sexta-feira, 6 de junho de 2014

Guiné 63/74 - P13249: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (16): A Carta de Condução

1. Mensagem do nosso camarada Hélder Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 25 de Maio de 2014:

Caros camaradas Editores
Em anexo envio uma pequena história que se passou comigo sendo realmente uma "Histórias em Tempos de Guerra".
Envio também em anexo documentos e fotos que podem ajudar a ilustrar o texto que, naturalmente, terá o destino que melhor entenderem.

Abraços
Hélder Sousa


HISTÓRIAS EM TEMPO DE GUERRA




16 - A CARTA DE CONDUÇÃO

Caros camaradas, amigos e outros…
Aqui vai uma pequena história que vou partilhar convosco esperando que seja suficientemente ‘leve’ para vos provocar um sorriso compreensivo. Certamente muitos de vós ainda se devem lembrar de uma expressão, agora já caída em desuso, e que era “eh pá, parece que tiraste a carta na tropa!”, quando alguém cometia erros de condução ou mesmo condução perigosa ou “pé pesado”. Isso era assim porque se dizia que ‘na tropa’ se tirava a carta com muita facilidade, sem rigor, sem exigências, tudo muito facilitado. Acho que havia aqui algum exagero de julgamento mas que esta expressão era um tanto corrente, lá isso era.

Tirei a minha carta de condução automóvel durante o ‘tempo da tropa’. Foi em Bissau, em Novembro de 1971.

Numa escola de condução ‘civil’, a “Escola de Condução Manuel Saad Herdeiros, Lda,” que se situava na Rua Tenente Marques Gualdes. À séria, com aulas de código e de condução pelas ruas de Bissau e também, já nas últimas lições, na estrada até ao aeroporto. O mais difícil era arranjar local para fazer “ponto de embraiagem”….

Quase tudo plano, havia três ou quatro sítios onde isso se fazia. Ensaiava-se em todos esses locais e um deles calhava de certeza no exame. A mim foi na pequena rampa de acesso à então “Praça do Império”, vindo do lado do aeroporto. Foi a última manobra e após isso, ficando aprovado, lá se foi comer uma ‘sanduiche’ de queijo da serra na “Pastelaria Império”. Com o examinador, claro!

Para comprovar, junto cópia do “cartão da escola”, do talão do pagamento de 610$00 e também da “requisição de carta”, com todos os elementos identificadores necessários e confirmados pelo Comandante do Agrupamento de Transmissões onde eu estava incorporado, Major João Silva Ramos (o “Raminhos”, como lhe chamávamos, devido à sua pequena altura) e pelo então Chefe da 1ª Rep., Tenente-Coronel Augusto Silveira Reis.

Talão de Caixa no valor de 610$00 (Pesos)

Boletim de inspecção

Até aqui, nada de especial, apenas o facto de ainda não ter visto no Blogue nenhum relato semelhante, embora tenham havido referências a problemas e acidentes de condução. O que tem de mais curioso é que esta questão de tirar a carta não era, para mim, naquele tempo, naquela época, nenhuma obsessão, ainda não havia a ‘pressão social’ de se ter que ter um carro para ‘melhorar’ o seu estatuto social. Recordo mesmo que naqueles momentos de folga, entre turnos de serviço “Escuta”, tinha já, uma vez ou outra, conversado com o meu amigo e camarada de curso e serviço, Nelson Batalha, de que já aqui falei e que é meu padrinho de casamento, da vantagem de tirar a carta numa escola de condução que pudesse ministrar formação mais rigorosa. Lembro-me de se ter concluído que seria essa a decisão que ambos tomaríamos e que de facto aconteceu.

Foto da esplanada do Ronda. (Publicada por Francisco Carrola,  Facebook.)


Vista exterior da esplanada do Ronda. (Publicada por Francisco Carrola, Facebook.)

A parte caricata tem a ver com uma situação que ocorreu talvez em Setembro de 1971, na esplanada da Pensão/Café Ronda, de que junto umas fotos que retirei da ‘net’, apresentadas no “Facebook” por Francisco Carrola. Não me recordo como tudo começou mas a certa altura estávamos para aí uns catorze ou quinze em várias mesas juntas, com muita cerveja e algumas coisas para comer, sendo que quem estava ali era o amigo do amigo do amigo, de que apenas conhecia dois ou três deles.
A certa altura, também já não me lembro a que propósito, a conversa chegou até à parte dos “exames de condução” e de “tirar a carta na tropa”. Foram-se dando opiniões, palpites, etc. e tal, e quando me perguntaram o que é que achava, em vez de ser assertivo e dizer o que realmente pensava, que estava determinado a fazer e que realmente fiz, entrei numa de “maria-vai-com-as-outras” entrando na onda do tom geral das observações que se faziam e disse mais ou menos isto:
- “Eh pá, eu também tinha pensado em tirar a carta na tropa mas parece que há por lá no Serviço de Transportes um Alferes que dizem ser um grande filho “da mãe” que tem a mania que é rigoroso e anda a ‘chumbar’ a malta toda e não estou para isso”….

Nessa ocasião, o camarada ‘à civil’ que estava ao meu lado esquerdo “amigo do amigo do amigo”, disse:
- “Olha lá, esse Alferes sou eu e achas que faço mal?”

Acreditam que ia jurar que me pareceu que alguma coisa ‘caiu aos pés’? Claro que tratei de ensaiar uma ‘retirada estratégica’, balbuciando umas tretas, do tipo de “não era bem isso que queria dizer”, “realmente tens razão”, “é verdade que é preciso evitar que o pessoal vá para a vida civil mal preparado” (afinal tudo o que na verdade acreditava) e outras coisas do género.

