quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12626: Memória dos lugares (262): Ponte do Rio Udunduma: os 'dias felizes' do Humberto Reis e do Tony Levezinho, 2º Gr Comb, CCAÇ 12 (1969/71) (Texto de L.G. / Fotos de H.R.)



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Estrada Bambadinca- Xime > Ponte Rio Udunduma > 1970 >

A estrada Xime (à direita) - Bambadinca (à esquerda), com a respectiva ponte. Vísivel também o troço da nova estrada que estava em construção, a cargo da empresa Tecnil, e que implicou a construção de uma nova ponte. Na empresa Tecnil, irá trabalhar mais tarde, como "cooperante, o nosso amigo e camarada António Rosinha, entre 1979 e 1993. Esta estrada ficará alcatroada e pronta em princípios de 1972, se não erro (LG).

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Estrada Xime - Bambadinca > 1997 : Ponte (velha) do Rio Udunduma. Em 1969/71, no tempo da CCAÇ 12, a segurança desta ponte, construída em 1952, era de importância estratégica para toda a região leste. Ficava a 4 km de Bambadinca e a 7 do Xime. No ataque em força, a Bambadinca, em na noite de 28 para 29 de Maio de 1969, os guerrilheiros do PAIGC tentara dinamitá-la. Embora parcialmente destruída (era de bom cimento armado e resistiu...), continuou operacional. Já sabemos que a partir daí passou a ser defendida permanentemente por uma força a nível de pelotão, a cargo das unidades do BCAÇ 2852. A primeira subunidade a ir para lá, a nível de Gr Comb, foi a CART 2339 (Mansambo, 1968/69) (*).

A partir de 16 de Dezembro de 1969 a segurança permanente passou a ser feita pelos Gr Comb da CCAÇ 12 e pelo Pel Caç Nat  53 (Bambadinca). Havia apenas abrigos individuais, extremamente precários: bidões de areia com cobertura de chapa de zinco, e valas comunicando entre os abrigos individuais.

Foto: © Humberto Reis (2005) (com a colaboração do Braima Samá, professor em Bambadinca). Todos os direitos reservados.




Guiné > Zona leste > Setor L1 > Estrada Bambadinca-Xime > Ponte do Rio Udunduma > Destacamento da CCAÇ 12 >  2º Grupo de Combate > 1970 >

O Humberto, à ré, mais soldado de transmissões,  à proa, treinando as suas perícias na difícil modalidade da canoagem local...  "Era o António Dias Santos, de alcunha, não sei porquê, O Bacalhau.  Quando estava em Bambadinca normalmente andava pela tabanca ao cheiro das bajudas e quase sempre com uma varinha na mão a imitar um pingalim.   Há uns [ largos] anos, quando organizei um dos primeiros almoços da rapaziada, procurei na lista telefónica o nome dele na zona da Régua, pois sabia que ele tinha sido funcionário da CP e que morava ali. Descobri-o, mas quando falei com a senhora é que fiquei a saber que ela já era viúva do Bacalhau" (HR)

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados


1. Comentava há uns largos (**), ainda na I Série (abril de 2004/maio de 2006) o Jorge Cabral, com uma ponta de fina ironia, que nós éramos demasiado sérios e que escrevíamos de maneira sofrida,  como se a guerra (da Guine) ainda não tivesse acabado para nós. Os nossos relatos eram  dramáticos. As nossas memórias estavan carregadas da tensão dos dias, do cansaço dos meses e do silêncio dos anos.

Se calhar o Jorge até tinha  razão. Pelo menos, alguma razão. Os nossos sentimentos eram em 2006 (e continuam a ser)  contraditórios. Alguns de nós conseguem ter (ou mostrar) uma visão mais diurna e positiva da Guiné do tempo da guerra. São capazes de se encantar com as imagens e as recordações da Guiné. Alguns conseguiram até lá voltar e fazer as pazes com os jagudis ou os sinistros fantasmas que os perseguiam.

Uma parte de nós (não há estatíticas...) voltaram lá. Outros ainda querem lá voltar, antes de morrer (nem que seja de canadianas!...)  ou andam a arranjar coragem para fazer a viagem de retorno, divididos entre uma certa imagem mítica do passado e o medo (traumático) do desencanto e do pesadelo dos dias de hoje.

Enfim, outros continuarão a ter uma visão mais noturna e negativa dos acontecimentos que os marcaram: as emboscadas, as minas, os ataques,  as flagelações, a morte, a dor, o sofrimento, a solidão, a angústia, os mosquitos, a fome, a sede, o absurdo da guerra que fomos obrigados a fazer...

