quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7493: (Ex)citações (122): Palavras e Balas (José Brás)

1. Mensagem de José Brás* (ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68), com data de 23 de Dezembro de 2010:

PALAVRAS E BALAS

As palavras são balas!
Nem sempre pode dizer-se que o são.
Nem sempre se pode dizer que o são.
Nem se pode dizer sempre que o são.
Nem se pode dizer que o são sempre.
Que o são, nem sempre se pode dizer.


Vejam lá vocês as milhentas (milhentas?) formas de, querendo dizer coisa, juntar as palavras, ainda que esmiuçando muito em jeito de investigador da língua, se possa concluir que não é exactamente a mesma coisa que se diz em todas as formas.
Mas também não tem mal, porque lendo à pressa, todos entendemos o que queria dizer quem o disse, mesmo que cada um o entenda de sua maneira própria, desencabada (desencabada?) no humor do momento de quem o que leu ou ouviu, diferente de crente para crente, como sabemos.

Por outro lado, nem as balas são sempre a mesma coisa, ou feitas da mesma coisa, ou sempre com os mesmos propósitos e consequências.

Quando dizemos bala, sobretudo nós que tantas gastámos em matas longínquas, nós que tantas vimos nas noites estrondosas tracejando o ar de lume, logo nos aparece a imagem daquela coisa em forma de supositório, como na anedota do Solnado, feita de aço, de uma liga qualquer que fure, que estraçalhe corpos de gente, de supostos inimigos e, vice-versa, paralelamente, nos busquem do outro lado e no mesmo tipo de comunicação azeda por demais.

Mas bala pode ser feita de borracha, dessas que usam as polícias anti-motim, algumas vezes desejando certamente que o não fossem, mas mais densas e esburacantes (esburacantes?).

E se forem, de borracha, muitas regressarão de ricochete à origem, aleijando os próprios que as dispararam, de verdade ou de imagem. Bala é, também, se for em voz de criança brasileira, coisa doce de chupar, rebuçado como dizemos nós que construímos a palavra em caminhos que não vou agora investigar só para vos parecer culto e instruído.

Mudando de assunto, no mesmo propósito de me explicar, digo "pêgo contra o muro do frescali, descarecendo de gravata". Digo isto e vocês lêem o quê?

Entendem o quê? A grande maioria fica assim, sem entender que coisas são estas de "pêgo", de "frescali", de gravata. E não ponho aspas na gravata porque gravata não precisa de aspas se todos imaginarem que sabem o que é. Podem é imaginar em erro, porque não é dessa coisinha de dependurar ao pescoço de um mânfio para que ao balcão do banco se disfarce de senhor sério, que falo agora.

Gravata é, aqui, outra coisa. Gancho em ferro, arredondado, aí de cinco centímetros de diâmetro na volta, implantado em longo cabo de pau e usado para prender perna de borrego fujão, assim, se lhe pôr mão em cima, coisa difícil em campo aberto.

Frescali não vos digo o que é porque acho que também vocês devem participar, fazer um esforço, descobrir, indagando por aí, tendo já percebido que falo dos sons de palavras ditas por alentejano em sua labuta campina (campina?).

E há ainda uma palavra na construção da fala que qualquer um, mesmo não alentejão, entenderá que não deveria ser usada nela por não ser de uso corriqueiro na comunicação entre abegões, ceifeiras, valadores e outra gente que já não há de verdade, mas que habitam ainda na nossa memória. Refiro a palavra "descarecendo" que, em rigor, não devia colocar aqui querendo trazer à liça fala de transtagano.

Descarecendo é apenas uma imodesta escorregadela de pretenso literato querendo dizer "não precisando" e pondo tudo numa palavra só, e mais cara, tirando efeito da coisa.

Aqui chegados, e querendo acabar isto mais depressa, direi que tudo vem a propósito de palavras que usamos por aí, esquecendo a possibilidade de distorções violentas entre o emissor e o receptor, por serem diferentes os humores de quem diz e de quem ouve, diferentes os momentos e os lugares.

E eu, ainda recentemente disse a palavra "crença", pensando não estar a dizer nada demais, antes ao contrário, a falar de coisa humana, que seja tomada no seu significado maior, fé, religião, ideologia, ou no menor, opinião apenas, tendência simples construída a partir de pequenas diferenças, e tendo com certo que, uma ou outra, são propriedades a que todo o ser humano tem direito logo que sai da barriga da mãe e se põe por aí a gatinhar, desde que nessa sua crença pessoal, não queira proibir as crenças de outros.

Mas se o disse com esse propósito positivo, quem ouviu entendeu o que eu disso pelo seu lado negativo, como sugestão de coisa má ou mesmo de acusação.

E ficou armado um trinta e um danado, excessivo, estranho ao nosso combíbio (combíbio?) amistoso e mesmo impróprio da quadra que atravessamos e da ciática do Luís.

E vocês sabem desta minha tendência para o discurso coloquial, como alguém que não conheço disse, provavelmente sem intenção negativa mas entendido por mim como tal, ainda que de "mestre" nessa forma de comunicação, saiba que nada tenho, sobretudo em comparação com gente como, Mário de Andrade (Macunaima), Guimarães Rosa (Grande Sertão - Veredas), Mia Couto, e mesmo Jorge Amado ou Aquilino.

E por essa qualidade traiçoeira da palavra dita ou escrita; pela possibilidade de males feitos sem intenção, aqui me redimo, reafirmando o que de positivo disse de quem conheço, não muito bem de lidança (lidança?) quotidiana, mas de ouvir a outros aqui na Tabanca, enviando o abraço que queria que fosse o que mandei antes.
José Brás
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Notas do Editor:

(*) Vd. poste de 22 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7490: Agenda Cultural (96): Apresentação do livro Lugares de Passagem, de José Brás, dia 6 de Janeiro de 2010, pelas 18 horas na Biblioteca José Saramago, em Loures

Vd. último poste da série de 18 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7465: (Ex)citações (121): A política dos povos é algo demasiadamente importante para ser entregue a militares (José Belo)

7 comentários:

Anónimo disse...

"Se o säo,nem sempre pode dizer-se que..."

Anónimo disse...

Caro Zé não só o significado das palavras! São a origem e o espaço de utilização.

Desculpa-me só estes dois exemplos:

"Gravata": no Alentejo é ornamentação de peito, já que a simbologia que tu dás é "Gravato". Puro termo utilizado por qualquer pastor alentejano.

"Crença":Termo muito utililizado em termos de religiões, é verdade!
Só que tu "aficionado" melhor do que eu conheces como relacionado com o touro manso que procura os curros.

Perante isto! Quem escreve deve indicar a vardadeira noção das palavras.

Um abraço,

Mário Fitas

antonio graça de abreu disse...

Caro Zé Brás

Balas luso-brasileiras, brincar com as palavras, interpretá-las, as opiniões livres de cada um. Claro que sim. No fundo somos todos uns porreiraços!

Eu também sei brincar com as palavras. Aí vai:

Há um início. Não há início nesse início. Não há início no não início do início. Há alguma coisa e há o nada.Há alguma coisa antes do início de alguma coisa e do nada, e alguma coisa antes disso. De repente, há alguma coisa e há o nada. Mas entre alguma coisa e o nada eu ainda não sei o que é alguma coisa e o que é o nada. Agora já disse alguma coisa mas não sei, na verdade, se disse ou não disse alguma coisa.

Está bem? Pode ser? Pode.

Mas a clivagem, chamemos-lhe assim, entre alguns camaradas do blogue não tem a ver com opiniões diferentes, com o entendimento de alguma coisa ou do nada, com alguma coisa de permeio e o nada a sobejar. Ou tudo ao invés, se quiseres.

Tem a ver com o desenrolar da nossa guerra na Guiné e nós fomos os actores vivos dessa guerra.

Tem a ver, quase quarenta anos depois, com a estatura de cada um, os valores que cada um respeita e defende, a honestidade intelectual, o amor por Portugal,
também com o enfeudamento a ideologias políticas que jazem há muitos anos no caixote do lixo da História, tem a ver com vaidades bacocas, falta de auto-estima, de seriedade e de rigor no que à nossa História diz respeito.

Abraço,

António Graça de Abreu




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Anónimo disse...

Mário
Estás certo e errado ao mesmo tempo.
Primeiro porque não tens em conta a qualidade dinâmica do significado e e da articulação das palavras que tomam, mudando este muitas vezes ao longo dos tempos (vê a palavra revolução e assumem construção diversa conforme uso diário no som delas (vê a palavra escádia). No Alentejo, hoje, diz-se mesmo gravata em muitas zonas.

Quanto à palavra crença, usada ali, só por grande vontade de afirmá-la num dos seus significados possíveis, se pode teimar como se teima aqui e tu repetes.
Contra isso nada posso
Abraço, Mário
José Brás

PS
aliás, pela insistência me parece que há intenção de marcar terreno e expulsar

Anónimo disse...

A maioria de nós saberá,desde há muitas décadas,quem säo.Outros,talvez saibam quem näo säo. Mas que profundos complexos e insegurancas levaräo ao näo aceitamento do diálogo quando este é apresentado de mäo estendida? Ainda seräo más consciências de outros tempos?Tantos se puseram (entäo) de "cócoras" que, hoje por muito que saltem..... Lentamente está-se a criar um "clube" demasiadamente "exclusivo" para,entre outros,os täo vulgares como eu. Talvez seja de recomendar aos mais patrioteiros,os tais que continuamente puxam pelas suas já täo ultrapassadas G-3(sempre em boas mäos...as deles!)que será melhor confirmarem primeiro,se os vermelhuscos dos comunistas chineses já depositaram as verbas necessárias para as municöes.

Anónimo disse...

Caro Zé Brás,

Escrevi o significado que na minha região e no Alentejo se dá ao "Gravato"

A "Crença" quem sabe de touros conhece.

Quanto ao P.S.: Não entendo!

Explica melhor. Fiz força para vires para aqui e estares aqui. Vero! Explica-me porque estou triste por não entendimento.

Um abraço,

Mário Fitas

Anónimo disse...

Zé Brás,

Volto!

É-me muito difícil entender que uma questão semântica provoque um "P.S." tal!

Há qualquer coisa que me está a passar ao lado.

Um abraço,

Mário Fitas