Não aconteceu mais nada de especial. Houve compreensão, ficámos amigos e cerca de mês depois estava de facto a frequentar a Escola de Condução.

Sempre que sou tentado em rodear uma questão em vez de a enfrentar de forma séria lembro-me deste episódio, que me marcou verdadeiramente. Até por ter sido uma situação desnecessária.

Um abraço para toda a Tabanca!
Hélder Sousa
Fur. Mil.
Transmissões TSF
____________

Nota do editor

Último poste da série de 9 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P12957: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (15): O meu amigo Fur Mil Bento Luís, ou a amizade através dos tempos

8 comentários:

Anónimo disse...

Eu tambem tirei a carta de condução na Guiné. Ao contrário do Helder não tenho nenhum documento comprovativo.
Vasco Ferreira

Anónimo disse...

Mas qu'a ganda novidade !!! Tive duas e não uma, de borla, mas não foi preciso fazer exames. Vejam bem como cinco anos depois, as coisas eram diferentes !!! Amigo, ri mesmo e vê lá se descobres prái mais umas coisas para que leiamos, até com saudades desse belos tempos de Jovens que continuamos a ser. Um abraço do
Veríssimo Ferreira

Manuel Batista Traquina disse...

Bem, para os militares era habitual tirar a carta de condução na Guiné. Eu já tinha carta, com tal tirei lá a carta de instrutor na Escola de Condução Angélica da Conceição Racha que ficava junto ao estadio de Bissau. Em Portugal fui ainda instrutor,e proprietário de uma escola de condução mas durante pouco tempo tempo, era um negócio que envolvia muita corrupção...

Anónimo disse...

Não sou de nada, apenas um Amigo avulso, mas admirador deste que escreve o tema da carta de condução e eu, sem saber a razão, se calhar até sei, estou para aqui a tentar dizer alguma coisa de útil mas não vou lá. ----------- admiração enorme, respeito e inesgotável amizade por ti. Abraço

Luis Marques

jpscandeias disse...

Eu Tirei a carta de condução em 1973 na tropa, em Bissau, penso ser o único lugar em que isso era possível na Guiné.`
E também nessa altura o numero de reprovações era na ordem de mais de 90%, o que a primeira vista pode ser sinal de grande rigor e exigência mas não era, pelo contrário. Quem a tirou nessa época, como eu, sabe como "funcionava". Pelo que li agora já vinha detrás. Mas em termos oficias estava muito à frente do que se fazia no civil, psicotécnicos, prova escrita e depois prática num mercedes, a de ligeiros. Passei muitas tardes no café Ronda, até dormi umas noites quando vim de Cabuca a caminho de Lisboa. A seguir a 5 Rep. era o mais popular.

João Silva ex-furriel mil at inf. 1972/74

Anónimo disse...

Ainda vou a tempo? Já se passou 8 anos, mas lá vai
Tirei a minha carta ligeiros em Bissau num Mercedes novo. 16julho69. Depois fui para os pesados e na única rampa que havia, deixei ir à baixo o novo camião Morris, 3 vezes, a embraiagem nova, as Gmc velhas, e por isso chumbei. Sabia mais de camiões do que de carros. Foi tb um alferes, e não frequentei escola nenhuma. Também não tenho documentos, devo ter entregue cá na troca, na DGV. Ab, Virgílio Teixeira

Evaristo Reis disse...

Evaristo Reis
Também tirei pesados profissional e moto mas foi na escola de condução racha, visto já ter a de ligeiros quando fui para a Guiné 71/73, mas foi bem adquirida.
Um abraço a todos
Evaristo Reis

Hélder Valério disse...

Caros amigos e camaradas

Este texto/recordação é já "velho" de 7 anos mas, pelos vistos, ainda serve para algumas recordações. E isso é bom, muito bom.

Procurei dar conta de um episódio da minha estadia na Guiné, neste caso em Bissau, mas fica então provado que a situação (tirar a carta) foi bastante comum.

Em relação aos comentários que agora li posso acrescentar mais alguma coisa.
Ao Vasco Ferreira, que não tem documentos comprovativos, pois nós acreditamos!
Ao Veríssimo Ferreira, fico esperançado de que tenhas agora recuperado o bom humor (corrosivo) que te caracterizava.
Ao Manuel Traquina confirmar que isso das "escolas de condução" serem um negócio que envolvia muita corrupção, pois sim senhor, foi até em certo momento da nossa história recente (mais de 10 anos....) motivo de muita "badalação"...
Ao amigo Luís Marques para lhe dizer que exagera muito mas que a amizade é recíproca.
Ao João Silva para confirmar que sim senhor, o Ronda era também muito popular e objecto de bastante frequência, fosse pela vertente "pensão" fosse pela vertente "café" (na realidade mais "cervejaria"...
Ao amigo Virgílio Teixeira, para lhe dizer que aqui "vimos sempre a tempo". A tua recordação do teu "episódio carta" também não deixa de ser "para recordar" independentemente do desfecho que teve. Assim podes dizer aos teus netos quais as vicissitudes por que passaste.
Ao Evaristo Reis, as minhas palavras vão, não tanto para esta questão da carta, mas antes para outro comentário que fez a propósito do episódio/discussão do atentado, em que compreendo que muitas vezes o pessoal se deixa "embalar" num certo sentido e depois os comentários acabam por ser desajustados. Nunca pernoitei na "Ronda" mas não ouvi "dizer mal".

Caros amigos, continuem a fazer "prova de vida".
Abraços