Pesquisar neste blogue

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27276: Notas de leitura (1845): "O capelão militar na guerra colonial", de Bártolo Paiva Pereira, capelão, major ref - Parte III: "A minha Pátria é o Hélder" (Luís Graça)




- 18 -





 - 13 -


- 14 - 




- 15 - 




- 16 - 



Fonte: Excertos de Bártolo Paiva Pereira - "O capelão militar na guerra colonial". Edição de autor, Vila do Conde, 2025, pp. 13-18.


1. São as páginas talvez mais pessoais, mais sentidas, do autor:  com 26 anos, minhoto, solteiro, sacerdote católico, acabado de ordenar (há ano e meio), "soldado sem instrução", oferece-se para o serviço religioso do exército em 1961, já em plena guerra de Angola, 

Graduado em alferes capelão, segue com o BCAÇ 321 para Angola em outubro de 1961. Descobre uma nova "família", a sua terceira (depois da família biológica e do seminário).  E descobre que a sua Pátria é o Hélder... 

No dia 27 de maio de 1962, sete meses depois de chegar a Angola, participava voluntariamente numa operação, em Cabinda. "Caímos numa emboscada, na localidade de Sanda Massala, norte de Cabinda. À minha frente, o Hélder, cai atingido e logo morreu" (pág. 17). 

Se calhar foi ali, nesse dia, que o padre Bártolo descobriu verdadeiramente o que era a Pátria. Não, não é uma figura de retórica, a Pátria são  as pessoas, as pessoas que têm uma identidade, um rosto, uma história de vida:

(...) "A minha Pátria andava mal definida no coração (...). O meu patriotismo nunca me levou às terras carismáticas do mundo e dos homens. Nem aos Lugares Santos. Nunca visitei o cemitério de Vimieiro. Nem me sai da cabeça a cova, onde enterrámos o Hélder" (...) (pág. 17).

(...) A cova onde enterrámos o Hélder foi logo ali, após o inimigo nos deixar. O seu corpo, mais tarde, foi recuperado por camaradas, que cumpriram  um dever militar" (...) (pág. 18). 

Mas o autor não acrescentou que os restos mortais do  1º cabo Hélder Tavares Amaral, foram inumados em Sanda Massala (no cemitério local ?), Cabinda, Angola, a 8 mil km da sua terra natal, Vila Cortês da Serra, Gouveia.

Foi o único morto do batalhão... Comenta o antigo capelão,citando o filósofo alemão Peter Sloterdijk: "A ossatura simboliza o fim que cada ser vivo traz já consigo". E acrescenta, agora da sua lavra: "Em teatro de operações, deixar 'essa ossatura' brada aos céus. Aconteceu, infelizmente, com muitos cadáveres. no início da guerra, onde tudo era mais precipitado que arrumado" (pág. 19).

(Continua)






Excertos da caderneta militar do nosso camarada Bártolo Paiva  Gonçalves Pereira (pág. 35)

___________________

Nota do editor LG:

quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27275: Historiografia da presença portuguesa em África (498): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1943 (55) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Abril de 2025:

Queridos amigos,
Não faltam questões disciplinares, regulamentação do import-export, os orçamentos da colónia não permitem aventuras, a grande aposta das infraestruturas neste período é de melhorar a zona do Pidjiquiti para receber barcos de maior calado, vende-se o que é possível aos países em litígio através de Lisboa, é o caso das oleaginosas e da borracha; faltam divisas na Guiné, circula muito ouro em pó, não se diz no Boletim Oficial mas o chefe da delegação do BNU em Bissau informa constantemente que campeia o contrabando, muita da apregoada vigilância e regulamentação não passa de conversa fiada. Para quem estuda este período, é da maior utilidade ler as Conferências dos Administradores no modelo instituído por Ricardo Vaz Monteiro, são verdadeiras assembleias de formação e de consciencialização de que se vivem tempos de sobriedade.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, 1943 (55)


Mário Beja Santos

1943 é o ano da cedência dos Açores aos Aliados, no final do ano Salazar dirigir-se-á na Assembleia Nacional falando detalhadamente da sua neutralidade colaborante e não esquecerá Timor, a sofrer os horrores da ocupação japonesa.

A gestão da Guiné continua e continuará sujeita à contenção dos gastos. As questões da disciplina prosseguem na sequência do que já fora adotado no mandato do governador Carvalho Viegas, quem prevarica poderá vir a ser punido e o seu nome aparecerá sempre no Boletim Oficial. É o que iremos ver logo no Boletim Oficial n.º 3 de 18 de janeiro, a matéria vem do Conselho Superior de Disciplina das Colónias, tem a ver com o acórdão proferido no processo de recurso interposto pelo farmacêutico de 2.ª classe Dr. Hermínio Teixeira de Andrade. O recorrente fora punido por não ter organizado legal e devidamente, e conforme as ordens recebidas, as contas da sua responsabilidade como diretor da farmácia do Hospital de Bissau. Tinham sido feitas as devidas averiguações e no seu relatório o instrutor concluíra que o Dr. Hermínio havia cometido irregularidades na conta de gerência da Farmácia do Estado, no período entre 1 de janeiro e 11 de maio de 1941, revelando desleixo e incúria e clara desobediência às ordens superiores. No processo era proposta a pena de multa correspondente a 8 dias de vencimentos, o Conselho Disciplinar manteve a pena aplicada. Mandado apresentar no tribunal, não se fez munir da respetiva guia, fez-se auto de declarações e o chefe dos serviços puniu com 30 dias de suspensão de exercício e vencimentos, o Conselho Disciplinar manteve a pena aplicada. É agora tempo de ouvir o Conselho Superior de Disciplina das Colónias que reconhece que o recorrente não foi ouvido em processo disciplinar como devia ser, que o chefe dos serviços carece de competência para punir, deve-se anular todo esse processo, salvo o auto de infração de voltar a ouvir o recorrente. É espantoso, dizemos nós, como já naquele tempo havia queixas contra a Justiça morosa e altamente burocrática.

