1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Agosto de 2012:
Queridos amigos,
O segundo e último volume da história da Guiné de René Pélissier abarca a última década do século XIX até à última campanha de pacificação, em 1936. Temos, pois, o período da confirmação de fronteiras, das dolorosas guerras de Bissau, das guerras luso-mandingas e de um interminável número de expedições por todo o território, ficando bem claro que mesmo com a chegada da República a vida dentro de Bissau não era segura; as campanhas de Teixeira Pinto irão revolucionar o modo de relação ente animistas e muçulmanos e a autoridade portuguesa.
A bibliografia citada por Pélissier é gigante, fica-se com a quase certeza que demorará muito tempo a aparecer um investigador como ele.
Um abraço do
Mário
A história da Guiné por René Pélissier (3)
Beja Santos
A seguir à Convenção Luso-Francesa (1886) as fronteiras do enclave conhecido poe Guiné portuguesa ficam praticamente definidas (haverá campanhas de demarcação), impunha-se uma ocupação efetiva do território, a celebração de acordos de paz com etnias recalcitrantes, a compra de vassalagens e a exploração de alguns conflitos interétnicos. No princípio, tudo se revela difícil: os Papéis à volta de Bissau andam constantemente agressivos, Mussa Molo, diretamente ou por entreposto agente, devasta até ao Geba, o que leva a que, em Janeiro de 1892, Sousa Lage vá à frente contra Mali Boiá, a expedição sobe ao regulado de Mancrosse, arrasam-se tabancas e seguem depois para Mansoná, prossegue-se para Gussará, a resistência é mínima, a coluna sairá vitoriosa e depois regressará a Geba. Mas Mussa Molo não cede, ele detém o poder real no Alto-Casamansa, é o senhor do Firdu, também no Casamansa. Em 1893, Mussa Molo pede ao comandante de Farim para atravessar o posto e o rio a fim de fazer a guerra na região do Geba, parece uma fanfarronada, de imediato vêm canhoneiras defender Farim e travar as ambições de Mussa Molo. As autoridades portuguesas pedem às autoridades francesas para porem cobro às ameaças de Mussa Molo. O torno luso-francês está em marcha para esmagar este dirigente insubmisso, incómodo para as duas partes. Prosseguem as guerras em Bissau, dispendiosas e em que as populações dentro da fortaleza estão permanentemente inseguras. A autoridade portuguesa alarga-se no final do século. Em 1896, há postos militares em Geba, São Belchior, Sambel-Nhanta, Contabane, Cacine, Bolola, Cacheu, Farim e Buba. Com êxito, procede-se contra os manjacos de Caió. Em 1897, parece que se pôde obter a paz contra os Mandingas e os Soninquês. É o exato momento em que Infali Soncó, régulo do Cuor, ganha posições e pretende fechar o Geba ao comércio dos portugueses. Infali Soncó será uma permanente dor de cabeça até 1908, altura em que uma expedição militar de grande envergadura porá o régulo em fuga.
As campanhas militares serão uma constante até 1936: o governador Júdice Biker lança-se no Oio contra os Soninquês e consegue impor o imposto de palhota (1902), o Oio fica aparentemente domesticado; haverá frequentes expedições contra os Papéis e de repente surge um aventureiro senegalês ao serviço dos portugueses, Abdul Indjai, irá revelar-se um fiel apoiante de Teixeira Pinto mas mais tarde será deportado devido aos seus excessos; o governador Muzanty fará uma expedição aos bijagós e depois ao Cuor, segue-se a campanha de Badora contra o Beafadas e também contra os Beafadas do Quinara, por fim contra os Felupes de Varela. René Pélissier traça o quadro dfe Adbul Indjai esse mercenário tão complexo: inicialmente foi um comerciante ambulante que passou por Ziguinchor; terá entrado na Guiné em 1894, ao serviço de uma casa francesa e depois apresenta-se ao lado do governador Sousa Lage; parece ter-se ficado em Geba no início dos anos 1900, encarregando-se de fazer com que o imposto fosse pago pelos Soninquês; teria um bando de senegaleses ao seu serviço e ter-se-ia instalado no Ganadu de onde pilhava aldeias de Mandingas e Fulas; em 1906 foi deportado durante ano e meio para São Tomé pelo governador Muzanty; perdoado, teria regressado à região de Geba, onde foi alistado na campanha de Muzanty contra os Beafadas de Badora e do Cuor; corajoso condutor de homens, era um senhor da guerra em toda a acepção do termo; com os sucessos do Oio e a fuga de Infali Sonco, Muzanty nomeou-o régulo do Oio e do Cuor.
