quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18113: Feliz Natal 2017 e Melhor Ano Novo 2018 (3): Paulo Salgado (ex-alf mil op esp, CAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72)... "Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade /, Glória a Deus nas Alturas", citando o poeta António Gedeão


O Paulo e a Conceição Salgado na Guiné-Bissau, como cooperantes, em 1991.Foto de perfil, na página do Facebook, do nosso camarada Paulo Salgado-


Foto (e legenda): © Paulo Salgado (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camão aradas da Guiné]


 


1. Mensagem de boas festas do nosso amigo e camarada Paulo Cordeiro Salgado: 



[ex-Alf Mil Op Esp da CAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72);



autor de "Guiné - Crónicas de Guerra e Amor" (Moncorvo, Lema d' Origem, 2016); 

casado com a economista Conceição Salgado, também nossa grã-tabanqueira, e que se associa a esta mensagem]




A todos - penso para mim: será que estarão todos incluídos? - de que guardo lembrança, por esta ou aquela razão marcante - desejo (a minha mulher acompanha-me) um Feliz Natal e um Ano de 2018 com harmonia e paz e solidariedade junto dos que vos são queridos. 

Decerto que o poema que se segue é conhecido de vós. Mas não será demais lembrá-lo. De um poeta que tinha uma sensibilidade social muito profunda. 

A minha mulher lia este poema aos nossos filhos quando eles começavam a compreender que o pensamento do "doce Jesus" não se coadunava com tanta coisa que ia e vai por aí. 

Pedindo desculpa pelo BCC tão envolvente e facilitador (!) - aliás, temos de seguir o que a tecnologia, a dominadora tecnologia facilita - envio um abraço.

Paulo Salgado

Paulo Xavier Fernandes Cordeiro Salgado

Administrador Hospitalar - ENSP/UNL
Pós-graduado em Administração Pública - UMinho
Pós-graduado em Direito dos Contratos - UCP
Mestre em Gestão-Especialização em Gestão e Administração de Unidades de Saúde-UCP


2. ​Dia de Natal, poema de António Gedeão


[, pseudónimo literário de Rómulo de Carvalho (1906-1997);

o poema «Dia de Natal» é publicado em 1967 num jornal de estudantes do Liceu Camões que é apreendido pelo reitor]



Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.

É dia de pensar nos outros— coitadinhos— nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.

Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
Entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.

De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)

Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.

Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.

Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.

A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra— louvado seja o Senhor!— o que nunca tinha pensado comprado.

Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.

Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha,
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.

Ah!!!!!!!!!!

Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.

Jesus
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.

Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.

Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.

Dia de Confraternização Universal,
Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.

[Fonte:  com a devida vénia, extraído de:

2 comentários:

Alberto Branquinho disse...

Luis

Gostei de ver este "Dia de Natal" aqui no blogue.
Haverá, no entanto, que actualizar o "relógio de pulso antimagnético", de quando António Gedeão escreveu o poema, para a grande trapalhada de bens (úteis e inúteis) que se compram e... se oferecem por estes dias. Infelizmente, tudo o mais que nele consta, continua A SER, inclusive "a metralhadora".

Um abraço e Bom Natal (à antiga portuguesa!)
Alberto Branquinho

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Alberto, obrigado pelo teu comentário. A seleção do poema é do Paulo Salgado, e vem muito a propósito dos dias de hoje, e desta quadra "festivaleira" mais do "festiva"... Em 1967, o poema tinha outra acutilância, dada a grande "hipocrisia social" da época... E, lembras-te ?... estávamos em guerra...

Em Bambadinca, todos sabíamos cantar, de cor e salteado, a "Pedra Filosofal", do António Gedeão... (aliás, um discreto professor de liceu).