quinta-feira, 7 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11209: Blogpoesia (324): Sinopse Lúdico-Histórica da CCAÇ 2444 (João Rebola)

1. Mensagem do nosso camarada João Rebola* (ex-Fur Mil da CCAÇ 2444, Cacheu, Bissorã e Binar, 1968/70), com data de 28 de Fevereiro de 2013:

Olá, Carlos Vinhal
O doc. que te envio para publicação foi escrito 25 anos depois de termos chegado da Guiné.
Na altura, ainda éramos muitos, só graduados e alguns elementos (poucos) da CCS, já que os operacionais, todos açorianos, ficaram em S. Miguel.
Neste momento, já se contam pelos dedos das mãos!
Estas quadras, dirigidas aos homens da 2444, mas que sofreram alguns retoques, vão também para todos aqueles que passaram pela Guiné e principalmente aos que estiveram nos locais, nelas referidos.
"Não se vive para recordar, mas só recorda quem vive"
Se for possível a publicação integral do mesmo, agradeço.

Aceita "manga de mantenhas".
João Rebola




SINOPSE LÚDICO-HISTÓRICA DA CÇAÇ 2444

Quando em Abril de 68
Para os Açores embarcámos,
Sem de nada sabermos
Já estávamos tramados.

Pouco tempo durou o sonho
De aí cumprirmos a comissão,
Já que a O.S. 107 de 8 de Maio
Desvaneceu a nossa ilusão.

Depois de 4 meses de boa estada
Com uma vivência assaz querida,
Aquelas lindas terras deixámos
Em direcção a Stª. Margarida

Aqui fizemos o I A O
De dia, em instrução,
À noite, em fados e bebedeiras
Que bom, aquelas brincadeiras.

Assim fomos queimando as horas
Esperando a dolorosa partida.
E a 9 de Novembro, pela calada da noite
Deixámos o quartel de Stª. Margarida.

Ao cais do Conde d’Óbidos chegámos
Numa viagem afadigada mas triunfante,
Com o Uíge, por nós esperando
Para nos levar a terras do Infante.

Eis chegado o momento do adeus
Para sempre, talvez, até breve, pensámos.
Fez-se ao mar o monstro de madeira
E de nossos olhos, lágrimas brotámos.

Foi linda a viagem, mas de alegria contida
Pois o bom nunca se espera, só o mau.
E ao fim de 6 dias, escalando ainda o Funchal
À Guiné chegámos, ao porto de Bissau.

Para o cais fomos levados
E muito saudados pelos de lá.
Mas rapidamente se apressaram
A transportarem-nos para Brá.

Ali permanecemos algum tempo
Depois para os Adidos enviados.
Com o futuro, ainda desconhecido
E dia a dia cada vez mais chateados.

Tinha-se o sono apoderado de nós
Quando, de súbito, fomos acordados.
Depressa nos vestimos e aprontámos
E para Bula fomos levados.

Ali começámos a preparação bélica
Com os “velhinhos” do batalhão.
Patrulhando de dia, à noite, emboscando
Mas que destino agora nos darão?

Có, palavra terrível
Pela estrada do Vietnam, assim conhecida
Para lá seguimos com o coração nas mãos
Pedindo protecção à Virgem, mãe querida.

Durante 2 meses ali permanecemos,
Dormindo em tendas e abrigos escavando.
Mas, por ironia, após a nossa saída
O Vargas Cardoso logo os foi tapando

Apenas num dia de desmatação
Perto de nós, morteiradas caíram.
Mas os bravos da 2444
Entreolharam-se e até sorriram.

Estava o Janeiro a terminar
Para o Cacheu fomos transferidos.
Continuámos a nossa epopeia
Com mortos e muitos feridos.

Dia 6, data fatídica, mês de Fevereiro,
Aziago e de muita má lembrança,
Que retirou do mundo algumas vidas
Plenas de vida e esperança.