É neste contexto de campanhas intermináveis, de embaraçantes guerras fiscais, de operações contra os balantas, e tendo ocorrido a queda da monarquia e o aparecimento da República, que René Pélissier elenca um conjunto de factos de importância indiscutível: a criação da liga guineense, formada por notabilidades, comerciantes que reclamavam uma maior autonomia, atraindo para a sua causa funcionários e profissões liberais; com a República e o reconhecimento do direito à greve, ocorrem greves logo em Junho de 1911, em Bolama; persistindo as sublevações, repensa-se um plano de conquista e o capitão João Teixeira Pinto (1913-1915) entrou em ação. René Pélissier diz a seu respeito: “Não veremos em Teixeira Pinto um brilhante produto de uma escola de guerra pois que, sem grande diferença, retoma os métodos de todos aqueles que tiveram de se bater com a ajuda de irregulares na Guiné, desde Marques Geraldes em 1886, Sousa Lage, em 1891-1892, Graça Falcão em 1897 e, em certa medida, Júdice Biker, em 1902, no Oio. Onde a sua superioridade se anuncia com mais clareza é na sua minúcia e na sua perseverança. Além disso, beneficia de 3 circunstâncias favoráveis e de um trunfo inestimável: a) o seu teatro de operações está inteiramente circunscrito entre os rios Cacheu e Geba, de onde uma centralidade colonial que lhe evita fricções com os Franceses e encurta singularmente as suas linhas de abastecimento; b) chefe de um Estado-maior de um governador pacífico (Carlos de Almeida Pereira) a quem tem de forçar a mão; c) tem muito poucas tropas, mas alguns bons oficiais e, sobretudo, sabe encontrar e utilizar chefes de mercenários à altura das suas aspirações. A esse respeito, um Abdul Indjai ou um Mamadu Sissé vão compensar pela sua coragem e pelo seu ascendente a fraqueza dos efetivos portugueses; d) obsidiado por uma ideia fixa: ser o liquidador das bolsas animistas, não tem naturalmente muitos escrúpulos em utilizar os islamizados contra esse reduto insubmisso”. Segue-se a descrição das diferentes campanhas de Teixeira Pinto que culminam com a pacificação da Península de Bissau, tudo termina com a rendição de Biombo em 20 de Julho de 1915.
Teixeira Pinto é chamado à metrópole e inicia-se um período que vai levar à prisão de Abdul Indjai, ocorrem novos focos de revoltas, em 1915 Calvet de Magalhães manda construir a primeira pista rodoviária de Bafatá a Bambadinca e em 1921 surge um governador que deixará rasto, Velez Caroço. O autor designa-o por um verdadeiro mouro de trabalho e obnubilado pelo exemplo do general Norton de Matos em Angola. Será ele quem transformará a Guiné fluvial numa Guiné terrestre: rasgam-se caminhos para Farim, Bafatá, Cacheu e destas para além fronteiras. É um tempo febril de construções no sertão, Velez Caroço é um homem de estradas e pontes. Não obstante, no seu tempo ocorre uma sublevação dos balantas de Nhacra, prontamente sufocada. Velez Caroço adverte que não contemporizará com quaisquer sublevações. Em 1925 obriga à submissão os Bijagós rebeldes.
Chegou o período da Ditadura Nacional, o sucessor de Velez Caroço é Leite de Magalhães, antigo governador do Cuanza Norte, as últimas rebeliões serão sufocadas, com destaque para a dos Felupes de Susana. Parece que se chegou a um clima de aceitação do poder português: cobram-se impostos, criam-se estradas e pontes, e em 1936 o autor regista um problema de fundo, o relacionamento entre os portugueses metropolitanos na Guiné e os cabo-verdianos, os brancos dizem abertamente que estes cabo-verdianos instruídos têm uma mentalidade de guarda de forçados das galés em relação aos negros. A tal propósito escreve o autor: “A Guiné volta a ser uma colónia de Cabo Verde, ou melhor, de certos cabo-verdianos, bem mais claramente que durante o período de 1879-1909. Em 1936, metade dos funcionários de craveira média são cabo-verdianos. Nos 6 mil civilizados e assimilados da Guiné, em 1933, avalia-se que mais de metade são cabo-verdianos”.
Em 1936, com a 4ª e última campanha de Canhabaque, nos Bijagós, chegou oficialmente a pacificação. A Guiné irá ficar ordeira até à luta armada, em 1963. Entretanto, com o pós-guerra, a Guiné irá conhecer uma fase de franco desenvolvimento graças a um governador de exceção, Sarmento Rodrigues. Mais adiante, recorrendo ao trabalho de António Duarte Silva, iremos falar desse tempo.
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Nota de CV:
Vd. postes da série de:
28 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10447: Notas de leitura (412): "História da Guiné, Portugueses e Africanos na Senegâmbia, 1841-1936", por René Pélissier (1) (Mário Beja Santos)
e
1 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10462: Notas de leitura (413): "História da Guiné, Portugueses e Africanos na Senegâmbia, 1841-1936", por René Pélissier (2) (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
Camarada
Pélissier é um teórico e estudioso da Guiné que temos de considerar, por mais que nos custe. Efectivamente as suas opiniões e ideias relativas aos Séc. XV a meados do Séc XX foram colhidas em documentos existentes e são dificilmente rebatíveis. Os seus racioncínios são lógicos e os historiadores portugueses terão dificuldade em o rebater. Mas o pior é que os historiadores portugueses não se interessaram muito por estas questões. Entretanto ganhou fornma "a dilatação da fé e do império" e o "dar novos mundos ao mundo" além de outros chavões cujo significado é, cada vez mais, difícil de descortinar. Já pensaste que os portugueses nunca se terão paercebido de que estavam a escrever "gesta dos descobrimentos"? Aceitemos como boa a doutrina de Pélissié, mais que não seja por não termos possibilidade de a rebater, nem sequer em parte.
Será bom que nos habituemos à ideia de que o colonialismo português existiu e que não foi muito diferente do dos outros (países) e foi isso que esteve na base da insurreição materializada pelo PAIGC.
Um Ab.
António José Pereira da Costa
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