Já deixámos, porém, aqui sobejas provas do nosso bom humor, já aqui contámos estórias, mais pícaras, mais divertidas ou mais banais, tentando dar cor, cheiro e sabor àqueles 700 ou mais dias das nossas vidas que passámos na Guiné... O próprio Jorge deu o exemplo, deliciando-nos com as suas pequenas estórias que eu chamei cabralianas... O Jorge sempre teve uma maneira muito própria, desalinhada, talvez até marginal, de ser e de estar na tropa e, por extensõa, na guerra... O nosso convívio era esporádico mas foi o suficiente para eu o sinalizar como uma das figuras impagáveis que passaram por Bambadinca...

Tens razão, Jorge. Nem todos os dias eram sofridos, dramáticos, tensos, esgotantes... Nem todos os dias eram de vida ou de morte... Também houve dias ou tardes ou manhãs, calmos, poéticos, bem dispostos e até felizes. Por exemplo, os dias que passávamos no destacamento da Ponte do Rio Udunduma (e tu em Fá Mandinga).  Udunduma e nºão Unduma, como eu comecei a escrever, na I Série, dando origem a um erro sistemático...

Eu, pessoalmente, não guardo lá grandes memórias dos dias em que era obrigado a lá ficar. De dia, sempre lia e escrevia...Não havia mais nada para fazer, a não ser estar ali... À noite, aquilo era um pesadelo, por causa dos mosquistos e demais bicharada... Já o Humberto, a avaliar pelas suas fotos, soube tirar partido da situação: por exemplo, pescava, que era uma coisa que eu não sabia fazer... E tomar banho, nem pensar: eu tinha medo, que me pelava, da bilharziose...

Enfim, a recordação mais nítida que tenho é a de 3  de fevereiro de  1971 quando o Spínola  passou por lá e nos cumprimentou,  de visita aos trabalhos da estrada Bambadinca-Xime (***)... Três semanas atrás, tinha saltado com a GMC numa mina, ali perto... Agora levava uma piçada de um dos coronéis da comitiva do Com-Chefe,  a mês e meio de regressar a casa... Mas a tropa era assim mesmo, e a guerra ainda pior: quem se lixava era sempre o mexilhão... (LG)

PS1 - Mas não sejamos injustos em relação ao resort da ponte do Rio Udunduma: afinal, enquanto lá estávamos, não andávamos a foder o coirão nas matas do Xime e do Corubal, na guerra do gato e do rato. (****).

PS2 - Já agora lembro os nossos amigos e camaradas Carlos Marques dos Santos (CMS) e Jorge Araújo quem, em épocas diferentes, conheceram esta estância turística... Ainda recentemenete o CMS  nso veio l
lembrar o seu estatuto de... dinossauro, em mail de 15 do corrente:

[...] Ácerca da ponte do Udunduma não se esqueçam cá do DINOSSAURO. Em 29 de maio eu estava lá com tendas de 3 panos da 2ª guerra mundial. Fomos nós que fomos defender Bambadinca. Os primeiros. É história, não estória. Quanto a mim uma farsa,  o ataque [de 28 de maio de 1969]. Vi passar a tua companhia [CCAÇ 2590/CCAÇ 12] em princípios de junho [2 de junho], como vi passar outros. Luxos como os que foram vistos no blogue já não são do meu tempo. Estava na PELUDA. Um Abraço. CMS. [...]




Guiné > Zona Leste > Setor  L1 > Estrada Bambadinca-Xime > Ponte do Rio Udunduma > Destacamento da CCAÇ 12 >  2º Grupo de Combate > 1970 >

O Humberto Reis,  ranger, fotogénico...Passados mais de meio ano, ainda eram visíveis os sinais da tentativa de destruição da ponte,. na noye de 28 de maio de 1969, aquando do ataque a Bambadinca.



Guiné > Zona Leste > Setor  L1 > Estrada Bambadinca-Xime > Ponte do Rio Udunduma > Destacamento da CCAÇ 12 >  2º Grupo de Combate > 1970


O Tony (Levezinho) e o Humberto sentados na manjedoura... Era ali, protegidos da canícula, que tomavámos em conjunto as nossas refeições, escrevíamos as nossas cartas e aerogramas, jogávamos à lerpa, bebíamos um copo, matávamos o tédio...O Tony (Levezinho), à esquerda, segurando uma granada LGFog de 3.7.  Também à esquerda, de pé, em segundo plano o saudoso 1º cabo José Marques Alves (1947-2013).