Recordem, amigos, do local o seu nome
Que, de repente, desfez sonhos e não só
Deixando para sempre tristeza, luto e dor
Aquela operação insidiosa, em Capó

Mas a esperança iria renascer
Com a ida para Bissorã, bela localidade
E assim esquecemos um pouco o mato
Ou não estivéssemos numa “ cidade”

Mas ao longo de 14 meses lá passados
Nem tudo foi bom ou de alegria
Já que além de mais feridos
Em Encheia, mais alguém jazia

Recordo, nostálgico, aquela “cidade”
De fulas, mandingas e balantas
Dos passeios de mota, cinema, petiscos e fados
E bailes com belas “bajudas” até às tantas

Aproximava-se o fim da comissão
Ao Olossato fomos “parar”
Para grande operação no Morés
E a boa disposição iria acabar

Regressados a Bissorã, 2 semanas depois
Cansados de tanto emboscar
Para nosso grande espanto
A Binar, fomos “esbarrar”

Nunca soubemos bem o porquê
Mas lá partimos para outro “terreiro”
Deixando em Bissorã imensas saudades
Mas sem saudades do Polidoro Monteiro

Finalmente abandonámos o mato
Já era tempo de a Bissau regressar
Aguardando a vinda do Carvalho Araújo
Para Portugal embarcar

A 20 de Agosto de 70
Para os Açores começámos a navegar
Passando ainda por Cabo Verde
Para mais tropa transportar

Eis-nos chegados a Ponta Delgada
Que com palmas e lágrimas nos recebeu
Marchando por ruas entapetadas com flores
Pois foi assim que a população nos acolheu

Aqui permanecemos 3 dias
Antes de nos fazermos ao mar
E a 3 de Setembro de 70
A Lisboa estávamos a chegar

Não esqueço os companheiros
Que as balas fizeram tombar
Em mim permanecerão sempre vivos
Enquanto viver e sonhar

Meus amigos, a vida é mesmo assim
A morte não escolhe nomes nem idades
Tudo o que aqui escrevi e lerdes
Não são mentiras, são verdades.

João Rebola
____________

Nota do editor:

Vd. último poste da série de 3 de Março de 2013 > Guiné 63/74 - P11183: Blogpoesia (323): É um pássaro, diz ela. De areia. Ferido de morte (Luís Graça)

4 comentários:

Luís Graça disse...

Parabéns, João, é uma homenagem sentida aos teus camaradas, vivos e mortos, da CCAÇ 2444... Feliz companhia que, apesar de todas as agruras por que passou, tem - na tua pessoa - um bardo com talento que soube pôr em verso a história de todo um coletivo....

Falas no 6 de fevereiro de 1969... Pois, fui descobrir no "Correio dos Açores, este texto sobre essa funetsa efeméride, assinado pelo teu camaradada João Carlos resendes Carreiro:

______________

Homenagem a 3 militares mortos na Guiné a 6 de Fevereiro de 1969

06 Fevereiro 2009 [Opinião]

Faz hoje 40 anos que numa emboscada na Guiné, morreram os militares de saudosa memória do furriel Manuel Carreiro (o Mani, filho do então Director do Diário dos Açores), o soldado José Aveiro (do Nordeste) e o soldado Manuel Almeida (o triclinas do Outeiro dos Arrifes).
Eram 7 horas da manhã, a luz do dia já começava a aparecer, mas a densidade do nevoeiro (cacimbo) mal deixava ver as palmeiras e restante vegetação à nossa volta.
Estávamos na zona de Capó, entre o Cacheu e Bachile, uma curva na estrada, com bolanha dos dois lados. Uma rajada de metralhadora deu cobertura à saída de uma bazucada que atingiu a zona do estômago do Mani, de uma maneira fatal. O tiroteio entretanto prosseguiu, a minha espingarda foi atingida de modo que o carregador ficou todo estilhaçado. O Graça, que ficou gravemente ferido, começou a gritar que tinha a perna despachada, quando levantei a cabeça, para ver o que se passava, uma rajada levantou o pó da estrada, qual cena do far west .
O furriel Mani e o José Aveiro eram do pelotão que eu comandava, como alferes miliciano, faziam parte da 3.ª secção, que naquela hora estavam a passar para a frente. Quando o meu pelotão ia na frente rodávamos de 2 em 2 horas de secção, eu costumava ir na secção da frente, porém ainda não tinha dado tempo, eles ainda estavam a passar.
Só me recordo de estar deitado na valeta da estrada, no meio do fumo da pólvora e cheiro a sangue que não vou esquecer nunca.
Fizemos parte da CCAÇ 2444, “os coriscos”, estivemos na Guiné de 1968 e 1970.
Passados 40 anos quero recordar aqui estes três jovens, de 22 anos, que deram a vida pela pátria, a 6 de Fevereiro de 1969, a cumprir o seu dever de cidadãos. Quando hoje exerço o direito à cidadania, faço-o com convicção, também pensando neles.
O furriel Mani, o Mani, não era um militar, era um jovem bem formado, que à noite rezava o terço com os soldados da sua secção. Era um brincalhão, sempre alegre que fumava charutos e tentava viver um dia de cada vez. Nunca te vou esquecer amigo!
Tínhamos todos 22 anos, tão jovens, mas que adultos que éramos, assumíamos responsabilidades de gente adulta e madura.
Um dia ver-nos-emos, vocês não morreram, passaram a viver de outra maneira!
Um grande abraço para vocês!
Autor: João Carlos Resendes Carreiro


http://www.correiodosacores.net/view.php?id=18945&poll=11&resposta=2

armando pires disse...

Vim aqui para comentar os versos do João, mas confrontado com o texto do João Carlos fiquei sem fala.
Lembro-me apenas de dizer que embarquei para a Guiné na véspera daquele fatídico 6 de Fevereiro. E que, sem o saber, ia ao encontro dos Coriscos.
armando pires

Manuel Carvalho disse...

Caros camaradas

Ao ver o poste do Rebola pareceu-me que nós por esta altura em Jolmete também andamos metidos em algumas alhadas e então fui consultar as minhas fontes.O mês de fevereiro de 69 foi a chegada do CAOP a Teixeira Pinto com a 121 e 122 de Paras, o DFE 3 e 12 a 16ª de CMDS e passaram tambem a depender do CAOP as C Caçs 2366.2444,2446 caç Nat. 58 e 59 bem como os Pel. Mil. 128 e 130.
Em 6 fev. começou a operação Aquiles Primeiro que se prolongou até 14 de fev.Logo no primeiro dia 6 de fev. a 2444 teve tres mortos e um guia civil e tres feridos e a 2446 teve um morto e um ferido e o pel mil. 130 4 feridos ficou tambem ferido o alf. do pel. de nat58 mais dois guias civis e um auxiliar.Isto logo no primeiro dia da operação.Pela nossa parte 2366 julgo que tivemos um ferido e um dia apanhamos um RPG2 e tres armas mas estavamos a ver que as munições não chegavam para abrir caminho para o quartel. Alguns de nós chegaram a Jolmete com meia duzia de balas no carregador.Pois é caro Rebola o mundo é pequeno e a nossa tabanca é grande. Quem diria que as nossas comp. tinham andado na mesma operação.
Um abraço
Manuel Carvalho

armando pires disse...

Passado abanão do comentário assinado pelo João Carlos Resendes, é tempo de tornar aos versos do Rebola.

Porque parte daquela história, a que é contada em Bissorã, dela fui testemunha.

E numa passagem, em particular, então nessa eu fui actor.

Aquela onde o João Rebola diz:


Recordo, nostálgico, aquela "cidade"

De fulas, mandingas e balantas

Dos passeios de mota, cinema, petiscos e fados

E bailes com boas "bajudas" até às tantas


Ali, naquele terceiro verso, é que eu e o João fomos mesmo protagonistas.

Na mota que ele tinha e que me emprestou para eu "aprender" a andar.

Nos petiscos e fados. Com ele a tocar e eu a cantar. Tal como está na foto que ele fez acompanhar a sua apresentação à Tabanca Grande.

armando pires