segunda-feira, 9 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24740: Notas de leitura (1623): "Os Desastres da Guerra, Portugal e as Revoltas em Angola (1961: Janeiro a Abril)", por Valentim Alexandre; Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2021 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Janeiro de 2022:

Queridos amigos,
Ensaio de referência, este "Os Desastres da Guerra", graças a uma metodologia altamente afinada, permitem ao leitor menos iniciado não só acompanhar o início da guerra colonial pelas revoltas de Angola, temos aqui um excelente enquadramento da alvorada dos nacionalismos africanos, no texto anterior falou-se igualmente da rebelião da Baixa do Cassange, aqui se registam os assaltos às prisões de Luanda e a insurreição de 15 de março, e o caos sangrento que acompanhou toda esta tragédia. Falta-nos ainda descrever, aproveitando este ensaio tão rigoroso quais as organizações dos colonos e dos nacionalistas, a atenção dirige-se depois para o Palácio do Vidro em Nova Iorque, onde se cresce de tom a crítica ao colonialismo português, teremos entre nós uma campanha anti-americana, o presidente Kennedy é favorável à independência das nossas colónias e o Estado Novo vai emergir para o confronto depois de a Abrilada, assim se abre o cenário para uma guerra total em Angola, Guiné e Moçambique. É uma leitura imperdível.

Um abraço do
Mário



O início da guerra em Angola, os três primeiros meses (2):
Uma surpreendente obra de referência sobre a génese da convulsão anticolonial


Mário Beja Santos

Os Desastres da Guerra, Portugal e as Revoltas em Angola (1961: Janeiro a Abril) por Valentim Alexandre, Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2021, marca o regresso de Valentim Alexandre à história colonial, de que possuí extenso e brilhante currículo, ainda há escassos anos nos ofereceu outra obra de referência, Contra o Vento – Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960), também publicado em Temas e Debates/Círculo de Leitores, que pode ser encarada como a primeira peça de algo que se afigura vir a ganhar corpo como a História da Guerra Colonial (1961-1975), empreendimento de grande dimensão, que até hoje nenhum investigador nem nenhuma equipa se acometeu, tal a grandeza da tarefa e o distanciamento que impõe.

Estamos agora em fevereiro de 1961, data dos assaltos às prisões de Luanda. O assalto deu-se de 3 para 4 de abril pela madrugada, os autóctones vinham armados de catanas, morreram cinco guardas brancos e houve feridos. As prisões visadas eram as seguintes: a Casa de Reclusão Militar, a Cadeia de São Paulo e a 4.ª Esquadra da Polícia de Segurança Pública. Segundo as informações oficiais internas, para além dos cinco guardas brancos mortos também um cipaio e um Cabo do Exército também tinham morrido. O objetivo da rebelião era limitado, o de libertar os numerosos presos então encarcerados nas cadeias de Luanda. Vivia-se um ambiente de extrema tensão social, os patriotas angolanos não escondiam o seu descontentamento com tão elevado número de prisões, o próprio diretor da PIDE em Angola enviara um ofício secreto ao Ministério do Ultramar a 10 de janeiro referindo o crescente número de presos acusados de crimes contra a segurança do Estado e dizia abertamente haver “estado latente de revolta generalizada”. Tal como na revolta da baixa de Cassange também por aqui andou feitiçaria e magia.

Realizaram-se os funerais dos agentes da ordem e ia iniciar-se um período de retaliações. Em documentação de caráter secreto da administração portuguesa fazia-se notar que não aparecera qualquer arma em mão dos indígenas, era de supor que não estavam armados. À saída do cemitério começou a perseguição de africanos e a sua morte, polícia e tropa irão conjuntamente com civis munidos de barras de ferro aos musseques de Luanda, haverá dezenas de mortos, uma centena de prisões e computava-se entre 700 a 800 os amotinadores detidos. O autor dá-nos a versão oficial expandida e concluí: “Não há, na documentação da época, nenhum indício credível de que os assaltos às prisões de Luanda, em fevereiro de 1961, tenham resultado de diretrizes emanadas do MPLA e da UPA – o que não significa que militantes de qualquer destas organizações não tenham neles participado, ajudando a dar corpo a um movimento espontâneo e multifacetado de revolta da população africana de Luanda”.

Passa-se agora para a insurreição de 15 de março. As autoridades militares procuravam fazer a reavaliação dos perigos que os ameaçavam, era suposto novos assaltos em Luanda, ao Paiol, a casas comerciais ou civis e num conjunto alargado de centros urbanos, greves, etc. Não se dava qualquer relevo ao Norte de Angola. Aliás, ainda se considerava que a situação estava tranquila em Moçambique e quanto à Guiné aludia-se a atividades dos elementos separatistas e escrevia-se mesmo: “A situação na Guiné é alarmante e esta Província pode ser o próximo objectivo dos nossos inimigos”, e a fonte não era despicienda, vinha do gabinete dos Negócios Políticos do Ministério do Ultramar.

A insurreição armada desencadeia-se da noite de 14 para 15 de março, logo se registou a morte de cerca de 70 europeus, muitos feridos brancos como negros, eram múltiplos os locais atacados, muitas plantações ficaram completamente destruídas e as ações terroristas de maior violência localizaram-se na região de Nambuangongo. Era insurreição e pânico. No dia 19 era possível confinar a sublevação a leste pela linha Maquela do Zombo-Carmona, Quitexe-Quieulungo e um limite a oeste definido pela linha São Salvador-Bembe-Nambuangongo e Quibaxe, mas havia ainda outros focos de tormenta.

O autor encontrou no Arquivo Salazar um documento que dá conta das características gerais do movimento: rapidez fulminante dos ataques, iniciados ao amanhecer, à hora do início dos trabalhos nas fazendas; a simultaneidade da ação em locais distanciados de centenas de quilómetros; violência e ferocidade dos processos usados; barbaridades cometidas contra brancos, mestiços e pretos; massas indígenas completamente fanatizadas; pânico das populações brancas; comportamento dos trabalhadores bailundos na resistência aos terroristas.

A operação foi conduzida pela UPA, os seus órgãos dirigentes acabaram por assumir a paternidade de 15 de março, que explode na imprensa mundial dois dias depois. Holden Roberto negou inicialmente a participação da UPA, mas tudo veio mais tarde a esclarecer-se quanto às responsabilidades deste partido, mesmo que ele venha a dizer que se tratava de um movimento espontâneo. Por detrás do cérebro de Holden Roberto estava um ideólogo, Franz Fanon que era favorável ao terror puro, considerava que era assim que o colonialismo se sentiria intimidado e disposto a negociar a independência dos povos.

