorvida pela densa mata, que ela conhecera bem em tempos, pois era perto da tabanca da sua falecida avó. Tantas vezes lá fora visitar os avós, os tios e os primos. A última vez foi no dia do funeral do tio, que morreu às mãos dos libertadores da pátria, como se afirmavam os guineenses que viviam na mata, quando incendiaram a tabanca e raptaram os jovens. Era ela uma criança.
Nada mexia no silêncio do lusco-fusco que estava de partida. Era demasiado cedo para os animais noturnos começarem a sua faina. Só os pássaros pareciam ainda acordados, animando a Binta com o seu melodioso chilreio. Nesse mundo meio adormecido, o mínimo movimento parecia suspeito. Não parava de olhar para trás, com medo da sua fuga ter sido descoberta pelo alferes ou o Gonzaga a tivesse denunciado.
Então viu a lua aparecer majestática e colocar-se à frente do sol. Este, ao sentir-se recôndito, apesar de estar a caminho do ocaso, projetou os seus raios sobre a ela transformando-a numa gigante bola de fogo, a qual ao elevar-se no horizonte mais parecia a floresta, qual gigante, a abrasar-se num fogo sem fumo. Um panorama apavorante para quem nunca tinha tido a oportunidade de visualizar um eclipse do sol em África. Um belo e aterrador quadro, digno do Apocalipse que se foi eclipsando na medida em que o sol se deixava esconder pelo horizonte e partia a clarear outras partes do globo terrestre. A lua reveio à sua dimensão planetária e tomou o seu habitual esplendor a alumiar o céu e a terra, deixando as estrelas escondidas por detrás da sua suave alvura.
- Alto lá, aonde vais, minha boneca?
- Uma cabra fugiu para o mato, vou buscá-la e volto já.
- Anda aqui à minha beira. “Quero ter “conversa giro contigo”.
- Agora não, que está noite e a cabra pode fugir. Mais logo, quando chegar. Posso ir…?
- Prometes? Oh! Já não acredito!
- Gonzaga, eu prometo. E desata a correr pela picada fora, penetrando na mata em busca de uma cabra que não tinha fugido.
Depois de andar largos metros na mata escura, voltou à picada que seguia para Falace. Picada quase absorvida pela densa mata, que ela conhecera bem em tempos, pois era perto da tabanca da sua falecida avó. Tantas vezes lá fora visitar os avós, os tios e os primos. A última vez foi no dia do funeral do tio, que morreu às mãos dos libertadores da pátria, como se afirmavam os guineenses que viviam na mata, quando incendiaram a tabanca e raptaram os jovens. Era ela uma criança.
Nada mexia no silêncio do lusco-fusco que estava de partida. Era demasiado cedo para os animais noturnos começarem a sua faina. Só os pássaros pareciam ainda acordados, animando a Binta com o seu melodioso chilreio. Nesse mundo meio adormecido, o mínimo movimento parecia suspeito. Não parava de olhar para trás, com medo da sua fuga ter sido descoberta pelo alferes ou o Gonzaga a tivesse denunciado.
Então viu a lua aparecer majestática e colocar-se à frente do sol. Este, ao sentir-se recôndito, apesar de estar a caminho do ocaso, projetou os seus raios sobre a ela transformando-a numa gigante bola de fogo, a qual ao elevar-se no horizonte mais parecia a floresta, qual gigante, a abrasar-se num fogo sem fumo. Um panorama apavorante para quem nunca tinha tido a oportunidade de visualizar um eclipse do sol em África. Um belo e aterrador quadro, digno do Apocalipse que se foi eclipsando na medida em que o sol se deixava esconder pelo horizonte e partia a clarear outras partes do globo terrestre. A lua reveio à sua dimensão planetária e tomou o seu habitual esplendor a alumiar o céu e a terra, deixando as estrelas escondidas por detrás da sua suave alvura.
