sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10486: Os Soldados não morrem, apenas tombam no campo de honra (2) (José Martins)

Todos fomos INFANTES: 
Infantes na Idade; 
Infantes no Esforço; 
Infantes no Combate; 
Infantes na Nobreza, 

Somos soldados mal-amados, não só depois de mortos, mas ainda em vida!

Monumento de homenagem AO VALOR DO INFANTE, em Mafra


Os que caíram pela Pátria!

Os soldados não morrem, apenas tombam no campo da honra!

Por José Martins

Terminada a invasão francesa e afastada que estava a possibilidade de nova investida estrangeira, a Família Real, acompanhada da Corte, continuava a sua estadia no Brasil, enquanto em Portugal o povo se interrogava sobre o seu destino: era uma “colónia” do Brasil e um “protectorado inglês”, já que cá quem “reinava”, em nome do monarca o oficial inglês, William Carr Beresford, depois 1.º Marquês de Campo Maior, acumulando o comando das forças do exército.

Em 1815 formou-se o "Supremo Conselho Regenerador de Portugal e do Algarve", integrando oficiais do exército e maçons, com o objectivo de “libertar Portugal do domínio inglês” e restaurar a salvação do país. Chefiados pelo General Gomes Freire de Andrade e Castro, foram denunciados em Maio de 1817, julgados e executados em 18 de Outubro. O General Gomes de Andrade no forte de São Julião da Barra e, os restantes, no Campo de Santana, hoje Campo Mártires da Pátria, em Lisboa.

Durante uma deslocação de Lord Beresford ao Brasil, onde foi solicitar ao monarca mais poderes, no regresso foi impedido de entrar no país. Em 24 de Agosto de 1820, reuniram-se no Campo de Santo Ovídio, no Porto, hoje Praça da República, grupos de militares que, depois de ouvirem missa e dar uma salva de artilharia como inicio do levantamento, reuniram-se na Câmara Municipal dando origem à “Junta Provisional do Governo Supremo do Reino”, constituída por representantes de militares, do clero, da nobreza, da magistratura, da universidade, do comercio e das várias províncias do norte, cujo objectivo primeiro era:
● O imediato retorno da Corte para Portugal, visto como forma de restaurar a dignidade da antiga Metrópole, deslocada para o Brasil; e
● A restauração da exclusividade de comércio com o Brasil.

No mês seguinte, a 15 de Setembro de 1820, um grupo de oficiais subalternos, apoiado pela burguesia e pelo povo, depõem os regentes e constituem um Governo Interino. A 28, os governos de Lisboa e Porto, unem-se numa única “Junta Provisional do Governo Supremo do Reino”, para organizarem a eleição de Cortes Constituintes. As Cortes reúnem-se em 30 de Janeiro de 1821, aprovando uma Constituição provisória e um Conselho de Regência, para governar em nome de Dom João VI.

O monarca deixa o Brasil em 26 de Abril e chega a Lisboa em 3 de Julho de 1821. O Brasil proclama a independência a 7 de Setembro de 1822 e no dia 23 desse mesmo mês, é jurada a Primeira Constituição Portuguesa.

D. João VI, quando regressou a Portugal, deixou como regente o seu filho D. Pedro, herdeiro da coroa portuguesa, que se tornou imperador de Brasil em 12 de Outubro de 1822. Entretanto o monarca, D. João, tinha nomeado a sua filha D. Isabel Maria de Bragança como regente do reino, na ausência do herdeiro e seu irmão.

Assim, à morte do monarca, a 10 de Março de 1826, D. Pedro IV assume a coroa portuguesa, mas dias depois abdica a favor da sua filha D. Maria da Glória, em 28 de Março de 1826, uma vez que, a constituição brasileira, lhe vedava a possibilidade de ser soberano de mais que um país. Para obviar a possibilidade de D. Miguel, seu irmão, reivindicar a coroa de Portugal, ficou assente que a sua filha casaria com o tio, tentando, assim, selar um armistício entre os partidos que, cada uma das figuras tutelava: liberais e absolutistas.

Independência ou Morte! do pintor paraibano Pedro Américo (óleo sobre tela, 1888) © Foto: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/40/Independence_of_Brazil_1888.jpg

A 23 de Junho de 1828, D. Miguel é proclamado Rei pelas Cortes Gerais do Reino. O novo monarca anula a Carta Constitucional e restabelece as antigas leis. O novo monarca é reconhecido pelo Vaticano, Espanha e Estados Unidos, enquanto as outras potências se mantêm na expectativa.