Valentim Alexandre dá conta das raízes da revolta e de como o Estado Novo vai criar os seus mantras e a palavras de ordem, atacando o comunismo, a conspiração internacional, a civilização ocidental estaria em perigo se todas aquelas atrocidades não fossem contrariadas, procurava-se iludir a gravidade da situação, o trabalho forçado e a exploração indígena. O autor lembra que as extensões sociais nascidas do incremento da cultura do café no Norte de Angola não eram desconhecidas das autoridades coloniais portuguesas, havia relatórios confidenciais das missões de estudo efetuadas em 1956 e 1957, ali se explicava claramente as razões do profundo descontentamento, para já não falar em revoltas anteriores nos Dembos.

No relatório de um inspetor de trabalho também se dizia claramente que “O preto está à margem, e esquiva-se. Não saúda a autoridade que passa, fecha a porta da palhota à aproximação de carros”. Também não se pode abstrair da situação política do Congo Belga na sua marcha acelerada para a independência. Havia mais de 100 mil angolanos (bacongos, na sua esmagadora maioria) no Congo Belga. O governador do distrito do Congo, Hélio Felgas, insistirá que foram esses indivíduos vindos do Congo Belga que tinham revoltado os nossos indígenas. E instala-se um caos sangrento, como o autor escreve: “Os massacres praticados no Norte de Angola provocaram um número de vítimas até hoje não determinado com precisão. Do lado português, numa primeira fase, falou-se em 16 mortos (isto a 17 de março), depois em 164 (a 28 do mesmo mês) e em 267, para além de 72 desaparecidos, a 22 de abril, não sendo seguro se estão abrangidos apenas os europeus ou se se incluem também os africanos assassinados, bailundos na grande maioria”.

Aventam-se vários números, mas nada seguro. Aos milhares, os refugiados chegam a Luanda, e dá-se uma resposta militar, cujos números e atividades o autor vai descrever com bastante detalhe, incluindo informações sobre o equipamento português existente e o que iria ser comprado. Nota igualmente que num primeiro momento as chefias militares em Angola tiveram dificuldades em aperceber-se do que realmente se passava no terreno. Formaram-se milícias no Norte de Angola, os civis armados patrulhavam o terreno, há bastantes relatos sobre tudo quanto se vai passar, os colonos soldaram catanas em tubos de ferros galvanizados, houve mesmo metralhadoras ligeiras, armas de caça, tudo servia. E houve as prisões em massa, para além das ações repressivas da milícia, as autoridades tradicionais não escaparam, os colonos manifestamente hostis às coberturas de televisão, instalou-se uma grande tensão entre a administração e os colonos, dá-se conta de como funcionaram as milícias em Luanda, no Centro e no Sul de Angola, a PIDE está ativíssima, procede à prisão de sacerdotes negros e mestiços.

E os membros das missões protestantes viveram uma situação mais grave que os “assimilados” católicos. “Não há indícios seguros de que a campanha antiprotestante desencadeada na imprensa africana, com reflexos na da metrópole, fosse instigada pelo governo do território e pelo poder central. Mas o simples facto de a Censura a permitir é um sinal certo de que esse tema não desagradava as autoridades portuguesas. Essa campanha inseria-se, de forma mais ou menos consciente, no processo de criação de um bode expiatório para os acontecimentos de Angola – processo que, no campo ideológico, preenchia o vazio provocado pela falência das explicações oficiais dadas para a revolta, tendendo-se a atribui-la a uma simples ação conduzida do exterior, de inspiração comunista; em Angola, tornara-se por demais evidente que uma parte importante da população africana do Norte do território aderia a rebelião; e não se mostrava possível encontrar uma relação entre qualquer organização comunista e os acontecimentos. Negando-se a enfrentar a realidade – que punha em causa o poder colonial e os seus mecanismos, restava às autoridades e aos próprios colonos encontrar um bode expiatório a quem responsabilizar pela desordem que sacudia e abalava a sociedade angolana”.

Foi extremamente violenta a campanha antiprotestante, tudo se vai agravando no Norte, cresce o espectro do êxodo das populações brancas e chega agora o momento do autor se pronunciar sobre as movimentações políticas em Angola, desde os colonos aos nacionalistas, e depois vamos ver as repercussões que estas sublevações irão ter na política interna portuguesa.

(continua)


Guerrilheiros da UPA, na região do Dembos. Imagem da FNLA
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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24731: Notas de leitura (1622): "Os Desastres da Guerra, Portugal e as Revoltas em Angola (1961: Janeiro a Abril)", por Valentim Alexandre; Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2021 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24739: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXVI: Tocou tambor para Bubacar, em Porto Gole, Op Esmeralda Negra, 13-16 fev 1973



Guiné > Região do Oio > Mansoa > Porto Gole > Pel Caç Nat 52 (1966/68) >  Ao centro, é visível o cavalo-de frisa; à esqueda e à direita, os 4 edifícios do aquartelament esquerda o Posto Administrativo que estava desactivado e ao fundo a cozinha, messe e dormitório de graduados; â direita , a camarata dos soldados e ao fundo o edificio onde funcionava a enfermaria e o posto de rádio

Foto (e legenda)  © Henrique Matos (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Carta geral da antiga Província da Guiné Portuguesa (1961)  (Escala 1/500 mil) > Posições relativas de Mansoa, Porto Gole, Malafo, Changalana, Mantem e Sára (base do PAIGC a sudoeste do Morés)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


1. Continuação da publicação das memórias do Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), a partir do manuscrito, digitalizado, do seu livro "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada) (*).

O nosso  camarada e amigo Virgínio Briote, o editor literário ou "copydesk" desta obra,  facultou-nos uma cópia digital. O Amadu Djaló, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem cerca de nove dezenas de referências no nosso blogue.



Capa do livro do Amadu Bailo Djaló,
"Guineense, Comando, Português: I Volume:
Comandos Africanos, 1964 - 1974",
Lisboa, Associação de Comandos,
2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.



