Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 11 de janeiro de 2014
Guiné 63/74 - P12572: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493) (6): Cuidado com as aparências
1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74), com data de 7 de Janeiro de 2014:
Carlos
Antes de mais, votos de boa saúde extensivos a todos quantos passaram por terras da Guiné.
PEDAÇOS DE UM TEMPO
A foto deste vosso ex-camarada no dia em que chegou a Mansambo, depois de um mês de férias na metrópole. Vinha de levantar algum equipamento que tinha deixado na arrecadação, se tive dias difíceis de passar, este foi um deles, ao ponto de ainda não o ter esquecido.
Hoje vou falar da minha primeira viagem de avião e, de dois camaradas que viajaram comigo.
6 - CUIDADO COM AS APARÊNCIAS…
Nem sempre aquilo que parece é; na madrugada do dia vinte e quatro de Janeiro do já distante ano de mil novecentos e setenta e dois, juntei-me a vários camaradas no quartel dos Adidos, em Lisboa, tendo como destino viajar até à então província ultramarina da Guiné.
Apesar da noite estar preste a dar lugar ao dia quando o avião em que viajamos levantou voo, ainda toda a cidade se encontrava iluminada. Para quem como eu, era a primeira vez que viajava em tal meio de transporte, foi qualquer coisa de espetacular.
A sensação que tive era de irmos a sobrevoar uma enorme montanha toda iluminada. Passados os primeiros momentos em que a curiosidade, a expectativa e alguma incerteza deram lugar à “tranquilidade possível”, era chegado o tempo de conversarmos um pouco e, logo procuramos saber se algum de nós tinha como destino a mesma Companhia.
Até chegarmos a Cabo Verde fomos pondo a conversa em dia, com o avançar das horas, no velho e lento avião, comecei a sentir alguma descompressão, apesar das ideias completamente baralhadas. Era chegado o momento da primeira aterragem, no aeroporto dos Pargos, na ilha do Sal e, nova sensação até então para mim desconhecida. Depois da conversa que tive com os camaradas de viagem fiquei a saber, dos que íamos, dois iam comigo para o Leste, para a Cart 3493, que tinha como destino Mansambo, o Batalhão de que fazia parte a Companhia com os nossos futuros camaradas já tinha partido de barco há cerca de um mês. Soube também que ambos tinham já mais de ano o meio de tropa, alguns problemas disciplinares levaram a que só agora fossem mobilizados.
O primeiro juízo que fiz, erradamente, foi que, provavelmente não seriam os melhores colegas para quem como eu gostava das coisas muito “certinhas”. Só depois soube que o Agostinho era condutor, tinha tido um acidente pouco relevante, mas enquanto o auto não foi resolvido, não foi mobilizado, só por isso ia agora. O Vila Cova devia ir como furriel, mas alguma coisa não correu bem, foi mobilizado como soldado.
Mas a realidade cedo provou que eu fizera um juízo errado acerca dos meus camaradas. O Vila Cova, ao chegar à Companhia foi colocado na secretaria, bom colega nada conflituoso, tinha apenas o inconveniente de por vezes reagir mal a determinados pequenos acontecimentos, que para a maioria não tinham nenhuma importância… apesar de muito tempo já ter passado, ainda recordo o sofrimento e desorientação que uma abelha lhe provocou ao deixar-lhe o respetivo ferrão cravado no rosto, num dia em que seguíamos em coluna para Bafatá, pouco depois de termos passado pela povoação de Afiã.
O Agostinho, um dos bons amigos que tive durante todo o tempo de comissão, tinha como principal defeito, uma qualidade que poucos tinham, parecia só estar bem a trabalhar.
Entre outras provas do seu valor, recordo uma noite em que foi necessário fazer uma coluna a Bambadinca, para evacuar um camarada que tinha acionado uma mina, num dos patrulhamentos que normalmente faziam quando estávamos em Mansambo. O Agostinho logo se disponibilizou para seguir na frente da coluna com a GMC sem que a estrada tivesse sido picada, como em condições normais sempre fazíamos.
Durante o tempo de comissão demonstraram que afinal o menos interessante do grupinho que viajamos para mesmo local era mesmo eu. Ao longo da vida somos confrontados com situações assim. Quando nos acontecem é bom não as esquecermos, para não voltarmos a fazer juízos errados.
António Eduardo Ferreira
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Nota do editor
Último poste da série de 27 DE DEZEMBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10871: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira) (5): O whisky não era para todos
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1 comentário:
Caro camarada António Ferreira
Quantas e quantas vezes não nos aconteceu, ao longo da vida, fazermos juízos errados, precipitados, preconceituosos?
Acho que é uma situação normal, deve ter ocorrido a todos nós. E ainda hoje, quando facilitamos, caímos nesse tipo de atitude. Seja lá pelo que for....
Dizes tu, hoje, em jeito de 'arrependimento', que afinal, daquele grupo serias o 'menos interessante'. Lá estás outra vez a ser preconceituoso: cada um de nós tem o interesse que tem e não vale a pena estar a fazer uma 'classificação' disso. Deixa que outro o façam.
Abraço
Hélder S.
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