Como já vimos nos dois primeiros anos da guerra, tomam-se medidas regulamentadoras em diferentes domínios, mas o import-export é o que tem peso fundamental. Vejamos agora um domínio que tem a ver com a exploração e o comércio de madeiras, vem no Boletim Oficial n.º 16, de 19 de abril:
“O conflito internacional que ora decorre, provocando a falta de madeiras nos mercados metropolitanos, levou à necessidade de uma mais intensa exploração nas zonas florestais nas colónias portuguesas.
Na Guiné, onde a indústria de exploração de madeiras foi sempre reduzida, veio a sua intensificação salientar a falta de determinadas regras legais que evitassem abusos em prejuízo da riqueza florestal da colónia.
Também a alta verificada nos preços das madeiras e a influência da depressão económica mundial das receitas do Estado justificavam uma atualização das taxas que incidiam sobre a exploração e comércio de madeiras.”


Este assunto fora debatido na mais referente Conferência de Administradores, em finais de 1942, recapitulou-se a legislação existente nos seus aspetos mais delicados: a salvaguarda das zonas florestais concedidas para exploração; a defesa dos povoamentos arbóreos existentes na colónia; a orgânicas dos atuais serviços da colónia, o papel que cabe aos Serviços Agrícolas e Florestais para dar instruções a seguir pelo concessionário em cada caso particular, aos indígenas permite-se o corte de árvores exclusivamente para seu uso próprio, etc., etc.

E voltamos a um não menos curioso assunto disciplinar, trata-se de um acórdão proferido no processo de recurso interposto pelo Chefe dos Serviços de Saúde da Colónia da Guiné, Dr. Fernando José de Oliveira de Montalvão e Silva do despacho do Governo em que era punido, por ter incorrido em falta de respeito para com o seu superior hierárquico na comunicação que fizera para Lisboa, em telegrama dirigido a pessoa da sua família, a pedir diligências para que o processo subisse ao Ministério com o fim de evitar uma injustiça que podia ser praticada pelo governador. O Governo determinou a este chefe de serviços que informasse a que processo se referia naquele telegrama e qual a injustiça com que contava no caso de o mesmo processo não ser remetido para Lisboa. O referido chefe dos serviços respondera que se tratava de assunto de caráter privado, o Governo insistiu para que ele clarificasse a situação, e então explicou que era um processo em que fora ouvido quanto a factos que se fundamenta a malévolas informações. Fora punido, não concordou com a pena e apresentou recurso, o Governo da colónia manteve a pena aplicada. O Conselho emite então parecer, diz-se que não se procedera corretamente em matéria processual.

E não deixa de ter a sua eloquência o despacho do ministro das Colónias, Francisco Vieira Machado:
“Este processo resulta da péssima prática de o funcionário em vez de se defender dentro do processo, usando dos meios que a lei para tanto lhe concede, e que são bem amplos, recorrendo depois da decisão proferida, se quisesse e achasse necessário, enviar telegramas particulares a pessoas de família para tentar conseguir, à sombra de influências pessoais, aliás inoperantes, como devia já saber, à margem do processo, o que julgava melhor convir à sua defesa. Injúria no telegrama há – evidentemente: pedir particularmente, para evitar o cometimento de uma injustiça pressupõe que o seu superior hierárquico – o governador ou ministro – a podem cometer. Ora o ministro e governador julgam pelo que está no processo. E não pelo que, particularmente, lhe podem dizer ao ouvido. O telegrama é, pois, fruto de certa mentalidade, infelizmente ainda existente em África, que supõe que o empenho tem mais valor do que a defesa legal de direitos. E isto num chefe de serviços, que devia dar o exemplo, é bem triste e merecedor de corretivo. Infelizmente, o Conselho, sob o ponto de vista jurídico, tem razão, pelo que tenho do homologar a conclusão do douto parecer.”

Para finalizar, e lembrando que a guerra tornara mais exigente o controlo do import-export, tenho essa intenção ao previsto no Boletim Oficial n.º 43, de 25 de outubro, em que se diz que tinham sido encontrados na Europa em alguns lotes de borracha exportados da colónia, impurezas e matérias estranhas em volume e percentagens importantes, há, pois, que repensar tais fraudes, dissuadindo-as e punindo-as. E determinava-se que a Inspeção do Comércio Geral, enquanto as circunstâncias o impusessem, iria comprar toda a borra de produção da colónia.

Há anos que não folheava a Revista das Colónias, que se publicou a partir de 1883, muito bem ilustrada e de onde retirei de números publicados em 1883 e 1884 quatro imagens referentes à Guiné, a primeira já aqui publicada, considero-a de grande valor histórico pois mostra as feitorias que existiam nas margens do Rio Grande de Buba, ao tempo das calamitosas guerras do Forreá. A Revista das Colónias existe na Biblioteca da Sociedade de Geografia, espiolhei o primeiro volume, tenho dois pela frente para procurar outras imagens curiosas alusivas à nossa presença no século XIX.

(continua)

_____________

Nota do editor

Último post da série de 24 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27251: Historiografia da presença portuguesa em África (498): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1942 (54) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P27274: Notas de leitura (1844): "O capelão militar na guerra colonial", de Bártolo Paiva Pereira, capelão, major ref - Parte II: "O silêncio de Salazar foi o início da guerra em Angola" (Luís Graça)

 


Angola > Cabinda > BCAÇ 321 (1961/64) > c. 1962 > O alferes graduado capelão Bártolo Paiva Pereira na foresta de Maiombe

Foto (e legenda): © Bártolo Paiva Pereira  (2025). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Capa do último livro de Bártolo Paiva Pereira (n. 1935, Santo Tirso). 
Edição de autor, Vila do Conde, 2025, 120 pp.


1. Neste livro de memórias e que é também a apologia da capelania militar (ou da "pastoral castrense") (*), o autor escreve:

"O 'nosso Capelão' , assim nos tratam os militares, é modo carinhoso , revelador dum caráter  familiar de muita proximidade e estima entre a classe militar. Eu, como centenas de colegas, aceitei ser esse 'nosso Capelão', durante a guerra colonial, sem o cinismo da heroicidade, o que permitiu às ideias não resvalarem para idiotices" (pág. 11).

Major do exército, ao fim de 30 anos de serviço nas Forças Armadas como capelão  o padre Bártolo PaivaPereira publica este livro no 64º aniversário da sua 1ª mobilização para Angola... 

E foi essa comissão que o marcou de maneira indelével.  Dedica-lhe as primeiras páginas, as mais pessoais, e ao fim ao cabo as únicas do livro, embora tenha passado também por outros teatros de operações (Guiné e Moçambique).

