sábado, 6 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4471: Encerrar um capítulo de não-vida da nossa vida? (António G. Matos)

1. Mensagem de António G. Matos (*), ex-Alf Mil MA da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, com data de 5 de Junho de 2009:

Assunto: Dou por mim a pensar...

Caros editores,
Reflexões a que me dediquei numa altura em que outras reflexões de índole nacional nos poderão preocupar...

Um abraço,
António Matos


Dou por mim a pensar...

Dou por mim a pensar...
O que terá levado toda esta geração de ex-combatentes da guerra do ultramar a, passados 35 anos, envolver-se numa narrativa que sempre repudiou e guardou só para si?

Dou por mim a pensar...
Que valores intrínsecos despertaram que os pusesse a contar estórias de solidão, estórias de amarguras, de desgostos, de dores físicas e morais, de sentido de defesa da integridade, de solidariedade, de compaixão, de falsos patriotismos como se de uma auto-comiseração se tratasse?

Dou por mim a pensar...
Será a catarse um processo sem fim?
A libertação dos nossos medos, dos nossos demónios, dos nossos fantasmas transformar-se-à numa mera acção de vaidade a que a prosa dá vida?

Dou por mim a pensar...
Quantos falsos sentimentos, quantas deturpações da realidade (o que é a realidade?), quantas subtilezas podem ser equacionadas quando nos confrontamos com a epidemia editorial em que se transformou um país labrego por excelência?

Já foi referido nesta colectânea "Luís Graça & Camaradas da Guiné" a necessidade inexorável de cada um vir, a seu tempo, a encerrar o capítulo Guiné como se de uma verdadeira missão de vida se tivesse tratado.

Concordo em absoluto embora o momento certo tenha que ser aferido individualmente.

Dou por mim a pensar quão intrigante é a mente humana que consegue voltar de costas ex-camaradas pela simples razão da sua realidade ser diferente da realidade do outro.

Dou por mim a pensar até que ponto a grandeza em se respeitar um antigo inimigo não se transforma em bacôca pelintrice quando o elevamos a níveis mais altos do que aquele que os nossos parâmetros éticos permitem.

Dou por mim a pensar porque propagandeamos as qualidades guerreiras dum antigo combatente só porque um dia morre e esquecemos todo o rio de sangue que derramou em prol da usura dum despotismo primitivo.

Dou por mim a pensar que tanta lucidez pode ser prenúncio que expurguei a minha vida não-vida entre 1969 e 1972.

Neste capítulo estou de bem comigo.
António Matos
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 28 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4431: Blogoterapia (104): Não façamos deste Blogue um muro de lamentações (António G. Matos)

12 comentários:

Anónimo disse...

Ainda bem que estás de bem contigo.
Continua a pensar e recebe um abraço do Torcato.

Anónimo disse...

António
A mente, o processo de congeminação e avaliação das coisas, o determinismo, a educação e a moral, a maneira como nos situamos perante a vida, tu sabes, é diferente de pessoa para pessoa, e não há volta a dar-lhe.
Por isso tocas em matérias que, por vezes, nos deixam apoquentados, surpreendidos, como já tem acontecido entre nós É da natureza, claro!
Quanto ao elogio que se fez ao Nino, talvez seja porque só "convivemos" com ele enquanto guerreiros, e não tivémos a desdita de nos subordinarmos ao ditador.
Ainda bem que partilhaste a reflexão. É bom avaliarmos o que somos e merecemos, para onde queremos ir e por que vias. Afinal, a velha asserção socratiana do conhece-te a ti mesmo.
Um abraço
José Dinis

Anónimo disse...

Dou por mim a pensar...
Quantos ex-combatentes, quantos leitores curiosos, ao ler o texto, terão também ficado a pensar?
Saudações cordiais.
Filomena

Miguel disse...

