sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5889: Estórias cabralianas (58): O Dia do Patacão e a Dívida do Alfero (Jorge Cabral)

1. Mensagem do Jorge Cabral, membro sénior, senador ou Homem Grande da nossa Tabanca Grande (isto quer dizer que já vem da I Série do blogue, pelo menos desde 2005...):

Caros Amigos,

Um País endividado? ... É porque não conheceram o 'meu' Missirá.

Aí vai 'estória'. Até breve

Abraços Grandes

Jorge Cabral



2. Estórias cabralianas (59) > O Dia do Patacão e a Dívida do Alfero
por Jorge Cabral


Tenho a certeza que os primeiros cabelos brancos do Alfero lhe nasceram nos dias do Patacão.

No final de cada mês, deslocava-se a Bambadinca (**) a fim de levantar o dinheiro para pagar os ordenados aos Militares do Pelotão e aos Milícias. Era o dia do Patacão, ansiado por todos e ainda mais pela multidão de credores, que desde manhã acorria ao Quartel. Usurários, Pré-Sogros e Sogros, Batoteiros Profissionais, Dgilas, Alcoviteiros, Fanatecas, Músicos… havia sempre alguém à espera que o Alfero liquidasse as dívidas dos seus homens. Todos devedores, incluindo o Alfero, que prometera pagar,  em prestações suaves, a conta do Fontória (***), onde em férias, numa noite, oferecera de beber a todos e terminara na Esquadra da Praça da Alegria.

Chegado a Missirá, já o seu braço direito Branquinho, montara a mesa, na qual amontoara papéis e mais papéis, que titulavam débitos da cantina, do arroz, de adiantamentos, de empréstimos…

E logo começava a cerimónia que obedecia a uma ordem hierárquica ascendente. Em primeiro lugar, recebiam os Milícias, depois os Soldados, em seguida os Cabos, por fim os Furriéis e em último sempre o Alfero.

As discussões por parte dos credores externos eram acaloradas e às vezes chegavam mesmo a vias de facto. No meio da algazarra, e com muitas reclamações, lá se ia pagando o que restava a cada um.

Porém e quase sempre, quando finalmente cabia a vez do Alfero receber, já se tinha acabado o Patacão. Paciência, pensava ele. Que se lixe o Fontória.

... O narrador confessa que se tinha esquecido desta dívida e que foi o Blogue a recordá-lo. Há um mês, de novo Alfero, porque isto de ser Alfero é vitalício, resolveu liquidá-la, apresentando-se no Cabaret. Dirigiu-se ao Porteiro. Informou tratar-se de uma dívida de Janeiro de 1971. Ele chamou um Segurança. Repetiu o seu propósito. Veio o Gerente. Insistiu. Trataram-no como um tonto. Exaltou-se. Disparatou. Juntaram-se pessoas. Chegou a PSP

Velho e honesto Alfero. Como há 40 anos, lá foi parar à Esquadra da Praça da Alegria.

Jorge Cabral

3. Comentário de L.G.:

Tenho um (in)confidência a fazer: o livro de estórias do nosso alfero vai tem editor e patrocínios, o que quer dizer que vamos ter ronco, festa de lançamento, (re)encontros felizes, salgadinhos, sumos e Portos de honra... No Fontória, no Maxime, num cabaré de Lisboa!!! Para já, o alfero já me pediu para escrever o prefácio, coisa que vou fazer com todo o gosto, gozo  e esmero... O autor está a dar os retoques finais da sua selecção das 50 melhores estórias cabralianas...

Isto não quer dizer que o alfero arrumou as botas, tirou os mezinhos do corpo, e lançou ao Geba a chave do baú das memórias trágico-burlescas da sua passagem por Fá Mandinga, Missirá, Bambadinca e outras terras exóticas da Guiné, e muito menos a caneta de ouro com que ele escreve as estórias cabralianas...

Isto quer apenas dizer que o nosso alfero não quis decepcionar os/as seus/suas muitos/as admiradores/as que de há muito lhe vinham pedindo o livrinho, autografado, do Humor Negro & Branco em Tempo de Guerra... Que isto de e-books ainda não é a mesma coisa...

Parabéns, Jorge! Ah, e no dia 28 de Maio próximo, lá estarei na tua Universidade Lusófona, no teu mestrado de criminologia (****), às 18h, para a charla sobre... a violência da  guerra que nos acompanha no pós-guerra até à hora da nossa morte, amen!...  A ti, não poderia dizer que não, mesmo enterrado até ao pescoço no tarrafo da vidinha do dia-a-dia que está bera...

___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 22 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5522: Estórias cabralianas (57): As duas comissões do Alfero... ou a sua dolce vita em Bissau, segundo a Avó Maria e a Menina Júlia (Jorge Cabral)

(**) Sede do BART 2917 (1970/72), a que estava adido o Pel Caç Nat 63 (Fá Mandinga e Missirá, 1969/71), de que o Alf il Art Jorge Cabral foi comandante.

(***) Famoso cabaré da Praça da Alegria, Lisboa...

Vd. poste de 5 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3025: Os nossos regressos (7): Perdido, com um sentimento de orfandade, pelos Ritz Club, Fontória, Maxime, Nina... (Jorge Cabral)

(...) Queria voltar de barco, ciente que precisava de pôr a cabeça em ordem. Mas não, vim de avião. Numa anterior colaboração, relatei a chegada – o ralhete do Pai, e a tristeza da Mãe.



Em Lisboa procurei os antigos Amigos. Uns haviam fugido, outros faziam perigosas “comissões” no Museu Militar, no Ministério do Exército, no Quartel General… Queriam eles lá saber da Guiné ou da Guerra…

Por mim sentia-me perdido, invadido por um sentimento de orfandade… Então desanuviei… estagiando entre copos e carinhosas damas, que até compreendiam a angústia do combatente.


Ritz-Clube, Fontória, Maxime, Nina, Cantinho dos Artistas… Cá, como lá, em Roma, fui sempre Romano.


Estágio concluído com distinção, acabei por assentar. (...)

(****)  É amorosa, competente e oportuníssima a tua secretária, veja-se o mail que me mandou e que eu tive em conta na edição deste poste. Reparo, por outro lado, que contrariamente a muito boa gente da nossa Ágora (leia-se: Praça Pública) ainda não estás, meu caro Jorge, com o temível Alzheimer, doença que não havia na Guiné do nosso tempo (pelo menos, na zona leste por andámos)... Posso garantir que ainda conheces o RDM e és capaz de contar todos os postos da hierarquia militar de soldado básico a general de quatro estrelas, e do cabo à ré... Pormenor de não somenos importància: um Cabo é um Cabo e escreve-se sempre em caixa alta...

Exmos. Professor,

Pede-me o Professor Jorge Cabral que envie este e-mail para que proceda a uma pequena alteração. Onde se lê cabos com letra minúscula, deverá ler-se Caboos.

Sem mais de momento
Melhores Cumprimentos

Instituto de Criminologia
Sec Pedagógico
Petrouska Ribeiro

instituto.criminologia@ulusofona.pt
Grupo Lusófona
Tel.: 217 515 500 Ext.: 2383 / Móvel.: 962 534 503

Petrouska:  Para a próxima deixa lá,no caixote do lixo do computador, a palavra Excelência... Faz-me imaginar, não sem um arrepio pela espinha acima, os discursos dos gatos pingados que terei de gramar no dia do meu funeral...

6 comentários:

José Marcelino Martins disse...

Já estou na fila para adquirir o BOOK, com direito a autografo e abraço

José Martins

Luís Graça disse...

O melhor que o nosso blogue tem é esta ternura, é esta cumplicidade, é esta tolerância... Fui almoçar à Tabanca do Centro, e voltei a sentir isso mesmo...

Obrigado, Joaquim! Foi mais uma bela jornada, desta vez com trabalho de casa para se fazer até Maio...

Espero que a Alice recupere rapidamente da indisposição gastro ... qualquer-coisa e esteja operacional em breve (está a fazer ó-ó, à hora que escrevo)...

Vou sugerir-lhe a tua recomendação: Termas de Monte Real com ela!

Um muito obrigado a todos/as quantos/as se preocuparam com o seu estado de saúde e deram uma ajudinha, com destaque para os nossos enfermeiros Giselda, Teresa, Preciosa, Álvaro Basto e Jero... Ah!, e o 112 da Ortigosa que merece um louvor.

Permitam-me que destaque a Giselda pelo alto professionalismo que evidenciou e confiaça que me inspirou, apesar de retirada das lides (profissionais, segundo creio)...

Uma grande senhora, uma grande enfermeira militar!...Quem sabe, nunca esquece!

Anónimo disse...

(Se me é permitido)
Oh Sr Cabral, então e a Tágide...!?

Foi esquecimento ou é buraco na sua 'cultura'?


SNogueira

Hélder Valério disse...

Bem.... caro Jorge... és mesmo um Homem de honra!
Já se vai vendo pouco....
Mas... saldaste a dívida ou não?
Acho que já tinha prescrevido...
Um abraço
Hélder S.

Sotnaspa disse...

Amigo Jorge.
Venha de lá esse livro, e conta comigo para o lançamento do dito,
como sabes sou teu fã e não ía perder essa ocasião.

Quanto ao Fontória, não ligues mais à questão, concerteza anotaram a divida numa pedra de gelo e alguém mais distraído, deixou-a ao sol de outos tempos.

Um alfa bravo

ASantos
SPM 2558

alma disse...

Putológicamente falando fui na época muito culto.Porém a Tágide
era demasiado distinta para o meu
estilo..Muito mais do Bolero ou
do Ritz-Clube,o Sempre em Festa..

Abraço

Jorge Cabral(sem Senhor..)