Na Guiné, de que fala pouco, ou quase nada, sabemos que não foi propriamente capelão, mas sim capelão-chefe do serviço religioso do CTIG, entre dezembro de 1965 e fevereiro de 1968. Não sabemos, por exemplo, se alguma vez saiu de Bissau...

De resto não chegou a conhecer  lá  o brigadeiro e depois general António Spínola, governador e comandante-chefe que rendeu o general Arnaldo Schulz. (Sobre este, seu comandante,  não tem uma única palavra.)

Angola terá sido foi a sua "eleita do coração", passou lá quatros anos, de acordo com a informação que encontrei no portal UTW - Dos Veteranos da Guerra do Ultramar. 

No livro, falta uma resenha com o seu CV militar. Sabemos que foi  capelão de duas unidades em Angola:

  • BCaç 321 (nov 61 / jan 64);
  • GAC 1 (Grupo de Artilharia de Campanha) (mar 64 / dez 65).

Passou igualmente quase quatro anos em Moçambique (set 71 / jun 75).

Ainda de acordo com a mesma fonte, foi graduado em alferes capelão em 1961, tenente em 1963, capitão em 1965 e major em 1973. De 1975 a 1981 foi ainda capelão no Regimento de Comandos da Amadora e depois no Instituto dos Pupilos do Exército, tendo-se reformado como major do Exército em 1981. Vive hoje em Vila do Conde. É natural de Santo Tirso.

Na realidade, o próprio autor define o propósito e delimita o âmbito do livro: não é propriamente a sua história de vida, embora contenha notas autobiográficas, é essencialmente "um livro sobre o perfil e o múnus do Capelão Militar, destacado para o conflito", ou seja, para a "guerra colonial" (sic),  mas em que também se fala de lembranças e de amizades, de pessoas que ele foi conhecendo, "quando servi o Exército, em África",  durante a guerra colonial e em tempo de paz" (pág. 87)... 

No cap 5 (Pessoas & Acontecimentos, pp.  87 e ss.), o padre Bártolo evoca militares que são figuras públicas  (do Carlos Matos Gomes ao Jaime Neves, do Otelo ao Salgueiro Maia, do Spínola ao Costa Gomes), todas já falecidas com exceção do gen Ramalho Eanes. Pelo menos os três primeiros (Matos Gomes, Jaime Neves e Otelo), ele conheceu-os, foi capelão deles.

Também  evoca (e traça o perfil de) 10 dos capelães militares, seus pares, alguns dos quais seus subordinados, entre os quais o conhecido Padre Mário da Lixa, já falecido: "Viveu comigo na Guiné, na Chefia do Serviço, cumprindo os dias de prisão a que foi submetido" (pág. 57).

Numa primeira leitura, rápida e agradável, o livro pareceu-me desigual e fragmentado. É  um homem lido, culto, vivido oriundo de uma diocese como a de Braga (reconhece "a diferença de mentalidade e cultura" entre a sua diocese e a de Lisboa, ao tempo do Cardeal Cerejeira)... 

Enfim, é um padre que serviu duas "senhoras", duas instituições poderosas, a Igreja e o Exército, a Cruz e a Espada, e de quem, aos 90 anos, não se pode esperar um  livro abertamente crítico.  Para já, pretende colmatar uma lacuna: há centenas e centenas de livros sobre a guerra colonial, e tão poucos são os que falam do papel do capelão militar, queixa-se ele  (pág. 39).

É um livro de afetos e de doutrina (sobre a pastoral castrense). Mas, com a sua vasta experiência de vida, de 90 anos, como homem, cidadão, sacerdote e capelão militar, ainda é de esperar que ele publique a sua autobiografia, ou pelo menos um livro com as suas memórias mais pessoais. Tem, além disso, 30 anos  passados na Suíça, como sacerdote, no seio da comunidade lusófona, emigrante.


2. Curiosamente o autor é mais crítico  em relação à figura do António Salazar e à elite política do Estado Novo: (...) "o Salazarismo não acordou para a descolonização, cometendo o erro irreparável duma guerra perdida" (pág. 32). 

Mais:  Salazar terá ignorado todos os sinais de alerta em relação a Angola... "Esse silêncio de Salazar é sinal do início da guerra" (pág. 33).

(...) "Angola possuía muito e produzia bastante, exportava pouco e roubavam tudo. A sua riqueza (...) serviu  para uma desumana exploração do povo, anos a fio. (...) (pág. 32). 

É interessante a análise que o autor faz sobre os antecentes, as causas próximas  e  as  causas remotas da guerra. No se coíbe  de afirmar que "em Angola, a guerra começa no coração avarento da burguesia austral", isto é, na sua subordinação "aos interesses do capital financeiro" (pág. 34).

Mas onde está o seu coração ?... Sem sombra de dúvidas, na sua "3ª família", a família miliar, que vem a seguir à família consanguínia e da família do seminário...

Para já,  o que mais gostei foi o seu primeiro apontamento, a sua partida para Angola, aonde chega numa manhã de Todos-os-Santos, 1 de novembro de 1961. 

A bordo do T/T Vera Cruz,com "muita festa", com ele a tocar ao piano, a contragosto, a canção "Angola é nossa", vão três batalhões de infantaria (pelo que sabemos, o BCAÇ 317 e o BCAÇ 325, além do BCAÇ 321, que o autor, certamente por lapso, contabiliza em 3 mil homens, o que excedia em muito a lotação normal do Vera Cruz, que era de c. 1250 passageiros  + mais 300/350 tripulantes).

Tomamos a liberdade, e com a sua autorização, de reproduzir alguns excertos em próximo poste. (**)

(Continua)

______________


(**) Poste anterior da série > 29 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27268: Notas de leitura (1843): "Vestígios Portugueses no Senegal", edição da Embaixada de Portugal em Dacar, 2008 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P27273: S(C)em Comentários (78): Na Guerra (tal como na Política) Não Vale Tudo... (António Rosinha / Cherno Baldé / Luís Graça)

Duke Djassi, nome de guerra
 de Leopoldo Alfama (1945-2025),
à esquerda.
Cortesia: Casa Comum /
Arquivo Amílcar Cabar


São comentários ao poste P27267 (*)

(i) Antº Rosinha


Só entre a jangada de João Landim e Bula, encontram-se naquelas redondezas treze pontas, e provavelmente a maioria seriam de cabo-verdianos.

