sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5303: O direito ao bom nome (1): Vasco Lourenço, ex-Cap Inf da CCAÇ 2549/BCAÇ 2879 (Cuntima e Farim, 1969/71)

Capa do livro No Regresso Vinham Todos, de Vasco Lourenço, originalmente publicado pela Editorial Notícias, Lisboa, 1978.

1. Mensagem de Vasco Correia Lourenço, Cor Inf Ref (ex-Cap Inf, CCAÇ 2549,Cuntima e Farim, Julho de 1969/Junho de 1971), com data de 17 de Novembro

Caro Luis Graça,

Junto uma carta para si, que confio publique no seu blogue, acompanhada por um estudo do cor Morais da Silva.

Dou conhecimento desta carta ao dr Carlos Silva, combatente na Guiné na CCaç 2548 do meu batalhão, o BCaç 2879.

Cordiais saudações. Vasco Lourenço


Caro Luís Graça

As referências que me são feitas no seu blogue, enquanto ex-combatente na Guiné (*), obrigam-me a escrever-lhe, na esperança de que trate esta carta da mesma maneira que trata as que lhe são enviadas por outros ex-combatentes também na Guiné.

Não pretendo entrar em polémicas, não pretendo ofender ninguém, apenas quero esclarecer um pouco da minha posição.

Tomei conhecimento da existência da tese de Manuel Rebocho, através do chefe do EME (actual CEMGFA) [General Valença Pinto], que me sugeriu uma forte reacção.

Ao ver o tipo de tratamento de que era alvo, na referida tese, decidi que “para esse peditório já dera o suficiente”. Com efeito, tratava-se de um episódio da “guerra” entre mim e o general Spínola, analisada de forma muito incompleta, com conclusões aberrantes, face à estória verídica do que efectivamente se passara.

Algum tempo depois, sou surpreendido com um convite para assistir à defesa da tese na Universidade de Évora.

Contactei, então, o próprio sargento Manuel Rebocho, a quem manifestei a minha estranheza pelo convite, dado o que escrevera sobre mim, sem me ouvir. Como lhe referi, enviei essa carta aos membros do júri, a quem manifestei a opinião de que “me não ouvira, talvez porque tem a noção da malévola deturpação que faz do que se passou na Guiné”.

O referido sargento-mor considerou-se ofendido por aquela frase e fez queixa de mim. O promotor público não acompanhou a queixa, não houve acusação, por não haver matéria que justificasse a mesma, pelo que o juiz determinou o seu arquivamento.

Inconformado com essa atitude, Manuel Rebocho deduziu acusação particular no Tribunal de Évora, desacompanhado do procurador da República, ao mesmo tempo que requeria uma indemnização cível.

Conseguiu o que pretendia e eu tive de me sentar no banco dos réus. O julgamento fez-se, fui totalmente absolvido e o queixoso condenado a suportar todas as despesas judiciais. Uma vez mais inconformado, apresentou recurso, que ainda corre termos.

Confesso que tive vontade de ser eu, agora, a apresentar uma queixa pelo crime de difamação, requerendo a competente indemnização. Decidi não o fazer, ainda, tudo dependendo do evoluir da situação.

Quanto à natureza da tese, agora apresentada em livro, remeto-lhe em anexo um estudo sobre a mesma da autoria do coronel António Carlos Morais da Silva. Por mim, não perco mais tempo, por agora, com o assunto.

No que se refere à minha acção na Guiné, no comando da CCaç 2549, do BCaç 2879, procuro esclarecê-la no livro “Do Interior da Revolução”, para além do que já fora publicado em “No regresso vinham todos” (o único livro que conheço que terá sido escrito durante a Guerra, sendo, que eu saiba, a única “história de unidade”, escrita daquela maneira) (**).

Não me compete a mim analisar a minha acção. Para isso, podem ouvir-se os homens que comandei, ou os homens do resto do BCaç. O que aliás pode ser visto no blogue do mesmo, da responsabilidade do ex-furriel Carlos Silva da CCaç 2548 (que, penso, estará em ligação com o vosso blogue) (***).

Caro Luís Graça,

Espero e confio que compreenda estes esclarecimentos.

Fui para a guerra, sendo oficial do QP, convencido que estava a cumprir o meu dever de cidadão. Fi-la o melhor que pude, com a enorme preocupação de, sem abdicar dos princípios, tentar não perder nenhum dos homens que comandava.

O decorrer da guerra ajudou-me a “abrir os olhos” para a realidade portuguesa. Tenho muito orgulho da maneira como me comportei, como tenho muito orgulho da minha acção, no seguimento dos ensinamentos aí obtidos.

Com 67 anos, ao olhar para trás, tenho a presunção de ter uma vida de que me posso orgulhar. Certamente com alguns erros, pois não tenho a veleidade de não errar e não ter dúvidas.

Mas, com um saldo que – presunção e água benta… – considero francamente positivo.

Quero continuar a poder olhar para o espelho, sem me envergonhar. Por isso, vou tentar não me desviar dos princípios morais e éticos que me têm norteado até aqui.

Não ia, portanto, permitir a quem quer que seja – e o sargento-mor Manuel Rebocho não está isolado nessa pretensão – que me insulte de ânimo leve.

Por muita vaidade que possa transparecer, afirmo que o meu passado fala por mim. Daí esta carta.

Cordiais saudações

Vasco Lourenço

2. Comentário de L.G.:

Todos os camaradas da Guiné, com ou sem visibilidade pública, têm antes de mais o direito ao bom nome... (Daí, de resto, esta nova série que inauguramos hoje). É umas regras básicas do nosso blogue. Esse direito implica, naturalmente, o direito de resposta sempre o que o bom nome é posto em causa (Publicaremos todas as respostas, desde que redigidas dentro do espírito de elevação e de cultura democrática que nos caracteriza).

Outra das nossas regras básicas de convívio, nesta caserna virtual, é que nenhum de nós faz (ou deve fazer) juízos de valor (e muito menos de intenção) sobre o comportamento (operacional e pessoal) dos seus camaradas da Guiné. Este blogue não foi criado para fazer ajustes com ninguém, nem sequer com a História.

Agradeço ao Vasco Lourenço os esclarecimentos que entendeu dar-nos. A sua mensagem chegou-nos no dia em que foi apresentado ao público o livro do Manuel Rebocho que é membro do nosso blogue e camarada da Guiné, livro de que faremos oportunamente uma recensão crítica. O facto do Vasco não ser membro do nosso blogue não o impede de nele ver publicados ulteriores esclarecimentos que queira fazer sobre a sua actuação como comandante da CCAÇ 2549 ou outros aspectos da sua comissão serviço na região de Farim.

Como eu costumo lembrar, aqui o nosso maior denominador comum é o facto de termos sido combatentes na Guiné, durante a guerra colonial. De resto, o nosso core business é esse, é partilhar histórias, memórias e até afectos.

Sendo seu contemporâneo da Guiné (pertenci à CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, Maio de 1969/Março de 1971), fico naturalmente triste de o ver envolvido num processo judicial com outro camarada, por questões de "bom nome"... Espero que o bom senso, a honradez, o patriotismo e o melhor dos valores militares (que nos foram incutidos no Exército, na Marinha e na Força Aérea) acabem por se sobrepor a um conflito pessoal que, infelizmente, veio parar à praça pública. Um Alfa Bravo. Luís Graça

PS - Quanto ao documento do Morais da Silva, antigo professor da Academia Militar, e nosso contemporâneo na Guiné, o próprio já mo tinha feito chegar, a meu pedido, à minha caixa de correio, gentilmente, em "versão amigável" (formato doc). Ainda não o li (trata-se de uma apreciação, em 22 páginas, da tese de doutoramento do Manuel Godinho Rebocho) mas fá-lo-ei em breve, com todo o gosto, avaliando aquilo que for considerado pertinente e útil para a informação e o conhecimento dos membros do Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné.
______________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 15 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5275: Controvérsias (53): Polémica M. Rebocho / V.Lourenço: Por mor da verdade e respeito por TODOS os camaradas (A. Graça de Abreu)

(**) Vd. poste de 23 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2207: Tugas - Quem é quem (1): Vasco Lourenço, comandante da CCAÇ 2549 (1969/71) e capitão de Abril

(***) 21 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4718: Efemérides (19): Em 20 de Julho de 1969, eu estava no Uíge em pleno oceano, a caminho de Farim... (Carlos Silva, BCAÇ 2879)

Guiné 63/74 - P5302: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (14): Alcobaça. Doces. Licores. Coisas do Céu e da Tabanca. Paixão. Amizade. Camaradagem (José Eduardo Oliveira)



Alcobaça > XI Edição de Licores & Doces Conventuais de Alcobaça > 15 de Novembro > O JERO, à direita, juntamente com o Belarmino Sardinha, o único representante (oficioso, mais a Antonieta) do nosso blogue na festa de Alcobaça (O Belarmino é uma camarada solidário e prestável que vive ora em Odivelas, ora no Cadaval; foi 1.º Cabo Radiotelegrafista STM, 1972/74, Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau).

