quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11070: Recortes de imprensa (64): Ontem, Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina, cerca de 200 imãs guineenses decretaram, em Bissau, uma fatwa contra o fanado (Lusa / Público)


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 80:  Mulheres, de rosto tapado, na festa do fanado (?)... Ignora-se o que faziam junto ao edifício do comando do batalhão... Fotos do álbum do José Carlos Lopes, ex-fur mil reabastecimentos.

Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Editadas e legendadas por L.G.)

1. Ontem foi o Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina... A MGF é também conhecida por corte dos genitais femininos, circuncisão feminina, excisão, fanado, sunna, circuncisão faraónica...E ainda se pratica em cerca de três países de África, Próximo Oriente e Sudeste asiático... Portugal, França  e outros países europeus que acolhem imigrantes, nomeadamente da África Ocidental, são também países de risco. Este ano a Organização das Nações Unidas está otimista quanto à possibilidade de, num futuro próximo, ainda se poder pôr fim a esta prática não só atentatória dos direitos humanos como altamente nociva à saúde sexual e reprodutiva das raparigas e mulheres excisadas.

Dados fornecidos pelo International Day of Zero Tolerance of Female Genital Mutilation/Cutting, das Nações Unidas, parecem indicar um decréscimo da prevalência desta prática, em geral, estando a geração mais jovem menos vulnerável  hoje do que no passado.

Nos 29 países da África e do Médio Oriente onde a prática da MGF está concentrada, uma média de 36% de raparigas,  na casa dos 15-19 anos, foram excisadas, percentagem essa bastante inferior à estimada (53%) para as mulheres da faixa etária dos 45-49 anos.  Esse declínio é mais evidente em países como o  Quénia em que a percentagem de mulheres excisadas é três vezes superior à das raparigas entre os 15 e os 19 anos.

Para o director executivo da UNICEF,  Anthony Lake, "este progresso mostra que é possível acabar com a MGF". Estas estimativas recentes produzidas pela UNICEF mostram que pelo menos 120 milhões de meninas e mulheres sofreram MGF / Circuncisão, nestes 29 países. Dadas as tendências atuais, pelo menos 30 milhões de meninas com menos de 15 anos de idade ainda poderão  estar em risco.  

Em  dezembro passado, foi adotada por unanimidade uma resolução da Assembleia Geral da ONU , c condenando a MGF / Circuncisão e convidando os Estados membros a intensificar os esforços para a sua eliminação completa. (A MGF/Circuncisão engloba 4 tipos de práticas: vd. Quadro 1, a seguir).


Fonte: Yasmina Gonçalves - Mutilação Genital Feminina. Lisboa: Associação paar o Planeamento da Família. 2004.


2, Também na Guiné-Bissau surgem algumas boas notícias neste campo. Reproduzem-se aqui excertos de uma notícia da Lusa, publicada no Público, de ontem;


(...) "Líderes islâmicos guineenses pronunciaram esta quarta-feira, no parlamento do país, uma fatwa (um decreto religioso) proibindo a prática de excisão, que afecta cerca de 50% de raparigas e mulheres.

"Cerca de 200 imãs vindos de todas as partes do país assistiram, no parlamento, à leitura da fatwa e declararam solenemente que, a partir de hoje, vão reforçar o apelo para o abandono da prática da excisão, por não ser uma recomendação do Islão".

O influente imã Mamadu Aliu Djaló, da mesquita central de Bissau, que é também o segundo vice-presidente do Conselho Superior dos Assuntos Islâmicos,  declarou que "a excisão não está no Islão, e nos ensinamentos do profeta Maomé também não vimos nada disso, até porque as filhas do profeta, as filhas dos seus discípulos, não foram submetidas à excisão. Isto é um uso e costume de certas comunidades islâmicas”.

Segundo a fonte que estamos a citar (Lusa / Público),  "o presidente do parlamento guineense, Ibraima Sory Djaló, que presidiu ao acto, declarou que se alcançou “um grande marco” no país com a adopção da fatwa, o que, disse, vai ao encontro da lei aprovada pelos deputados em 2011 criminalizando a prática. “Esperamos agora que a lei seja respeitada, para que não seja necessário que se prendam pessoas por causa da excisão” na Guiné-Bissau, declarou Sori Djaló, apelando, contudo, para o reforço da divulgação da lei.