E até se poderá dizer que pelo resto da Guiné seria assim já desde Honório Barreto, até Amilcar Cabral e o herdeiro da Ponta Alfama terem as suas ideias da União/Junção/Anexação Guiné-Cabo Verde.

O mapa de Bula onde vemos essas pontas, é de 1953, ora nessa data já a pacificação da Guiné e das outras colónias portuguesas viviam numa paz e numa calma que até iludiu os estudantes do império que era facílimo governar aquilo mais e melhor por eles do que pelos atrasados dos portugueses.

E de facto o ex-guerrilheiro Alfama ainda chegou a governante, na Guiné, mas só até 1980, pois deve ter acompanhado Luís Cabral que também "desistiu" em 1980.

Mas talvez tenham sido eles
que ajudaram a garantir que aquele arquipélago, Cabo Verde,  iria figurar como país com fronteiras e bandeira própria.

terça-feira, 30 de setembro de 2025 às 00:28:00 WEST


(ii) Tabanca Grande Luís Graça
.

Rosinha, acabei de escrever noutro poste, o do Armando Fonseca, sobre o "início da guerra"... Deixa-me completar o teu oportuno comentário...

A CECA (Comissão de Estudo para as Campanhas de África) tal como a historiografia (ou "hagiografia"...) do PAIGC têm a mesma narrativa: o início da guerra na Guiné foi em Tite, em 23 de janeiro de1963. Ponto final parágrafo.

Nós, no blogue, achamos que não. A avaliar pelos textos que se têm publicado ao longo destes anos todos... Antes dos primeiros tiros contra os quartéis e os militares. há toda uma violência (já armada), sob a forma de terror (e contraterror), que incendeia o "capim da Guiné"...

Basta olhar para as cartas da Guiné, anteriores à 1963: inúmeras tabancas e "pontas" desapareceram, a partir do início da "subversão" (para as NT) ou da "libertação" (para o PAIGC)...

Os "libertadores" começaram por usar a cenoura e o chicote para mobilizar (ou "arregimentar") os chefes tradicionais e as suas populações. Não temos, ainda hoje, uma noção exata da dimensão da violência, de um lado e do outro...

A "desertificação" do interior da Guiné, que data do início da década de 1960, começa com:

 (i) campanhas de aliciamento;
 (ii) ações de intimidação;
 (iii) assassinatos seletivos;
 (iv) destruição de infraestruturas (linhas telefónicas, pontões, corte de árvores nas estradas, etc.); 
(v) desmantelamento da administração (administradores, chefes de posto, cipaios) e da economia (pontas, casas comerciais, etc.).

A guerra é a violência armada e organizada: e quando se começa não há semáforos, a não ser "verdes" (levando à escalada da violência)...Não há semáforos vermelhos nem amarelos...

Os cabo-verdianos, ou guineenses de origem cabo-verdiana, donos de muitas pontas, mas também de casas comerciais (a par dos libaneses, dos portugueses europeus, que os cabo-verdianos também eram portugueses...) acabaram por ser vítimas da violência do PAIGC: os Semedos, os Brandões, os Alfama, etc. não tiveram pejo em inviabilizar as explorações agrícolas dos pais (ou as casas comerciais)...

No sector L1 (Bambadinca), que eu conheci melhor, havia também bastantes pontas (uma ou outra eu frequentei, em Contuboel, em Bambadinca, a Ponta Brandão, por exemplo)...  (Na carta de Bambadinca, que é de 1955, contei 8 pontas, ao longo do rio Geba Estreito.)

Está por fazer a história das pontas e do seu trágico destino... Bem como das casas comerciais (a do Rodrigo Rendeiro e de tantos outros...).

Pior ainda: está por fazer a histórias das tabancas que foram, logo muito cedo, vítimas da violência do PAIGC e nas NT, no tempo em que se praticou a política de terra queimada.

terça-feira, 30 de setembro de 2025 às 10:52:00 WEST

(iv) Tabanca Grande Luís Graça

Todos sabemos que a violência gera violência... A História está infelizmente cheia de exemplos desses.

A exploração e os maus tratos contra os balantas e outras populações na Guiné Portuguesa foram também o capim a que o PAIGC deitou fogo... Temos exemplos concretos das formas de exploração dos comerciantes locais (cabo-verdianos, brancos, libaneses...) e dos abusos da administração colonial de que foram vítimas os balantas e outros...

Os balantas vão ser depois a "carne para canhão" do PAIGC. Juntamente com os biafadas terão sido os mais "fáceis" de mobilizar (a bem ou a mal) para a "luta de libertação"... a par dos grumetes de Bissau, acrescenta o Cherno Baldé.

À maior parte de nós, militares, metidos nos seus quartéis e destacamentos, ou empenhados em desgastantes operações no mato, escapavam estas práticas de "violência" dos comerciantes, dos chefes de posto, dos cipaios... Por outro lado, já estivemos na Guiné, com o António Spínola, que durante o seu "consulado (meados de 1968/ meados de 1973) procurou "moralizar" e "reprimir" muitas das práticas coloniais que serviram de "rastilho" para o PAIGC incendiar o capim...

Tarde e a más horas, a política " Por uma Guiné  Melhor" ? É verdade. Mas fica para História: as Forças Armadas Portuguesas também tiveram uma palavra a dizer...

terça-feira, 30 de setembro de 2025 às 11:14:00 WEST


(iv) Tabanca Grande Luís Graça .

O Duke Djassi já morreu, há dias, em Portugal, num hospital do nosso SNS... Paz à sua alma (mesmo que eu não seja crente)... Respeito os mortos, a sua memória, seja quem for, mas temos que reconhecer que o "comandante Duke Djassi" ficou mal na fotografia...

Na guerra não vale tudo. Como na política. 

A sua mensagem de 1/8/1971 chamar-se-ia hoje "fake news", um notícia falsa...Os cinco mortos "tugas", na mina montada pelo "camarada" Raul Nhaga, na estrada de São Domingos para a fronteira, são deliberadamente uma mentira... Ninguém contou os mortos (5) nem muito menos os feridos (12)...

É pena que o Amílcar Cabral nunca tivesse combatido a mentira compulsiva dos seus comandantes e comissários políticos... Como é que eles depois poderiam falar olhos nos olhos ao "povo" ? 