Caro António (G.) Matos
Gosto sempre de ler os teus escritos, quando te pões a pensar... e a fazer pensar os outros.
Concordo completamente com o cuidado que referes no modo como devemos tratar os nossos antigos adversários - com o respeito que lhes é devido, sim, mas sem entrarmos em exuberâncias exageradas e subserviência despropositada, que por vezes nos deixam ficar mal na fotografia (como tive aliás ocasião de presenciar na Guiné, no período pós-25 de Abril).
Também quando se analisam as grandes figuras (de um lado e do outro do conflito) se verifica com certa frequência que se dá um maior realce às qualidades dos visados, esbatendo-se muitas vezes os aspectos negativos dos actos que foram praticando ao longo das suas vidas.
Finalmente, quando referes a escalada de depoimentos de ex-combatentes verificada nestes últimos anos, no meu caso pessoal nunca me inibi de o fazer, mas em grupos restritos de amigos e em ambiente de uma certa confidencialidade. O que sucedeu nestes últimos cinco anos (e honra seja feita ao Luís Graça e ao seu blogue) é que os ex-combatentes terão finalmente podido partilhar as suas experiências, ao descobrirem os interlocutores adequados que lhes faltaram nos trinta anos anteriores.
Um abraço... e continua a pensar! Miguel Pessoa

Anónimo disse...

Caro António Matos,

A catarse foi feita nos primeiros anos após o regresso por muitos que acompanharam a Estrela e Alcoitão.

Depois foi a embriaguês "utópica" de um renovar no 25 de Abril.

Seguio-se a fase natural Portuguesa do "Luto".

Começaram a aparecer os primeiros encontros, em que muitas vezes não nos reconhecia-mos nem nos lembrava-mos dos nomes.

Finalmente chegou a verdade nua e crua, daquilo que vivemos naquele tempo, e que escrevendo estamos a narrando, aquilo que sempre foi esquecido. A realidade de um "Vietnam" Português.

Estamos aqui, de formas diferentes é verdade, a reescrever uma história escrita nas matas e bolanhas da Guiné.

Realidade apenas!

Felizes os que ainda conseguem fazer esta Tabanca um ponto de encontro.

Quantos não chegaram até aqui?

Quantos não conseguem chegar ao abraço amigo?

É bom pensar!

É uma dádiva a que muitos não chegaram e muitos mais não conseguem!

Um abraço do tamanho do Cumbijã,

Mário Fitas

MANUEL MAIA disse...

CARO ANTÓNIO MATOS,

DOU COMIGO A PENSAR QUE É SEMPRE UM PRAZER INCOMENSURÁVEL,LER O QUE TÃO BEM ESCREVES,E SENTIR UMA CONCORDÂNCIA ABSOLUTA NOS GRANDES TEMAS DESSAS TUAS REFLEXÕES.

PARA QUEM LESSE OS MATUTINOS DE HOJE(NÃO SEI JÁ SE O DN SE O PUBLICO)A CONSTATAÇÃO DAS TUAS
ASSERÇÕES ESTÁ LÁ,CLARÍSSIMA COMO ÁGUA.

O ARTICULISTA DE SERVIÇO,NUMA
"BACOCA PELINTRICE" (*)(ANTÓNIO MATOS)NO SEU AFÃ DE TECER LOAS AO
IRMÃO DA FIGURA EMBLEMÁTICA DO PAIGC, ACABOU POR INTOXICAR A OPINIÃO PUBLICA DISTORCENDO A VERDADE NUM BRANQUEAMENTO AVILTANTE DO SEU ENVOLVIMENTO NO "RIODE SANGUE QUE DERRAMOU EM PROL DA USURA DUM DESPOTISMO PRIMITIVO" (*)(ANTÓNIO MATOS).

SE O ZÉ DINIS EVOCA A FIGURA DE NINO,EU REPORTO-ME,OBVIAMENTE A LUIS CABRAL.