É exactamente nesse ano, de 1828, em que se comemoravam os 700 anos da Batalha de São Mamede, a primeira guerra civil portuguesa, que se inicia uma fase da nossa história, ligada à sucessão da coroa, que irá terminar numa nova guerra civil, que se prolongaria por quatro anos, envolvendo não só as ilhas atlânticas, mas estendendo-se, rapidamente, a todo o território nacional.

É perante este e outros acontecimentos que D. Pedro I, do Brasil, em 7 de Abril de 1831, abdica a favor do seu filho D. Pedro II, dirigindo-se para os Açores, onde irá formar exército para defender o direito ao trono de sua filha D. Maria. Nas ilhas dos Açores trava o Combate do Pico do Seleiro, ilha Terceira (4 de Outubro de 1828); a Batalha da Praia da Vitória, ilha Terceira (11 de Agosto de 1829); o Recontro da Ladeira do Gato, ilha de São Jorge (Abril de 1831) e o Combate da Ladeira da Velha, ilha de São Miguel (3 de Agosto de 1831).

Dos Açores parte para o norte do país, desembarcando na Praia dos Ladrões, rebaptizada como Praia da Memória, dando-se o Cerco do Porto (entre Julho 1832 - Agosto 1833), seguindo-se as Batalhas da Ponte Ferreira, freguesia de Campo, concelho de Valongo (23 de Julho de 1832); Batalha do Cabo de São Vicente (5 de Julho de 1833); a Batalha de Alcácer do Sal (2 de Novembro de 1833); a Batalha de Pernes (30 de Janeiro de 1834); de Almoster (18 de Fevereiro de 1834); de Sant’ana (24 de Abril de 1834) e da Asseiceira (16 de Maio de 1834).

A paz regressou ao reino com a assinatura da Convenção de Evoramonte em 26 de Maio de 1834, determinando o regresso ao trono da rainha D. Maria II, o exílio na Alemanha de D. Miguel e o fim da Guerra Civil Portuguesa.
Porém, esta guerra civil, marcaria o final de umas centenas de anos de nacionalidade, em que, no final de cada batalha, recolhidos que eram os corpos dos oficiais caídos em combate, ficavam os corpos dos soldados tombados no campo de batalha, aguardando não só serem “encontrados” pelos familiares, ou o habitual saque, especialmente aos estrangeiros, das populações próximas ou que se movimentavam atrás dos exércitos, mas que alguém lhes desse sepultura, que mais não era que uma vala comum aberta no local.

Esta guerra, a travada entre 1831 e 1834, foi a última em que este triste espectáculo aconteceu.
A partir desta altura, o campo de batalha mudou-se para África e Ásia, já que na América do Sul, o território brasileiro não era mais possessão portuguesa.

O estranho na situação de abandono dos corpos, tratando-se de corpos de militares, que mais não são do que “povo em armas em defesa da Mãe Pátria”, contrasta com a forma como, à época, as populações reagiram à lei, datada de 21 de Setembro de 1835 e assinada por Rodrigo da Fonseca Magalhães, que impunha a construção de cemitérios em campo aberto assim como a cobrança de taxas, e de tal forma “mexeu” com as populações que, uma dezena de anos depois de publicada, ainda não tinha sido implementada.

Um novo decreto, datado de 28 de Setembro de 1844, assinada por António da Costa Cabral, que vem reforçar a lei anterior de Rodrigo da Fonseca, reforçando não só a proibição do enterramento de defuntos nas igrejas, mas impondo o registo do óbito e a obtenção de licença sanitária para o depósito dos corpos nos cemitérios construídos a céu aberto, tendo de pagar despesas pelo funeral.

Revolta da Maria da Fonte 
© in A Ilustração v. II, pagina 71 

É daqui que resulta a Revolta da Maria da Fonte, iniciada em Fontarcada, uma freguesia da zona de Póvoa do Lanhoso, no Minho, e com forte participação feminina. O rompimento com uma tradição multissecular, só podia ser “obra do diabo”.