"A verdade queima, camarada"...

terça-feira, 30 de setembro de 2025 às 14:36:00 WEST



(v) Cherno Baldé


O Antº Rosinha devia escrever um livro para a posteridade, pois, para mim e muitos leitores/seguidores do Blogue, as suas palavras sobre a realidade dos povos das colónias e, sobretudo, o inicio da luta nestes territórios, ajudaram e entender melhor sobre as origens, protagonistas e motivações iniciais das guerras de subversão.

Na Guiné, as elites cabo-verdianas ou de origem cabo-verdiana, mais ligadas ao regime colonial e melhor esclarecidas, aproveitando os ventos da história, quiseram desmantelar o regime, correr com os portugueses e dominar o resto da população.

Os chefes fulas, desconfiados por natureza, nunca se deixaram enganar e pagaram por isso, mais tarde; entretanto, os grumetes, guineenses,  estavam à espreita e o 14 de Novembro de 1980 que seria uma espécie de continuação da conspiração de Conacri (20 de Janeiro 1973) serviu, por sua vez, para se livrarem dos cabo-verdianos que, de facto, lideravam o PAIGC.


(Seleção, revisão / fixação de texto, título: LG) (**)

______________________

Notas do editor LG:

(*) Vd, poste de 29 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27267: PAIGC: quem foi quem ? (15): Leopoldo Alfama (Duke Djassi) (1945-2025), comissário político em 1974, governador da região do Cacheu até 1980; o pai era era o dono da Ponta Alfama, perto de Bula

(**) Último poste da série > 20 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27233: S(C)em Comentários (77): "E para que queres tu a independência se nem medicamentos tens para uma dor de barriga ?"

terça-feira, 30 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27272: Viagens à Guiné-Bissau: Amizade e Solidariedade (Armando Oliveira e Ricardo Abreu) (1): Missão Católica e Hospital de Tite (Aníbal Silva, ex-Fur Mil Vagomestre)

1. Mensagem do nosso camarada Aníbal José Soares da Silva, ex-Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483 / BCAV 2867 (Nova Sintra e Tite, 1969/70), com data de 26 de Setembro de 2025:

Caríssimo Carlos Vinhal
Estou de volta, desta vez para dar a conhecer as viagens à Guiné realizadas por dois camaradas, o Armando Oliveira e o Ricardo Abreu, que pertenceram ao BART 6520/72, 3.ª Companhia e CCS, respetivamente.

Um forte abraço
Aníbal Silva



VIAGENS À GUINÉ-BISSAU: AMIZADE E SOLIDARIEDADE

Os camaradas, Ricardo Abreu e Armando Oliveira, ex-militares do BART 6520/72, pertenceram à CCS sediada em Tite e à 3.ª Companhia sediada em Fulacunda, respetivamente.
O Armando é sobejamente conhecido deste Blogue, com 14 publicações, sendo o Tertuliano n.º 901.
O Ricardo, nascido no dia 19 de Maio de 1950 na freguesia de Arcozelo – Gaia e a residir em Canidelo – Gaia, foi soldado sapador de minas e armadilhas.

Estes amigos têm em comum o facto de já terem feito várias viagens à Guiné, em visita às populações das localidades onde fizeram o serviço militar, às quais fizeram entrega de muitas e diversas dádivas, angariadas ao longo dos meses anteriores às viagens, tais como: livros, cadernos e material escolar; bolas e equipamentos desportivos; bonés e t-shirts e sobretudo medicamentos, etc., etc.

O Ricardo foi pela primeira vez à Guiné em 1999 e depois em 2010 e 2015. Na companhia do Armando voltou nos anos de 2017, 2019 e 2024.
Nessas viagens fizeram alguns vídeos e tiraram umas largas centenas de fotografias, que vou passar a partilhar no nosso Blogue, devidamente autorizado pelos autores.



I - MISSÃO CATÓLICA E HOSPITAL DE TITE

Fotografias de 2015 – 2017
A Missão Católica “S. Pedro Apóstolo de Tite” é uma presença da Igreja Missionária no sul da Guiné, pertencente à Diocese de Bafatá, que atua em três frentes principais. Evangelização, com o anúncio da palavra de Deus e catequese; Educação, através de escolas rurais que oferecem refeições a 150 alunos; e Saúde, com a oferta de cuidados médicos e apoio a doenças como o HIV e tuberculose. A Missão mantida por Congregações e Instituições Brasileiras, busca o desenvolvimento social e espiritual da população local, num total de dez tabancas de etenia Balanta, que vivem em condições de grande pobreza.
Foto de família dos “Missionários” de março de 2014, com o Padre Lúcio e o Bispo de Bafatá, D. Carlos Zili, falecido aquando do Covid, bem conhecidos do Ricardo e do Armando.
Ricardo Abreu na abertura de uma mala com dádivas
Medicamentos e outros artigos
Armando, Ricardo, Padre Lúcio e uma enfermeira
Enfermarias
Sala de tratamentos
Ricardo e Armando com os jovens da equipa da Missão Católica, com equipamento oferecido pela Junta de Freguesia de Arcozelo-Gaia. Igual equipamento foi entregue na Tabanca de Nova Sintra
Igreja de Tite
Armando, Guedes, D. Carlos Zili (Bispo de Bafatá), Ricardo e Padre Lúcio
Procissão do Dia de Ramos de 2017
Almoços na Missão Católica de Tite

(continua)
_____________

Guiné 61/74 - P27271: O início da guerra (Armando Fonseca, ex-sold cond, Pel Rec Fox 42, mai 62 / jul 64) - Parte II: outubro de 1963: os primeiros grandes sustos com as minas A/C

 

Guiné > s/l >s/d > Pel Rec Fox 42 > A guarnição de viatura do "Alenquer" (o terceiro, a contar da esquerda para a direita, conforme indica a seta branca. Parece ser a viatura blindada canadiana GMC 4x4 M 957, armada com 2 metralhadoras Browning de 12,7mm (a do Armando usava a Borsig).   




N/M e T/T António Carlos > Navio misto, de carga e passageiros a motor, com 93m de comprimento, a sua construção data de 1946-1947 no estaleiro da Rocha, Administração Geral do Porto de Lisboa, da CUF - Companhia União Fabril. Foi encomenado pela Sociedade Geral de Transporte para aumentar a sua frota da marinha mercante. Deslocava c. 4,5 mil toneladas. Tinha 8 camarotes para passageiros.

