quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18118: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulo 17: inesperada 'promoção' a 1º cabo de reabastecimentos com direito a jipe e a máquina de escrever HCESAR...


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > O 1º cabo cond auto José Claudino da Silva, ao centro, o terceiro a contR  da esquerda para a direita... Natal de 1972; "Eu e mais quatro amigos não comemos em sinal de protesto"... Prometemos publicar, por estes dias, o capítulo do livro em que se faz referência a este episódio natalício, de boicote do rancho...


 Foto (e legenda): © José Claudino da Silva  (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da pré-publicação do próximo livro (na versão manuscrita, "Em Nome da Pátria") do nosso camarada José Claudino Silva:


Nascido em Penafiel, em 1950, criado pela avó materna, reside hoje em Amarante. Está reformado como bate-chapas. Tem o 12º ano de escolaridade. Foi um "homem que se fez a si próprio", sendo já autor de dois livros, publicados (um de poesia e outro de ficção). Tem página no Facebook. É membro nº 756 da nossa Tabanca Grande .


Sinopse:

(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou
 a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972,no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;

(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, da Via Norte à Rua Escura.

(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depois da recruta; promovido a 1º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74);

(iv) chegada à Bissalanca, em 26/6/1972, a bordo de um Boeing dos TAM - Transportes Aéreos Militares; faz a IAO no quartel do Cumeré;

(v) no dia 2 de julho de 1972, domingo, tem licença para ir visitar Bissau,

(vi) fica mais uns tempos em Bissau para um tirar um curso de especialista em Berliet;

(vii) um mês depois, parte para Bolama onde se junta aos seus camaradas companhia; partida em duas LDM parea Fulacunda; são "praxados" pelos 'velhinhos', os 'Capicuas", da CART 2772;

(viii) Faz a primeira coluna auto até à foz do Rio Fulacunda, onde de 15 em 15 dias a companhia era abastecida por LDM ou LDP; escreve e lê as cartas e os aerogramas de muitos dos seus camaradas analfabetos;

(ix) é "promovido" pelo 1º sargento a cabo dos reabastecimentos, o que lhe dá alguns pequenos privilégio como o  de aprender a datilografar... e a "ter jipe".


2. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capº 17 (Máquina de escrever HCESAR)


[O autor faz questão de não corrigir as transcrições das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, que o criou. ]


17º Capítulo > HCESAR Versus AZERT



Chamava-se Teclado Nacional e foi implementado por Salazar o teclado cujas primeiras letras eram HCESAR, em contraste com o AZERT em vigor na Europa.

Foi num recôndito lugar, no interior da Guiné, que pela primeira vez premi uma tecla duma máquina de escrever. Não deixa de ser curioso ser longe de civilização, num local em que nos referíamos como “O Mato”, que aprendi a escrever à máquina.

“Nem vais acreditar, o teu namorado agora é como os empregados dos bancos em breve só escreve à máquina”

Devido às funções em que fui colocado, tinha de fazer encomendas, balanços e balancetes em triplicado. Ora, para isso, passei a ser também contabilista e escriturário, seja isso o que for. Uma coisa é certa, sem que eu o merecesse, estava a ter alguns privilégios, como já antes acontecera. Querem ver que a porcaria da minha classificação continuava a ser uma fórmula mágica de me safar das situações foleiras pelas quais passavam os outros militares? 

Estou mesmo a ver que se fosse hoje, com aquela classificação, ainda chegava a deputado, presidente de empresa, instituição pública ou, quiçá, ministro, como recentemente tenho lido e ouvido nos média. Garanto que qualquer universidade me concedia os créditos para me tornar doutor; o único problema talvez sejam os meus amigos. Não são reitores!

Fiz o que me mandaram, acreditava que podia lutar pelo meu país daquela maneira, e dediquei uma parte do meu tempo a praticar na máquina de escrever e na calculadora de manivela.

Comecei a interiorizar que podia tirar partido do pouco de bom que ali existisse e, quem sabe, se a aprendizagem de outras coisas não me seria útil no futuro, se o tivesse. Ao mesmo tempo, ia tendo mais um motivo de distracção.

De repente, as mordomias aumentam.

- Caros camaradas, vocês… são um zero, à minha beira – teria, por certo, pensado eu, com a arrogância de quem é comprado e nem o percebe.

“Olha querida sou um senhor aqui em Fulacunda, até um Jeep tenho para mim e sou o chefe dos reabastecimentos”.


Isso aconteceu quando tomei posse. O pomposo nome é… “Cabo de Reabastecimento”. Acrescento que me é distribuído, no mesmo dia, um Jeep e passo a ser o motorista do comandante. Mas como aqui não há estradas nos 200 ou 300 metros em que se pode conduzir dentro do arame farpado, é o próprio comandante que conduz.

Passei a ganhar mais 150$00 por mês e o meu “padrinho” era o 1º sargento Santos; nem mais nem menos o que eu achava, o comandante. O verdadeiro, nem o gramava!

“Lembras-te de te dizer que o meu capitão em Penafiel só tinha peneiras? Aqui é igual. Tenho de ter o Jeep sempre limpo”.


Operações contra os "turra"? Nem pensar! Um estúpido militarista como eu, quase sem saber como e, por mero  acaso ou golpe de sorte, tirava o cu do perigo. Dizem os comandos que “a sorte protege os audazes".Eu não era audacioso, mas estava protegido pela sorte.

Demorei algum tempo a perceber onde pertencia. Lamento que nos primeiros tempos o meu complexo de superioridade me fizesse sentir ser o Maior. Qualquer atirador, mesmo sendo analfabeto, me demonstrou, em pouco tempo, que era superior a mim.

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Nota do editor:

Último poste da série > 18 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18102: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 15 (A picada) e 16 (O analfabetismo)...Terei escrito meio milhão de palavras em cartas e aerogramas durante a comissão...

1 comentário:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Dino, admiro a tua capaciddae de auto-ironia... Um gajo tem que saber rir-se de si próprio, é um sinal de inteligência. Só os idiotas é que não tem sentido de humor...Quanto à tua "promoção", desculpa lá, mas teve que haver algum mérito da tua parte... Nisso, os 1ºs sargentos tinham olho clínica... A sorte protege os audazes ? Infelizmente nem todos os nossos camaradas comandos estão cá para comprovar o lema... Sorte e mérito, acrescenta lá, se não pecas por falsa modéstia...

Também tive uma máquina de escrever HCesar... Comecei a escrever aos 15...E também tive alguma sorte por saber datilografar e sobretudo escrever... Nos últimos dois da comissão, fui encarregue de escrever a história da unidade (CCAÇ 12)...