Ainda segundo a Lusa / Público:

(...) Para Fatumata Djau Baldé, presidente do Comité Nacional para o Abandono de Práticas Tradicionais Nefastas à Saúde da Mulher e da Criança, um consórcio de 18 ONG guineenses e estrangeiras, “hoje é um grande dia” na luta contra “a tragédia silenciosa que afecta cerca da metade das raparigas e mulheres” da Guiné-Bissau. “Hoje é um dia histórico. Não ganhámos a guerra contra a excisão, mas alcançámos uma grande conquista contra essa prática degradante para a saúde da mulher guineense”, disse Djau Baldé, emocionada. [Ela própria foi vítima, em criança, da MGF].

O ministro da Saúde Pública guineense, Agostinho Cá, considerou o dia de hoje como sendo aquele em que se prestou um dos melhores serviços ao povo com a adopção da fatwa “pelos chefes religiosos” islâmicos, “proibindo uma prática secular” que se caracteriza pela submissão da mulher a situações “atentatórias da sua dignidade”.

Assistiram à leitura e adopção da fatwa, a primeira a ser pronunciada na Guiné-Bissau, elementos do corpo diplomático e o representante adjunto do secretário-geral das Nações Unidas, Gana Fofang, que é também o coordenador do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) no país.

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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10931: Recortes de imprensa (63): Homenagem, em maio de 2008, ao tenente capelão Joaquim Ferreira da Silva, jesuíta, natural de Santo Tirso, que pela sua coragem e lucidez terá evitado um banho de sangue no campo de prisioneiros de Pondá, Goa, em 19 de março de 1962 (JN- Jornal de Notícias, 12/5/2008)

12 comentários:

Luís Graça disse...

Esta tomada de posição dos imãs da Guiné-Bissau não é inédita, segue-se a outras, que tem vindo a ser tomadas noutros países islamizados: por exemplo, o Egito (logo em 2006), a Mauritânia (2010), e outros países islâmicos...

Não creio que tenha efeitos imediatos, nem vai mudar radicalmente mentalidades e práticas seculares. Mas não se pode ignorar o peso de 200 imãs e a sua influência ética, moral e teológica, ao dissociar-se práticas culturais (fanado) e religião...

São, em todo o caso, boas notícias para meninas como a Alicinha do Cantanhez...

Luís Graça disse...

As minhas palmas para Fatumata Djau Baldé, presidente do Comité Nacional para o Abandono de Práticas Tradicionais Nefastas à Saúde da Mulher e da Criança, um consórcio de 18 ONG guineenses e estrangeiras...

Encontrei, na página oficial da APF - Associação para o Planeamento Familiar, uma entrevista dada pro Fatumata, em agosto de 2009. Tinha sido recentemente eleita para a presidência do Comité Nacional para o Abandono de Práticas Tradicionais Nefastas à Saúde da Mulher e da Criança... Aqui faz o ponto da situação dos problemas atuais das crianças e mulheres guineenses...


http://www.apf.pt/cms/files/conteudos/file/Noticias%20e%20destaques/Agosto%202009/fatu%5B1%5D.pdf

FATUMATA DJAU BALDÉ > Perfil

Fatumata Djau Baldé considera-se, antes de tudo, uma
activista social na defesa dos direitos das mulheres e das
crianças. É casada e tem 6 filhos. Actualmente é
Presidente Eleita do Comité Nacional para o Abandono
das Práticas Nefastas à Saúde da Mulher e Criança. No
seu percurso destaca-se o exercício das funções de
ministra das pastas do Turismo, da Solidariedade Social e
dos Negócios Estrangeiros, entre 2000 e 2003. É membro
da Rede de Mulheres Africanas Ministras e Parlamentares
e dirigente da Liga Guineense dos Direitos Humanos.. É
responsável das Relações Institucionais do Fórum dos
Quadros Muçulmanos. Foi ainda professora e fundadora
do Sindicato Nacional de Professores.

Carlos Vinhal disse...