A partir de 1959, esteve fretado ao ministério do Exército para transporte de tropas e material de guerra. Em 1971, foi vendido à Companhia Nacional de Navegação, de Lisboa, operando principalmente na carreira de Cabo Verde e Guiné. Em 1981, foi desmantelado no Cais Novo de Alhos Vedros.


Fotos (e legendas): © Armando Fonseca (2012). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Armando Fonseca, ex-sold cond cav, Pel Rec Fox 42, Bissau, Mansoa, Porto Gole, Buba, Bedanda, Guileje e Aldeia Formosa, 1962/64; também conhecido como o "Alenquer", integra a nossa Tabanca Grande desde 22 de setembro de 2010; tem cerca de 20 referências no nosso blogue. Julgamos que nasceu em 1941. Natural de Alenquer, vive na Amadora desde 1965, depois do regresso à "peluda". É autor da série "O Alenquer retoma o contacto" (de que se publicaram 7 postes, em 2012).
 

Fotos (e legendas): © Armando Fonseca (2012). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


I. O Armando Fonseca (conhecido como o "Alenquer", terra donde é natural, mas que vive na Amadora desde 1965), ex-soldado cond cav, Pel Rec Fox 42 (1962/64), foi dos primeiros militares, da arma de de Cavalaria, a chegar à Guiné, quando "oficialmente" ainda não havia guerra. Fiz ele que na guerra teve um "bom anjo da guarda". Não foi só ele, nós que ainda aqui estamos hoje, também podemos dizer o mesmo.

Cumpriu o serviço militar desde abril 1961 até julho 1964 (3 anos e 3 meses). Esteve 26 na Guiné, desde maio de 1962 até julho de 1964. Chegou ao CTIG em finais de maio de 1962. Escreveu ele:


(...) Nesta altura a guerra ainda estava muito no começo, havia aqui e ali algumas escaramuças e nós ficámos a fazer a segurança da cidade e do aeroporto. Então, fazia serviço durante 24 horas no aeroporto de Bissalanca, passando inspecções à pista e mantendo a segurança nas aterragens e nas descolagens dos aviões tanto civis como militares. Durante essas inspecções por vezes eram avistadas cobras que atravessavam a pista e nas cercanias junto do arame farpado viam-se também hienas e onças que procuravam o seu meio de subsistência.

Nos restantes dias estávamos às ordens para qualquer imprevisto a que tivéssemos que acorrer. Às vezes, muito raras, tinha um dia de folga que aproveitava para ir até à cidade, para ir ao cinema ou fazer algumas compras de certos artigos que não me eram fornecidos. (...)


Ao fim de 16 meses a sua Fox é colocada, em Mansoa, às ordens do BCAÇ 512, para fazer segurança às colunas logísticas a Mansabá e Bissorã.



 O início da guerra  (Armando Fonseca,  ex-sold cond, Pel Rec Fox 42,  mai 62 / jul 64) 

Parte II:  outubro de 1963:  os primeiros grandes sustos com as minas A/C



Regressados a Mansoa, vindos de Porto Gole (*), recomeçaram as escoltas diárias a caminho de Mansabá, Bissorã e Porto Gole, até que no dia 17 de outubro de 1963 ao dirigir-me para Mansabá, próximo de uma tabanca denominada Mamboncó foram encontrados na estrada dois buracos provocados pelo rebentamento de fornilhos dois dias antes.

Foi o primeiro grande sinal de perigo, porque até aí ainda não tinham aparecido minas por aqueles lados.

No dia 19 ao fazer outra escolta a Mansabá e depois de ter percorrido mais ao menos metade do percurso, rebentou uma mina mesmo na minha cara, mas por sorte minha e dos camaradas que seguiam no carro, foi comandada uns décimos de segundo antes do carro estar em cima dela, não provocando estragos.

Foram feitas umas rajadas para reconhecimento em todas as direcções pelas "Borsig" e entretanto um dos soldados da CCAÇ 413, que seguia na coluna e que se tinha apeado, viu um fio que vinha do mato para dentro da estrada e alertou o furriel de minas e armadilhas que seguia na coluna, tendo este verificado que havia outra mina montada e sobre a qual eu já tinha passado.

Essa mina, que pesava quatro quilos cento e cinquenta, foi levantada com as devidas precauções e a viagem foi recomeçada e seguiu até ao destino.

Como a reacção do apontador das metralhadoras foi imediata, não houve tempo para o IN despoletar a outra mina, caso contrário tinha sido uma chacina, haveria decerto mortes e muitos feridos.

Esta foi a primeira de muitas das intervenções do meu bom anjo da guarda.

Em 20 de outubro, pelas cinco da manhã, lá ia a caminho de Enxalé e uns quilómetros depois de Porto Gole, perto da tabanca de Flora, estava a estrada cortada não permitindo a passagem dos carros.

Depois da intervenção dos sapadores lá fomos passando mas passadas umas dezenas de metros começaram a rebentar sobre nós várias granadas e de seguida várias rajadas a baterem no carro. Agimos de imediato e a situação pareceu acalmar-se. 

Entretanto foram avistados vários elementos IN a fugir. Alguns camaradas foram em sua perseguição, mas como havia outra autometralhadora do outro lado do morro, era uma ação arriscada porque podiam ser confundidos com o IN e haver acidentes, como veio a acontecer.

Convencido de que o perigo tinha passado, avancei e, quando cheguei ao cimo do morro para me juntar ao restante grupo que se encontrava do outro lado, senti o rebentamento de outra granada mesmo em cima do carro e novas rajadas se notavam a bater no mesmo.

Voltamos a reagir e entretanto quando tudo ficou calmo. Fomos até aos camaradas que estavam do outro lado e verificamos que eles tinham feito fogo sobre o grupo que tinha ido em perseguição do IN. Sem acidentes ao que se julgava, visto se terem apercebido que eram camaradas e não elementos do IN.

Esta nossa missão consistia em fazer passar uma autometralhadora e um "granadeiro" para Enxalé e, como a zona de perigo já estava passada, eles seguiram tendo a restante coluna regressado a Mansoa convencidos de que tudo não tinha passado de susto.

Ao chegar verifiquei que tinha uma roda furada e no outro dia ao desmanchá-la encontrei uma bala de nove milímetros introduzida entre a jante e o pneu, mas não ficou por aqui, porque pela noite comecei a ouvir uns rumores de que faltava um camarada da CCAÇ 413, que decerto teria ficado na operação do dia anterior.