Texto e fotos: JERO (2009).


1. Mensagem do JERO, com data de 16 do corrente, dando conta do cumprimento da Operação Barriguinhas de Freira, Papos de Anjo, Toucinho do Céu, Pudim dos Frades, Papão Anjo, Natas Conventuais, Fatias de Bispo, Queijinhos do Céu, Mexidos dos Anjos, Pudim Abade de Priscos, Pescoços de Freira, Cavacas de Santa Clara, Madalenas do Convento, Creme da Madre Joaquina, Lampreias de Ovos das Clarissas de Coimbra, Sopapo do Convento, Pão-de-ló do Mosteiro de Alcobaça, Bolo podre conventual, Creme de Abadessa, Sopa Dourada de Santa Clara, Mexericos de Freira, Hóstias de Amêndoas e... uf!, Bolo do diabo... (que não é assim tão feio como o pintam!).

VISITAS DE TERTULIANOS DA “NOSSA TABANCA GRANDE” AOS DOCES CONVENTUAIS DE ALCOBAÇA

por JERO

Vinte quatro horas depois do encerramento da XI Edição dos Doces & Licores Conventuais de Alcobaça, que teve lugar de 12 a 15 de Novembro p.p., venho fazer um primeiro balanço da adesão dos tertulianos ao meu (singelo) convite (*).

Todas as minhas expectativas – mesmo as piores – foram ultrapassadas. Tive um tertuliano (e sua mulher) em Alcobaça. Alentejano (do Cadaval), o Belarmino Sardinha veio até mim. Sim, senhores, esteve comigo 1 (UM) tertuliano!

E passámos umas horas bem agradáveis, cuja confirmação (por escrito) já está em meu poder.

Mas antes desse pormenor, que tratarei mais à frente, sinto-me na obrigação de começar por fazer uma primeira leitura estatística da adesão de tertulianos ao meu convite de 5 de corrente: Vd. Postagem 5220 > Agenda Cultural (42) (*).

Felizmente tenho muitos amigos e no que respeita a estatísticas (e sua análise) lembrei-me de um conterrâneo que trabalha no MAI [, Ministério da Administração Interna,] bem perto do Gabinete do nosso Ministro Rui Pereira, a quem dei conta dos números (ou melhor do número – 1 visitante) que tive nos Doces Conventuais deste ano.

E bem depressa tive uma resposta com uma leitura optimista em relação à percentagem de adesões. Em relação ao ano anterior – zero visitas – o aumento deste ano (1 visita) era verdadeiramente significativo.

Também outro número podia ser equacionado e este bem mais recente e não menos importante. A nossa economia cresceu no último trimestre 0,9% e afinal eu tinha tido 1 (!) (ponto de exclamação). Melhor dizendo 1,0 visitante. Esse aumento não era desprezível e eu não o podia ignorar.

Fiquei algum tempo calado – a informação era telefónica – mas lá me recompus e, ao fim de um longo silêncio, agradecia-lhe a atenção. Ele não deixava de ter razão.E a leitura fria dos números é mesmo assim.

Portanto, é já um pouco animado, que me dirijo ao fundador, administrador e editor do blogue Luís Graça para lhe dizer que não sabe o que perdeu. Ele e todos os outros que me ignoraram.

Perguntem ao Belarmino Sardinha que, mesmo angustiado como sportinguista que é (e não renega neste momento difícil da vida do seu clube de sempre), não deixou de vir até a Alcobaça. Perguntem-lhe.

Cabe aqui dizer que no dia da sua visita a Alcobaça (13/11/09) ainda se falava de José Saramago para treinador do Clube de Alvalade, não se perfilando ainda a candidatura, (confirmada), de Carlos Carvalhal, a quem desejo - como desportista (e benfiquista) - as maiores felicidades a partir da 12º. Jornada…

Voltando ao Belarmino Sardinha foi um grande prazer conhecê-lo e evidentemente que muito falámos da Guiné e do “nosso” blogue. Fomos (obviamente) almoçar com as preocupações inerentes a uma dieta conventual (frango na púcara).

No que respeita a dietas, pedi um “parecer” a um especialista – um bom amigo e Professor de História, em Leiria, de nome António Valério Maduro - , que reproduzo à parte.

Sugiro que o leiam para saberem como comiam os monges no Sec. XVIII. É o mínimo que me podem fazer depois do desgosto que me deram com a vossa ausência nesta XI Edição dos Doces & Licores Conventuais de Alcobaça.

Mas, se Deus quiser, para o ano há mais e o meu convite mantém-se. Até lá... se vieram para estes lados do litoral Oeste (Alcobaça) digam alguma coisa.

Um grande abraço do JERO.

2. Comentário de L.G.:


Meu caro IERO: Tomei boa nota, na minha agenda, do teu generoso e indeclinável convite, com data de 5/11/09:

Boa noite Luís

É tempo de abrir a agenda e escrever:"Alcobaça. Doces. JERO".. Falta uma semana. A XI Mostra vai decorrer no Mosteiro de Alcobaça de 12 a 15 de Novembro corrente.
Falta uma semana.É uma oportunidade única.Garanto à fé de quem sou. Para quem vier cedo podemos ir aos doces e visitar ,depois de almoço, o Centro Interpretativo da Batalha de Aljubarrota que fica a cerca de 10 kms. de Alcobaça. Quem precisar de ajuda ou tiver alguma dúvida contacte-me por favor - telef. 963147683.

Recordo que ALCOBAÇA é Terra de Paixão. E quem passa por Alcobaça (**)...


Meu caro JERO:

Simplesmente o raio do fim de semana foi curto como a manta do pobre. A gente bem estica o tempo, mas ele não é elástico... E Alcobaça, de facto, aqui tão perto, no centro do nosso querido Portugal!...

Que decepção, que vergonha! ...

Mas eu sei que o teu coração, grande e generoso, sabe perdoar, enquanto a cabecinha prepara a vingança, que se há-de servir fria... Por exemplo, por que não fazer o próximo encontro, o quinto, nacional, da nossa Tabanca Grande, lá para finais de Abril de 2010, na tua terra, de que muitos dos nossos camaradas não conhecem os segredos, os encantos, a história, a cultura, a gastronomia, o património, a natureza, as gentes... E que melhor guia do que tu, jornalista e homem de cultura, para levares os nossos tabanqueiros até à (re)descoberta da tua milenária Alcobaça onde não há santo nem combatente nem turista que resista à tentação de um doce e de um licor dos grandes e sábios monges de Cister...

Para aqueles que dizem que conhecem a tua terra, vamos pô-los à prova, com este verso da canção da tua terra:

(...) Sua lembrança não passa
Porque não pode passar.
Por mais que tente e que faça,
Quem passa por Alcobaça
Tem de por força voltar. (...)


E assim, amor com amor se paga... Luís

PS - Agradece, em nome de todos nós, ao teu amigo Maduro este bem documentado, leve, humorado e didáctico texto sobre o "ventre de Alcobaça" (se não maior, seguramente mais requintado que o "ventre de Bruxelas")... Para a próxima explica-nos lá o alcance (filosófico) deste provérbio conventual, agora tão apropriado à época de frio que se aproxima: "Freiras e frieiras, é coçá-las e deixá-las"... É um bom tema para a nossa tertúlia, seguramente mais divertido do que o pum!pum!pum! dos nossos soldadinhos de chumbo...


2. A Alimentação dos Monges Cistercienses de Alcobaça no século XVIII
´

por António Valério Maduro


O que comem os monges reflecte, em grande medida, as posses da comunidade, o seu estatuto social e os princípios ideológicos que a norteiam. Vamos então observar os produtos que chegavam à mesa monástica.

Começamos pelo pão e para não haver confusões falamos de pão de trigo alvo, dado que o povo dos coutos consumia um pão negro em virtude da fraca taxa de peneiração, que irá ser substituído pela broa de milho. Aliás, o pequeno pão ou merendeira, designado por micha, que os monges distribuíam diariamente aos pobres na portaria do Mosteiro e junto às Granjas, era constituído, essencialmente, de farinha de milho, algum centeio e rolão de trigo (desperdício do pão consumido pelos monges).

A carne que chegava à cozinha do Mosteiro não provinha toda de animais criados nas terras dos coutos de Alcobaça. A falta de pastos condicionava a criação de gado bovino. Durante o século XVIII, a maior parte dos animais de trabalho e açougue eram importados do Minho. A inexistência de vacas leiteiras obrigava o Mosteiro a adquirir barris de manteiga para abastecer a sua requintada cozinha. Já os rebanhos de ovinos do Mosteiro provinham em grande parte da região transmontana.