Pode-se justificar esta prática com motivos religiosos, tradição ou outros mas há só uma palavra para a classificar: bárbara.
Será que esta tradição se mantém por uma questão de vingança, das gerações mais velhas em relação às mais novas? Como: se me fizeram a mim, hei-de fazer a outras.
Vi em 2010 o filme "A Flor do Deserto" onde é retratado o problema, e confesso fiquei chocadíssimo. Selvajaria do mais baixo que se pode fazer a um ser humano.
Carlos Vinhal
Leça da Palmeira

Tony Borie disse...

Faço minhas, as palavras na parte final do comentário do Carlos Vinhal.
...selvajaria do mais baixo que se pode fazer a um ser humano.
Um abraço, Tony Borie.

Luís Graça disse...

Amigos:

Acho que é preciso compreender antes de condenar... E compreender é pôr-nos na pele do outro... Não creio que os pais das meninas guineenses que vão ao fanado tenham menos amor por elas do que nós em relação às nossas filhas...

O fanado é um ritual de passagem, que inclui a excisão, entendida como uma forma de "purificação"... A sua origem perde-se nos tempos, é muito anterior à islamização... mas são povos islamizados (nomeadamente na África Ocidental) que a praticam... E há mulheres ("fanatecas") cujo estatuto social e económico depende do fanado...

O problema é complexo, não basta "criminalizar" para acabar com o problema...

O nosso blogue pode dar uma pequena ajuda promovendo o diálogo e o debate sobre as questões da saúde da mulher e da criança, que de resto são objeto da nossa especial atenção e solidariedade... Isto nada tem a ver com a "atualidade política" da Guiné-Bissau, é de resto um problema com que já nos defrontávamos no tempo da guerra colonial...

Carlos Vinhal disse...

Peço desculpa Luís, mas eu não estou a condenar ninguém, quando muito a classificar aquele acto como bárbaro. Temos que gritar bem alto o direito daquelas meninas indefesas, vítimas do fanatismo religioso, ou outro, pouco me importa que seja ancestral, de adultos cuja "tradição" permite estes actos que provocam sequelas para toda a vida, não falando já da, praticamente, impossibilidade de sentir algum prazer sexual. Em fêmeas são transformadas.
Já agora, Luís, a tua ideia ao publicar a excisão tão bem explicadinha, não foi para sensibilizar as pessoas?
Abraço
Carlos

Tony Borie disse...

Olá Luis.
As pessoas têm que ser sensibilizadas, para que actos desta natureza terminem, pois como sabes estes seres humanos do sexo feminino, a partir desse momento, passam a ser quase fêmeas reprodutoras, eu sei que é um termo feio, mas é verdade.
Algumas até ficam traumatizadas, para o resto das suas vidas.
Quanto a mim estás a fazer um grande serviço público, trazendo este tema para o teu blogue.
Oxalá que a tua voz se faça ouvir, nos quatro cantos do mundo, para que as pessoas falem e discutam um problema, que é mesmo um problema, neste mundo actual, e tal como o Carlos diz, é uma selvajaria do mais baixo que se pode fazer a um ser humano.
Um abraço, Tony Borie.

Luís Graça disse...

A Organização Mundial de Saúde (OMS) não podia ser mais clara na denuncia da MGF. Cito (e traduzo, a correr) do seu "site" em inglês:

http://www.who.int/reproductivehealth/topics/fgm/overview/en/index.html


(…) A Mutilação Genital Feminina (MGF) não tem benefícios conhecidos para a saúde Pelo contrário, sabe-se que é prejudicial para as raparigas e mulheres, de muitas maneiras. Em primeiro lugar e o mais importante, a MGF é dolorosa e traumática. A remoção ou dano de tecido genital normal e saudável interfere com o funcionamento natural do corpo e provoca várias consequências para a saúde, imediatas e a longo prazo. Por exemplo, os bebés nascidos de mulheres que sofreram MGF têm uma maior taxa de morte neonatal em comparação com os bebés nascidos de mulheres que não se submeteram a essa prática. Há também risco de nados-mortos ou abortos espontâneos, e em mais 25% de casos o recém-nascido tem um baixo peso à nascença ou um infecção grave, factores associados um acréscimo de risco de morte perinatal.

