segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5672: Estórias avulsas (23): Old Parr e Antiquary a 90$00 (Luís Dias)



1. O nosso Camarada Luís Dias*, ex-Alf Mil da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74, enviou-nos em 14 de Janeiro de 2010, a seguinte mensagem:

Camaradas,


Trago-vos mais uma história relacionada com as garrafas de uísque que adquiríamos na Guiné a tão bom preço. Old Parr e Antiquary a 90$00, ai que saudades!!! Se entenderem ser de publicar, força!!! Vão também fotos das garrafas.

Old Parr e Antiquary a 90$00

É verdade! Ainda tenho 5 garrafas de uísque das que trouxe da Guiné!!!. Ou seja, estas já estão em minha casa desde 1974 (o BCAÇ 3872 regressou da guerra no Niassa e atracou no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em 4 de Abril, mas elas chegaram antes desta data). São elas uma “President”, uma “Something Special”, uma “Dimple”, uma “Smugler” e uma “Logan (conforme fotos abaixo). Umas autênticas belezas.

Alguns dirão que isto é um sacrilégio; porque será que o Dias não tratou destas “meninas” em conformidade? Outros dirão que não é lá muito de beber e que, por tal facto, foi deixando andá-las lá por casa. Eu respondo: fui bebendo algumas, deixei outras ao meu pai, também ao meu tio Armando – este sim um grande apreciador – e fui ficando com outras e olhem ganhei-lhes amizade, porque olhava para elas e ía-as destinando a grandes momentos. Bebi uma, já não me lembro a marca, quando o meu filho nasceu há 30 anos.




Tinha uma “Monks”, em bilha de barro, que muitos amigos, quando me visitavam, diziam para eu abrir, porque o uísque ia-se evaporando. Provei-lhes o contrário quando a abri e a bebi ao fazer 50 anos. Abri uma “Chivas”, ao que creio, aos 55 e agora ainda tenho estas, embora com destino certo. Vou abrir a “Dimple” quando fizer 60 anos, se Deus permitir que eu lá chegue e as outras serão para outras “special ocasions”, nomeadamente se o meu Benfica, este ano, voltar a ser Campeão Nacional.

O uísque na Guiné era, como todos sabem, uma bebida altamente apreciada e usada, inclusive, como tratamento antibacteriano. Quando regressava das operações no mato e entrava no quartel, ainda antes de tomar o retemperador e refrescante banho, a primeira coisa que fazia era beber um uísque com água de castelo para matar a bicharada (parasitas) que, possivelmente, tivesse engolido quando bebia das águas da bolanha, dos riachos, das poças, mesmo com recurso às pastilhas, ao lenço a fazer de filtro, antes de ela entrar no cantil e depois de afastar a baba dos macacos ou de outros animais que tivessem lá estado a tirar a sede.

Durante a comissão fui adquirindo diversas garrafas do precioso néctar, em especial das marcas que eu entendia serem mais prestigiadas. Encaixotava-as, devidamente acondicionadas, e pumba lá iam direitinhas para casa dos meus pais, através do correio. E nunca desapareceram e chegaram sempre inteiras!

Na minha companhia (Dulombi), ao que julgo também nas outras, depois da cerveja, o uísque era das bebidas mais comercializadas (o vinho…bem, o vinho não era lá grande coisa, como sabemos), embora existissem boas aguardentes velhas (como a excepcional “Adega Velha”, em garrafa numerada). O gin com água tónica também era muito apreciado entre os graduados (mais na sede do batalhão em Galomaro do que na nossa companhia) e até a coca-cola tinha alguma saída (esta bebíamos juntamente com o uísque, normalmente em convívios, despejando uma garrafa de uísque corrente dentro de uma das terrinas de sopa, com uma grande pedra de gelo e coca cola a atestar. Depois seguia-se o ritual de passar a terrina de mão em mão, de boca em boca, bebendo o líquido fresquinho até acabar e, às vezes, como não chegava, iniciava-se novamente o processo).

A cerveja era muito popular e bebia-se em quase todas as alturas. Em Janeiro de 1973 a companhia teve de pedir um reforço de cerveja, porque a mesma esgotou-se e, segundo a Manutenção de Bissau, a nossa companhia tinha batido o recorde de cervejas bebidas!!! Raio de malta, esta nossa rapaziada!!!

A aquisição do uísque das melhores marcas era uma luta em que o nosso 1º Sargento Gama, quase sempre, me levava a melhor. De facto, a título de exemplo, nunca consegui adquirir a “Martins” de 20 anos, porque se esgotava sempre (!!!!!). Mas eu vinguei-me, conforme vos relato a seguir.