O autor, em Bafatá, sua terra natal,
por volta de meados de 1966.
(Foto reproduzida no livro, na pág. 149)


Síntese das partes anteriores:

(i) o autor, nascido em Bafatá, de pais oriundos da Guiné Conacri, começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;

(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas;

(iii) passou por Bedanda, 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), e depois Farim, 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), como sold cond auto;

(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;

(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;

(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);

(vii) depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido, por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal, para o BCAV 757;

(viii) ficou em Bafatá até final de 1969, altura em que foi selecionado para integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló (Cacine, Catió, 1929 - Tite, 1971)

(ix) depois da formação da companhia (que terminou em meados de 1970), o Amadu Djaló, com 30 anos, integra uma das unidades de elite do CTIG; a 1ª CCmds Africanos, em julho, vai para a região de Gabu, Bajocunda e Pirada, fazendo incursões no Senegal e em setembro anda por Paunca: aqui ouve as previsões agoirentas de um adivinho;

(x) em finais de outubro de 1970, começam os preparativos da invasão anfíbia de Conacri (Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970), na qual ele participaçou, com toda 1ª CCmds, sob o comando do cap graduado comando João Bacar Jaló (pp. 168-183);

(xi) a narrativa é retomada depois do regresso de Conacri, por pouco tempo, a Fá Mandinga, em dezembro de 1970; a companhia é destacada para Cacine [3 pelotões para reforço temporário das guarnições de Gandembel e Guileje, entre dez 1970 e jan 1971]; Amadu Djaló estava de licença de casamento (15 dias), para logo a seguir ser ferido em Jababá Biafada, sector de Tite, em fevereiro de 1971;

(xii) supersticioso, ouve a "profecia" de um velho adivinho que tem "um recado de Deus (...) para dar ao capitão João Bacar Jaló"; este sonha com a sua própria morte, que vai ocorrer no sector de Tite, perto da tabanca de Jufá, em 16 de abril de 1971 (versão contada ao autor pelo soldado 'comando' Abdulai Djaló Cula, texto em itálico no livro, pp.192-195) ,

(xiii) é entretanto transferido para a 2ª CCmds Africanos, agora em formação; 1ª fase de instrução, em Fá Mandinga , sector L1, de 24 de abril a fins de julho de 1971.

(xiv) o final da instrução realizou.se no subsector do Xitole, regulado do Corunal, cim uma incursão ao mítico Galo Corubal.

(xv) com a 2ª CCmds, comandada por Zacarias Saiegh, participa, em outubro e novembro de 1971, participa em duas acções, uma na zona de Bissum Naga e outra na área de Farim;

(xvi) em novembro de 1971, participa na ocupação da península de Gampará (Op  Satélite Dourado, de 11 a 15, e Pérola Amarela, de 24 a 28);

(xvii) 21-24 dezembro de 1971: Op Safira Solitária: "ronco" e "desastre" no coração do Morés, com as 1ª e 2ª CCmds Africanos  (8 morts e 15 feridos graves);

(xviii) Morés, sempre o Morés... 7 de fevereiro de 1972, Op Juventude III;

(xix) o jogo do rato e do gato: de Caboiana a Madina do Boé, por volta de abril de 1972;

(xx)  tem um estranho sonho em Gandembel, onde está emboscado très dias: mais do que um sonho, um pesadelo: é "apanhado por balantas do PAIGC";

(xxi) saída para o subsetor de Mansoa, onde o alf cmd graduado Bubacar Jaló, da 2ª CCmds Africanos, é mortalmente ferido em 16/2/1973 (Op Esmeralda Negra).


 Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXVI:

Tocou tambor para Bubacar, em Porto Gole (pp. 236-239)

Antes de sairmos, fizemos uma pequena reunião em Brá como era costume. Nesta reunião foram-nos comunicados os novos códigos para contacto rádio. Para as evacuações, “marabuta tocou tambor” significava que tinha morrido um oficial nosso. Se fosse um dos nossos sargentos seria “marabuta tocou guitarra” e “marabuta tocou viola” se se tratasse de uma praça.

Já no fim da reunião, com o pessoal a levantar-se, um dos supervisores perguntou ao alferes Bubacar Jaló, da 2ª Companhia, se estava tudo compreendido. Que sim, que não tinha dúvidas. Então, como é, perguntou-lhe o supervisor.

−  Marabuta tocou tambor − respondeu Bubacar.

−  E isso o que quer dizer, Bubacar?

− Que morreu um oficial!

Uma gargalhada terminou a reunião e preparámo-nos para arrancar.

A saída[1] era para Porto Gole, a  sudeste de Mansoa,  e eu ia no grupo do alferes Tomás Camará. O comandante da 2ª Companhia, o tenente Adriano Sisseco foi lançado com o grupo do alferes Bubacar Djaló.

Deslocámo-nos em viaturas até Porto Gole, onde havia população, milícias e um destacamento militar[2]. Depois do almoço, os helis apanharam-nos na pista e largaram-nos entre Malafo e a mata que vai até Mantém.

O nosso grupo, cerca de vinte e poucos homens, dirigiu-se para leste até à linha de água, que separava as matas de Malafo e de Mantem. A intenção era reunirmos ao grupo do Sisseco e do Bubacar, para depois montarmos uma emboscada no vale de Mantem. Logo que fomos lançados junto à mata de Malafo, afastámo-nos depressa do local e caminhámos cerca de uma hora, com a ideia de comermos qualquer coisa, porque não íamos comer na emboscada.

Começámos a ouvir barulhos e fumo. A mata estava a arder, tinham lançado fogo a toda a volta e não havia meio de voltar para trás. O fogo, puxado por algum vento, aproximava-se de nós e já não estávamos longe do local onde íamos montar a emboscada.

Estávamos a sair da zona do incêndio quando fomos surpreendidos com tiros e rebentamentos de morteiros e roquetes, que não nos eram dirigidos, mas estavam a cair bem à nossa frente, muito perto de nós, tão perto que cheirávamos a pólvora.

Era o grupo de Bubacar, onde ia o Sisseco, que estava a ser atacado. Tentámos o contacto rádio com o grupo, não responderam, mas ouvimo-lo pedir uma evacuação para um ferido[3]. 

Soubemos depois que o alferes Bubacar Djaló tinha sido atingido com um tiro na cabeça. Depois da evacuação, avançámos para o local donde tinha sido feito fogo e que era o nosso objectivo. Não encontrámos lá ninguém.

O sol estava a pôr-se, tínhamos sido detectados, e abandonámos a zona, em marcha forçada, para procurarmos um local para passarmos a noite. Estávamos dentro da mata, do lado oposto à linha de água, que estava seca. Aqui, o pessoal do PAIGC não ia contar com a nossa presença, pensámos nós. Era terra de ninguém, o local onde se tinha travado o combate.