TÃO DIFERENTES E TÃO IGUAIS NA SUA SANHA PERSECUTÓRIA E ENVOLVIMENTO NOS CRIMES SOBRE CIDADÃOS GUINÉUS.

COMO DIRIA UM ACTOR DE NOVELA BRASILEIRA,UMA COISA É UMA COISA E OUTRA COISA É OUTRA COISA...

UMA COISA É O RESPEITO PELOS ADVERSÁRIOS,OUTRA DIAMETRALMENTE OPOSTA,É A BAJULAÇÃO,CONFORME DIZES...

OBRIGADO MATOS POR OBRIGARES AS PESSOAS A PENSAR SERIAMENTE.

SEI QUE VIRÁ "BORRASCA",POLÉMICA,
MAS QUE SERIA DO MUNDO SEM ELA?

PS.APESAR DETUDO,CONTINUO A ESCREVER EM MAIUSCULAS.

MANUEL MAIA

Anónimo disse...

Pontos de vista de Antonio Matos, colocados de uma maneira muito interessante:

Falsos sentimentos;
deturpações da realidade;
epidemia editorial num país de labregos;
respeito ao inimigo=bacôca pelintrice;
falsos patriotismos.

Antonio Matos, ou me engano, ou ainda vão aparecer mais "novidades".

E viva o L. Graça &camaradas!

Antº Rosinha

António Matos disse...

Caríssimos, obrigado a todos os que têm tido a gentileza de me comentarem.
Abraços,
António Matos

Anónimo disse...

Caro António Matos:
Pensar, pensar muito, é muito bom. Faz-nos bem. Alivia-nos. Não sei bem o que carregamos, mas que o acto de pensar nos alivia, disso, eu tenho a certeza.
O problema, o eventual problema, por vezes o grande problema, é passar os nossos pensamentos a escrito e divulgá-los.
Por razões óbvias...
Continua a pensar. E se achares que os prós são mais valiosos que os contras, vai partilhando os teus pensamentos, porque assim, todos nós somos obrigados a pensar.

Um Abraço
Manuel Amaro

Fernando Gouveia disse...

Muito interessantes estas reflexões do camarada António Matos.

Talvez um dia os Psis e Psicólogos, nos seus estudos, cheguem à conclusão, que o tempo médio para resolver traumas ou no mínimo situações como as por nós vividas, seja de 35/40 anos.

No que me diz respeito, sinto que seria incapaz, há uns anos atrás, de me meter, a fundo, a participar no Blog, como agora o faço.

Anónimo disse...

Caro António Matos,

Dou comigo a pensar que bom é fazerem-nos pensar, mas interrogo-me quantos somos ainda a fazerem esse exercício?

Dou comigo a pensar a razão pela qual sempre apreciei os indivíduos com mais idade, o saber que encerravam e a forma mais exaltada ou serena como nos transmitiam esse saber.

Dou comigo a pensar o que aprendi e aprendo todos os dias com os outros, mesmo quando discordo deles.

Dou comigo a pensar o que este blogue me tem ajudado a alargar o leque de amigos com quem partilho sentimentos que seriam impossíveis de partilhar, pese a amizade que me una a amigos de outras áreas.

Dou comigo a pensar que bom é haver quem assim escreva e nos ajude a rever os filmes que a mente faz por esquecer e não deve.

Dou comigo a pensar que bom é avançarmos na idade e sabermos explicar aos outros para que aprendam com os nossos erros.

Enfim, gosto da forma como nos fazes pensar e abordas as questões, sérias ou ligeiras. Por favor continua.
BSardinha

Anónimo disse...

Pensar..Reflectir..Necessário e Saudável!Antes de me dedicar em exclusivo às estórias também eu
procurei intervir com esse propósito.(entre outros, Post-DCXCVIII DE 12/4/2006-Recordar ou Esquecer a Guiné).

Parabéns pois, caro Camarada.Espero
conhecer-te dia 20.

Abraço

Jorge Cabral