Os políticos não conseguem conter as crescentes manifestações populares, que já envolvem cartistas e setembristas, ou mesmo liberais e miguelistas, fazendo recuar aos problemas contemporâneos das Lutas Liberais, até que os militares passam à acção e se envolvem nas “contendas”.

Estes acontecimentos iniciam-se a 10 de Outubro de 1846 e, de golpe ou golpes, de revoltas, de intentonas, de alianças feitas e desfeitas, de convenções, de juntas governativas, tumultos e ameaças de intervenção estrangeira, falando-se, também, da abdicação da Rainha D. Maria II a favor de seu filho Pedro, futuro D. Pedro V, com a nomeação de um regente face à pouca idade do príncipe.

A Quádrupla Aliança assinada em 21 de Maio de 1847, formada pela Grã-Bretanha, Espanha e França e, logicamente por Portugal, vem sossegar os ânimos e, no cumprimento do articulado da mesma, a rainha D. Maria II, anuncia uma amnistia geral e promete cumprir com as condições do protocolo assinado.

Muitos nomes, de vários quadrantes políticos e militares, correm nas bocas de governantes ou governados, vindo tudo a acabar na Convenção de Gramido, assinada na Casa Branca do lugar de Gramido, em Valbom, Gondomar, em 19 de Junho de 1847, voltando a reinar no país a calma, pelo menos, aparente.

O apetite das potências europeias, dos finais de XIX, por África, alertou para a necessidade de Portugal rever a sua posição neste universo, já que o seu vasto império espalhado pelo mundo o tornava “mais pequeno” aos olhos das nações.

Mapa cor-de-rosa, apresentado por Portugal 
© Foto Google (DR) 

Por proposta de Portugal, tendo como país anfitrião a Alemanha e como organizador o Chanceler Otto von Bismark, é convocada a Conferência de Berlim, que decorre entre 19 de Novembro de 1884 e 26 de Fevereiro de 1885, tendo representantes da Grã-Bretanha, França, Espanha, Itália, Bélgica, Holanda, Dinamarca, Estados Unidos da América, Suécia, Áustria-Hungria, Império Otomano, além de Portugal e da Alemanha, que não tinha territórios em África.

Foi nesta conferência que a África foi retalhada, “redesenhada a régua e esquadro, fazendo tábua rasa da história, etnias e laços familiares do povo africano”. Os portugueses, que de certa forma se estabeleciam perto da costa, sem avançarem muito para o interior dos territórios, tinham alterado o seu procedimento e iniciaram o desbravamento do interior do continente africano, de tal forma que, aos fazerem o percurso “de Angola à Contra Costa (Moçambique)” e criando o célebre Mapa Cor-de-Rosa, puseram em causa planos acarinhados pela Inglaterra, que era a ligação por via férrea, sempre assente em território britânico, da cidade do Cabo, na África do Sul, ao Cairo, no Egipto, projecto de Cecil Rhodes.

Desta “nova atitude de Portugal” levou a que a Inglaterra, aliada de Portugal de longos anos que, em forma de memorando entregue, pelo Lord Salisbury em 11 de Janeiro de 1890, um “Ultimato” exigindo a retirada da força militar que se encontrava na zona situada ente Angola e Moçambique, comandada pelo Major Alexandre Alberto da Rocha de Serpa Pinto.

Painéis de azulejos. Pátio dos Canhões – Museu Militar - Lisboa 
© Foto José Martins 

É a partir destes acontecimentos que se iniciam as Campanhas de Ocupação ou Pacificação, em África, que levou à mobilização de muitos militares para fazerem parte do Exército Colonial, já que existia um exercito colonial e um exército metropolitano, dependentes do Ministério das Colónias, o primeiro, e do Ministério da Guerra, o segundo. Muitas foram as expedições enviadas para as possessões, a fim de submeterem à soberania portuguesa as populações revoltadas, e que se prolongaram para além do final da Grande Guerra.

Os militares que tombavam em África, já tido como dado adquirido, ficariam sepultados lá, nos cemitérios das povoações próximas, cuja manutenção era atribuída às unidades que lá se encontravam.

Quando a Alemanha declarou guerra a Portugal, em 6 de Março de 1916, já há bastante tempo que as tropas portuguesas se batiam contra os alemães em África: a Sul de Angola, onde ficava a África Ocidental Alemã; e a Norte de Moçambique, separada da África Oriental Alemã pelo Rio Rovuma.