Guiné > Zona Leste > Setor  L1 > Estrada Bambadinca-Xime > Ponte do Rio Udunduma > Destacamento da CCAÇ 12 >  2º Grupo de Combate > 1970

Crianças ou adolescentes, provavelmente de Amedalai, a tabanca mais próxima da ponte, divertem-se, dando saltos para a água, sob a supervisão de um dos nosso militares.,




Guiné > Zona leste > Setor L1 > Estrada Bambadinca-Xime  >   Ponte do Rio Udunduma > Destacamento da CCAÇ 12 >  2º Grupo de Combate > 1970 >

Pesca à linha, banho à fula, um dia descontraído de canoa...

 

Guiné > Rio Udunduma > Destacamento da CCAÇ 12, 2º Grupo de Combate > 1970 > Da esquerda para a direita:

O soldado Arménio e os furriéis milicianos Humberto Reis e Tony Levezinho, em concurso de pesca..

Fotos: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados  [Edição e legendagem complementar: L.G.]
_______

Notas do editor:

(*) Vd,. I Série > poste do Carlos Marques dos Santos, de 4 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXIX: Os Solitários da CART 2339 na Ponte do Rio Udunduma e em Fá

(...) "Em 28 de Maio de 1969 ouvimos rebentamentos para aqueles lados e pensámos ser na tabanca Moricanhe. Afinal, para nosso espanto, era mesmo em Bambadinca, sede do Batalhão.

"Dia 29, pela 05.30 da manhã, seguimos para reforço da sede de Batalhão. 15 dias. Salvo erro com o Pel Caç Nat 63 estivemos em tendas (panos de tenda com botões), em vigília constante, àquela que era uma passagem importante [,a ponte sobre o Rio Undunduma, na estrada Xime-Bambadinca]" (...).

(**) Vd.  I Série > poste de 4 de fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCVIII: Os dias felizes na ponte do Rio Udunduma (CCAÇ 12) (Humberto Reis / Luís Graça)


(***)  Vd  I Série > poste de Luís Graça, de 3 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXVI: Herr Spínola na ponte do Rio Udunduma

(...) "Ponte do Rio Udunduma, 3 de Fevereiro de 1971:

De visita aos trabalhos da estrada Bambadinca-Xime, esteve aqui de passagem, com uma matilha de cães grandes atrás, Sexa General António de Spínola, Governador-Geral e Comandante-Chefe (vulgo, o Homem Grande). Eu gosto mais de chamar-lhe Herr Spínola, tout court. De monóculo, luvas pretas e pingalim, dá-me sempre a impressão de ser um fantasma da II Guerra Mundial, um sobrevivente da Wermacht nazi

(...).Cumprimentou-me mecanicamente. Eu devia ter um aspecto miserável. Eu e os meus nharros, vivendo como bichos em valas protegidas por bidões de areia e chapa de zinco. O coronel (?) que vinha atrás do General chamou-me depois à parte e ordenou-me que, no regresso a Bambadinca, cortasse o cabelo e a barba"...


(****) Último poste da série > 22 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12620: Memória dos lugares (261): Bachile, 1973/74 (Duarte Cunha)

2 comentários:

Anónimo disse...

Antonio Levezinho
23 jan 2014 22:38


Velho Amigo

Obrigado pelos "lembretes".

Tenho daquele local a memória de que, apesar de calmo durante o dia, as precarias instalações, como tu bem as descreves, tornavam as noites de quem lá ficava em missão , longas e convidativas ao pesadelo sistemático.
Porquê? Pois, se bem te recordas, tais abrigos estavam implantados, praticamente ao nível do solo, como, aliás, tinha que ser, mas num terreno em declive, descendo no sentido Xime-Bambadinca.
Em tais circunstâncias, torna-se óbvio que aquelas instalações seriam alvo fácil de serem tomadas de assalto.
Recordo que, entre nós, comentavamos: "Se os turras quiserem um dia atacar a guarda da ponte terão apenas que fazer rolar algumas granadas pela ribanceira abaixo".
Enfim, é também por questões de mero detalhe, como este caso sugere que, ainda hoje, muitos de nós se interrogam se todos esse setecentos e tal dias ali vividos, não terão passado de uma" brincadeira de mau gosto", de participação obrigatória e que, para muitos, acabou mal .
Um abraço
Tony Levezinho

Anónimo disse...

Quatro dias depois de apresentado em Bambadinca e depois de uma ida ao Mato Cão,fui para a Ponte(Junho de 1969).Nada mau para um Rapaz da Avenida de Roma..

Abraço.

J.Cabral