A cozinha recebia grande quantidade de galinhas e frangos. De Maio de 1747 a 1748 regista-se a entrada de 7.788 galinhas e 519 frangos. Para igual período de tempo temos um consumo de 51.589 ovos. Por seu turno, a coelheira do Mosteiro, uma das maiores da Europa, abrigava cerca de 6.000 animais.

Para além dos animais de criação, a gastronomia monástica era prendada por variadas peças de caça, entre as quais se contam coelhos e patos bravos, perdizes, codornizes, galinholas e ades (designação genérica atribuída às aves palmípedes). No lote de aquisições da cozinha do Mosteiro encontram-se lombos de porco, pedaços de toucinho, presuntos, enchidos, como as morcelas de Arouca, paios, leitões para assar, entre outros acepipes.

O peixe fresco consumido pelos monges provinha dos portos da Pederneira e de Peniche. Temos referências a cambadas de chernes, pargos, congros, corvinas, robalos, besugos, pescadas, sardinhas. Para além do peixe fresco, o Mosteiro adquiria pescada seca de Vila do Conde e de destinos mais longínquos, como a Holanda e a Irlanda, cação de Buarcos, grandes quantidades de bacalhau… Sáveis, enguias e lampreias, muitas lagostas e amêijoas, polvos e lulas, entravam regularmente na dieta alimentar dos monges brancos.

No capítulo dos queijos, ao requeijão e queijo fresco produzido nas queijarias locais, juntavam-se os queijos importados do Alentejo, de Parma, Flandres.

O vinho que acompanhava as refeições era produzido nas adegas do Mosteiro. Trata-se de um vinho produzido pelo método de bica aberta, temperado com maçãs camoesas, cascas de laranja e arrobe, cujo grau e sabor frutado cativou tantos e ilustres visitantes. Estima-se num quartilho (0,5 l) a quantidade de vinho ingerida a cada refeição pelos monges, mas este quantitativo podia ser mais elevado, dado que os copos em que se servia o vinho levavam bem, na opinião do Marquês de Fronteira e Alorna, meia canada (1 litro).

As árvores de fruto tão acarinhadas pelos monges nos seus jardins e pomares repartem-se em frutos de caroço, pevide e espinho. Temos as maçãs camoesas e baionesas eleitas nos foros, as doces laranjas da China, ginjas, cerejas, damascos, figos, pêssegos e ameixas e nos frutos agros, as limas e limões. Para além da fruta fresca, o consumo também privilegiava as frutas secas, nomeadamente as passas de camoesas e peras de almíscar aparadas, de ameixas caragoçanas, etc.

A doçaria está bem representada pelas extraordinárias compras de açúcar, arroz e leite indispensáveis ao arroz doce e manjar branco, pelos barris de manteiga, pelos inúmeros ovos, por arrobas de amêndoa (de Torres Novas), por chocolate… As artes da doçaria e conserva requisitavam grandes quantidades de peras, laranjas, pêssegos, cidras, abóboras e figos. A pêra e a abóbora cobertas eram consumidas em épocas festivas. Importavam-se bolos de Almoster, queijadas...

A indústria apícola facultava o mel de tão grande utilidade no receituário de doces e também noutros pratos requintados e bebidas fermentadas.

António Valério Maduro
______________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 6 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5220: Agenda Cultural (42): Doces & Licores Conventuais em Alcobaça (José Eduardo R. Oliveira)

(**) Letra da canção

Quem passa por Alcobaça...


Quem passa por Alcobaça
Não passa sem lá voltar.
Por mais que tente e que faça,
É lembrança que não passa.
Porque não pode passar.


Não se esquece facilmente
Dos seuS mercados a graça.
E o seu mosteiro imponente
Recorda constantemente,
É lembrança que não passa.


Por mais que tente e que faça,
Ninguém se pode esquecer
Das margens do rio Baça,
Nem do Alcoa que passa
Por ser mais lindo de ver.


Sua lembrança não passa
Porque não pode passar.
Por mais que tente e que faça,
Quem passa por Alcobaça
Tem de por força voltar.

Autor da letra: Silva Tavares
Música: Maestro Bello Marques
Interpretação: Maria de Lurdes Resende

Vd. último poste da série de 17 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5289: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (13): Distintivos das Unidades mobilizadas para o antigo Ultramar Português (Carlos Coutinho)

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5301: Controvérsias (55): Era só o que faltava. (António Matos)

1. O nosso camarada António Matos, ex-Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, enviou-nos a seguinte mensagem:


ERA SÓ O QUE FALTAVA

Camaradas,

As nossas idades (a minha, pelo menos), não sendo propriamente provectas, aconselhariam a dar por terminada uma qualquer polémica cujo prolongamento alimentará uma fogueira de fumo sem fogo o que, se por um lado seria saudável, não deixaria, por outro lado, de se comportar como um cordão detonante - ia ardendo em lume brando até à explosão final.

Isto se no fim estivesse um petardo, claro.

Na medida em que me fartei q.b. de colocar petardos quando na Guiné por imposição superior, "reformei-me" dessa actividade quando me libertei do jugo militar e hoje tento apenas localizar potenciais "engenhos literários" que possam ter sido deixados cair inadvertidamente do aparo da caneta e, esmiuçando-os, neutralizá-los.

Tudo isto para dizer que mando este texto aos editores na dupla perspectiva de comentário ou poste, deixando a decisão ao corpo editorial do blogue.

Olá Mexia Alves, é sempre um prazer "falar" contigo mesmo que te rebuce perante o poste 5292.

Era só o que faltava, meu caro Mexia Alves!

Era só o que faltava que seja qual for a afirmação que um qualquer de nós, ex combatente, onde quer que o tenha sido, incrimine, psicologicamente que seja, os restantes camaradas ou até, pasme-se!, a própria instituição militar.

Isso não faz sentido algum!

Não confundamos as afirmações em apreciação do António Lobo Antunes com as do AB onde, objectivamente, classifica os militares (eu, tu, todos, à excepção dos mencionados pára-quedistas e fuzas, suponho) de cobardes, cagarolas, etc.

Querer comparar os dois tipos de afirmações será por demais intolerante, descabido e ignorante!

Considerarmo-nos atingidos na nossa honra e dignidade pelos dislates (?!) de outrem, abonará pouco a favor das nossas consciências.

Também eu assumi a minha quota-parte naquele conflito.

Por esse motivo não posso vir hoje chafurdar nas merdas que se fizeram naquele tempo.

Em termos históricos posso e devo fazer o relato do que vivi (e não do que os outros dizem ter vivido) e partilhar as experiências mútuas.

Todos temos o direito à indignação mas sejamos pragmáticos no que toca ao cerne da questão.

Hoje está na moda dizer-se que também temos o direito à ponderação e essa, salvo raras e honrosas excepções, não têm primado no abordar desta discussão.

Caro Mexia Alves, receio que este texto te possa criar algum descontentamento mas crê que não é essa a intenção. Era só o que faltava!

Como dizia o general Spínola nas suas alocuções à chegada das tropas à Guiné (eu estava lá no Cumeré quando ele no-lo disse): "eu não estou zangado! estou só a defender com muita convicção as minhas ideias".

Só me sinto responsável pelas minhas atitudes e por muito que me revolte a realidade das minas, não posso vir hoje fazer acusações descabidas às circunstâncias que me levaram a instalar milhares delas ( a expressão "milhares" não é uma figura de estilo ...) !!!

Tenho que assumir que o fiz e disso não fujo!

Para o bem e para o mal!

António Lobo Antunes (ainda ele...) divaga (vamos admiti-lo) sobre um procedimento utilizado na sua unidade.

Caberá aos seus "bélicos-contemporâneos" virem a terreiro esmiuçar o que tiverem e quiserem esmiuçar.

Eu não fui tido nem achado "nessa guerra" pelo que não quero nem posso sentir-me insultado!

Dever-me-ei sentir um assassino pelas tropelias que foram feitas por todos os militares que de facto as fizeram?

Será necessário escarrapachar os nomes sonantes do nosso exército no rol das barbaridades perpetradas pelas NT nesta guerra?

E vou-me sentir enxovalhado porque um dia também fui militar?
Essa não, caro Mexia Alves!

Era só o que faltava!

Como corolário a esta novela, deixemos às entidades / instituições competentes a incumbência de dirimirem o problema em sedes próprias, sejam elas do foro jurídico (se de crime se tratar) ou do foro literário (se os arbítrios linguísticos estiverem feridos de morte).

Em prol da continuação das boas polémicas que este espaço tem proporcionado (está perfeitamente coerente com o âmbito do blogue) aqui deixo o meu abraço.