Porém, era no teatro de guerra na Europa, que os governantes deste país, eleitos nos escrutínios que se seguiram à Implantação da República de 5 de Outubro de 1910, pretendiam entrar. Várias razões eram invocadas, para tal: a já várias vezes citada Aliança com a Inglaterra; a vontade de aparecer, ao lado das potências europeias, na assinatura de rendição da Alemanha; o manter as suas possessões de além-mar, já de si ambicionadas, por acordos secretos entre a Inglaterra e a Alemanha; a vontade de se apresentar com uma postura diferente da Espanha, apresentando valores diferentes.

Os ingleses embora não inviabilizando a hipótese da nossa colaboração, adiavam sempre essa possibilidade, até que essa “oportunidade” surgiu, no mês de Fevereiro de 1916, quando os ingleses por falta de “meios navais de transporte”, solicitam o aprisionamento dos navios que se encontrassem ancorados nos portos lusitanos.

Painéis de azulejos. Pátio dos Canhões – Museu Militar - Lisboa 
© Foto José Martins 

A 9 de Março seguinte, a Alemanha, pela mão de Friedrich Von Rosen, faz a entrega ao Ministros Português dos Negócios Estrangeiros da declaração formal da declaração de guerra, apesar de já ter havido vários combates com os portugueses em África desde 1914.

A 15 de Junho seguinte, o governo britânico convida, formalmente, a entrada de Portugal na guerra, ao lado dos aliados.

As condições de combate em África, apesar de adversas para os nossos soldados, já eram bastante conhecidas. Os Oficiais e Praças do nosso exército, conheciam bem o terreno, o clima e, sobretudo, os nossos opositores, instigados ou não por intuitos e interesses estranhos à nossa politica de além-mar.

Foram necessários esforços sobre-humanos para reunir e treinar, em pouco tempo, cerca de cinquenta e sete mil homens para formar o Corpo Expedicionário Português, além de mais cerca de trinta e dois mil mobilizados para África [Imagens da I Guerra Mundial – EME 1998 – pagina 193].

Em França, os militares do CEP encontraram uma forma diferente de combate: a guerra de trincheiras. Era um sistema da valas comunicantes onde, as unidades destacadas para a linha da frente viviam em condições insalubres, até porque as condições atmosféricas eram muito mais rigorosas e onde, o frio e a chuva não davam tréguas, provocando alagamentos onde, para tornar mais fácil a vida, era necessário recorrer a bombas de escoamento de água.

Quando soava a artilharia, antecedendo um combate próximo, poucas vezes não deixava no terreno vários mortos mas, se coincidia cair dentro de alguma trincheira, os números subiam, dependendo da quantidade de militares que se encontrassem nesse espaço, apesar do “desenho” das trincheiras prever essas defesas contra explosões. Depois havia as patrulhas na “terra de ninguém” que, ao cruzarem-se patrulhas antagonistas, acabavam por deixar os seus mortos nessa zona, até que a sorte de avanços e recuos, permitisse dar sepultura condigna.

A Pátria coroando um soldado português tombado em combate – Grande Guerra 
Pintura de Veloso Salgado – 1923 
Sala da Grande Guerra – Museu Militar – Lisboa (DR) 

Quando havia “barragem de fogo de artilharia”, o cair desordenado das granadas provocava, a maior parte das vezes o “enterramento” dos corpos caídos, mas também a sua reaparição, quando o solo era revolvido com a queda das granadas. Em 9 de Abril de 1918, deu-se a Batalha do Lys, assim apelidada pelos aliados, enquanto os Alemães lhe chamaram “Operação Georgette”, onde as forças do CEP sofreram uma das maiores ofensivas registadas em toda a guerra, tendo provocando um elevado número de baixas, entre mortos, feridos, desaparecidos e prisioneiros, sendo certo que unidades inteiras quase desapareceram.

Em França, segundo as fontes consultadas, foram registados 2086 militares “Tombados pela Pátria”, tendo as seguintes causas: Combate – 1310; gaseados – 70; desastre – 121; doença – 529; outros motivos – 56. Deste número, só 1882 têm sepultura conhecida, repousando 1831 em Richebourg, 44 em Boulogne-sur-Mer e 7 em Antuérpia. Registaram-se, como prisioneiros, 439 Oficiais e 6840 Praças, e feridos e/ou incapacitados 12.508 militares [Imagens da I Guerra Mundial – EME 1998 – paginas 164, 180 e 193].