As comunidades que praticam a MGF evocam uma variedade de razões de natureza social e religiosa para a sua continuidade. Vista de uma perspectiva de direitos humanos, esta prática reflete profundamente a a enraizada desigualdade entre sexos, e constitui uma forma extrema de discriminação contra as mulheres. A MGF é quase sempre realizada em menores e é, portanto, uma violação dos direitos da criança. A prática também viola os direitos à saúde, segurança e integridade física da pessoa, o direito de estar livre de tortura e tratamento cruel, desumano ou degradante, e o direito à vida, quando o procedimento resulta em morte. (...)

Luís Graça disse...

Já agora fica aqui um excerto da entrevista da Fatumata Djau Baldé, à APF, a associação portuguesa para o planeamento familiar, em agosto de 2009... É bom saber o que nos dizem os guineenses que lidam com os problemas...

Ora, no que diz respeito aos problemas da saúde da mulher e da criança (e dos seus outros direitos) na Guiné-Bissau, aqueles não se esgotam no (i) fanado... Há outros como: (ii) as crianças talibés; (iii) o casamento precoce e forçado, (iv) a violência doméstica e sexual, (v) os rituais fúnebres (“choro”)…


(…) APF – PODE FALAR-NOS UM POUCO MAIS DE CADA UMA DAS PRÁTICAS NEFASTAS?

FDB –– Entre as práticas nefastas a mutilação genital feminina foi a que mereceu anteriormente alguma atenção por parte do Comité e intervenções específicas por parte de ONG Guineenses. Estamos a falar de um ritual que leva ao sofrimento físico, psicológico e a graves complicações da saúde reprodutiva e geral da mulher e das meninas. A este nível, o nosso maior desejo é para que as comunidades comecem gradualmente a abandonar a tradição da MGF.
As chamadas crianças talibés são um fardo pesado na Guiné-Bissau. É um fenómeno que tem aumentado nos últimos anos nas comunidades islamizadas. Inicialmente, apenas os rapazes que, a pretexto de frequentar escolas Corânicas nos países vizinhos, eram separados das suas famílias e levados para locais distantes onde num regime de quase escravatura são forçados a abusos, mendicidade e trabalho infantil. Actualmente, também as meninas correm o risco de integrarem os números das crianças talibés; há relatos de meninas obrigadas a praticar a prostituição, sendo assim expostas quer à violência sexual quer ao contágio pelo VIH/sida e outras doenças. A existência de mais escolas e o acesso mais fácil à educação nas comunidades a par de uma maior consciência nas famílias e da sociedade Guineense da protecção e promoção dos direitos humanos das crianças, permitem que se cumpra a Constituição Nacional e se previna este grave problema que atinge a Guiné nos seus filhos mais vulneráveis, as crianças.
O casamento precoce e forçado é também uma tradição que pretendemos que seja abandonada pelas comunidades. Neste caso, uma das nossas propostas é pressionar e esclarecer o governo para que altere, por via da lei, a idade mínima ao casamento. Neste momento temos meninas guineenses a casarem-se muito cedo, com grande diferença de idades entre elas e os futuros maridos. A lei refere os 14 anos…mesmo assim é muito cedo porque as gravidezes acontecem antes do completo desenvolvimento do corpo e a escolha das meninas não é tida em conta

(Continua)

Luís Graça disse...

(Continuação da entrevista de Fatumata Djau Baldé, à APF, agosto de 2009:)

(...) Outro problema que nos preocupa muito são os casos de violência de doméstica e violência sexual, quase sempre silenciados. Para além da prevenção destes comportamentos, é essencial criar mecanismos de apoio e acompanhamento às vítimas de violência, quer a nível da saúde, quer a nível judicial. Está a aumentar na Guiné a consciência e denúncia de casos de violência sexual sobre as crianças. Este é um problema com que nos deparamos e que, acontecendo em famílias com um certo estatuto, é escondido por questões de honra. Não chegam a levar as crianças ao hospital quanto mais iniciar um processo junto do tribunal. Precisamos do desenvolvimento de um quadro legal, técnico e estratégico de protecção que inclua a detecção e seguimento de casos e previna a recidiva.
Por fim, consideramos uma prática nefasta, alguns passos e efeitos de determinados rituais rituais fúnebres, sobretudo aqueles em que o cadáver se mantém na casa por vários dias, semanas de modo a cumprir a tradição da cerimónia fúnebre. Sem condições de higiene e de conservação, esta situação coloca em risco a saúde pública das populações. E agrava problemas como a cólera. Também aqui, há um esforço de sensibilização a fazer no sentido de encontrar, com as comunidades praticantes, outras formas de homenagear os familiares que morrem e perpetuar comrespeito a sua memória. Os profissionais de saúde pública e autoridades locais também aqui são peças essenciais da mudança de mentalidades, pois há mecanismos e prazos que devem ser cumpridos para a realização das cerimónias fúnebres e da declaração do óbito. (…)