António Matos
Alf Mil Minas Arm da CCAÇ 2790
___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5300: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - I Parte (José Manuel Pechorrro)

1. Primeira parte de um trabalho relacionado com a actividade do PAIGC na zona de Guidaje em Abril/Maio de 1973, enviado pelo nosso camarada José Manuel Pechorro, ex- 1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19, Guidaje, 1971/73, em mensagem do dia 29 de Setembro de 2009:


O ASSÉDIO DO IN A GUIDAGE

De Abril a 09 de Maio de 1973

Parte I


A partir de Março 1973, o PAIGC na região fronteiriça no Senegal, Cumbamory, a cerca de 5kms, armazenava grande quantidade de diverso material bélico. Algum considerado de elevado nível, pensando-se que o seu destino seria o Oio, no interior da nossa Guiné.

De surpresa, a 03 de Abril (Terça-feira), a FAP cerca das 5 horas da madrugada bombardeou o Cumbamori, causando 5 mortos e vários feridos. Ouvimos e sentimos as explosões. O IN não chegou a utilizar os mísseis que dizia possuir na base. Os aviões passaram pertinho do nosso quartel, contra o vento e a baixa altitude, quase roçando as árvores.


O DIA DOS MÍSSEIS STRELA

Passados três dias, somos atacados em Guidage.
Levantei-me cedo, no dia 6 de Abril de 1973, uma Sexta-feira.
A manhã estava resplandecente, com o Sol a incidir já quente. Os pássaros faziam-se notar. Os lagartos esverdeados apareciam nos troncos das árvores. A população mostrava-se já activa.

As praças ao serviço do BENG 447, adidas à CCaç 19, laborando.
Os carpinteiros tinham iniciado a cobertura das casas com chapa de zinco na tabanca, ouvindo-se martelar. O serralheiro comandava o levantamento e colocação de um depósito em chapa de 5.000 a 10.000 litros, ao lado do motor-gerador, destinado a abastecer o quartel e a população de água.
Defronte da Secretaria, do lado da povoação, observava o esforço de quem trabalhava.

Obs: - O fornecedor da madeira para o reordenamento da tabanca era Carlos Vieira, irmão do guerrilheiro Nino Vieira. Com serração em Binta

Pelas 07,45 horas, o sobressalto! Soam com uma nitidez assustadora as armas automáticas do IN dentro do TN. Muito perto do arame, entre as árvores mais próximas e camuflados no capim, em terreno plano. De local inesperado, de fronte da caserna do 1.º Pelotão e da tabanca, do lado de Fajonquito.

Avistei mulheres e bajudas no carreiro, iam ou vinham da nascente, onde tomam banho e lavam a roupa na bolanha, fora do arame farpado. Muito próximas, atiraram com as trouxas ao chão e fugiram da zona perigosa.

Não recordo o sítio donde copiei esta foto. Com a devida vénia

Alcancei o Posto de Rádio, num raio, que tem defronte os bidons cheios de terra, sobrepostos. A porta estava fechada! Tive dificuldade em abri-la.
Todos reagindo em movimento louco para os abrigos e valas; saltam e deitam-se alguns ao chão, havendo quem choque entre si. Outros rastejam para detrás dos bidons e a parede, e das grossas árvores que estão em frente do edifício do Comando. Começam os rebentamentos dos RPG`s, os estilhaços e balas varrem.
Consegui entrar. Pediu-se apoio aéreo, directamente à BA12 em Bissalanca, mas os Fiat`s não apareceram. Mais tarde pensei que a acção se destinava a atraí-los!

O IN atacou do lado direito. Avista-se a caserna do 1.º Pelotão. Entre esta e o edifício do Comando, a Enfermaria.
Foto cedida pelo 1.º Cabo Radiotelegrafista Janeiro, alentejano.


A guarnição respondeu quase de imediato. Ouvem-se as nossas G3 e HK; dilagramas, morteiradas 60 e 81mm, caíram em cima deles. Os obuses 10,5 tentando atingi-los na fuga.
Durou 15 minutos. Retirou o IN não estimado, para Facã – Sambuiá, com cerca de 5 mortos e feridos graves, segundo informações recebidas, possivelmente para o acampamento de Uália, dentro do nosso território.
Voluntariosos, perto de 2 GCOMB, iniciaram uma perseguição imediata ao PAIGC, passando o arame. O nosso comandante Cap Mil Inf José Vicente Teodoro de Freitas sensatamente conteve os restantes.

Sofremos 3 feridos graves e 8 ligeiros. A população sofreu 1 ferido grave e 1 ligeiro. Tivemos sorte. A experiência dos 18 confrontos anteriores com o IN ajudou!
Um dos feridos graves foi o soldado do BENG José Crespo Silva, que se encontrava em cima do telhado de uma casa de chão térreo do reordenamento da população, na tabanca. Pediu-se a sua evacuação para o HM 241.

Ataque emotivo e o mais próximo do arame, de todos os que aconteceram com a CCaç 19.
Terá sido vingança?

Uma DO-27 pilotada pelo Fur PilAv João Manuel Baltazar da Silva, de Santa Isabel – Lisboa, partiu cedo de Bissalanca acompanhado do Alf Mil Médico, do COP 3, João Manuel Cantante Santos Silva, da Amadora e o nosso 1.º Sargento Sapador João Agostinho Gonçalves Oliveira Figueira. Vinham na avioneta do Sector que habitualmente nos visitava, todas as Sextas-feiras, para prestar assistência médica, no posto da enfermaria, aos militares, população de Guidage e Senegaleses que em grande número aqui se deslocam. Entregar também géneros frescos para a cozinha. Pelas 09,45h, deixaram de ter contacto via rádio com os aquartelamentos. Começando logo a temer-se o pior, que se tinha despenhado ou que teria sido alvejada.

Chega uma DO-27 que evacua o militar ferido do BENG 447 José Crespo Silva, para Bissau. Deu apoio a Enf Pára-quedista Giselda Antunes.

Os 2 GCOMB suspenderam a perseguição. Voltam com um civil nativo da povoação, ferido gravemente na coxa, ficou entre o IN e o nosso fogo. Foi encontrado na estrada entre os regos dos rodados das viaturas, onde tentou abrigar-se, atingido por estilhaço de uma das nossas granadas de óbus.

A Enfermeira Giselda voltou num segundo DO-27 que tentou chegar a Guidage, para evacuar o membro da população; no percurso foram alvejados por um missil Strela, que o não atingiu, mas os comandos do avião ficaram danificados pela acção da onda de choque e tiveram que aterrar de urgência em Bigene…

Para evacuar o civil ferido na coxa, outra DO-27 veio de Bissalanca, pilotada pelo Fur PilAv António Carvalho Ferreira, de Paços Ferreira, acompanhado pelo 1.º Cabo Enf Cóias da FAP; na base BA12 encontrava-se na altura de passagem o Maj Inf Jaime Frederico Mariz Alves Martins, natural da Amadora, nosso Cmdt do COP 3, que aproveitou a boleia a fim de visitar Guidage e se inteirar da situação. Pareceu-me um homem voluntarioso e satisfeito com a nossa actuação, do modo como respondemos ao IN. Animou o pessoal, deu-me um aperto de mão e umas leves palmadas nas costas.

Afirmou-se que ouviram o Maj Mariz ordenar ao piloto que iam observar a zona onde se teria despenhado a avioneta ou sido atingida. O Fur António Ferreira respondeu que era arriscado.
Descolaram, entrando no Senegal, fizeram meia-lua e voaram em direcção à mata de Sambuiá (?), em TN, e desapareceram. Nunca mais foram encontrados.

O Pessoal dirigiu-se apressado para o refeitório, ao iniciar a refeição, ouvimos um estrondo, obrigando alguns a tentar de imediato as valas ou os abrigos. Pensaram tratar-se de saída de peça de artilharia do IN, lado do Samoge ou de Sambuiá. Era cerca das 13,15 h.

Nota:
Ao Maj Mariz ouvi dizer, uma vez, em conversa com o nosso comandante que o nosso maior (Gen Spínola) se tinha encontrado secretamente, ali perto numa tabanca, com o Presidente Senghor, do Senegal, a fim de preparar contacto com Amílcar Cabral.

Amílcar Cabral, um tempo antes de ser assassinado, declarou em Cumbamori, devido às lamentações e cansaço da população apoiante do PAIGC, que estava farta de sofrer e cansada da guerra, que ia declarar a independência e, se as potências, não obrigassem Portugal a dá-la, e os portugueses não cedessem, ele entrava em negociações e acabava com a guerra! Pediu que aguentassem mais 1 ou 2 anos.

Uma esquadrilha de 2 FIAT`s G-91 realizou buscas, arriscadas.
Afirmaram que a nossa zona estava operacionalmente relaxada.
Foram também alvejados. Um míssil passou demasiado perto do avião que sentiu a onda de choque. O piloto ao observar a saída, segundo deu a perceber, puxou uma alavanca, levou o Fiat a cair e evitou o projéctil!
Escutando as conversas via rádio, mostraram calma, serenidade e sangue frio.