Em finais de Fevereiro, princípios de Março de 1973, eu estava a comandar a companhia, devido às férias do nosso Capitão. Então engendrei com os operadores criptos que, num determinado dia, depois de almoço, me apresentariam uma mensagem falsa, relacionada com a nossa transferência urgente para outra zona de acção. Os outros alferes e a maioria dos furriéis estavam também alertados para a notícia.

No dia aprazado, um dos criptos vem entregar-me uma mensagem urgente à messe de oficiais e sargentos, trazendo um ar preocupado e quando eu a li, mostrei um ar de estupefacção, que levou a que os outros graduados perguntassem o que tinha acontecido.

Depois de alguns segundos de silêncio eu disse-lhes, com uma voz dramatizada, que estávamos quilhados. Tinhamos recebido ordens de marcha para a zona do Cantanhez, para onde seguíriamos dentro de 3 dias. Foi como uma bomba! É claro que a maioria sabia do engano, mas alinhou na “tanga”.

Mas, onde é que entra aqui o nosso 1º Gama? O problema é que uns dias antes o 1º sargento havia comprado mais um grande lote de garrafas de uísque e assim ele deu imediatamente um grande salto, como que impelido por uma mola.

- Como é isso meu Alferes? Vamos todos para o Cantanhez? Isso é verdade? Perguntou-me o 1º Gama.

- Nosso primeiro, a coisa é bem séria! Vamos todos para o Cantanhez! Confirmei com a cabeça.

Depois da confirmação, o 1º Gama entrou em desespero…!!! Gritava o que é que iria fazer com a pôrra das garrafas de uísque que havia comprado, que nem ía ter tempo de as remeter para a metrópole, que tinha gasto tanto dinheiro com a sua aquisição, etc. Estava fulo e chamava nomes a tudo o que era comandante, recorrendo ao seu vernáculo de bom alentejano. É claro que a malta alvitrou logo que o melhor era começar já a bebê-las e que todos nós estávamos dispostos ao sacrifício, dávamos o corpo ao manifesto, ajudando-o em tão árdua e imperiosa tarefa… O 1º sargento estava desfeito… Eu sentia-me vingado!

Deixámo-lo com estas preocupações durante algum tempo, mas não me contive e disse-lhe a verdade. Ficou tão aliviado que me perdoou a maldade.

A cena poderia ficado por aqui, o problema é que uns dias depois, exactamente depois do almoço, surge um dos operadores cripto na messe a entregar-me uma mensagem e foi logo dizendo que o assunto era sério e que a mensagem era verdadeira.

Peguei na mensagem e lia-a, primeiro com os olhos e depois com a alma, e lá estava, preto no branco. O Comandante do Batalhão solicitava a informação de quantas viaturas iriam ser necessárias para transferir, em três dias, a companhia para Galomaro (sede do Batalhão). É claro que não era a mesma coisa que ir para o Cantanhez, eram apenas 20 km de distância, mas a malta ficou em polvorosa e muitos, ao princípio, pensavam que era mais uma brincadeira. O 1º Gama lá deve ter pensado para com os seus botões, que afinal não seria assim tão mau e não me resingou os ouvidos como seria de esperar.

A verdade, é que tive de preparar e organizar todo o pessoal para sair, em três dias, ficando unicamente no quartel do Dulombi, 13 bravos, comandados pelo Furriel Gonçalves do 2º GC (posteriormente rendido pelo Furriel Soares das Trms) e dois pelotões de milícias.


Assim, no dia 9 de Março de 1973, a CCAÇ 3491, entrava em Galomaro, comigo na frente da enorme coluna que foi possível organizar. O que começara por ser uma pequena brincadeira, tornou-se uns dias depois uma realidade e a vida operacional da companhia iria ser completamente diferente. Mantivémos as operações na zona do Dulombi, alargámo-las também para a área de Galomaro e passou a estar um GC de intervenção em permanência em Piche, depois em Nova Lamego e até em Pirada (poucos dias). Era a companhia que detinha a maior área geográfica de intervenção em todo o território.

Só regressaríamos ao Dulombi para realizar operações e em Janeiro de 1974, para preparar a recepção aos nossos “piras”.

Eu, no jipe que encabeçava a coluna da CCAÇ 3491, no dia 9 de Março de 1973, à chegada a Galomaro. Atrás o Fur. Baptista do 1º GC e ao lado, a sorrir, um guerrilheiro do PAIGC que se entregara um dia antes a uma patrulha nossa, na área do Dulombi. A arma é uma Shpagin PPSH 41, de calibre 7,62 mm - Tokarev, vulgarmente conhecida por “costureirinha” (aqui com a particularidade de ter um carregador curvo de 35 munições, em vez do tambor habitual com 71) .






E, já agora, também do vinho comemorativo dos 35 anos do regresso da nossa companhia.

Um abraço do tamanho do Rio Corubal,
Luís Dias
Alf Mil da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872


Fotos: © Luís Dias (2009). Direitos reservados.
____________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

13 comentários:

Miguel disse...

Esta história do Luís Dias fez-me lembrar um pormenor interessante que se passava naquele tempo no Clube de Pilotos da BA12: Dado o preço reduzido da garrafa de whisky (os tais 90$00) e da "bolha" (cálice)a 2$50, e havendo provavelmente dificuldades logísticas quanto a desinfectantes ou detergentes (...), o barista (termo usado na Força Aérea) dispunha sempre de uma garrafa de whisky (do novo, vá lá!) e de um pano, e com estas duas ferramentas ia limpando conscienciosamente as mesas onde nos sentávamos...
Quanto à garrafa que o Luís Dias está a reservar para comemorar o campeonato ganho pelo Benfica, espero que ela não chegue a Whisky velho "50 years old"...
Fala um sportinguista que, por esse mesmo motivo, ainda tem umas tantas garrafas de whisky da Guiné por abrir...
Um abraço. Miguel Pessoa

Joaquim Mexia Alves disse...

Pois é camarigos Luís Dias e Miguel Pessoa, eu já não tenho whisky da Guiné!

Desventuras de quem é adepto do FCP!!!

Mas parece-me que este ano o Luís Dias vai abrir uma garrafita, a menos que o "vinho" seja da cidade dos Arcebispos!!!

E digo eu isto tudo como se fosse um grande adepto do futebol!!!
Felizmente nunca me tirou o sono nem há-de tirar!!!

Abraço camarigo para todos.

Julio Vilar pereira Pinto disse...

Nós, os sargentos, tínhamos uma garrafa de whisky todos os meses e era a 60$00, quase sempte Ballantines ou White Horse, o mais caro que tinhamos era o Dimole a 90$00, eu só troue uma de Dimple o resto veio "no barriga patrão". Mas cá em Braga para comemorar o Campeonato vai ser com vinho verde que é nacional.
Quando estive em Angola apareceu um whisky nacional que era o SBEL (Sociedade de bebidas espirutosas do Lobito), parecia mais aguardente martelada, mas no mato e de borla era uma festa. Quando vinha do Cuango ao Quimbele ( 8 horas de picada sem minas) era Sbel a chegar com dedo, minha nossa.

Juvenal Amado disse...

Caro Dias e restante apreciadores da dia bebida.
Nunca consegui fazer colecção de nada e por conseguinte todas as comprei, com o nobre intuito de trazer, foram consumidas rapidamente ainda lá.
Nos ultimos dias comprei uma Old Parr para o meu pai.
Sabes eu também tive muito medo que o precioso líquido evaporasse e à cautela bebi tudo.
Mas desde já vou adiantando que podes fazer planos para abrires uma quando eu estiver contigo. É....só para sabe se sabe ao mesmo.

Um abraço

Juvenal Amado

Anónimo disse...

Luís Dias, este ano...até os comemos..., ou melhor, até as bebemos em nome do nosso querido Glorioso Benfica. Conta comigo.
Um abraço do, Vasco
Vasco A.R.da Gama

Luís Dias disse...

Caros Camaradas
Ao Miguel Pessoa espero que continue a manter as garrafas de whisky velho (sinal de que o SCP não ganha os campeonatos. Eh!Eh!Eh!).
O Joaquim Mexia Alves, já bebeu as suficientes, porque o raio do FCP tem ganho vantagem....
Ao Júlio Pinto tenho de dizer que...a coisa está feia...Efectivamente o Braga está também a jogar bem e se passarem o SCP e o FCP, então é que vai ser uma luta terrível.
Ao Juvenal Amado (também um sportinguista), digo-te que terei todo o prazer em dividir contiga a botilha em favor do campeonato do SLB. Olha e se falhar bebemo-la em honra de nós!!!Pois claro.
Ao Vasco da Gama, espero bem que consigamos aquela festa e não só para bebermos uns púcaros, mas para voltar-mos a sentir essa grande alegria de sermos campeões e fazermos parte da grande família do glorioso SLB.
Sobretudo, que possamos todos continuar a comemorar o facto de estarmos vivos.

Um abraço do tamanho do Corubalo para todos

Luís Dias

Anónimo disse...