Assim, no dia 22, de manhã lá me vejo de novo a caminho da tabanca de Flora, só que, cerca de um quilómetro antes do local de destino, rebentou uma mina na frente do meu carro, mas de novo sem consequências para nós. Entretanto o rebentamento foi precedido de novo ataque com a mesma intensidade do anterior. Respondemos ao ataque, tendo então um pelotão ido mato fora em busca do camarada perdido, sem resultado algum.

Quando a escaramuça acabou, tanto eu como a restante guarnição do meu carro, estávamos intoxicados pelo fumo e pelos gases da pólvora que se acumularam dentro dele. Eu tive que ser assistido pelo médico, porque ao sair do carro se não me tivessem amparado tinha caído para dentro da bolanha.

O tempo continuou a passar com escoltas quase todos os dias, por vezes mais do que uma.

Entrou o mês de outubro e nem no dia dos meus anos (10) tive descanso, escoltas atrás de escoltas umas de dia outras de noite para colocar Pelotões ou a Companhia a fazer tentativas de emboscada ao IN.

Numa destas operações, no dia 15, eu sofri uma entorse no dedo polegar da mão direita que me deixou um pouco debilitado. Ainda continuei a fazer os serviços que me eram destinados, mas com algum esforço. Um certo dia, devido a algumas dores e a um pouco de ronha, fui queixar-me ao capitão dizendo que não podia continuar a trabalhar e teria que ir a Bissau fazer uma radiografia à mão. Ele ficou um pouco atrapalhado, mas compreendeu o meu esforço e pediu-me para ir ter com o furriel mecânico para ver se ele arranjava quem fosse capaz de me substituir.

Assim fiz e, em conjunto com o furriel, preparamos um condutor que depois de umas breves noções já se desenrascava, era um camarada de Freixo de Espada à Cinta que pertencia à CCAÇ 413.

A sua primeira e única saída, no dia 19, foi para Bissorã, e passado algum tempo da coluna ter partido de Mansoa chegou uma comunicação via rádio de que tinha rebentado uma mina debaixo da autometralhadora e que o condutor tinha ficado ferido.

Resultado, o carro ficou com a frente parcialmente destruída, tendo uma das rodas ido pelo ar e ficado em cima de uma árvore. Apenas o condutor tinha sofrido algumas escoriações no rosto e numa das pernas.

Mais uma vez o meu bom anjo intercedeu por mim e creiam que não ficou por aqui este meu fado.

Como o carro ficou inutilizado, no dia 18 de outubro regressei a Bissau, substituído por outro carro e outra guarnição.

(Continua)

(Seleção, revisáo / fixação de texto, título: LG)

___________________


Nota do editor LG:

(*) Últrimo poste da série > 30 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27269: O início da guerra (Armando Fonseca, ex-sold cond, Pel Rec Fox 42, mai 62 / jul 64) - Parte I: aquele terrível mês de setembro de 1963

Guiné 61/74 - P27270: Agenda cultural (903): Convite para a Conferência Círculo do Mar - "Dar Voz Às Guarnições" - Ultramar 1961-1974, dia 16 de Outubro de 2025, pelas 17 horas, a ter lugar na Sociedade Histórica da Independência de Portugal, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, Lisboa (José Maria Monteiro, ex-Marinheiro Radiotelegrafista)

1Mensagem do nosso camarada José Maria Monteiro, ex-Marinheiro Radiotelegrafista (LFP Bellatrix, 1969/71 e Comando Naval da Guiné, 1971/73) com data de 29 de Setembro de 2025:

Meu ilustre camarada.
Se entenderes fazer a publicidade a esta CONFERENCIA - Círculo do Mar - convidando todos os camaradas, em especial todos os marinheiros a estarem presentes no dia 16 de Outubro de 2025, pelas 17h00, na Sociedade Histórica da Independência de Portugal, seria excelente.

O meu Abraço
José Maria Monteiro
(um dos mais jovens combatentes do Mundo e dos exércitos portugueses desde a fundação da nacionalidade até à presente data. (c/16 anos).
Cascais, 29/09/2025


_____________

Nota do editor

Último post da série de 26 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27258: Agenda cultural (902): "Venham Mais Cinco", o olhar estrangeiro sobre a revolução portuguesa, 1974-1975, exposição fotográfica para ver até 23 de Novembro de 2025, no Parque Tecnológico da Mutela, Almada (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P27269: O início da guerra (Armando Fonseca, ex-sold cond, Pel Rec Fox 42, mai 62 / jul 64) - Parte I: aquele terrível mês de setembro de 1963



Portugal > s/l> s/d >  "Soldados prontos para o embarque... mas não para a guerra"...


Guiné > s/l > s/d > Pel Rec Fox 42 (196264) > O  "Alenquer" é o primeiro da esquerda... Comendo uma "bucha", no mato...


Guiné > s/l > s/d > Pel Rec Fox 42 (196264) > O  "Alenquer" é o primeiro da direita. Uma pausa junto à Fox para comer...



Armando Fonseca, ex-sold cond cav, Pel Rec Fox 42, Bissau, Mansoa, Porto Gole, Buba, Bedanda, Guileje e Aldeia Formosa, 1962/64; também conhecido como o "Alenquer", integra a nossa Tabanca Grande desde 22 de setembro de 2010; tem cerca de 20 referências no nosso blogue. Julgamos que nasceu em 1941. Natural de Alenquer, vive na Amadora desde 1965, depois do regresso à "peluda". É autor da série "O Alenquer retoma o contacto" (de que se publicaram 7 postes, em 2012).
 

Fotos (e legendas): © Armando Fonseca (2012). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


I. O Armando Fonseca (conhecido como o "Alenquer"), ex-soldado cond cav,  Pel Rec Fox 42 (1962/64), foi dos primeiros militares de cavalaria a chegar à Guiné, quando  "oficialmente" ainda não havia guerra, diz a CECA...

 As suas impressões desses primeiros tempos (que vão de maio de 1962 a julho de 1964) são um testemunho precioso.  São anos que ainda não estão bem documentados no nosso blogue (e nos livros da CECA)... 

Com a sua Fox, ele  percorreu boa parte do CTIG, funcionando como uma espécie de 112, as ordens do Comando Milita,  em Bissau.. 

Vamos recuperar e reconstituir, por ordem cronológica, parte dos seus apontamentos já publicados.