Veio depois um T6 e quando se preparava para actuar foi atingido, explodindo! Pilotado pelo Oficial de Operações do GO 1201 Maj PilAv Rolando Frederico Mantovanni Borges Filipe, de Socorro – Lisboa. Chegou até nós o estrondo. Apresentou-se na Unidade e voluntariou-se para efectuar a missão em que acabou por perder a vida.

Num só dia e na zona operacional de Guidage morrem dois Furriéis e um Major pilotos da FA; um Major do Cop 3; um Alferes Miliciano Médico; um 1.º Sargento; um 1.º cabo Enfermeiro e um civil nativo: 8 pessoas.
Juntam-se ao piloto do Fiat G-91 atingido na zona de Afiá, no sul, perto de Aldeia Formosa, onde perdeu a vida o Cmdt do GO 1201 Ten Cor PilAv José Fernando Almeida Brito, em 28/03/1973.
O aparecimento dos mísseis terra-ar vem condicionar a acção da nossa aviação nesta guerra de guerrilha na província da Guiné. Criou confusão na FA, quase a tornando inoperacional, notou-se durante alguns dias. Deixa de fazer evacuação de feridos e mortos nos locais mais arriscados.

Seguiram-se várias batidas diárias e exaustivas, efectuadas por todos os aquartelamentos e uma força operacional, a Companhia de Pára-quedistas, ida da BA 12.

A CCP (?)/BCP 12, ao procurar vestígios das aeronaves no solo, sofre forte emboscada, de 0,5 a 1 hora debaixo de fogo nutrido e é obrigada a retirar com um ferido grave, para Bigene. Esta deu-se em terreno plano, à beira de uma bolanha, suponho em Samoge, pelas 14 horas, no dia 09.4.1973. O combate notou-se perfeitamente em Guidage.
Fiquei impressionado com a personalidade do Comandante desta Operação, que dirigiu e apoiou, sitiado em Bigene, via rádio, a acção das NF.
No Posto de Rádio, sempre à escuta, acompanhámos as conversas entre os intervenientes.
Nestes dias, um Destacamento de Fuzileiros de Ganturé teve também um violento confronto e com os mesmos resultados, nesta mesma região, segundo me parece.

No dia seguinte e nesta zona, a referida CCP (a 121?), detectou restos do DO-27 do Sector. Encontrou carbonizados os corpos do Alf Mil médico João Silva, do 1.º Sarg Figueira e do Fur PilAv Baltazar da Silva, em tamanho reduzido.
Numa árvore estava pregada uma ordem de serviço, pertença da CCaç 19.

Até aqui, tenho passado as noites no dormitório dos operadores de Transmissões. Eu e o meu colega Op Cripto Hilário optámos pelo Centro Cripto para onde mudámos as camas com colchão de espuma. Debaixo da placa de cimento é mais seguro, porque as casernas dos 4 pelotões, o Centro de Cripto, o Posto de Trasmissões e a Enfermaria têm placa de betão.


AS NOTICIAS
Algo vai acontecer!


Continua a chegar material de guerra a Cumbamori.
O PAIGC está a retirar a população das regiões onde estão situadas as suas bases, mais 7 kms para o interior da nação vizinha.
Nos primeiros dias de Abril, 9 elementos do grupo do FAI SISSÉ, guerrilheiro combativo e dinâmico, desertaram para a Gâmbia. Motivo: medo das futuras acções contra Guidage, onde costumam ter quase sempre pesadas baixas e mortes.

Um informador de confiança insistiu para que pedíssemos o reforço da guarnição, com uma Companhia e usar de todas as precauções. Foi solicitado, mas não atendido.
Apareceram indivíduos com uma manada de 40 a 50 vacas, a pastar na zona da fronteira, rente à bolanha. Com tantos pastos, porquê ali? Certamente descobrir e accionar possíveis minas por nós plantadas. Cada animal tem 4 patas, aumentando a possibilidade de accionamento. Se alguma ficasse mutilada, o pior que acontecia era ser comprada e transportada pela nossa Companhia. Comprovaram não haver campos de minas.

Um senegalês apresentou-se em Guidage, acompanhado de um milícia das NT. O milícia tinha sido capturado no sul da província, foi levado para Cumbamori e dali para Ziguinchor, onde encontrou o tal sujeito (CONE SANE), rapaz novo e com bom aspecto. Os militares logo afirmaram que era turra. Assim como um refugiado, seu compatriota, que se encontrava havia alguns dias no reordenamento e que voltou para o Senegal. Ambos demonstraram conhecer-se. Percorreu o quartel. Chegou a comer no refeitório das praças, na sua maioria brancos. Presenciou e avaliou o ataque do dia 6 de Abril, examinando a nossa reacção. Entrou no perímetro defensivo do quartel e fingiu ajudar os soldados durante a luta. Foi logo afastado, não passando a sua atitude despercebida. Afirmava ser estudante e ter tido problemas no liceu, em Dakar. Depois de muito insistir foi-lhe passado passaporte para Bissau, via Farim, passando por Binta.

No dia 17 de Abril (Terça-feira), a coluna auto em que seguia, accionou 2 minas anti-pessoais, que causaram a morte ao 1.º Sarg AC, Octávio José Horta, da Secretaria, pertencente à CCaç 19 (CArt 3521), ex-comando em Angola no ano de 1961. Seguia o 1.º Sargento a pé, a corta mato, perto da estrada como precaução, pois tínhamos informação que estava minada. Ao detectarem a primeira todos ficaram imóveis, só o 1.º Sarg Horta se mexeu, num repente desloca-se, deita-se tentando levantá-la. Accionou uma segunda com o peito e, morreu! O estudante senegalês ao presenciar ficou indisposto. Em Farim, ao ser interrogado pela DGS, foi preso, depois de admitir ser agente do PAIGC.

O outro refugiado senegalês foi também detido no dia em que voltou a Guidage (ainda durante o cerco) e confessou ser militante IN. De observar que o Partido mandou dois especialistas e não confiou nas informações obtidas. Notou-se a infiltração na população senegalesa que nos visita de gente suspeita. Vêm em grande número a fim de comercializar, mas principalmente receber assistência médica que na realidade não existe em vastas zonas, do outro lado do território, situação agravada pela seca.

No dia 1.º de Maio (Terça-feira) pelas 18,15h, quando nos preparávamos para jantar, grupo IN não estimado, flagelou com morteiro 82 mm, sem consequências. Segundo fonte aceitável, os atacantes tiveram mortos e também feridos. A nossa reacção fora boa.

Individualidades de certa influência em Farim (homens grandes), especialmente entidades religiosas muçulmanas (Mandingas), reclamaram a substituição da CCaç 19, por uma metropolitana. Mandaram a população realizar colecta, pois Guidage iria passar uma grande provação.

Presenciei actos religiosos: Orações e cinza na cabeça dos jovens; matança de carneiros e deram a carne aos mais necessitados, a fim de Alá ter piedade deles.

Alguns soldados negros abordaram o comando, lamentando:

- Se não efectuarmos patrulhamentos à zona operacional da nossa Companhia, qualquer dia seremos agarrados à mão dentro de Guidage!

De facto, a partir de certa altura pouco saíamos, quase só para realizar colunas auto a Binta.
No dia seguinte aproximei-me de Malan Sissé, soldado da CCaç 19, filho de ex-Régulo Mandinga. A sua família foi maltratada pelo IN, e anda na guerra desde o início. Perguntei o que dizia da situação? Respondeu:

- Oh nosso cabo, os brancos já não querem lutar!

Mostrou preocupação no que se referia à sua família. Casado com 2 mulheres: uma em Binta ou Farim e outra em Guidage. Com um filho, pelo menos; este, na escola em Farim, mostrava inteligência e o pai pensava mandá-lo para a metrópole estudar.

(Ver Guiné 63/74 - P4751: Histórias do Jero (1): João Turé…)
Do sítio -
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/

Que terá acontecido ao Malan Griffon Sissé e aos soldados da CCaç 19, depois da independência?

O roncar de motores de viaturas à noite, chamou a atenção dos militares, que se referiram a eles como sendo dos turras, dentro do TN. Começaram por se ouvir primeiro na tabanca, local mais silencioso, fora do alcance do barulho do gerador de energia eléctrica.
Ouviam-se rebentamentos de morteiro e canhão sem recuo, as NT não lançaram as granadas, só podiam ter sido os guerrilheiros. Confirmamos, perguntando aos outros quartéis. Devem fazer a regulação de tiro para o lado do CUFEU, a fim de melhorar o rendimento nas futuras acções contra as colunas auto ou movimentos portugueses.
Contrariando o habitual, batia-se a zona quase todos os dias com morteiro 81, explodindo as granadas nos sítios mais prováveis da presença do IN.

