terça-feira, 4 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3403: In Memoriam (11): Júlio Marques, ex-1º Cabo, CCAÇ 2382, Buba, 1968/70, morto no dia de finados (Idálio Reis)

1. Mensagem do Idálio Reis, com data de hoje. Engenheiro agrónomo, reformado, residente em Cantanhede, foi Alf Mil Op Esp, CCAÇ 2317, Gandembel/Balana, 1968/69:


Meus caros Luís, Vinhal e Briote.

Perdemos mais um companheiro que viveu essa guerra que outrora se travou na Guiné. E há um enorme sentimento de perda.

Cordialmente, Idálio Reis


ASSUNTO: Morreu o Júlio Marques, meu conterrâneo e contemporâneo em terras da Guiné


A efemeridade da vida. Regressava o Júlio, da missa de finados celebrada no cemitério da freguesia, quando o seu coração o trai repentinamente, caindo fulminado por uma paragem cardíaca, deixando na maior dor os seus entes mais queridos.

Morre ainda relativamente novo, com 63 anos, após uma vida em que a sorte que lhe estava reservada, de tantas vezes lhe foi adversa, dando mostras de não o querer bafejar.

Paradoxalmente, o Júlio teve uma juventude feliz, mercê de um desvelado afã dos seus pais, que lhe proporcionaram que fosse estudar, e que viria a abandonar por iniciativa própria, algum tempo antes de ser chamado a cumprir o serviço militar.

Não quis, soube ou teve bastante capacidade para aproveitar a benesse ofertada, e os resultados que conseguiu almejar, foram praticamente nulos. E quando chega da Guiné, a única opção que foi capaz de enfrentar e para a qual estava melhor talhado, como a de tantos outros, foi a de dar continuidade à agricultura que era a forma de vida da casa paterna, e que, em princípio, lhe auguraria um futuro com algum desafogo.

Numa aldeia essencialmente rural, a sua casa agrícola despontava entre as melhores, e, conhecedor da actividade, rasgava-se-lhe um horizonte com razoáveis perspectivas para se inserir no seu meio. Estávamos mesmo no princípio da década de 70.

E os primeiros tempos correram-lhe de feição, sentindo-se um homem feliz, ainda que apenso a muito trabalho e canseiras. Mas esta agricultura, de minifúndio, vai entrando em crise, acentuada de ano para ano, e o Júlio perde rentabilidade. Dificulta-se-lhe a vida, manifestam-se dificuldades impossíveis de superar, e hoje vivia para sobreviver, com uma agricultura de subsistência.

Das vezes que nos encontrávamos, reconhecia nele um homem vencido pelas vicissitudes da vida. Cansado, sem queixumes, continuava bastante apegado às suas courelas, pois só com muito esforço conseguia juntar algum pecúlio para o seu quotidiano.

Tinha como vício o tabaco, e tantas vezes o aconselhava para deixar o cigarro. Ripostava-me que andava a tentar abandonar e que um dia o faria. Debalde!

Se lhe apontava este conselho, era tão só para ter um motivo de conversa, pois era bastante lacónico, pouco propenso para falar do que quer que fosse. E, em poucos minutos, desculpava-se e seguia o seu destino. Tornara-se um aldeão “à antiga”, um homem bom, com um tipo de vida muito caseiro.

Éramos conterrâneos, vivíamos nos extremos da aldeia, e durante a meninice raramente brincámos conjuntamente. A nossa grande amizade foi muito cimentada, quando a minha Companhia esteve em Buba, onde ele já se sediava, julgo que pertencendo à CCaç 2381 ou CCaç 2382 como 1º cabo.

No pretérito dia 1, tínhamo-nos cumprimentado no cemitério da freguesia. Era um homem que sempre dedicou um carinho muito especial à memória dos seus pais, que tanto labutaram por ele. Talvez, neste dia de homenagear mais sentidamente os nossos, um turbilhão de sentimentos e comoções mais transparece nas preces que lhes endereçamos. Não resistiu no Júlio.

Em dia de finados, porventura cismando na roda e rumo que a sua vida tomara, num ápice uma folha de Outono tomba para sempre. E deixa-nos mais pobres, pois a perda de um amigo é sempre uma fatalidade pesarosa.

Curvo-me em silêncio à perenidade da memória do homem grande que foi o Júlio Marques. Até sempre, bom amigo.

Um forte abraço a toda a Tertúlia
do Idálio Reis.

3 comentários:

Anónimo disse...

Solidário, como sempre com a ausência de mais um camarada, que lhe seja dado o lugar merecido e desejado!
Que a Paz esteja com o Júlio.

O abraço envolvente a toda a Tabanca Grande, e aos outros todos também.

Mário Fitas

Anónimo disse...

Caro amigo Idálio.
O Júlio Marques, não pertencia à C.Caç. 2381. Possivelmente eras ca C.Caç 2382, pois as nossas Companhias, estavam juntas em Buba, como dizes.
Paz à sua alma

Carlos Nery disse...

O 1º. Cabo Júlio dos Santos Marques, nº.07561566 (Atirador) pertenceu, efectivamente, à CCaç2382 que comandei na Guiné.
Sou recém-chegado ao blogue. Só hoje, passados 17 meses da publicação da mensagem que refere o seu falecimento, tive conhecimento da mesma. Faço uma pausa. Elevo o meu pensamento. Morreu mais um militar da minha Companhia. Já não está na minha mão defender a vida dos meus homens. Apetece chorar.