Depois do confronto, nessa tarde, com o grupo do Bubacar, a guerrilha colocou os canhões a pouco mais de 100 metros do local onde o meu grupo passou a noite. Bateu a zona durante toda a noite. Mas o grupo, agora sob o comando do Sisseco, mudou três vezes de local durante a noite.

O nosso grupo estava próximo deles e combinámos que, ao acordar do dia nos íamos deslocar para onde o PAIGC tinha colocado os canhões. Quando nos estávamos a movimentar para esse objectivo, vimos um pequeno grupo da guerrilha e entrámos em confronto directo. Foi mais de meia hora seguida, a trocar tiros e roquetes. Tivemos um ferido, o soldado Assimo Djaló, que foi atingido numa perna com alguma gravidade[4].

A 3.ª Companhia, comandada pelo tenente Djalibá Gomes, que estava também a operar na zona, paralelamente a nós, tinha sofrido no dia anterior também dois feridos muito graves[5]. Um dos soldados mortos era de Bafatá, chamava-se Tcherno Baldé. O corpo foi de barco para Bafatá e eu, de avião, de Bissau para a minha cidade, para participar no funeral.

(Continua)
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Notas do autor e do editor literário, VB:

[1] Nota do editor: operação “Esmeralda Negra”,  na região de Changalana-Sará,  entre 13/16 fevereiro 1973 

[2] Nota do editor: do BCaç 4612.

[3] Nota do editor: Foxtrot Delta (ferido deitado). Evacuado para Bissau, morreu no HM 241 em 16 fevereiro de1973.

[4] Nota do editor: Assimo Djaló, DFA, residente em Lisboa.

[5] Nota do editor: evacuados para o HM241 onde morreram nesse mesmo dia: Cherno Baldé, natural de Bafatá e o soldado da 3ª CCmds, Domingos Quiassé Antunes, natural de Bissau.

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]

Guiné 61/74 - P24738: Manuscrito(s) (Luís Graça) (236): Da minha varanda virada para poente...








Lourinhã, 5, 8 e 9 de outubro de 2023 > Da minha varanda, virada para poente... Paul Cézanne não passou por aqui, nem o Amadeo Sousa Cardoso.  Nem sequer o Almada Negreiros. Muito menos 
o Giorgio de Chirico.

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2023). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] (Imagens HDR - High Dynamic Range, tiradas sem tripé)


Da minha varanda virada para poente...


Da minha varanda, virada para poente,
não vejo o mar,
mas vejo o sol a pôr-se sobre o mar,
a dois quilómetros em linha reta,
na praia do Porto das Barcas, ou da Peralta, 
para lá da Atalaia ou do Montoito.

Em boa verdade a 149,6 milhões de quilómetros de distància.
Há 150 milhões de anos os dinossauros iam a pé a Nova Iorque.
Há três séculos corsários e piratas infestavam a costa.

Mas que importa a insignificância da minha posição  no universo
e a impossilidade de percorrer, 
por muitos anos que eu vivesse,
a distância que me separa do astro-rei
a que me liga o cordão umbilical da vida.

Da minha varanda vejo uma nesga do mundo,
as casas ou os telhados das casas dos meus vizinhos,
fulano, sicrano e beltrano,uns novos, outros antigos,
a maior parte dos quais eu já não conheço,
ou não conheço de todo.

Lembro-me sobretudo dos que já morreram,
e que no seu tempo foram poderosos e temidos, uns,
estimados e amados, outros.
Hoje resta o seu nome nas placas toponímicas, ou nem isso.
Ou uma vaga memória nas suas casas, outrora solarengas, em ruinas.

Da minha varanda, em L,
na parte virada para o norte e o nascente, 
digo bom  dia ao sol que renasce, 
muito para lá da serra de Montejunto,
e que me dá força
para percorrer os trinta passos da minha ginástica matinal.
O bom dia é a mais universal e amiga saudação 
que se pode desejar aos vizinhos e aos estrangeiros.
 
Mais do que vizinho, 
mesmo a 149,6 milhões de quilómetros de distància,
o sol é meu amigo, companheiro e camarada.

Luís Graça

Lourinhã, edifício Canoa, 9 de outubro de 2023. 

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2023). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] (Imagens HDR - High Dynamic Range, tiradas sem tripé)
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P24737: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (7): O Pão que Deus Amassou (Joaquim Costa, Vila Nova de Famalicão)

Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Candoz > Quinta de Candoz > 2012 > O forno a lenha onde se faz(ia) o milagre do pão... Agora só se acende para fazer "o anho assado com arroz de forno" em dias de festa,,, 

Foto (e legenda): © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



A família Costa (Foto nº 1A)


A família Costa (Foto nº 1B)

Vila Nova de Famalicão  > c. meados dos anos de 1950 > A família Costa: foto nº 1A, da esquerda para a direita na fila de trás: José (pai) e Gracinda (Mãe), e a irmã Maria;  na fila da frente o João (o Don Juan da família),  a Noémia e o Joaquim, o mais novo.

 Na foto nº 1B, da esquerda para a direita, os irmãos Avelino, Manuel (que esteve na Guiné) e Eduardo (o columbófilo) 

Foto (e legenda): © Joaquim Costa (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Joaquim Costa:

(i) ex-fur mil at Armas Pesadas Inf, CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74);

(ii) membro da Tabanca Grande desde 30/1/2021, tem cerca de 7 dezenas de referências no blogue;

(iii) autor da série "Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74)" (de que se publicaram 28 postes, desde 3/2/2021 a 28/7/2022), e que depois publicou em livro ("Memórias de um Tigre Azul - O Furriel Pequenina", por Joaquim Costa; Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp);

(iv) tirou o curso de engenheiro técnico, no ISEP - Instituto Superior de Engenharia do Porto;

(v) foi professor do ensino secundário;

(vi) minhoto, de Vila Nova de Fmalicão, vive em Fânzeres, Gondomar.


Data - segunda, 2/10/2023, 11:38 

Assunto - O Pão que Deus Amassou.

Olám  Luís,

Espero que tudo esteja bem contigo.

As histórias da nossa meninice estão a despertar a curiosidade dos nossos “tabanqueiros”! (*)

Deixo ao teu critério a oportunidade e interesse na publicação de mais este minha vivência no verde Minho.