 O início da guerra  (Armando Fonseca,  ex-sold cond, Pel Rec Fox 42,  mai 62 / jul 64) 

Parte I:  aquele terrível  mês de setembro de 1963



1. Chegado a Bissau a 28 de maio de 1962 no N/M António Carlos, não cito aqui os arrepios da partida visto que todos nós vivemos esse suplício, o navio fundeou ao largo e fui transportado para terra numa lancha, onde nos esperavam GMC para transporte até ao Quartel General onde fiquei instalado.

As camas e as respectivas roupas ainda não tinham sido desembarcadas. Dormi as primeiras noites numa cama de campanha apenas com uma manta para me defender dos mosquitos mas com o calor intenso que se fazia sentir, ou se morria de calor ou se era comido pelos mosquitos.

No terceiro dia lá apareceu a cama e a roupa, e a promessa de mosquiteiro que nunca chegou a aparecer, se quis evitar de ser comido pelos bichos tive que ir comprar tecido e mandar fazer um mosquiteiro num alfaiate da cidade.


2. O Pel Rec Fox 42  levava como missão reforçar a defesa da cidade, incluindo o aeroporto, e então o meu primeiro serviço foi exactamente piquete ao aeroporto. Fazia 24 horas de serviço dia sim dia não, garantindo a segurança das partidas e chegadas dos aviões, quer fossem civis ou militares.

Antes das aterragens ou dos levantamentos lá ia passar revista a toda a pista observando se havia algo de anormal e só depois os aviões entravam na pista.

Às vezes no dia aparecia outro biscate para fazer,  inclusive atender a algumas escaramuças que apareciam na cidade, visto que, àquela data,  o comando do PAIGC era nos arredores da cidade, no Pilão, que se situava entre esta e o Quartel General (em Santa Luzia).

Permaneci assim,ais de um ano,  até aos finais de agosto de 1963, altura em que fui sorteado para ser deslocado com a guarnição do meu carro para Mansoa, porque o BCAÇ  512 que aí se encontrava e tinha distribuídas companhias em Mansabá e em Bissorã, as quais tinha que abastecer: já estava com graves problemas nas deslocações das suas colunas e então pediu o reforço de um carro de cavalaria para acompanhar essas colunas.


3. Cheguei então a Mansoa em 28 de agosto e comecei de imediato a fazer escoltas: quase todos os dias saía para Mansabá ou Bissorã, e quando assim não era, havia que escoltar pessoal que se deslocava para a capinagem das bermas das estradas  ao longo desses percursos.

Na madrugada do dia 3 de setembro chegou ao quartel a notícia de que Porto Gole tinha sido atacado e lá fomos pelas seis da manhã escoltar um pelotão da CCAÇ  413 para ver o que se tinha passado.

 Ao chegarmos encontrámos um cenário desolador, haviam:

  • cinco moranças totalmente queimadas,
  • dois cipaios mortos, 
  • tendo os guerrilheiros levado preso o chefe de posto e um colono branco (**)

Já não regressámos a Mansoa e no dia seguinte começou a ser erigido ali um aquartelamento visto que tinha deixado de haver a segurança, até aí feita pelo chefe de posto e pelos cipaios, e aquele era um ponto crucial para apoio aos barcos que pelo Geba se deslocavam de Bissau para o interior (Xime, Bambadinca, Bafatá)

Permaneci ali até haver condições para as tropas de caçadores terem um mínimo de segurança. Durante esse período a alimentação baseou-se quase sempre em bolachas e conservas, até haver condições para começar a matar uns carneiros e umas galinhas que por lá havia.


4. No dia 9 regressei a Mansoa, sendo retomada a rotina de escoltas e agora também a Porto Gole porque ninguém dava um passo sem que a autometralhadora não fosse à frente da coluna.

No dia 13 um pouco antes do almoço ouviu-se ao longe um rebentamento e passado algum tempo apareceram dois homens a informar que o rebentamento tinha sido na tabanca de Cutia e que havia lá feridos.

Seguimos para lá e deparámos com dois feridos graves:
  • um tinha um buraco na cabeça;
  • e o outro tinha uma perna e as duas mãos cortadas;
  • o primeiro foi levado para o hospital;
  • e o segundo, a família não deixou que o levassem, porque quiseram que ele morresse junto deles.

Em 22 fomos chamados para socorrer uma viatura civil e uma ambulância de transporte colectivo que estava a ser atacada entre Mansoa e Mansabá. Fomos lá e quando chegámos,  já o IN tinha abandonado o local levando todo o dinheiro e os géneros que seguiam nas viaturas.

A partir desta data, além das deslocações militares que chegavam a ser duas por dia, apareceram também as colunas civis que já não se deslocavam sem escolta militar.

No dia 24 saímos de Mansoa pelas cinco da manhã para ir tirar umas árvores que o IN tinha colocado na estrada que ligava Porto Gole a Enxalé e a deixara intransitável.  Ás oito horas com 44 árvores cortadas e retiradas, encontrámos uma companhia que vinha de Enxalé ao nosso encontro e que a cerca de um quilómetro tinha sofrido uma emboscada.  

Havia um pelotão com vários feridos ligeiros e um furriel com uma perna cortada, o qual, ao fim de cinco horas, sem o socorro que a situação exigia, veio a falecer.(***)

Além dos feridos havia ainda um "granadeiro",  atascado na bolanha que nos deu muito trabalho a retirar.

Quando regressámos a Porto Gole,  era já noite e apenas com o pequeno almoço das quatro da manhã no estômago; depois de comermos alguma coisa, regressámos a Mansoa que distava cerca de 27 quilómetros.

 (Continua)


(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos, títulos: LG)
__________

(*) Vd. poste de 22 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7023: Tabanca Grande (245): Armando Fonseca, ex-Soldado Condutor do Pel Rec Fox 42 (Guiné, 1962/64)


(**)  Este episódio, grave, não é referido pelo livro da CECA,  respeitante á  atividade operacional no CTIG no período de 1963/1966.


(***) Fur mil at inf José Inácio da Ascensão da Costa Pinheiro, CCAÇ 412, mobilizado pelo BCAÇ 10, Chaves; natural de Sousel:  morreu em 25 de setembro de 1963, em Porto Gole, na sequência de ferimentos em combate; está sepultado no cemitério da sua terra natal.