O primeiro militar português a tombar foi o Soldado António Gonçalves Curado, mobilizado pelo Regimento de Infantaria n.º 28, da Figueira da Foz, tendo embarcado para França em 22 de Fevereiro de 1917. Tombou em combate, na Flandres, no dia 4 de Abril de 1917. Foi transladado, para a sua terra natal, onde chegou a 31 de Julho de 1929, por iniciativa do Município de Vila Nova da Barquinha, onde os seus restos mortais foram depositados no Monumento Mausoléu, erigido para o efeito.

Em África, onde Angola e Moçambique faziam fronteira com possessões alemãs, tiveram combates desde 1914, nos quais tombaram 5621 militares, sendo 810 em Angola e 4811 em Moçambique. Foram registados, também em Angola 683 feridos e/ou incapacitados, enquanto em Moçambique eram registados 1592 militares.

A Campa Rasa, o Cristo das Trincheiras e o Lampadário – Sala do Capítulo – Mosteiro da Batalha 
© Foto Google (DR) 

Para saldar a “dívida de gratidão” de Portugal para com os seus “Militares tombados pela Pátria”, e na linha seguida pela Itália, Bélgica e Estados Unidos da América, seguido no ano de 1922 pela Grécia, Jugoslávia e Polónia, o governo tomou a decisão de fazer trasladar um soldado tombado na Flandres e outro tombado em Moçambique, que seriam inumados na Sala do Capítulo do Mosteiro da Batalha, em campa rasa, o que viria a acontecer no dia 10 de Abril de 1921.

Apesar de, desde a implantação do regime republicano em Portugal, estar a exercer o seu mandato o 7.º Presidente da República e estar no Governo o 30.º Presidente do Conselho, todos eles, Presidente e Governo, olhavam o esforço dos militares como uma dádiva à Pátria, quer tombassem em combate, na defesa directa nas possessões portuguesas, quer fosse noutro local, como em França, para onde foram defender, ainda que indirectamente, o direito à manutenção da nossa soberania. Embora a terra tenha continuado o seu percurso de rotação sobre si, e a rotação à volta do sol, o ser humano manteve-se fiel à sua decisão de dominar o seu semelhante e, por este, o próprio mundo.

Em África, na Ásia ou na Oceânia, onde quer que houvesse alguma possessão portuguesa, continuávamos a ter uma presença militar para, em colaboração com os recrutados localmente, se ir mantendo a “lei e a ordem”, missões essas atribuídas às forças armadas, além da administração desses territórios, mantendo para tal, os militares dos Quadros Coloniais ou, se necessário, o envio de forças de reforço. Foi assim que, após o eclodir da II Guerra Mundial, e em consequência da evolução das tropas do eixo no terreno, que Portugal, já em regime de Estado Novo, e a Espanha, após a guerra civil espanhola, acordam entre um Pacto de não agressão, a fim de manter a neutralidade face aos acontecimentos que, em crescendo, vai envolvendo uma parte substancial dos países do globo.

É neste conflito que os países beligerantes “descobrem” as ilhas atlânticas portuguesas, nomeadamente os Açores e Cabo Verde. Nos Açores e, por arrastamento, a Madeira, são reorganizadas e redistribuídas pelas ilhas as forças locais, que também são reforçadas com tropas mobilizadas no continente.

Cabo Verde - Ilha de São Vicente - Mindelo - Cemitério de Mindelo – 1943 
Foto do álbum de Luís Henriques (1920-2012), ex-1º Cabo nº 188/41 da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5. Oferecido pelo seu amigo Boaventura no dia 17-8-1943, dia em que ficou livre da junta (hospitalar). 
© Foto: Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné (DR)

Diferente foi em Cabo Verde. A reorganização do exército, prevista para este arquipélago, ainda não se tinha iniciado, pelo que foi necessário guarnecer este território com tropas metropolitanas que, devido à distância e falta de equipamentos, foi necessário transportá-los, via marítima e, no local, encontrar forma de desembarcá-los.