Como Operador Cripto notei que algo se iria passar, assim como o pessoal de Transmissões.
Os indícios de uma coisa grave, a Operação Amílcar Cabral do PAIGC

(Continua)
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 1 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5039: Tabanca Grande (176): José Manuel Pechorro, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19, Guidaje (1971/73)

Guiné 63/74 - P5299: Livro de Estilo (1): Nós, o autor do Os Cus de Judas e os Presuntos Picantes (L. Graça / V. Garcia / A. Matos)

1. Sobre um escrito ("António Lobo Antunes e a escrita mentirosa") que o Victor Garcia nos mandou, anteontem, redigi o seguinte comentário:

Meu caro Victor, grande Kimba de Capunga (c/c aos nossos editores e a dois camaradas elegíveis para o futuro cargo de provedor do leitor do blogue, o António Matos e o Joaquim Mexia Alves):

Obrigado pelo envio desta mensagem, mas o nosso blogue, em princípio, não publica (nem precisa, felizmente, de publicar) aquilo que se chama SPAM (um buzzword da Web, do inglês spiced ham - presunto picante, em português - usada parta designar as mensagens não-solicitadas, enviadas em massa, diariamente, para a nossa pobre caixinha de correio). ...

Felizmente, temos produção própria para alimentar todos os dias o blogue. Temos, além disso, algumas regras de etiqueta e de convívívio... Eu penso que quiseste apenas dar-nos conhecimento deste texto que, fora a autoria (Barroso da Fonte com comentário adicional de Manuel Bernardo), eu não sei donde vem nem onde nem quando foi publicado. Eu, por (de)formação académica, gosto sempre de ir à fontes, até porque há muitas coisas apócrifas que por aí correm na Net. De qualquer modo, obrigado pela tua lembrança.

Em resumo: o texto não é teu, o Barroso da Fonte não é membro da nossa Tabanca Grande nem sequer o Manuel Bernardo (estive anteontem com ele, por acaso, tendo-lhe dito que ele, coronel, não pode sentir-se ofendido por nem sempre publicarmos a prosa dele; afinal ele nem sequer é da nossa tertúlia, nunca combateu na Guiné, não pagou a jóia de ingresso nem muito menos alguma vez pediu para fazer parte do nosso blogue)...

Por outro lado, não nos interessa alimentar este tipo de polémicas, para além do que é razoável, oportuno e pertinente (Veja-se o que se passou com o folhetim Almeida Bruno)... Como eu costumo lembrar aos meus queridos editores, o nosso core buiness é a guerra colonial da Guiné 63/74... Não podemos perder de vista o essencial... E, tal como na guerra, o acessório pode ser o fim do artista (e neste caso do blogue e de todos nós, que já temos idade para ter juízo e calma no gatilho)... Penso que às vezes vemos a árvore e não conseguimos ver a floresta...

Já sabemos que somos todos filhos de boa gente, mas não aprecio quem diz: "Não li o livro, não vi o filme, não estava lá... mas também quero malhar no gajo"...

O insulto (pessoal) é indigno de um camarada da Guiné. Como sabes essa não é a nossa postura: somos um blogue de partilha de memórias e de afectos, temos regras que temos de respeitar, etc... Não está em causa o teu eventual direito à indignação. O teu, o meu, o dos restantes membros do nosso blogue, o dos nossos leitores, etc.... Mas no teu caso eu gostaria de conhecer (e eventualmente publicar) a tua opinião, e não a do Barroso da Fonte ou do Manuel Bernardes ou de outra pessoa qualquer, antigo combatente ou não... No teu caso, terei muito gosto em recebê-la, apreciá-la e eventualmente publicá-la.

Enfim, está na altura, de resto, de nos mandares uma história (e fotos) da malta da CCAV 2639... Olha, nunca tinha ouvido falar de Capunga...

Um grande abraço do Luís e parabéns pela tua página pessoal, e os teus trabalhos em powerpoint.

2. Rsposta, gentil e oportuna, do Victor Garcia (*):

Caro amigo Luis Graça

Na verdade o intuito de eu ter enviado essa mensagem foi precisamente para divulgar algo que também chegou ao meu mail, e reenviá-lo aos endereços que tenho de rapaziada das Guerras Coloniais, entre os quais está o amigo Luis Graça.

O intuito não era de forma alguma ser publicado no seu Blogue. Eu, por sinal, até sou apreciador da escrita de Lobo Antunes.

O primeiro livro que li dele foi Os Cús de Judas [,1979,] que retrata a Guerra em África. Aprecio a forma frontal como ele faz a escrita e até um pouco a linguagem vernácula que utiliza.

No entanto, a ser verdade o que ai está escrito "será na verdade lamentável". No fundo também reconheço que anda pela NET muito lixo e muita falsidade. (...)

3. Parecer do António Matos: "Limito-me a aplaudir a decisão da não publicação do texto no blogue" (18/11/2009).

______________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 1 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5043: Blogues da Nossa Blogosfera (19): Victor Garcia abre na Net uma página sobre a CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71)

Guiné 63/74 - P5298: Tabanca de Matosinhos (12): O orgulho de pertencer à Tabanca de Matosinhos (José Teixeira)

1. Mensagem de hoje, dia 19 de Novembro de 2009, do nosso camarigo José Teixeira*, ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70, com uma descrição, no mínimo brilhante, do ambiente que se vive na Tabanca de Matosinos, nos almoços das quartas-feiras e não só, de camaradagem, solidariedade, cumplicidade e comunhão de sentimentos partilhados por aqueles homens maduros, ex-meninos combatentes daquela terra quente e húmida da Guiné que os une de forma indelével.


O ORGULHO DE PERTENCER À TABANCA DE MATOSINHOS

Aqueles que passam por nós,
Não vão sós, não nos deixam sós.
Deixam um pouco de si,
Levam um pouco de nós.


Antoine Saint-Exupéry**.



A Tabanca de Matosinhos*** tem sido desde meados de 2005 um ponto de encontro de centenas de antigos combatentes da Guiné. O poema que Saint-Exupéry escreveu reflecte a meu ver, muito bem, a razão de ser deste encontro semanal, que nas últimas trinta e sete semanas, como apurou o Álvaro Basto, juntou 255 convivas.

Na verdade, todas as semanas aparece gente nova. Uns ficam, outros voltam quando a vida lhes permite, alguns poucos, sobretudo os de mais longe partem com a promessa e vontade de voltarem.
E de facto não vão sós. Pois deixaram um pouco de si e levam um pouco de nós
Interrogo-me muitas vezes do porquê desta relação de pessoas que não se conheciam e que logo após o primeiro contacto, parecem ser amigos de longa data.

Quebra-se o tabu da linguagem, localiza-se rapidamente os lugares por onde passaram. Lugares que tantos de nós conhecemos.
Apenas uns minutos e parece que já nos conhecemos de longa data. Quantas vezes descobrimos que as nossas vidas se cruzaram, entrecruzaram. Foi no COM ou no CSM. Foi na recruta, ou no Quartel. Tivemos como comandante o Capitão xpto. Um gajo porreiro ou um bom FDP. Um Major que era um castiço e só queria copos, ou o outro que andava sempre a ver se podia lixar alguém.

- E lá na Guiné! Lembras-te da Binta, a lavadeira. Eh pá essa já tinha filhos, quando lá cheguei!

- Pois… mas no meu tempo, não queiras saber!…

E o almoço começa a ser servido…

Intervalo, claro que o rancho está primeiro... As histórias continuam dentro de momentos...

Surgem num ápice as recordações dos momentos difíceis que a guerra trouxe a cada um de nós, agora que a boa pinga do Zé Manel aqueceu as gargantas e o estômago está rarefeito, com as saborosas sardinhas que nunca faltam na mesa, ou outro petisco a gosto de cada um.

Não são lengalengas para entreter, para matar o tempo, enquanto degustamos o almoço. São partes das nossas vidas, postas em comum. Espaços do nosso tempo que se foi, mas que continua religiosamente bem guardado, cá dentro. Surgem as histórias tão iguais e tão diferentes, que cada um tem para contar, muitas vezes abafadas ou escondidas no sótão, já envelhecido, do subconsciente.
Quantas vezes até, estivemos lá, no mesmo sítio, a outra hora num outro dia, num outro tempo. Trilhámos os mesmos caminhos. Tivemos como companheiros de luta, os mesmos soldados nativos.

Quando passadas duas ou três horas, saímos do restaurante com o estômago mais pesado, partimos para nossas casas, mais leves, porque partilhamos algo de nós com aquela gente, aquele grupo de gajos, mais ou menos da nossa idade, que nem conhecíamos. Deles recebemos exactamente o mesmo, um pouco de si. As suas vivências durante o tempo de guerra, que do mesmo modo os marcaram para a vida toda, tanto quanto as nossas vivências.

