ESTÓRIAS DOS FIDALGOS DE JOL (8)
Nada de “Mariquices”
Foi no já longínquo dia 3 de Março de 1972 (uma sexta-feira), que recebemos indicação para mais uma acção tida como normal, com progressão de dois Grupos de Combate na região de Bagula, e respectiva emboscada em possível local de passagem de elementos do PAIGC. Tratou-se de uma actividade diurna e, quando já nos preparávamos para o possível regresso ao quartel, recebemos a informação que deveríamos pernoitar naquele local, visto que no dia a seguir estava programado juntar-se a nós mais um Grupo de Combate reforçado por elementos do Pelotão de Caçadores Nativos e alguns voluntários, para uma acção conjunta em Badã / Ponta Nhaga.
Esta alteração de planos teve origem no facto de um caçador elemento da população, ter passado nesse dia a informação, haver perto da bolanha de Badã um acampamento de passagem utilizado pelo PAIGC, onde estaria concentrado armamento e víveres vindos de Ponta Matar, com destino provável à região do Churo / Caboiana. Fomos assim surpreendidos com o facto de termos de pernoitar no mato sem que para isso o pessoal estivesse devidamente preparado / equipado. Como é sabido por quem pelas matas da Guiné andou, ao calor sufocante e húmido do dia, a seguir vem o frio e o cacimbo da noite, por vezes com temperaturas bastante baixas, de fazer tremer o queixo.
Foi assim que, a partir de determinada altura, parte do pessoal já batia o dente, encontrando-se bastante irrequieto, situação nada conveniente para aquilo que deveria ser uma emboscada nocturna. Como o problema se começasse a agravar, eu e os restantes graduados começámos a sugerir ao pessoal que se juntassem em pequenos grupos de 3 ou 4 elementos, e se aconchegassem uns aos outros, para com o calor corporal se irem mantendo mais ao menos aquecidos.
Recordo ainda o espanto que foi para o pessoal tal sugestão, pois para a maioria deles era impensável passar uma noite agarrado a outro homem, fosse por que motivo fosse, com alguns a dizer mesmo que não alinhavam nesse tipo de “mariquices”. Só que o frio começou a apertar cada vez mais, e não tardou que a solução fosse mesmo de nos juntarmos para manter uma temperatura que nos permitisse passar melhor a noite e a madrugada.
Infelizmente para nós o dia seguinte foi um com as piores recordações para a nossa Companhia, dado termos sofrido no decorrer da acção já referida um total de 10 feridos, alguns dos quais com bastante gravidade (o Capitão Comandante de Companhia, 2 Alferes, 3 Furriéis, 2 Soldados, 1 Milícia e o próprio Comandante da Milícia, o famoso Dandy).
Tirando este aspecto negativo, que recordo com alguma dificuldade dado ainda me lembrar da dor e sofrimento dos meus camaradas (dos 13 que estávamos mais ou menos juntos eu fui um dos que escapou sem qualquer ferimento), recordo também que durante algum tempo muitos dos soldados ainda evitavam falar na situação de terem pernoitado agarrados ao seu semelhante, com receio de serem gozados ou apelidados com adjectivos mais ou menos pejorativos, quando a conversa para aí decorria. Eram outros tempos.
Anos mais tarde, mais uma vez no decorrer de um dos almoços comemorativos da Companhia, um desses ex-Soldados virou-se para o seu filho, também presente no acto, mas desta vez com um sorriso bem rasgado e sem qualquer pudor, disse alto e bom som:
- Olha filho, já dormi uma noite no mato agarrado a este Furriel.
Claro que a risada foi geral.
Jolmete, Fevereiro de 972 > No Quartel
Jolmete, Março de 1972 > Fogo na Tabanca
Jolmete, Março de 1972 > Acampamento do PAIGC em Badã
Jolmete, Maio de 1972 > 1.º Grupo de Combate
Jolmete, Julho de 1972 > A caminho da Bolanha de Gel
Jolmete, Julho de 1972 > Com o pessoal que nos abastecia de mancarra
Jolmete, Agosto de 1972 > Trilhos de Calaque
____________Nota de CV:
Vd. último poste da série de 4 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10226: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (7): Os "cubanos"
2 comentários:
Caro amigo Augusto
As tuas estórias lembram-me sempre qualquer coisa. E esta leva-me à recruta em 4/67, semana de campo Caldas da Raìnha.Dormia-mos numa tenda triangular com cerca de 1,20 para cada lado 4 recrutas, em que ficava-mos com metade das pernas de fora e encaixados e quando virava um virava tudo, já não me lembro se falamos em mariquices ou não e da maneira que estava-mos cansados isso também não interessava nada.Lembro de uma grande trovoada com chuva e de noite em ficamos sentados dois a dois, costas com costas, para as pernas ficarem dentro da tenda.Enfim como dizia o outro vidas.Isto aconteceu a umas boas centenas de nós e que se devem lembrar.
Um grande abraço para ti e para todos.
Manuel Carvalho
Ccaç 2366 Jolmete
Camarada e Amigo Manuel Carvalho,
Realmente é como tu dizes, alguns relatos levam-nos a outras recordações ou acontecimentos. É precisamente o que me tem acontecido, umas vezes aqui mesmo através de situações reportadas no blogue, outras através de contactos / conversas com ex-camaradas. Tem sido assim que, de uma maneira geral, têm surgido as minhas estórias.
Um Grande abraço também para ti.
Augusto Silva Santos
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