Aí ficarão, para sempre, os militares que, devido à agressividade do clima, não resistiram às doenças. Impressionantes são as imagens que nos chegaram, dos arquivos dos próprios expedicionários que, quando se preparavam para regressar à metrópole, não deixaram de desfilar “em continência” perante as campas dos seus camaradas, num adeus sentido, que só os militares sabem sentir.

A vintena de anos que marcam a transição da primeira para a segunda metade do século XX, da África à Oceânia há um “vento de revolta” que vai mudar a face daquela parte do planeta.

A 15 de Agosto de 1947, a coroa inglesa concede a independência à Índia, passando este território a ser governado por Jawaharlal Nerhu. Assim que é declarada uma Republica e aprovado o texto governamental, em 26 de Janeiro de 1950, a União Indiana passa a reivindicar a posse dos territórios que Portugal detinha naquelas paragens. Em 24 de Junho de 1954, sem qualquer aviso prévio ou sinal que o fizesse prever, invade e ocupa os territórios de Dadrá e Nagar Haveli e impede a entrada naqueles territórios de qualquer força militar não indiana. Perante esta invasão, Portugal envia mais forças militares para a região, tendo-se registado o total de cerca de 12.000 efectivos e três navios de guerra. Dada a defesa ser muito difícil, devido à dispersão dos territórios e, face ao início da revolta armada em Angola, é decidido baixar os efectivos para cerca de 3500 militares, tendo sido os excedentes distribuídos pelos outros territórios.

Estado Português da Índia em 1961

Como em 1954, e após um incidente ocorrido em 17 de Novembro de 1961, começam a notar-se alguns movimentos militares que têm o seu epílogo no dia 18 de Dezembro seguinte, quando o Estado Português da Índia é invadido por uma força militar de cerca de 45.000 efectivos. A aviação ataca as embarcações que se encontram na área e, desta forma, dá-se o último combate da Marinha Portuguesa no Índico. Em terra, dada a fraca qualidade dos armamento e pouca quantidade de munições, e sendo a proporção do ataque de 10 para 1, contra as nossas forças, foi transmitida a ordem de “alto ao fogo”, dando-se a rendição.

No rescaldo desta acção houve 31 militares tombados e 57 feridos em combate, e o aprisionamento de 3306 militares, encontrando-se entre eles o próprio governador, além de um número indeterminado de civis.

O Governo de Portugal recusa-se a negociar com a União Indiana, ficando os prisioneiros “abandonados” nos campos de concentração, até que em Maio de 1962, se iniciou a repatriação dos prisioneiros, através de uma ponte aérea para Carachi, no Paquistão, e daqui para Lisboa em três navios enviados de Lisboa, tendo chegado a Lisboa em 22, 26 e 30 desse mês de Maio de 1962.

Quando chegam a Lisboa os navios que transportam os ex-prisioneiros de guerra da Índia, os militares repatriados só saíram sob forte dispositivo de segurança militar, sendo esta atitude justificada “pela necessidade de os proteger da população, que os queria linchar pela cobardia demonstrada”.

No cais apenas alguns familiares e amigos dos regressados.
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 4 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10479: Os Soldados não morrem, apenas tombam no campo de honra (1) (José Martins)

1 comentário:

Hélder Valério disse...

Caro Zé Martins

Um trabalho com fôlego. Interessante de ler. Os mortos, dum modo geral na sua individualidade, foram chorados pelos familiares, conhecidos e amigos, no entanto no imaginário colectivo estarão perpetuados na figura do 'soldado desconhecido'.
Curiosamente fizeste interrogação sobre não ter sido possível contabilizar todos aqueles que ao longo dos tempos deram a sua vida pela Pátria ou no cumprimento do dever para com ela. É verdade que não seria possível 'chegar perto' pois em tempos idos não haveria registo dessas baixas e por isso essa dúvida ficará sempre sem resposta.
Naquela parte em que falas do "Campo dos Mártires da Pátria", onde os 'amigos' ingleses e os que com eles se bandeavam 'faziam justiça' eliminando quem se lhes tinha oposto, lembro-me de um livro do Luís de Sttau Monteiro chamado "Felizmente há luar" que faz referência a esse episódio. E já li por aí algures que ao Gomes Freire de Andrade lhe deram uma morte 'maçónica' degolando-o e desmembrando-o,
Bons amigos, esses ingleses. Normalmente são chamados a ajudar mas depois para sair têm que ser corridos.
Abraço
Hélder S.