http://www.apf.pt/cms/files/conteudos/file/Noticias%20e%20destaques/Agosto%202009/fatu%5B1%5D.pdf

Anónimo disse...

Estas práticas cerimoniais africanas que hoje se pretende eliminar, eram praticadas no tempo colonial discretamente um pouco escondidas das autoridades coloniais, no caso das ex-colónias portuguesas.

No caso da Guiné, após a independência, passaram a ser praticadas publicamente e com datas próprias assinaladas pelas próprias autoridades.

Só que passou a ser testemunhado passivamente, como se fosse um inofensivo folclore, durante décadas pela UNICEF, OMS, AMI, MSF, médicos e paramédicos de Cuba, que apoiavam aquelas autoridades sanitárias incondicionalmente.

Só agora? antes tarde que nunca.

Antº Rosinha

Cherno Baldé disse...

Caros amigos,

Este tema já aqui foi objecto de discussão mas nunca é demais voltar a rebatê-lo pois é importante a sensibilização das pessoas a volta dos nossos problemas sociais e culturais.

Sobre esta problemática já Cabral nos dizia, mais ou menos nestes termos: "devemos manter os aspectos bons da nossa cultura, mas devemos combater e abandonar os que concorrem para manter o nosso povo no atraso e no obscurantismo".

Claro que na altura não tinham declarado guerra aberta a estas práticas, suponho que, pelas mesmas razões porque o Governo colonial não o fazia.

Do meu ponto de vista a excisão feminina resultou, históricamente, de uma simples transposição da circunscisão (fanado masculino) por iniciativa e vontade próprias da mulher, como uma instituição social de purificação, como diz o Luis Graça e também de educação ou socialização das meninas para o exercicio da função e do papel de mulher e como tal não podia ser anterior a islamização do mesmo modo que a circunscisão resulta de uma prática bem conhecida e intimamente ligada a religião que remonta até Abraao, este é o primeiro ponto.

Mas, ao mesmo tempo, a excisão feminina não resulta de nenhuma imposição ou fanatismo religioso como, erradamente, se pode pensar e o "fatwa" proferido pelos Imames no Parlamento, é demonstrativo deste facto. Da mesma forma que também ela não resulta de uma discriminação ou imposição dos homens em relação as mulheres nas nossas sociedades.

A luta contra a MGF, antes de mais, deve ser travada no seio da própria camada feminina, mas também no campo do desenvolvimento integral do Homem em geral (homens e mulheres) e, sobretudo, no dominio da educação.

Lembro que o meu pai não era letrado e vivia no campo, mas o simples contacto com comerciantes Lusos (portugueses e Caboverdianos) nos anos 60 foi o suficiente para abrir os olhos e mudar a sua filosofia de vida e o caminho escolhido para os seus filhos numa época em que as forças do obscurantismo ainda reinavam.

Assim, para as novas gerações da Guiné, a batalha contra a MGF e as práticas culturais consideradas nefastas só poderão ser ganhas se o combate contra a pobreza e o analfabetismo for encarado com firmeza e determinação, mas para isso precisamos de mais e melhor organização, de mais e melhor estado que possa conceber politicas e fixar metas que sejam económica e socialmente exequíveis.

Bem, depois de todo esse trabalho, esperamos que, a seguir, não nos venham a dizer para legalizarmos o casamento gay porque, convenhamos, isto dos direitos humanos pode ser uma verdadeira caixa de pandorra.

Um abraço amigo,

Cherno Baldé