quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5756: FAP (46): Recordando o inferno do HM 241, as heli-evacuações, o cubano Cap Peralta, os Alouettes III, celebrando a camaradagem e a amizade... (Jorge Narciso)



1. Comentáriod o Jorge Narciso (*) ao poste 1 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5741: Blogoterapia (142): Aquela janela virada para o heliporto (Jorge Teixeira/Portojo)


De Jorge para Jorge

Caro:

Ao passar hoje pelo blogue, de imediato me chamou a atenção a foto do heli aterrado no HMB [, HM 241, Bissau], contida no teu Post.

E como a ti, também ela me suscitou um tal corropio de lembranças, que, acredita-me, quase me atordoam.
Tentando alinhar ideias:

Como mecânico dos helis, foi exactamente no Hospital Militar que (excepção feita, naturalmente, à BA12) mais vezes aterrei na Guiné. E também a mim as recordações que suscita, serão tudo menos agradáveis. Seja a da lembrança das condições (fisicas e ou psicológicas) infra-humanasde homens que para ali transportei, seja a indescritível visão da sala de horrores, chamada triagem, onde eles eram colocados; de cada vez que ali tinha que ir recuperar macas. São imagens que jamais se esquecem.

Mas outra lembrança conseguiste, com o teu Post, desenterrar do fundo do meu subconsciente, a da evacuação do Capitão Peralta, a qual passo a transmitir, a quente, tal como a memória me debita.

Antes porém e à falta de outros registos, resolvi ir ao Google e digitar: Capitão Peralta.

Resultados:

- Ferido e capturado em 18 Nov 69 durante a operação JOVE, realizada pelo Páras entre os dias 16 e 19, no corredor de Guileje.

- A base dessa operação, a partir de onde os Paras foram heli-transportados, foi Aldeia Formosa.

Vamos agora à minha memória, que espero não me esteja a atraiçoar, sequer a iludir, e na qual (apesar da evidente redução de neurónios) quero ainda confiar.

Coloco os resultados dessa pesquisa em dois planos:

- O das quase certeza (ou com menor grau de falibilidade) e o das incertezas associadas, que evidencio entre parêntesis.

Assim:

(1) Só não estava no voo em que viste o Capitão Peralta aterrar no HM, pelas condições extra-ordimárias e que decorreu essa evacuação,  cujos contornos passo a descrever.

(2) Em operações como esta, em que, independemente da Tropa participante, a base se situava num aquatalamentos longe de Bissau, para aí se deslocavam normalmente: 5 helis + 1 heli-canhão, transportando uma equipa de manutenção e uma Enfermeira.

Dali partiam, então, fazendo as viagens necessárias para, transportando 5 ou 6 militares por heli, os colocar, protegidos pelo canhão, na ZOPS.

Se a operação se resumia a um dia, permaneciam os helis nessa base em alerta, para: evacuações, eventuais transportes das Tropas para outras posições na mesma ZOPS e finalmente para a sua recuperação no final da Operação.

Nos casos em que a Operação fosse por mais de um dia, ficaria em todos os dias em que esse decorresse e na base da mesma, no minimo um heli de alerta (com Piloto, Mecânico e Enfermeira) para eventuais evacuações e o heli-canhão para protecção destas e para intervenções de tiro,  se solicitadas.

(3) Nesta Operação em particular, é seguro que estive presente, desde logo porque recordo perfeitamente o objectivo apontado para a mesma (nos helis e durante os voos, mesmo que não quisessemos, ouvíamos muita informação dita classificada): captura do NINO.

(4) No dia 18 (Precisei a data na citada consulta na Net), portanto no 3º dia da Operaçãp, voei (seguramemte de Aldeia Formosa) para essa ZOPS onde aterrei, no helicóptero que fez a evacuação do Capitão Peralta, não continuando no voo para o HM de Bissau,

PORQUÊ?

(4) Os Alouette III têm capacidade para transportar 6 passageiros, para além do piloto (este e mais dois à frente) e até 4 no banco traseiro.

Em evacuações com feridos em maca, essa capacidade ficava reduzida, pois para além dos 3 lugares à frente, normalmente ocupados pela tripulação (Piloto, Mecânico e Enfermeira, na maioria dos casos), apenas é possivel alojar 1 ou 2 macas na rectaguarda, que, por transportadas transversalemente, impedem (ou dificultam, algumas vezes me tocou vir meio sentado meio em pé, nas abas da maca) utilizar os lugares traseiros.

No caso desta evacuação (Cap Peralta), tendo sido determinado, no terreno, que o capturado devia ser acompanhado no voo por escolta armada, foi necessário ocupar, por quem a fez, um dos lugares destinados à tripulação.

Para resolver o problema e - repito - se a memória não me atraiçoa, registou-se um caso que me lembre único:

O helicanhão, que fazia a protecção à evacuação, ATERROU NA ZOPS, nele embarcado o mecânico (eu prÓprio) e voado (junto ao apontador) para Aldeia Formosa, donde posteriormente regressei a Bissau (outra nebulosa é que não me recordo como - noutro heli ? de DO ? ), pois no canhão não foi concerteza.