Esta história dá-me que pensar.
Ora vejam lá, que tendo estado praticamente 1 ano a comandar uma CCaç em Mansoa, só consegui mandar para casa por intermédio de um Fur Mil da CCS uma caixa com 10 garrafas. Nem chegou a 1/mês. Não sei quem ficava ou ficou com elas, mas o que é certo é que nem sempre satisfaziam os pedidos da CCaç!!!
E depois, o resto do tempo por onde andei, não havia garrafas para mim!!!
E ainda dizem que não se faziam grandes negócios...
O que por lá bebi foi sempre nos bares.
Abraços
Jorge Picado

Anónimo disse...

Um bom whisky bebe-se sempre. Se não houver um pretexto, arranja-se!

No caso clubístico bebe-se sempre:

- se o nosso clube ganhar bebe-se para... FESTEJAR.

- se o nosso clube perder bebe-se para... ESQUECER.

Beba-se 1 wisky, bebericando com prazer, porque 2 dá direito... "a ficar com us cabeça grande".

Um abraço Amigo do Magalhães Ribeiro

Cesar Dias disse...

Luis Dias

Também eu consegui trazer algumas garrafas dessas, não tantas como desejaria, porque cedi algumas a um camarada da CCS que vinha de férias e seriam devolvidas no final da comissão, mas até hoje, nunca mais.Possivelmente foi o mesmo camarada que desenrascou o Jorge Picado, quem sabe? Falaste na "MONKS", pois para mim foi a que se aguentou mais, ainda conservo a vasilha, pois na altura custou-me na moeda actual 40 centimos. Vou fazer-te uma surpresa vê o teu e-mail.

Um abraço
César Dias

Unknown disse...

Pois é
Ninguem acredita que Catió era uma cidade cosmopolita, incluindo a CCS do 1913. Isto em 1968 e um bocadinho de 1969. Eu comprava essa morraça a 150$00 - melhor 150 pesos. E quem teve de pagar as favas foram os furriéis vague-mestres e os que estiveram pelos vários destacamentos. O Valadares e o André ficaram sempre caladinhos e muito bem, ou mamam todos ou nao mama ninguem ... e no aconchego do nosso major... Vocês sabem do que estou a falar ... Se não souberem, vão ver um poste antiguinho, devidamente censurado (esta palavra é assim que se escreve ?) pelo nosso chefe de tabanca...

Hélder Valério disse...

Caros amigos

Este nosso camarada Luís Dias é mesmo malvadinho....
Então não é que foi 'bulir' com uma parte agradável das nossas recordações?
Já aqui há algum tempo houve aquela parte dos 'ninhos de camarão', agora vêm os whiskies novos e principalmente velhos, que ainda hoje fazem prevalecer a sua excelência, para nos transportar 'para lá', naqueles tempos e naqueles lugares...
Pois também eu tive a minha colecção e ainda restam, para mais algum acontecimento especial (se não fôr para mim, que os que as beberem o façam em minha memória)exemplares únicos de Monks, President e Whyte & Mackay's de 21 anos.
Também me lembro de Teatchers e de Strathcon (será assim?).
Bem bons!
Um abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

Oh Luís, sempre me saíste um fraco bebedor! Então é possível manter essa preciosidade durante tantos anos? Ao menos poderias ter trazido uma no Niassa! Dividias comigo! Embora não me lembre de ti... de certeza que te conheço, pois regressámos no mesmo "transporte! Eu pertencia à CCaç 3520 que tinha estado em Cacine!
Um abraço... e abre isso antes de o Benfica ser campeão, antes que se estrague!...
Juvenal Candeias

Luís Dias disse...

Camaradas

Ainda bem que vos lembrei dos momentos de lazer que, com maior ou pior dificuldade, todos conseguimos passar naquelas quentes terras da Guiné.

O Jorge Picado teve azar e nunca lhe tocou umas garrafas de jeito. Se calhar o teu 1º Sargento era ainda mais esperto que o meu e conseguia "abotoar-se" com os whiskies velhos (Ah!Ah!).


Caro César também eu fiquei com a bilha de monks, mesmo vazia, para recordação.

O Magalhães Ribeiro têm absoluta razão. Qualquer bom motivo, é excelente pretexto para se beber (com moderação).

Amigo Juvenal Candeias, eu sei muito bem que voltámos no mesmo barco. Na história da minha companhia e na história sobre os regressos que escrevi aqui para o blogue, lá estão vocês da 3520 (Cacine). Eu acho, inclusive, que tenho a tua rubrica posta no cardápio do jantar de despedida promovido no Niassa.

Um abraço

Luís Dias