Desiludam-se os que pensam na Tabanca de Matosinhos, como um espaço de enche barriga e bebe uns copos.
Zé Teixeira
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 18 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5294: Blogoterapia (129): A guerra que Portugal não ganhou (José Teixeira)

(**) Antoine-Jean-Baptiste-Marie-Roger Foscolombe de Saint-Exupéry (29 de junho de 1900, Lyon - 31 de julho de 1944, Mar Mediterrâneo) foi um escritor, ilustrador e piloto da Segunda Guerra Mundial, terceiro filho do conde Jean Saint-Exupéry e da condessa Marie Foscolombe.

(Retirado da Wikipédia

(***) Vd. poste de 7 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5229: Ser solidário (43): A Tabanca de Matosinhos constitui Associação de Apoio e Cooperação ao Desenvolvimento Africano (Editores)

Vd. último poste da série de 9 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4310: Tabanca de Matosinhos (11): As crianças da Guiné-Bissau precisam da nossa ajuda (Álvaro Basto)

Guiné 63/74 - P5297: Parabéns a você (44): Mário Migueis, ex-Fur Mil Rec Inf (Bissau, Bambadinca, Saltinho, 1970/72) (Editores)

Dia 19 de Novembro de 2009 também é dia de festa na Tabanca Grande, porque mais um camarada festeja o seu aniversáro. Desta vez, muito ao Norte, mais propriamente na linda e ventosa cidade de Esposende, onde um seu filho que se assina Mário Migueis, que foi Fur Mil Rec Inf e que esteve na Guiné de 1970 a 1972, está de parabéns Para o Mário as nossas felicitações e votos de uma longa vida cheia de saúde, junto da sua família e amigos. 

 Mário Migueis apresentou-se oficialmente à Tabanca no P4194 de 16 de Abril de 2009, mas em 31 de Outubro de 2006 era já referido a propósito de uma mensagem que dirigiu ao nosso camarada Paulo Santiago, transcrita no P1230.

  Caro Santiago: Só agora tive oportunidade de ir ao blogue que me indicaste. Confesso que foi uma surpresa agradabilíssima poder rever, através de fotos da época, e não só, figuras e locais tão familiares, cujo registo os trinta e cinco anos entretanto decorridos não conseguiram apagar. Só por isso, o meu jarama (2) ao editor do blogue e a todos os restantes tertulianos, independentemente dos respectivos credos e patentes. 

 Penso que conheci o Henriques (Luís Graça) em Bambadinca, durante a minha passagem pelo sítio (Novembro de 1970 a Janeiro de 1971). No entanto, as fotografias dele disponíveis no blogue (uns óculos de que me não recordo) deixam-me algumas dúvidas (3). 

 Tenho, no entanto, uma fotografia com o T. Roda (CCAÇ 12), na qual, ao fundo, aparece a figura daquele que eu admito ser o agora nosso Luís Graça. A personagem que eu recordo usava, na altura, pêra pouco farta e, quando não estava em serviço, apresentava-se invariavelmente fardado com camisa de meia manga, calção, bota de lona e meia bem esticada até ao joelho (tudo como mandava a sapatilha e... o Anjos de Carvalho) (4). 

 Olha, nunca me deu para ir à Internet em busca da Guiné...e agora!... Agora, despertaste-me a curiosidade e o apetite e, qualquer dia, dou comigo a blogar também por vielas e calçadas, que é como quem diz por bolanhas e picadas... [...] 

 Em Abril de 2009, o Mário tomou finalmente a decisão de se juntar a nós:

  Caro Carlos Vinhal: As minhas cordiais saudações. Uma vez que, segundo percebi, estarás com a braçadeira de editor de serviço durante o mês de Abril, a ti dirijo aquilo que espero possa constituir um contributo para o esclarecimento de alguns aspectos da emboscada do Quirafo, oportunamente relatados neste blogue, que muito estimo. Antes do mais, e em complemento da breve apresentação que o Paulo Santiago já aqui fez da minha pessoa, aquando da publicação no P1230 (Outubro 2006) (*) de uma mensagem que lhe dirigi, em resposta à questão que me colocava sobre o ranger Eusébio, passo a facultar a minha ficha de identificação e algumas fotos, por forma a cumprir escrupulosamente o regulamentado para a adesão à Tabanca Grande: Nome: Mário Migueis Ferreira da Silva (**) 

Data de nascimento: 19/11/1948 
Naturalidade: Esposende 
Residência: Esposende 
Estado civil: casado 
Profissão: Bancário (na situação de reformado há cerca de dois anos) 
Experiência militar: 

Por onde andei: Após Caldas - Recruta - 4.º turno/69 e Tavira - Especialidade - 1.º turno/70, novamente Caldas como Monitor de Instrução - Abril a Out/70, inclusive. Seguiu-se a Guiné dos meus sonhos. Posto: Furriel Miliciano Especialidade: Reconhecimento e Informação Unidade: C.C.S. - Q.G. (Bissau) Colocação: Com-Chefe / Rep-Info (Amura-Bissau) Função: Serviço de Informações Militares (SIM) Unidades em que estive em diligência: Bart 2917 / Bambadinca (Novembro 70 a Janeiro 71, incl.); CCaç 2701 e CCaç 3890 / Saltinho (Março 71 a Outubro 72, incl.) Outros sítios importantes onde, ao longo da comissão, estive amiúde, em curtas estadias de serviço ou, simplesmente, em trânsito para outros pontos do território: Galomaro, Bafatá, Nova Lamego, Xitole, Xime, Mansambo, Aldeia Formosa. [...]

Saltinho, 1972 - Estação das chuvas. Muitas águas passaram entretanto, mas...

... o sacrifício dos nossos jamais será esquecido. 2. Comentário de L.G.:

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/79) > Dias fotos do Fur Mil Apontador de Armas Pesadas de Infantaria a quem, em vez das ditas, lhe deram uma G3 que sempre era mais levezinha...

Fotos: © Luís Graça (2005). Direitos reservados

Meu caro Miguéis:

Passou tanta malta por Bambadinca!... O teu amigo Henriques conheceu dois batalhões (BCAÇ 2852 e BART 2917) e diversas unidades adidas, incluindo a minha CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (1969/71)... E conheceu-te a ti, antes de partires para o Saltinho, para a CCAÇ 2701 (1970/72), a que esteve também adido o nosso querido camarada e amigo Paulo Santiago, ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 53...

Tiveste a gentileza de evocar esse tal Henriques, que vestia à pipi, como mandavam as boas regras do RMD e a vontade do sr. major Anjos de Carvalho, antigo professor da Academia Militar e 2º comandante do teu batalhão... Em Bambadinca, nesse tempo, não havia bandalheira geral, era um quartel a sério e nisso temos que fazer justiça ao Anjos de Carvalho. Quanto aos óculos escuros do Henriques, ele já veio aqui defender a tese de que um dia voaram sob o efeito do cone de fogo de uma bazuca... Mito ou não, parece que esse teu amigo, no teu tempo (Novembro de 1970/Janeiro de 1971), já não usaria as cangalhas (que de resto não lhe faziam nenhuma falta, até hoje)... O detalhe da pêra parece bater certo...

Quem costuma falar dele, mas mesmo assim pouco, é o seu alter ego Luís Graça que tem a mania de ter e manter uma blogue "para dar voz" aos seus (dele, Henriques) antigos camaradas da Guiné... Como tu que, entretanto, nunca mais apareceste e hoje irrompes-me, pelo ecrã dentro, em dia de festa de aniversário. Felizmente que o Carlos Vinhal está a atento a tudo e não deixou a passar a efeméride.

O Henriques que brincava contigo por seres da secreta, isto é, do SIM - Serviços de Informaçáo Militar) vai ficar muito contente por saber que estás vivo da costa, em Esposnde, e ainda comemoras os teus anos. O Luís Graça, por seu turno, foi buscar duas velhas fotos do Henriques pra te avivar a memória... Infelizmente, não encontrou nenhuma do Tê Roda, que se sabe viver lá para os lados de Setúbal onde é (ou foi) professor... Há tempos o Benjamim Durães (que vive em Palmela, e que era do Pel Rec Info da CCS do BART 2917, possivelmente foste tu que o foste substituir, uma vez que ele foi evacuado por ferimentos graves em acidente), já me disse que tem em casa fotos do querido amigo e camarada do Henriques, da CCAÇ 12, o Tê Roda (natural de Pousos, Leiria), para me mandar... Prometo mandar-temais notícias de Bambadinca (o último a aparecer, aqui no blogue, foi o ex-Cap Art Passos Marques, comandante da CCS/BART 2917). E dar-te um abraço, ao vivo, em Esposende... quando o Henriques for ao Norte. Parabéns, meu caro!