Como remate a estes factos, este voo no canhão foi para mim perturbante, pois que uns meses antes (Julho/meu 3º mès de Guiné) estive também para voar (nesse caso por experiência passiva que, para sorte minha, não concretizei) no retorno duma outra Operação em Galomaro, voo esse com um fim trágico, traduzido no despenhmento do heli (a que assisti) ocorrido em Bafatá, com a morte do meu comandante: Maj  Rodrigues (Piloto) e dum camarada de todos os dias, o Machadinho - como lhe chamávamos - , Mecânico Armamento/Apontador.

Um dia destes tentarei fazer o relato que me for possivel desta outra dramática ocorrência.

Voltando ao Post e à tua solicitação ao Jorge Félix (tantos Jorges), quase seguramente ele ainda estava nessa data na Guiné.

Como atrás referi, não me lembro se terá sido inclusivE participante nos factos, em qualquer caso terá certamente presente memórias relacionadas e, quem sabe, como tem a sorte (que a FAP me coartou) de ter os seus registos de voo, pode buscar nos mesmos confirmações

Amanhã envio-lhe uma mensagem a chamar a atenção para o Post.

E como este já vai longo, por aqui me fico.
Recebe um abraço

Jorge Narciso

2. Comentário de L.G.:

Tenho uma dívida para com este camarada, que conheci pessolamente há dias, em Oeiras, e que me escreveu, no dia dos meus anos, palavras  que me tocaram (#)... (Aliás, tenho uma dívida, muito grande, para com as dezenas de camaradas que me disseram coisas que me sensibilizaram, emocionaram, e que não foram decididamente simples palavras de circunstância, ou de etiqueta social; ainda não arranjei para lhes dar uma palavrinha pessoal, personalizada...). É que este camarada, da FAP, fez milhares e milhares de milhas nos céus da Guiné, na mesma altura em que eu lá estive, esteve em missões no Sector L1, na zona leste, seguramente em operações onde eu estive, em que houve heli-evacuações e apoio do heli-canhão... e só agora, passados quarenta anos, é que damos um abraço... Mais: ele pede expressamente para eu o incluir na lista dos meus amigos... E eu ainda não lhe respondi!

Pois, vou aproveitar o ensejo para lhe dizer, em público, aqui no nosso blogue, que camaradas como o Jorge não precisam de ser sujeitos a um  período probatório, a exames de selecção, a testes de amizade... O Jorge é daquelas pessoas  que de imediato inspiram confiança, que são transparentes, afectiosas, bem formadas, empáticas... Pessoas de palavra, que não precisam de dizer muito ou escrever muito. O Jorge é daqueles camaradas que eu ponho logo na lista dos favoritos, no arquivo que diz: AMIGOS... Jorge, haveremos de selar o gesto com um copo na Lourinhã, em Vilar / Cadaval ou num nosso próximo encontros, numa das nossas já numerosas tabancas!... Quem sabe, talvez na Tabanca do Centro, já no fim do mês, se agenda mo permitir... Até breve! Um Alfa Bravo. Luís

(#) Caro Luís


Por uma vez (durante o recente colóquio em Oeiras) tivemos a oportunidade, já prevista, de selar com um gesto de cumprimento uma rápida mas agradável troca de palavras de saudação.

Creio, no entanto, não ter sido essa a primeira vez que estivemos fisicamente perto, pois durante os anos de 69 e 70 fomos contemporâneos na Guiné; e isto porque, para além daquela extraordinária coincidência do meu reencontro como Humberto Reis, com quem constantemente conviveste [em Contuboel e Bambadinca, Junho de 1969/Março de 1971] , basta fazer um mero exercício de cálculo de probabilidade, que aliás é também válido para qualquer outro camarada em qualquer ponto da Guiné.

Tendo eu sido, durante todo o tempo em que permaneci na Guiné um, dos em média, 5 ou 6 mecânicos permanentes na linha dos hélis e que neles sempre voavam (excepção feita nas acções de embarque e desembarque de tropas durante operações), significa que também em média em cada 5 ou 6 vezes que um héli aterrou junto de ti, num estaria eu !

Cada um de nós cruza-se, pois, ao longo da vida com um incomensurável número de pessoas; dessas, estabeleceremos comunicação com uma quantidade ainda muito significativa, e destas conhecemos efectivamente um número ainda apreciável.

Só que: cruzarmos, contactarmos ou conhecermos, não representa, só por si, que se gerem 'proximidades'. Proximidades essas que podem até nem ser físicas.

Mas quando tal acontece, é nesse número, naturalmente mais reduzido, que estão aqueles com quem efectiva e assumidamente comungamos... AFECTOS; nas suas diversas, mas complementares, formas: Amor, Amizade, Camaradagem, Solidariedade, Compreensão, Consensualidade, etc. etc.

Pela forma como estás na vida, como te relacionas com os que te rodeiam e mais ainda pela predesposição natural que possuis para gerar esses afectos, QUERO, à luz dos nossos (mesmo que eventuais) encontros anteriores, dos (reais) presentes e da sua continuidade futura, manifestar, em jeito de parabéns, o meu regozijo pela celebração de mais esta tua primavera (não importa quantas somas já) e que, na sua continuidade futura com os que te são queridos, mantenhas a tua nítida lucidez de pensamento, sempre acompanhada da forma física que mais desejares.

PEDIR-TE O FAVOR DE ME ACEITARES NO NÚMERO DOS TEUS AMIGOS


Recebe um afectuoso abraço

Jorge Narciso

___________________

Nota de L.G.:


(...)  Abr de 69/Dez de 70) - BA 12 / Bissalanca - Linha da frente dos Alouette III (onde ao fim de pouco tempo, e devido à tardia nomeação, apesar dos meus 20 anos, comemorados aliás no Saltinho durante uma missão de abastecimento, era o cabo especialista mais antigo - tempo de FAP - da mesma linha).


Fiz ali algumas centenas de horas de voo, só não sei quantas, porque a minha caderneta de voo (que não sei porquê me obrigaram a entregar no regresso, diziam que para entrega posterior) está em parte incerta, se é que ainda existe (penso que não é caso único) (...)



Fotos: ©  Jorge Narciso (2009). Direitos reservados

4 comentários:

Unknown disse...

O que uma foto faz ...
Um abraço para o Jorge e outro para o Luís.

Jorge Narciso disse...

Caros Luis e Portojo

Ainda anteontem, aqui no blogue e mais ou menos a estas horas tardias, uma "simples" foto me induziu uma, quase, instintiva vontade de traduzir em palavras, aquilo que designei por: corropio de lembranças.
Reactivamente, acabei por fazê-lo através do débito duma "multidão" de caracteres (pelo avisador ultrapassaram em muito os 4000) e muitos mais poderiam ter sido.

Hoje, 48 horas passadas sou surpreendido, numa nova visita, com uma heli-foto minha a encimar a transformação do referido comentário em Post, em versão aumentada através das palavras aduzidas pelo Editor, no caso o Luis.

Lidos e relidos os textos, "cliquei" sobre os comentarios, onde aliás já estava um alojado, e em sequencia do até agora escrito ainda ensaiei o "dedilhar" de outros pensamentos, mas... resolvi arrepiar caminho.

São 3 horas da matina.
Logo às 8 o telemóvel vai emitir uns sons sibilinos que me hão-de fazer, contrariado, saltar da cama.
E... o mundo não vai acabar hoje.

Prometendo um próximo regresso "discursivo", fico-me pois pelo remate com duas indispensaveis mensagens de agradecimento

Ao Luis
Pelas palavras que aduziu ao presente Post a que resolveu "promover" um comentário produzido "down stairs", as quais (acima do meu merecimento) me calaram bem fundo, nomeadamente pelo ineludivel selo de amizade intemporal que traduzem.
Quanto ao futuro encontro, quem sabe, tal como tu dependente da disponibilidade, na Tabanca do Centro? Região onde: tu por nascimento e eu por adopção nos integramos.

Ao Portojo
A publicação da genese (Post e foto).
Aproveito aliás para, ensaiar uma finalização da frase que ora acabaste de publicar:
O que uma foto (imagem)faz...
...com que, às vezes, nem mil palavras cheguem para descrever tudo o que ela pode encerrar.

Um afectuoso abraço para ambos, extensivo a toda a Tabanca

Jorge Narciso

Anónimo disse...

Caro Jorge Narciso

Por questões de saúde e problemas que tenho tido, de alguns meses para cá, não tenho sido leitor atento ao blog.
Mas hoje estou de volta dele já vai para 2 horas, sem que a vista se tenha cansado,e com o andar ás voltas cheguei a este teu P5756 de 3 de fevereiro pp.
Tudo isto para dizer o seguinte:
Quando o heli, que trazia o capitão Peralta, aterrou no Hospital, eu fui um dos que o levou para dentro, sem saber no momento quem ele era.
Penso que a enfermeira paraquedista que o acompanhava era a Enfermeira Zulmira.
Como pessoa, era simpático e bem falante,assim falavam dele os enfermeiros que com ele conviveram durante o tempo que lá esteve.
Até se falava que ele tinha caído na cilada errada,não tinha sido montada para ele.
O que veio a dar um grande reforço de segurança,por páras, e comandos em redor do Hospital,durante dias e noites.

Um abraço
António Paiva

Unknown disse...

Palavra vai, palavra vem. E vim até à tua postagem trazido pela palavra/email do António Paiva, a quem desejo melhoras rápidas.
Ainda bem que os redactores fizeram do teu comentário ao meu post um novo post, porque assim todos podêmos ver/ler mais uma bela passagem das nossas estórias. Que nunca farão parte da história, mas são muito nossas, intimistas. Algum dia, quem sabe, alguém pegue nelas e contrarie a minha opinião.
Mas fico feliz, porque uma foto, passado mais de 40 anos, venha despertar um mundo de recordações, só possível porque um camarada chamado Luís Graça sonhou que era tempo de soltarmos amarras.
E como me disse há dias o Eduardo Campos: A Tabanca Grande fez mais por mim do que uns anos de psiquiatria.