Um abraço, Joaquim



O PÃO QUE DEUS AMASSOU

por Joaquim Costa

“É o Senhor que faz crescer o pasto para o gado,
e as plantas que o homem cultiva,
para da terra tirar o alimento: o vinho, que alegra o coração do homem;
o azeite, que lhe faz brilhar o rosto,
e o pão, que sustenta o seu vigor.”

Salmos 104:14-15


A Sexta Feira era o dia mais esperado. Dia de cozer uma fornada de pão para oito dias. Para além de ser o único dia da semana em que se comia pão fresco, era o dia em que eu começava a salivar logo pela manhãzinha pois não via chegar o momento de saborear a minha pequena malga de sopas de vinho tinto (sopas de cavalo cansado).

Ao contrária dos nosso netos, que julgam que tudo o que aparece nas superfícies comerciais é feito nas fábricas, no meu tempo, quando comia um “naco” de pão de milho sabia, melhor do que ninguém, como se chegou e este momento tão extraordinário de saborear esta dádiva da natureza.

A casa era rodeada por campos onde se cultivava, alternadamente, milho e centeio. Eu, da janela do meu quarto,  acompanhava todo o ciclo, rendido à força e sabedoria do homem e aos milagres da natureza:

  • era acordado pela alva com o som da charrua puxada por uma junta de bois lavrando a terra;
  • acompanhava extasiado a sementeira manual com gestos precisos e elegantes;
  • abria a janela todos os dias pela manhãzinha para ver o que a natureza tinha feito, durante a noite, à sementeira (às vezes, de madrugada, sorrateiramente abria a janela tentando surpreender a natureza vendo a semente romper a terra; como nunca vi ainda hoje penso que é um milagre);
  • assistia à rega do milho abrindo e tapando carreiros, com a ajuda de uma enxada, onde passava um pequeno regato de água (contam-se histórias de morte, neste Minho de gente calma e serena, por causa desta água quando retida por vizinhos);
  • caminhava por entre o milho, cortando uma espiga, ainda verde, para assar na lareira da cozinha;
  • fumava (às escondidas) os primeiros “cigarros” com as barbas de milho já secas enroladas em papel;
  • participava na apanha do milho, fazendo o trajeto para a eira em cima dos carros de bois com uma alegria espelhada no rosto que hoje até dói só de pensar;
  • participava nas magníficas, e tão esperadas, desfolhadas, com muitas cantorias acompanhadas pelas tradicionais concertinas e gaitas de beiços (a que chamávamos harmónica), com muito vinho e presunto; i clímax destes momentos era quando alguém desfolhava um milho-rei, com os rapazes em êxtase dando beijos às cachopas solteiras;
  • assistia à malha do milho com gestos precisos, coordenados e elegantes dos malhadores;
  • acompanhava o moleiro carregando os sacos de milho do lavrador até ao moinho de água, construído num ribeiro afluente do Ave e acompanhava-o no regresso já com a cara e a roupa toda enfarinhada;
  • ajudava a levar o moleiro em braços até à sua carroça, puxada por um elegante e inteligente cavalo, depois de adormecer, na taberna, bem bebido, e dar uma pancada certa no cavalo que o levava direitinho até casa, escolhendo o melhor caminho para não acordar o patrão.

Ainda hoje me comove ao ver na casa que foi dos meus pais, uma réplica de um jugo, feito por mim na aula de trabalhos manuais, que sempre me transporta para esses dias de grande felicidade. Como eram lindos os jugos, particularmente os utilizados nos dias de festa ou de feira.

Depois de todas estas tarefas do homem e do milagre da natureza, tudo ficava nas mãos da minha mãe:

  • amassar a farinha numa masseira de madeira, fazendo uma reza e benzendo várias vezes a massa já devidamente posta em sossego, depois de uma valente coça;
  • aquecer o forno com caruma (pruma) e carqueja apanhada nas bouças vizinhas (altura em que as matas estavam sempre limpas);
  • meter toda a fornada no forno já quente e limpo, utilizando uma gamela de madeira para dar forma à broa;
  • fechar o forno, tapar todas as frinchas com um material, que me escuso de desvendar evitando ferir a sensibilidade de leitores mais suscetíveis (sim!, é a bosta, com a sua licença, dos bois!), e mais uma reza e umas benzeduras.

Depois, o milagre acontece... com o pão, que “Deus” amassou... na malga embebido em vinho tinto: partia-se com a mão a broa quentinha e estaladiça, acabada de sair do forno, para uma malga onde se embebia em vinho verde tinto, ficava em sossego durante umas
horas e ao fim da tarde era um regalo ver todos os meus irmãos a “lambuzarem-se” com tão extraordinária iguaria.

Eu não ficava de fora e tinha direito a uma pequena tigela, onde deitava um pouco de açúcar. Não estava autorizado a beber vinho mas estava autorizado, uma vez por semana, a comê-lo (gostava mesmo daquilo).

Crentes e não crentes, acreditem: Todas as sextas feiras havia “milagre”.

“Amen"

Joaquim Costa


Lourinhã > Ribamar > Valmitão > 18 de Julho de 2009 > Dia de acender o forno a lenha, amassar a farinha, enfornar e cozer o pão de trigo... o delicioso pão de trigo da nossa infância. Ainda hoje há famílias que cozem o seu próprio pão, na região do oeste estremenho, como esta, a família do Ramiro Caruço e a Rosa, meus primos da grande família Maçarico, da vila de Ribamar... Voz off de Luís Graça, Alice Carneiro, Ramiro Carruço e uma neta do casal. A Rosa e eu temos antepassados comuns, conhecidos desde pelo menos meados do séc. XVIII. 

Vídeo (2' 51''): © Luís Graça (2009). Todos os direitos reservados 

Fonte: Blogue A Nossa Quinta de Candoz > 19 de julho de  2009 > Gente do sul (1): Cozendo o pão de trigo no forno a lenha 

Vd. também do autor o poste de 27 der setembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24704: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (1): A Feira (Joaquim Costa, Vila Nova de Famalicão)

Guiné 61/74 - P24736: Parabéns a você (2213): Manuel Barros de Castro, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 414 (Guiné e Cabo Verde, 1963/65)

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Nota do editor

Último poste da série de 3 de outubro de 2023 > Guiné 61/74 - P24721: Parabéns a você (2212): Hélder Valério de Sousa, ex-Fur Mil TRMS do STM (Piche e Bissau, 1970/72)

domingo, 8 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24735: Armamento do PAIGC (5): O sistema Grad, o "jacto do povo", a "mulher grande", o foguetão 122 mm: as expetativas, demasiado altas, de Amílcar Cabral

Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Pirada > 3ª CCAV / BCAV 8323 (1973/74) > O 1º Cabo Joaquim Vicente Silva, em 26 de Abril de 1974, com os restos das lembranças do ataque do dia anterior. (Neste caso, parte de um foguetão 122 mm). Nascido 1951, o nosso camarada, membro da nossa Tabanca Grande, faleceu em 2011. Era natural de Mafra.

Foto: © Joaquim Vicente Silva (2009). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


O foguete 122 mm, o Grad
(na terminologia do PAIGC
ou "jato do povo").
Foto: Nuno Rubim (2007)









Fonte: Casa Comum | Instituição: Fundação Mário Soares | Pasta: 04602.060 | Título: Sobre a utilização do sistema GRAD | Assunto: Directivas de Amílcar Cabral, Secretário Geral do PAIGC, sobre a utilização do sistema GRAD (sistema de lançamento múltiplo de foguetes). Formação e intruções para os grupos Grad. Comando dos grupos Grad: Manuel dos Santos (Manecas), Paulo Correia Landim ou António Barbosa, Alfa Djaló, Amâncio Lopes, Agnelo Dantas, Samba Candé, José Marques Vieira, Pene Djassi, Júlio de Carvalho, Eduardo Santos, Olívio Pires, Mamadu Lamine. | Data: Setembro de 1970 | Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral - Iva Cabral

Citação:
(1970), "Sobre a utilização do sistema GRAD", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral - Iva Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40434
 (2023-10-7)

(Seleção / fixação de texto / sublinhados a vermelho, para efeitos de edição deste poste: LG... CVom a devida vénia...)
 


O famoso "Jacto do Povo" (na gíria do PAIGC, também conhyecido como "mukhger garnde") (*), o foguetão (ou foguete, mais propriamente dito)  de 122 mm, que terá sido utilizado pela primeira vez em 24 de outubro de 1969 contra Bedanda e só depois em 3 de novembro de 1969, numa flagelação contra Bolama, segundo o nosso especialista em artilharia , o  cor art ref Nuno Rubim. (A seguir, Cacine, 4/11/69) e depois Cufar (24/11/69).

Felizmente para nós, era um arma pouco precisa e fiável (embora metesse "respeitinho" o seu silvo,  a sua detonação e a sua fragmentação). Por outro lado,   a Guiné, tirando Bissau, a BA 12 em Bissalanca, Bafatá ou Nova Lamego não tinha grandes alvos, civis ou miitares, apropriados... (excluindo os grandes reordenamentos). 

Afinal, a História com H grande, também se faz com a pequena história... Mais mortífero foi o morteiro pesado soviético, de 120 mm: de ter feito  mais vítimas entre as NT e a p0opulação civil do que o pomposo "jacto do povo"...



 
1.  Na nossa gíria eram os foguetóes 122 mm. (Temos 3 dezenas de referências com este descritor.) (**)

Tinham um alcance máximo de 16 mil metros (a versão usada no TO da Guine). Esta nova arma era já referenciada como fazendo parte do arsenal do IN em finais de 1969. (CECA, 2015, p. 297). Era uma arma para a qual os nossos aquartelamentos, construídos em alvenaria, não tinham abrigos seguros.  O PAIGC já usava também o mortífero morteiro pesado soviético, de 120 mm. Poucos quartéis tinham abrigos de betão armado (caso de Gandembel, construído a partir de abril de 1968 e abandonado menos de nove meses depois, em janeiro de 1969, por ordem de Spínola; ou Guileje, abandonado em 22 de maio de 1973).

Vejamos um excerto do 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro II; 1.ª Edição; Lisboa (2015), da CECA:

(...) Capítulo IV - Ano de 1970

Inimigo

(...) Organização e dispositivo militar

Organização

Em Maio, o Conselho de Guerra decidiu alterar o dispositivo militar e as chefias superiores das FARP.

Os Comandos de Frente foram anulados e substituídos pelos Comandos de Inter-Região. Os bigrupos foram reforçados e passaram a ter um efectivo permanente de 50 a 60 combatentes.

Foram criadas unidades de foguetões de 122 milímetros e distribuídas em número de 2 a 3 por cada inter-região. Neste ano apareceram também as peças antiaéreas de 37mm.

Relativamente a efectivos globais, estima-se que o inimigo poderia dispor de 4 corpos de exército no final do ano, cada um constituído por unidades de infantaria, artilharia e foguetões.

A constituição orgânica destes corpos de exército previa um comando e órgãos permanentes de efectivo reduzido (onde existia um grupo de comando, um grupo de reconhecimento e um serviço de abastecimentos) sendo-lhe atribuídas as unidades necessárias ao desempenho de qualquer missão, em
qualquer lugar, conforme o objectivo a atingir, sendo normal a sua actuação com 3 bigrupos, 2 grupos de artilharia ou canhões sem recuo e 1 grupo de foguetões a 2 rampas. (CECA, 2015, p. 435)

Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro II; 1.ª Edição; Lisboa (2015), (Com a devida vénia...)

A avaliar pelo documento do PAIGC que acima se reproduz, o Amílcar Cabral depositava muitas esperanças (talvez demasiado altas) nesta arma, que de facto foi utilizada, sem grande eficácia, contra alguns alvos militares e civis (Bissau, Bissalanca, Bafatá, Bolama, Catió, Nova Lamego,  povoações fronteiriças, etc.).

Por outro lado, o peso total do  foguete (mais de 50/60 e tal quilos), a par do sistema de lançamento, tubo,  etc., além do seu comprimento, também  levantavá problemas logísticos,  embora o PAIGC tivesse muitos '"burros de carga"  (nunca ninguém ousou falar aqui de "trabalho forçado" nas "áreas libertadas" de que vítimas os elementos civis, usados nas "colunas logísticas"...).  Já não falando  do "preço" ... destes brinquedos de morte!... (O Amílcar Cabral nunca levanta esta questão, incómoda, mesmo sabendo que um dia teria que pagar a "fatura da libertação": homem inteligente, mas cínico, sabia que a "solidariedade internacionalista" também tinha um preço...)

A utilização correta da arma implicava competências em matéria de literacia e numeracia que faltavam à generalidade dos guerrilheiros do PAIGC, a par das cartas (militares), do reconmhecimento do terreno, etc.... Daí vários dos comandantes serem cabo-verdianos, com mais habilitações literárias e formação específica  no estrangeiro (Rússia, Cuba...), caso do Manecas dos Santos, Agnelo Dantas, Amâncio Lopes, Júlio de Caravalho e Olívio Pires (contei, pelo menos , cinco cabo-verdianos, no documento supra, pág. 3),  O mesmo se irá passar com os Strela (comandados pelo Manecas dos Santos).

Felizmente que também os homens que operavam o "sistema Grad" eram mais artilheiros... (Veja-se aqui o poste P9352, de 14 de janeiro de 2012:  Excertos do Diário do António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (4): Os foguetões 122 mm que vi, ouvi e contei ao longo de quase dois anos...

O Amílcar Cabral teve a lucidez de reconhecer que quem ganha (va) as guerras, são  (eram) os homens e não as armas. Hoje diriamos: o segredo da vitória está no "mix" hardware, software e humanware.... (material,  conhecimento,  pessoal)... Mas a "sorte das armas" depende também de outros factores, a começar pelos aliados, a diplomacia, a geopolítica, o contexto histórico e geográfico, etc, que são factores "exógenos".
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Notas do editor:

(*) Último poste da série de 10 de maio de 2023 > Guiné 61/71 - P24305: Armamento do PAIGC (4): Morteiro pesado 120 mm M1943, de origem russa, usado nos ataques e flagelações a aquartelamentos das zonas fronteiriças, como Gandembel, Guileje, Gadamael, Guidaje, Copá ou Canquelifá

Vd. postes anteriores: 

19 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24234: Armamento do PAIGC (3): peça de artilharia 130 mm M-46, cedida pelo Sekou Turé para os ataques, a partir do território da Guiné-Conacri, contra Guileje e Gadamael, em maio/junho de 1973

8 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24208: Armamento do PAIGC (1): As polémicas viaturas blindadas BRDM-2 que teriam sido utilizadas contra Copá (7/1/1974) e Bedanda (31/3/1974)

13 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24220: Armamento do PAIGC (2): Ainda as viaturas blindadas BRDM-2: em finais de 1973/princípios de 1974, o PAIGC teria apenas 2 viaturas blindadas...


Em comentário o  nosso especialista em armamento, o Luís Dias,  acrescentou:

(...) O nome GRAD dado ao míssil soviético 122mm, embora incompleto, é correcto. De facto, e como referi no meu post, os russos aperfeiçoaram um foguetão / foguete (também lhe chamei assim), a partir de 1963, ao qual denominaram BM-21 GRAD e a partir de 1964, foram produzidos diversos tipos desta série e também um míssil portátil - o Foguete 9P132/BM-21-P, no calibre 122mm (mais curto que o modelo standard, embora também pudesse ser usado por um multi-tubo, a ser lançado por um único tubo – o lançador 9M28/DKZ-B e que é também um GRAD.(...)

sábado, 7 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24734: Os nossos seres, saberes e lazeres (594): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (123): Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (14) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Julho de 2023:

Queridos amigos,
O homem põe, a companhia aérea dispõe. Tudo levava a crer que já passaria a manhã em Zaventem, com chegada a Lisboa ao princípio da tarde. Olhe que não, quem decide do horário é a companhia aérea, a informação chegou ao fim da noite anterior, descobri de repente que tinha mais meio-dia de férias, nem pensar em meter-me num museu, enquanto esperava o Zé Pestana ocorreu-me refazer um percurso daqueles que desenhei para preparar o meu romance Rua do Eclipse. Tudo nos conformes, amanhecia e já estava no Grand Sablon, é a meio da manhã que me dá um impulso para entrar num centro de estudo do Partido Socialista local, muito bem recebido, trouxe material para refletir e estou convidado para quando voltar ir visitar um acervo gráfico, uma coleção de cartazes do partido político como talvez não haja outra. Aqui se põe termo a um período de férias enternecedor, e fica uma imensa vontade de regressar, já que só os viajantes é que acabam, a viagem, de tão sublime, inaudita, imprevista, é sempre uma fonte de descobertas. À tantôt!

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (123):
Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas - À tantôt! (14)

Mário Beja Santos

Pus o despertador para as seis da manhã, há que cronometrar o uso do tempo, voltarei a Watermael-Boitsfort o mais tardar às 15 horas, pegaremos na bagagem, faz-se uma viagem de táxi até Zaventem, houve uma última alteração, partiremos um pouco mais cedo. Pelas 8 horas já estou no cenário do adeus, adormeci a esboçar o miniprograma de este inesperado acrescido meio-dia de férias. Está uma manhã fresca no Grand Sablon, quem te vê e quem te viu, num dos meus guias de viagem assentas em terrenos pantanosos e de areeiro, mesmo junto à primeira cintura urbana do século XIII. Já vi bilhetes postais com toda esta região envolvida por casario, em 1948 deu-se a demolição, ninguém se atreveu em tocar em Notre-Dame du Sablon, ainda hoje tratada como um quase santuário. Tem feira de antiguidades e traquitana uma vez por semana, a praça tem lojas chiquérrimas, de chocolates a livraria, de restaurantes a galerias de arte, passo por aqui com uma certa regularidade quando vou aos concertos gratuitos na igreja dos Minimes, ou venho da Feira da Ladra em direção ao Museu de Belas-Artes. Contemplada ao amanhecer, muito branca, preparando-se para negócios azafamados, levanto-me do banco onde a estive a contemplar, passo junto da igreja e detenho-me no Petit Sablon.
O Petit Sablon tem como ícone o jardim de Egmont e Hornes, dois mártires ao tempo das insurreições contra a presença dos Áustrias, este jardim público foi edificado entre 1879 e 1890, ao estilo Renascença flamenga, face a esta praça temos ruas com edifícios dos séculos XVII e XIX, é uma área de tráfego intenso, o eixo principal é a Rue de la Régence.
Pormenor do Petit Sablon

Percorri rua a rua toda esta região na altura em que escrevinhava Rua do Eclipse, descia muitas vezes da rue de la Régence atá o boulevard d’Empereur, restam poucos vestígios do passado, é o caso da torre Anneessens, está agora em obras, entro na rue de Rollebeek, agora a pedonal, com fachadas neoclássicas, há mesmo um albergue do século XVII “L’Estrille du Vieux Bruxelles”. Despeço-me, inverto a marcha e regresso ao boulevard de la Régence, mal sabia que ia buscar lenha para me queimar. Ao longo destas décadas, não resisto, sempre que há disponibilidade, e fruto do acaso, de bater à porta de sindicatos ou de partidos políticos, perante anos fui o representante dos consumidores designado pela Confederação Europeia dos Sindicatos, era natural que me interessasse em obter opiniões sobre medicamentos genéricos, amianto, tabaco, e algo mais. É no boulevard de la Régence que vejo a indicação do Partido Socialista e de uma instituição designada por Instituto Émile Vandervelde, centro de estudos da formação política, consagrado á análise prospetiva das questões que se põem hoje na sociedade. Dei comigo a pensar que valia a pena recolher como termo de comparação a atividade destes senhores (são governo na Bruxelas-Capital) com os desafios postos pela pandemia, para ver se houve grandes diferenças com o homólogo português. Bato à porta, digno na receção ao que venho, se posso conversar com alguém, com certeza que vai ser atendido, respondem-me, tenho direito a café e copo de água, apresenta-se um senhor que é bibliotecário e arquivista, sou conduzido a um espaço, aí atemorizei-me, vi milhares de livros e muitos metros de dossiês, relembrei a quem ali me conduz que vim exclusivamente com a intenção de uma conversa informal, qual quê, vou ter direito a conversar com a conselheira Anna-Maria Livolsi, digo ao que venho, sim tenho muito gosto em conversar consigo, atemorizo-me de novo, a bibliotecária vai trazendo documentos atrás de documentos. E começa a exposição conduzida pela dona da casa.
Um dos restaurantes mais típicos de Bruxelas na Rue de Rollebeek
O senhor que me atendeu no Instituto Émile Vandervelde, Joffrey Liénart, bibliotecário e arquivista
Émile Vandervelde

A exposição decorre em tom ameno, como se fez a deteção quanto ao modo quanto a crise sanitária amplificou a desigualdades, como revelou as fragilidades do trabalho, foi tempo em que se perdeu a segurança nas categorias socioprofissionais. Uma crise que gerou uma tomada de consciência coletiva do valor social do trabalho e dos profissionais que o exercem. Salientou a admiração pelos profissionais de saúde, designadamente nos tempos agudos de 2020 e 2021, mas também pelas profissões invisíveis do pessoal hospitalar foi de uma dedicação extraordinária. A própria lógica da globalização ia conhecer fendas, houve mostras de solidariedade e o paradigma digital revelou-se uma das armas mais espantosas para pôr os seres humanos em comunicação. Desenvolveu-se o trabalho do cuidado. Em termos ideológicos surgiu uma nova abordagem sobre o que se entende sobre consciência de classe e consciência social.
Eu só quero chamar à atenção do leitor que não tugia nem mugia, a não ser para responder ao que me perguntava sobre a situação portuguesa quando irrompeu e se viveu a pandemia. A minha anfitriã resolveu mudar a agulha para algo, creio eu, que está em debate entre os socialistas belgas, como encontrar resposta da consciência social e do valor social do trabalho quando as classes trabalhadoras, tal como se definiam no passado, perderam a sua centralidade, dissolvidas que estão entre novas profissões. O que se registou e continua a estudar ao nível deste instituto são as novas formas de solidariedade, o que se passou com a Covid continua a aguardar um exame da consciência coletiva. No pós-Covid terá que se interpelar o que tem vindo a acontecer com as desigualdades que aceleraram. Na verdade, mesmo com a retoma económica, estão mascaradas realidades muito heterogéneas entre as pessoas e os setores. Os peritos do Instituto procuram desenhar as quatro fases do pós-Covid, que vão desde a urgência no combate às desigualdades neste período de retoma, qual a natureza do relançamento e as reconfigurações que se irão produzir.
Eu de vez em quando olhava para o relógio, metera-me na cova do lobo, a minha interlocutora falava agora em preocupações sobre o mundo do futuro, como se deverá vizinhar um novo contrato social e ecológico à escala planetária, como iremos reduzir a dependência da energia e contrapor às devastações causadas por um modelo de produção que contribui para a perda de biodiversidade e a propagação de doenças.
Alertei a minha gentil interlocutora que estava muitíssimo interessado em estudar o modo de conservar o espírito para o crescimento das despesas públicas para melhorar o quadro da saúde pública, num conto de desenvolvimento sustentável. Agradecia-lhe muito se me pudesse dar pistas sobre uma transição para uma economia de baixo carbono e políticas de coesão social e territorial. Remeteu-me para um site: www.iev.be
Se eu pensava que era só agradecer e partir, puro engano. Sugeriram-me que contactasse a vice-presidente do PS para partilhar mais informações, agradeci as sugestões, e é nisto que o senhor Joffrey Liénart fez questão de me mostrar imagens da figura lendária dos socialistas belgas, Émile Vandervelde e o acervo de cartazes políticos, senti-me muito penhorado, e a ver alguns e quando voltasse a Bruxelas, ficava prometido, visitaria com tempo este impressionante acervo gráfico e histórico.

Cartaz do 1º de Maio, 1926

Estou a caminho do metro, tenho os minutos contados, ainda preciso de comer e preparar farnel para a viagem. Houvesse tempo, e iriamos percorrer cuidadosamente este espaço do meu culto, quantas belas exposições aqui não vi, até concertos com Madredeus e Maria João Pires, é uma decoração concebida por um dos génios da arquitetura belga, Victor Horta, haja retorno e faremos a visita a preceito.
Fachada do Palácio das Belas-Artes de Bruxelas, o Bozar
O vestíbulo do Bozar
O mesmo espaço num evento de fotografia, com uso de tecnologia de vanguarda

São as derradeiras imagens da extremosa Bruxelas, antes de partir para Zaventem olho assombrado para as cerejeiras japónicas da rua, é uma primavera florida, resplandecente, e digo para mim próprio que eu nunca esperei chegar a esta idade e assistir a fissuras de dimensão gigantesca, uma nova forma de Guerra Fria, pelas minhas contas é a primeira vez que a europa se reagrupou e congregou por inteiro, nem quando os turcos estavam às portas de Viena aconteceu esta reação, olho estas cerejeiras e pergunto-me o que se sucederá a esta globalização, a deste mundo de dependência energética, que tipo de relações se afinarão com o espaço russo e o continente asiático quando esta guerra na Ucrânia findar. Até lá, ainda espero regressar a esta cidade e a este país a que me sinto tão irmanado. À tantôt!
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Nota do editor

Último poste da série de 30 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24714: Os nossos seres, saberes e lazeres (593): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (122): Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (13) (Mário Beja Santos)