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Notas de CV:

(*) Vd. postes de: 

 31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1230: Onde se fala do Henriques da CCAÇ 12, do ranger Eusébio e da tragédia do Quirafo (Mário Miguéis) 

 16 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4194: Tabanca Grande (134): Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf (Guiné 1970/72) 

 17 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4200: Ainda e sempre a tragédia do Quirafo. Sortes distintas para António Batista e António Ferreira (Mário Migueis / Paulo Santiago) 

 17 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4202: Dia 17 de Abril de 1972. A emboscada do Quirafo, 37 anos depois (Mário Migueis) 

 29 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4262: Recortes de imprensa (16): O Morto-vivo no Jornal de Notícias e em O Comércio do Porto (Mário Migueis) 

 Vd. último poste da série de 18 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5290: Parabéns a você (43): Victor Condeço, ex-Fur Mil SM da CCS/BART 1913

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5296: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (7): Mascotes e animais de estimação e/ou companhia - Os gatos….

1. Mensagem de Hélder Sousa, ex-Fur Mil de Transmissões TSF (Bissau e Piche, 1970/72), com data de 15 de Novembro de 2009:

HISTÓRIAS EM TEMPO DE GUERRA
MASCOTES E ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO E/OU COMPANHIA
OS GATOS…

Como de costume, quando escrevo algo sobre os tempos vividos na Guiné, é motivado por vários elementos que vão aparecendo e que depois de os remoer, um pouco, acabam por me fazer lembrar das situações ou acontecimentos. Vem isto ao caso dos ‘postes’ relativamente recentes em que se falou de aves, pássaros vários, morcegos, ‘ui uis’ e quejandos e da quantidade e variedade de comentários que suscitou.

A propósito deles ficámos a saber de ‘pardais amestrados’, de convívios com morcegos, da admiração pelos jagudis (quase sempre confundidos com perus pelos periquitos…). Também já se tinham referido a cães que, por todas as tabancas, quartéis e aquartelamentos, eram muitas vezes a grande companhia para as solidões.

O Caçador

Até se fez referência a uma tresloucada acção de ‘matança’ de cães que, algures no mato (longe de Bissau, portanto) incomodavam quem não deviam… Igualmente sabemos de periquitos e outras aves que ajudavam a passar o tempo das ‘horas mortas’. Aqui e ali são também conhecidas as proximidades com aqueles animais que, na generalidade, referimos como macacos. E por aí fora.

Eu e o Caçador

Não me apercebi de coisas estranhas, mas possíveis, como ter como mascote ou companhia crocodilos, osgas, iguanas, grilos ou cobras (de várias espécies) mas não posso jurar que não os houvesse… Agora, o que mais me intriga, é a falta de referências aos gatos.

É que esses animais, sempre com o seu estilo particular, lá como cá e noutras partes por onde existem, estiveram presentes durante as nossas ‘comissões de serviço’.

A Morcona

Eu sei que falar de gatos é um pouco ‘abichanado’ mas mesmo assim, se me permitirem, eu vou referir-me a eles.

E, para começar, apresento um poema que o nosso camarada Marques Lopes fez publicar na “Tabanca de Matosinhos”, no início de Agosto passado, em homenagem a um seu amigo entretanto falecido fazia 6 meses, sendo esse o autor do poema e de seu nome Fernando Vale.

O GATO

O gato é um felino
Aristocrata
Sempre usou laço
Nunca quis gravata

O gato é um felino
Snob
De trato fino
Até vaidoso

O seu andar?
Suave, silencioso
Independente
Misterioso

Nunca submisso
Mostra unhas
Também os dentes
Se em duelo
Tanto for preciso

Usa bigode
Destemido, soberbo
Sempre snobe
Não conhece o medo

O seu porte
A muitos humanos
Não agrada
Mas este felino
É um nobre
Capaz de ronronar
Ao exigir uma carícia
É snobe
Mantém sempre
A cabeça levantada
É nobre
Até mesmo quando caga

O gato é um felino
Aristocrata
Sempre usou laço
Nunca quis gravata

(Fernando Vale, 28.02.2008)

Ora acontece então que durante a minha permanência no “Centro de Escuta” os gatos foram a minha companhia, principalmente durante as longas noites de serviço e disso não posso, nem quero, esquecer-me.

Disse durante a noite porque tanto a “Morcona” como o “Kiki” só nesse período se deixavam ver. Não sei porquê, nunca me disseram nem consegui descobrir, durante o dia desapareciam completamente das vistas e só depois do sol-posto apareciam. Houve também um outro, o “Caçador”, que era completamente diferente.

Esse dava-se a ver durante o dia e deixava-se agarrar. Chamei-lhe assim porque era um caçador nato, apanhava tudo o que podia, ratos, sapos, lagartos ‘paga-dez’, até cobras e víboras e depois muito vaidoso carregava as presas e vinha oferecer-me, numa espécie de deferência.

Tudo começou pela “Morcona” que era a gata-mãe dos outros dois, em ninhadas diferentes. Quando cheguei á “Escuta” essa gata estava no forro da casa, tendo entrado para lá por essa ocasião por um buraquito, mas pelo qual já não podia sair.

Pensámos em deixá-la por lá, mas sempre havia o perigo de alguma incomodidade pelo cheiro e não só, e eu, aos poucos, fui tentando cativar a sua confiança, através da comida que lhe levava pelo alçapão de acesso existente na “Escuta”, o que acabei por conseguir. Traindo a sua confiança conquistada com tanto trabalho, consegui agarrá-la e fazê-la passar por esse alçapão, recuperando igualmente três pequenos gatitos.

Inicialmente ficou ‘louca da vida’ mas acabou por não rejeitar as crias, as quais foram acondicionadas no que seria a chaminé da casa onde vivia que era contígua ao “Centro de Escuta”, de modo bem disfarçado e que lhe deu bastante privacidade.

Esta ninhada esteve na origem de um episódio bem caricato passado com o meu amigo Nélson Batalha, de quem aqui já falei no Blogue.

Nessa ocasião era hábito, aos sábados, o Sr. Comandante do que viria a ser o Agrupamento de Transmissões, Sr. Ten-Coronel Ramos, passar revista às instalações, incluindo-se aqui os alojamentos dos Sargentos, que muito se incomodavam com esse aparente atestado de menoridade (o Sr. Comandante ia ver se os quartos estavam bem arrumados e limpos…).

Nesse sábado o Nélson saiu de serviço às 7 da manhã e foi dormir para o quarto, preocupado com a existência da ninhada de gatos e com o que sairia da ‘vistoria’ rotineira.

Como fui eu que o substitui no serviço, estava na “Escuta” quando o Sr. Comandante e comitiva passaram por lá e procurando-me antecipar à continuação da visita à casa ao lado, onde era o nosso quarto e também a improvisada ‘maternidade’, fui lá ver se estava tudo bem camuflado (e estava!) e quis avisar o Nélson da iminente presença das chefias, só que a sua preocupação fez com que ele, estremunhado, gritasse bem alto:

- Eh pá, tira-me daí esses cabrões! - (é claro que ele se referia aos gatos, que achava serem da minha responsabilidade…)

Só que não houve tempo de intervalo entre o meu aviso e a presença dos ‘superiores’ que, como devem calcular, não tendo conhecimento da existência dos gatos, ‘não tiveram dúvidas’ a quem aquele impropério se dirigia!

Como o meu amigo Nélson estava nas ‘boas graças’ do Sr. Comandante por ter sido ferido e evacuado de Catió, em resultado de ferimentos ocorridos num ataque àquele aquartelamento e era um ‘bom cartaz’ demonstrando assim que o pessoal do STM também corria riscos, a coisa passou ‘à pala’ de o Nélson ainda estar um bocado ‘apanhado’ e com sobressaltos resultantes dos ferimentos…

Pelas fotos que anexo podem ver o porte altivo da “Morcona” e as expressões argutas do “Caçador”. Do “Kiki” não encontrei, ainda, qualquer foto.

Peço desculpa por vos tomar tempo com estas coisas menores mas acho que também devem fazer parte do ‘levantamento’ que aqui, dia a dia, fazemos das nossas memórias, e a questão dos animais de companhia ou mascotes não são despiciendas, pois muitas vezes serviram para nos fazer sentir que ainda éramos humanos.

No meu caso, e tratando-se de gatos, não posso dizer que eram as minhas mascotes ou animais de companhia, já que foi muito mais eles a escolherem-me do que eu a eles. Volto a utilizar (com a devida vénia) as palavras do Marques Lopes que cita Manuel António Pina em artigo do “Jornal de Notícias”, de que “nunca viu um gato a fazer habilidades num circo...”, para ilustrar bem o que se entende da ‘personalidade’ felina.

Um abraço para toda a Tabanca!
Hélder Sousa
Fur Mil Trms TSF

Fotos: © Hélder Sousa (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: