terça-feira, 4 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12792: Estórias avulsas (76): Cabritos (António Tavares)

1. Mensagem de António Tavares (ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), com data de 21 de Fevereiro de 2013:


Cabritos…

Ao ver esta fotografia do Gil Ramos, tirada em Galomaro na 4ª Missão Dulombi – Março 2013, recordei que certa noite anterior a uma coluna auto a Bambadinca, o Cherifo Baldé pediu-me para transportar um primo com duas cabras.
De imediato disse que sim e combinei o local onde deveria estar.
Cherifo Baldé era um guia da CCS/BCAÇ 2912, em 1970/72. Eram todos primos e irmãozinhos quando pediam algum favor!

Na manhã do dia seguinte e já dentro da povoação de Galomaro aparece o Cherifo Baldé e o familiar (?) com um rebanho de cabras, 30 a 40 cabeças.
Depois de alguma discussão, porque não era o combinado, acedi à nova situação e começaram a carregar o gado para as viaturas. Os animais assustados tresmalharam-se e fizeram tanto barulho (balidos) que no quartel ouviram.

Entre a poeira que o rebanho levantava veio um dos Comandantes saber o que se passava porquanto a coluna já devia estar em andamento. Desculpas para o sucedido não faltaram e após o carregamento total das cabras, que não foi fácil, a coluna seguiu o rumo.

Em Bambadinca, descarregadas as cabras, cada interveniente seguiu o seu destino; o nosso, o reabastecimento no Pelotão de Intendência.
Em Galomaro fui chamado aos Comandos e perguntas não faltaram mas consegui desenrascar-me de um provável castigo e daquela tramóia inicial de duas cabras para um indisciplinado rebanho caprino.

Nunca percebi qual o motivo de tanto interrogatório embora estivéssemos numa época de perguntas e mais perguntas… Simplesmente pratiquei um bom acto, transporte de pessoas e animais, conforme instruções/escritos da REP.POP. COMCHEFE GUINÉ para colaboração com a POP…
Bem pregava Frei Tomás!

Passados uns dias o dono do rebanho deu-me um cabrito preto como recompensa, digo eu, dos trabalhos/arrelias que tive com a ocorrência. Aceitei-o de bom grado mas para que queria eu um cabrito? Vendi-o por 50 Pesos aos cozinheiros que o criaram e fizeram uma festa aquando da sua matança e eu fui um dos convidados pelo que fui duplamente beneficiado com uma mentira inteligente de um indígena.

Faço notar que o cabrito, herbívoro e ruminante, tinha menos valor do que uma cabra. Esta dava leite, crias, tinha a pele mais macia e a carne mais suculenta! Os Guinéus sabiam e conheciam o valor dos animais e o que dar ou trocar neste caso. Passou a haver um cabrito e uma cabra no quartel.

O Magusto, 1º Cabo da ferrugem, teve a paciência de domesticar a sua cabra que passeava livremente dentro do quartel. Cães, gatos, macacos, periquitos, esquilos e um frango domesticado não faltavam dentro do arame farpado de Galomaro… Um mini zoo. Eu justifiquei o adágio: “quem cabritos cria e cabras não têm de algum lado lhe vêm".

Actualmente esta história real passada nas matas do leste do CTIGuiné tem o valor que tem. Valor tem um grupo de jovens que fazem parte da MISSÃO DULOMBI, uma organização sem fins lucrativos, nascida em 2010.

Gil Ramos na 1ª Viagem Humanitária que fez à Guiné quis conhecer a aldeia, Dulombi, onde seu pai combateu na CCaç.2700 do BCaç.2912.
Amanhã, sábado 22 de Fevereiro iniciar-se-á a 6ª viagem da Missão Dulombi, de ajuda humanitária à Guiné-Bissau, focada nas aldeias de Dulombi e Galomaro.

Um abraço,
António Tavares
Foz do Douro, 21 de Fevereiro de 2014





Fotos: Missão Dulombi, com a devida vénia
____________

Nota do editor

Último poste da série de 26 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12774: Estórias avulsas (75): Quando, em 18/12/1976, na fronteira de Valença, ia eu comprar à vizinha Espanha o bacalhau p'ro Natal e os caramelos da ordem, e me exigem a famigerada Licença Militar... Dois anos depois de eu passar à disponibilidade... (Henrique Cerqueira, ex-fur mil, 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74)

6 comentários:

Luís Dias disse...

Caro António Tavares

Obrigado pela história que aqui partilhas. As colunas eram sempre antecedidas de problemas interessantes....De facto algumas das vezes no Dulombi tínhamos na véspera de combinar com o Chefe da Aldeia, por sinal ainda vivo, para ele escolher quem ía ou não na coluna para Galomaro/Bafatá e/ou Bambadinca, para evitar, como me aconteceu, de não ter lugar para colocar as tropas do meu grupo.
Saliento também as maravilhosas gentes da "Missão Dulombi", com a sua habitual dedicação à causa humanitária daquele povo. Um grande abraço para ti e para todos os elementos da "Missão" que estão em nova viagem para aquele cantinho, onde nós estivemos.
Luís Dias

Hélder Valério disse...

Caro António Tavares

Com que então eram "só" duas cabrinhas....

Vai-se a ver tu é que percebeste mal...

Bem, estes episódios fizeram parte da vivência lateral à guerra mas, na prática, foram parte integrante da mesma, pois o relacionamento com a população era essencial.

Quem é que nos dias de hoje acreditará que esses coisas se passaram?

Abraço
Hélder S.

Luís Graça disse...

Camarada António Tavares:

Passámos do oito para o oitenta!... À nossa boa maneira...

Era já essa, de resto, a sensação que as NT tinham no meu tempo (1969/71)... Eram as cabras, as evacuações +pop de helicóptero, as escolas, os serviços médicos, as viagens a Meco, o transporte da mancarra...

Spínola (e a sua "corte") percebeu que nenhuma guerra dita "subersiva" se ganhava apenas com a ponta das espingardas... Daí esta estratégia de "sedução"...

Infelizmente, até para os fulas, a política da "Guiné melhor" chegou tarde e a más horas... Por muita boa vontade, tato, empatia, simpatia, compreensão da missão, etc. que tu e muitos Antónios e muitos Tavares, ou muitos Henriques, como eu, tivessem, dar boleia aos cabritos e aos seus donos,. de Galomaro a Bambadinca já não chegava... Por que depois, no regresso a Galomaro a guerra, pura e dura, continuava...

Adorei a tua história... Um alfabravo para ti e para esses lindos meninos da "Missão Dulombi", que nos honram a todos... Eles merecem as nossas palmas!

Luís Graça disse...

Camarada António Tavares:

Passámos do oito para o oitenta!... À nossa boa maneira...

Era já essa, de resto, a sensação que as NT tinham no meu tempo (1969/71)... Eram as cabras, as evacuações +pop de helicóptero, as escolas, os serviços médicos, as viagens a Meco, o transporte da mancarra...

Spínola (e a sua "corte") percebeu que nenhuma guerra dita "subersiva" se ganhava apenas com a ponta das espingardas... Daí esta estratégia de "sedução"...

Infelizmente, até para os fulas, a política da "Guiné melhor" chegou tarde e a más horas... Por muita boa vontade, tato, empatia, simpatia, compreensão da missão, etc. que tu e muitos Antónios e muitos Tavares, ou muitos Henriques, como eu, tivessem, dar boleia aos cabritos e aos seus donos,. de Galomaro a Bambadinca já não chegava... Por que depois, no regresso a Galomaro a guerra, pura e dura, continuava...

Adorei a tua história... Um alfabravo para ti e para esses lindos meninos da "Missão Dulombi", que nos honram a todos... Eles merecem as nossas palmas!

Luís Graça disse...

Camarada António Tavares:

Passámos do oito para o oitenta!... À nossa boa maneira...

Era já essa, de resto, a sensação que as NT tinham no meu tempo (1969/71)... Eram as cabras, as evacuações +pop de helicóptero, as escolas, os serviços médicos, as viagens a Meco, o transporte da mancarra...

Spínola (e a sua "corte") percebeu que nenhuma guerra dita "subersiva" se ganhava apenas com a ponta das espingardas... Daí esta estratégia de "sedução"...

Infelizmente, até para os fulas, a política da "Guiné melhor" chegou tarde e a más horas... Por muita boa vontade, tato, empatia, simpatia, compreensão da missão, etc. que tu e muitos Antónios e muitos Tavares, ou muitos Henriques, como eu, tivessem, dar boleia aos cabritos e aos seus donos,. de Galomaro a Bambadinca já não chegava... Por que depois, no regresso a Galomaro a guerra, pura e dura, continuava...

Adorei a tua história... Um alfabravo para ti e para esses lindos meninos da "Missão Dulombi", que nos honram a todos... Eles merecem as nossas palmas!

Juvenal Amado disse...

Tavares

Uma bela recordação que tu nos trazes bem saborosa.
E mais saborosa porque fala da nossa "terra" africana e porque falar dela, faz-nos senti-la perto, faz-nos voltar lá.
Que inveja que eu tenho não poder ir com esses jovens ajudar a pintar a escola, reparar o hospital, se poderá chamar hospital ao que lá existe. Os jovens da Missão Dulombi estão a prolongar-nos no amor que se nos colou à pele para sempre por aqueles sítios de bons e maus momentos.

Gostei Tavares e bem podes dizer que a velhice é um posto.

Um abraço