Binta já tinha deixado para trás a fonte de água pura que servia a população nas suas necessidades. Também cobria as carências dos militares instalados na sua tabanca. Muitas vezes ela pedira boleia aos militares para ir buscar água fresquinha e de muito melhor qualidade sanitária que a água do poço que o pai tinha na tabanca. Ela sabia que era por ali perto que os homens da mata assestavam os seus canhões para atacarem os invasores portugueses. Aliás, sabia que a fonte também era usada pelos combatentes da liberdade. Tinha uma vaga esperança de que o seu amado andasse por perto, ou talvez eles ousassem atacar os militares nessa noite, mas não... nem sinal de qualquer presença humana…
O caminho parecia não ter fim. Nem vivalma, e a noite já era profundamente negra. A lua deixara-se encobrir por uma longa nuvem. Parece que as estrelas adormeceram no céu e o cerrado arvoredo transformava o caminho, uma estrada há vários anos encerrada, num pesadelo. Mal vislumbrava a clareira por onde sabia que tinha de seguir para chegar ao miolo da mata, onde eles, os conquistadores, possivelmente se acoitavam. O medo começou a apossar-se dela, mas a mente dizia-lhe que o Braima andava próximo e ia salvá-la do aperto de coração que começava a sentir.
A Binta caminhou mais uns metros e susteve-se amedrontada. Pareceu-lhe ouvir um ruido. Manteve-se em silêncio e atenta a qualquer movimento à sua volta. Longos segundos de palpitações apressadas numa mente baralhada. Estaria a cometer uma loucura. Talvez não tenha sido o Braima, mas um espião, como já acontecera outras vezes... Mas não, este chamara-a pelo seu nome, bem perto do arame farpado. Ela vira-o naquela tarde! Era ele mesmo, mais homem, barbicha comprida... e o mesmo sorriso...
Talvez fosse melhor voltar para trás. Acoitar-se junto de um tronco perto da sua tabanca e aparecer no dia seguinte. Só teria de se justificar ao seu pai e este compreenderia. Ao alferes diria que tinha ido à procura da cabra, o Gonzaga tinha-a visto sair. Ela justificar-se-ia bem: como a noite chegou rapidamente teve medo de ser confundida com o inimigo e ficou a dormir junto a um tronco, do lado de fora da tabanca até chegar o dia.
Tola era ela se não fizesse isso e continuasse o caminho! Cogitava, enquanto prosseguia no trilho sem fim. Era o coração que a comandava.
O quebrar de uma folha atormenta-a de novo. Nova paragem na silenciosa e atemorizadora escuridão da noite em que nem as rãs se ouviam.
Eis que uma voz suavemente cantante se faz ouvir:
- Binta! Binta, sou eu!
O coração sobressalta-se. A voz veio não sabe de onde, mas é ele, o seu prometido, o Braima. Esconde-se, de si mesma, junto a um tronco, tenta serenar o coração e a mente que se baralham e lutam entre si e aguarda, perscrutando em todas as direções.
O caminho parecia não ter fim. Nem vivalma, e a noite já era profundamente negra. A lua deixara-se encobrir por uma longa nuvem. Parece que as estrelas adormeceram no céu e o cerrado arvoredo transformava o caminho, uma estrada há vários anos encerrada, num pesadelo. Mal vislumbrava a clareira por onde sabia que tinha de seguir para chegar ao miolo da mata, onde eles, os conquistadores, possivelmente se acoitavam. O medo começou a apossar-se dela, mas a mente dizia-lhe que o Braima andava próximo e ia salvá-la do aperto de coração que começava a sentir.
A Binta caminhou mais uns metros e susteve-se amedrontada. Pareceu-lhe ouvir um ruido. Manteve-se em silêncio e atenta a qualquer movimento à sua volta. Longos segundos de palpitações apressadas numa mente baralhada. Estaria a cometer uma loucura. Talvez não tenha sido o Braima, mas um espião, como já acontecera outras vezes... Mas não, este chamara-a pelo seu nome, bem perto do arame farpado. Ela vira-o naquela tarde! Era ele mesmo, mais homem, barbicha comprida... e o mesmo sorriso...
Talvez fosse melhor voltar para trás. Acoitar-se junto de um tronco perto da sua tabanca e aparecer no dia seguinte. Só teria de se justificar ao seu pai e este compreenderia. Ao alferes diria que tinha ido à procura da cabra, o Gonzaga tinha-a visto sair. Ela justificar-se-ia bem: como a noite chegou rapidamente teve medo de ser confundida com o inimigo e ficou a dormir junto a um tronco, do lado de fora da tabanca até chegar o dia.
Tola era ela se não fizesse isso e continuasse o caminho! Cogitava, enquanto prosseguia no trilho sem fim. Era o coração que a comandava.
O quebrar de uma folha atormenta-a de novo. Nova paragem na silenciosa e atemorizadora escuridão da noite em que nem as rãs se ouviam.
Eis que uma voz suavemente cantante se faz ouvir:
- Binta! Binta, sou eu!
O coração sobressalta-se. A voz veio não sabe de onde, mas é ele, o seu prometido, o Braima. Esconde-se, de si mesma, junto a um tronco, tenta serenar o coração e a mente que se baralham e lutam entre si e aguarda, perscrutando em todas as direções.
Ouve-o de novo chamar pelo seu nome. Agora bem perto. Se dúvidas tivera desapareceram. Era ele que estava ali e vinha buscá-la.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 19 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23443: Estórias do Zé Teixeira (54): Amores em tempo de guerra: II - Correspondência desviada (conclusão) (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)
Guiné 61/74 - P23466: Parabéns a você (2085): Luís Paulino, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2726 (Cacine, 1970/72)
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Nota do editor
Último poste da série de 19 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23444: Parabéns a você (2084): Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 e CART 2732 (Buba e Mansabá, 1970/72)
Nota do editor
Último poste da série de 19 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23444: Parabéns a você (2084): Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 e CART 2732 (Buba e Mansabá, 1970/72)
Guiné 61/74 - P23465: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXVIII: Em 1976, uma viagem pela velha Europa para esquecer a guerra e espairecer do PREC
Itália > Veneza > 1976 > De gôndola, com pose de turista
Países Baixos> Amesterdão > s/d > ... Numa outra viagem
Fotos (e legendas) © Joaquim Costa (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
vive em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado. Foi também professor do ensino secundário
(os últimos 20 anos em Gondomar).
de que temos estado a editar largos excertos, por cortesia sua (*):
“Memórias de Guerra de um Tigre Azul” (Rio Tinto, Lugar da Palavra, 2021, 179 pp)
Tem um pósfácio da autoria do nosso editor Luís Graça (**).
O livro pode ser pedido diretamente ao autor, através do email jscosta68@gmail.com .
O valor é de 10 € (livro + custas de envio), a transferir para o seu NIB que será enviado juntamente com o livro. Não esquecer de indicar o endereço postal.
Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXVIII: Em 1976, uma viagem pela velha Europa para esquecer a guerra e espairecer do PREC
O encontro improvável, em Veneza, de três “Morcões” do Norte
e de um "Alfacinha", especialista em Matacanhas
Nos primeiro anos depois da Guiné vivi sofregamente os dias, “engasgando-me” aqui e ali na ânsia de agarrar o mundo todo num só dia. Fui à procura de resgatar os três anos “roubados” da minha juventude, até hoje ainda não devolvidos.
No ano de 1976 , eu e mais dois companheiros, o Gil Marques, jovem empresário da indústria têxtil e o Miguel, professor de economia e contabilidade, decidimos, depois de mais uma noite de copos na tasca do “Pega”, hoje um restaurante com nome no “Evasões” e “Boa Cama Boa Mesa” (à nossa custa), decidimos aproveitar as férias (e espairecer um pouco da loucura do PREC ) numa viagem (de 30 dias) pela Europa, numa das nossas Dianes,
Num dia se decidiu e no outro abalamos (já tinha na minha posse o famoso “Salvo conduto” inexplicavelmente, já sem guerra e em democracia, ainda obrigatória para passar a fronteira) , com partida junto ao nosso café das tertúlias e “jogatanas” de bilhar diárias, o “Pica Pau” com todos os presentes e amigos desejando boa viagem, na Diane do Gil.
Lá consegui meter num pequeno saco umas peças de roupa, um mapa e uma tenda que nunca havia montado. Decidida a primeira paragem em Madrid, como pessoa mais sensata do grupo [???], lá fui pensando em programar minimamente o itinerário de toda a viagem até à capital espanhola.
Já em França, a caminho de Nice, com um amortecedor a queixar-se do peso, surgem na estrada muitos jovens a pedir boleia (muito comum na época em Portugal e em toda a Europa). Eis quando aparece uma jovem no meio do caminho, quase nos obrigando a parar, com o Miguel aos gritos, pára, pára ... mas o Gil não parou. Ficamos furiosos , mas ele, com a sua calma, de quem não foi à guerra e tem ainda toda a sua juventude pela frente (pois muitas mais lhe vão aparecer à frente), chama os dois “velhos” à razão:
− Não vamos passar o tempo nisto!
Dois dias já gastos (talvez ganhos ?) com as lindas catalãs (professoras primárias a trabalhar em Barcelona) desrespeitando o programa minuciosamente elaborado pelo Costa (apenas uma tarde em Madrid), e para além do mais o amortecedor não ia aguentar.
− Oh Gil ! Aguenta, aguenta!
Tanto insistimos que ele que deu a volta, passou novamente pelo local onde ainda se encontrava a miúda e lá paramos para dar boleia à donzela (que confirmava todos os atributos conhecidos do “mito urbano” sobre as Suecas!). Enquanto o Miguel abria gentilmente a porta, surge por detrás de um arbusto (estilo David Attenborough) um rapaz com dois metros de altura, com a miúda sorrindo dizendo:
− Não se importam de levar também o meu namorado? − empurrando-o para dentro do carro antes que dissessemos que não.
Durante a viagem o Gil, preocupado com o amortecedor, passou o tempo a chamar nomes ao gigante Sueco, utilizando todo o vocabulário vernáculo do norte que tinha mais à mão, enquanto o rapaz olhava para ele, divertido, sempre com um sorriso nos lábios.
Este incidente foi motivo de conversa até Veneza, onde montámos (tentamos montar ), pela primeira vez, a tenda num parque de campismo (até Veneza sempre dormimos ao relento apenas com o saco cama).
Começámos a montar a tenda mas não atinávamos com a quantidade de ferros. Já desesperados, diz o Gil:
− Não és tu engenheiro? Então trata tu disso, que eu vou tomar banho.
O Miguel aproveitou a deixa e fez o mesmo.
Ainda não refeitos da boleia dada ao gigante Sueco, durante o banho continuaram os insultos ao rapaz em
voz alta que se se ouviam em todo o parque. Até eu, que também não atinava com a tenda (ou faltava ferros ou faltava pano), estava a ficar incomodado com os palavrões (afinal sou professor, “carago”...).
Entretanto, sinto uma mão no meu ombro, viro-me, e vejo um homem lourinho, de olhos claros dizendo, em bom português: já uma pessoa não pode estar com a família sossegada no parque de campismo, sem estar sujeita a ouvir este chorrilho de palavrões.
Ainda não refeitos da boleia dada ao gigante Sueco, durante o banho continuaram os insultos ao rapaz em
voz alta que se se ouviam em todo o parque. Até eu, que também não atinava com a tenda (ou faltava ferros ou faltava pano), estava a ficar incomodado com os palavrões (afinal sou professor, “carago”...).
Entretanto, sinto uma mão no meu ombro, viro-me, e vejo um homem lourinho, de olhos claros dizendo, em bom português: já uma pessoa não pode estar com a família sossegada no parque de campismo, sem estar sujeita a ouvir este chorrilho de palavrões.
Este lourinho era o grande amigo Caetano (Furriel enfermeiro da companhia), o mesmo que me tirou uma matacanha do dedo grande do pé (com a sua faca do mato?) no Cumbijã (Guiné) de boas e más memórias.
Queria eu fugir das lembranças da guerra, mas nem aqui, no norte de Itália estava a salvo... nem do PREC pois que na altura o PCI (Partido Comunista Italiano) e a DC (Democracia Cristã) mediam forças taco a taco, com governos que não duravam 1 mês... E sempre carregados com um saco de notas, pois só para pagar uma fatia de melancia era um molhe de notas (vinte e cinco mil liras!)
Foram umas belíssimas férias: baratas, com muita adrenalina, poucos banhos e ... ???
Queria eu fugir das lembranças da guerra, mas nem aqui, no norte de Itália estava a salvo... nem do PREC pois que na altura o PCI (Partido Comunista Italiano) e a DC (Democracia Cristã) mediam forças taco a taco, com governos que não duravam 1 mês... E sempre carregados com um saco de notas, pois só para pagar uma fatia de melancia era um molhe de notas (vinte e cinco mil liras!)
Foram umas belíssimas férias: baratas, com muita adrenalina, poucos banhos e ... ???
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Notas do editor:
(*) 8 de junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23336: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXVII: O "meu" regresso à Guiné (3): Os Bijagós que muitos de nós nunca vimos - II (e última) Parte
(**) Vd. poste de 8 de maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23245: Agenda cultural (811): Tabanca dos Melros, Fânzeres, Gondomar, 11 de junho de 2022, sábado, 11h00: Luís Graça apresenta o livro do Joaquim Costa, "Memórias de Guerra de um Tigre Azul"
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