segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19349: Estou vivo, camaradas, e desejo-vos festas felizes de Natal e Ano Novo (13): Renato Monteiro, fotógrafo, ex-fur mil, CART 2439 / CART 11 (Nova Lamego e Piche) e CART 2520 (Xime e Enxalé, 1969/70)



Foto de Renato Monteiro, nosso grã-tabanqueiro, 


Foto  (e legenda): © Renato Monteiro (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



Foto: LG
1. Mensagem de Renato Monteiro [, "o homem da piroga", aqui na foto, à direita, com Luís Graça, no rio Geba, em Contuboel, c. jun/jul 1969]

Data: 30/12/2018, 13:41




Feliz 2019 !

Renato Monteiro

(i) Tem 45 referências no nosso blogue;

(ii) Foi fur mil at art CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego e Piche, 1969; e CART 2520, Xime e Enxalé, 1969/70):

(iii) É autor dos blogues Fotografares e A Minha Cave, entre outros;

(iv) Publicações: Monteiro, R.; Farinha, L. - Guerra colonial: fotobiografia. Lisboa: Círculo de Leitores / D. Quixote. 1990.
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P19348: Notas de leitura (1136): “Cabo Verde e Guiné-Bissau, As Relações entre a Sociedade Civil e o Estado”, por Ricardino Jacinto Dumas Teixeira; Editora UFPE, Recife, 2015 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Setembro de 2016:

Queridos amigos,
Este sociólogo guineense, professor no Brasil, com pergaminhos da sociologia política de há muito que estuda o papel da sociedade civil na Guiné-Bissau e decidiu para tema do seu doutoramento estudar as relações entre a sociedade civil e o Estado entre os dois países, tendo como balizas o arranque do multipartidarismo e até 2008.
Dá-nos um quadro das conceções teóricas que modelam a transição de políticas autoritárias para liberais, analisa os pontos de convergência e divergência gerados pela história na afirmação dos dois Estados, procede a trabalho de campo junto das célula da sociedade civil, confirma a identidade de duas culturas e um processo de desenvolvimento em que há inúmeras aspirações afins, desde o combate ao desemprego e à pobreza até à incessante procura de independência face ao apetites dos partidos políticos.
De leitura obrigatória, para quem queira conhecer estas duas sociedades civis em movimento.

Um abraço do
Mário


Cabo Verde e Guiné-Bissau: sociedade civil e Estado

Beja Santos

“Cabo Verde e Guiné-Bissau, As Relações entre a Sociedade Civil e o Estado”, por Ricardino Jacinto Dumas Teixeira, Editora UFPE, Recife, 2015, é o produto de uma tese de doutoramento de um professor universitário guineense que ganhou o seu título na Universidade Federal de Pernambuco. A sua investigação emerge na trajetória distinta e num relacionamento comum entre dois países que têm um denso cruzamento histórico. Por força de uma conceção ideológica montada por Amílcar Cabral, o termo unidade utilizado exaustivamente na luta armada pela libertação nacional apelava para dois países que devido a uma história comum deviam caminhar de braço dado, da guerrilha à fusão do Estado. Esse sonho desmantelou-se em 1980, os dois países mantiveram-se numa linha de partido-Estado até que o mundo deixou de ser bipolar, o comunismo afundou-se e as correntes liberais pareciam tomar conta de tudo. Da década de 1980 para a década de 1990 a estes países africanos acenou-se com a democracia multipartidária e a economia de mercado. Com as transformações políticas sociais e económicas, entrou-se numa era de democracia representativa e participativa, com grandes altos e baixos. É nessa fase que se dá um processo político distinto entre Cabo Verde, insular, sociedade crioula, com elevada diáspora, onde o sentimento de cabo-verdianidade é poderoso e a Guiné onde se acena com o fantasma militar, onde se manifestou o caudilhismo, a guerra civil e a permanente instabilidade política. As sociedades civis dos dois países têm recortes distintos mas também posições afins.

Tratando-se de uma investigação doutoral, Ricardino Teixeira inicia a sua investigação com quadro apurado de contornos teóricos-metodológicos e a análise comparada das relações entre a sociedade civil e o Estado tendo como referência o processo democrático em construção nos dois países entre 1994 e 2008, no fundo o investigador procura o grande ecrã da ciência política para enquadrar a democracia representativa, o triunfo nos princípios liberais e como a sociedade civil e o Estado se vão confrontar na vida quotidiana.

O segundo capítulo desvela os dois países em termos de história e organização, de sociedade e cultura. Cabo Verde foi descoberto, povoado por brancos e populações da Senegâmbia, a Guiné teve vida pré-colonial, a ocupação portuguesa foi radicalmente diferente da criação de uma sociedade crioula, encontraram-se na miscigenação e no comércio negreiro, em Cabo Verde expandiu-se o catolicismo, uma forma de organização agrária decalcada de modelos europeus, todas as localidades possuem nomes portugueses; a Guiné caracterizou-se por uma presença no Litoral, montaram-se praças e presídios, pagava-se aos régulos uma tributação para ocupar território e quando se avançou para uma ocupação efetiva contou-se sobretudo com o cabo-verdiano, culto e disciplinado, motivado para os negócios, na segunda metade do século XIX lançaram-se na criação de colónias agrícolas, nomeadamente no Sul. Ricardino Teixeira recorda a resistência oferecida pelas etnias guineenses contra a presença portuguesa, sublevações permanentes, só com o Capitão João Teixeira Pinto, a partir de 1913, com campanhas de pacificação, um hábil aproveitamento de tropas auxiliares conjuntamente com mercenários de outras regiões é que se conseguiu a capitulação dos revoltosos, entrou-se numa fase de interiorização da presença colonial a despeito de as comunidades rurais terem mantido um elevado grau de autonomia. Como é óbvio, Ricardino Teixeira vai traçar os aspetos relevantes da tese da unidade Guiné-Cabo Verde forjada por Amílcar Cabral. A primeira mão-de-obra militar foi oferecida por jovens guineenses que terão um papel determinante nas sublevações a partir de 1962, no Sul da Guiné, esses homens estarão à frente das forças sublevadas em toda a região Sul, no Oio e no Corubal, partir de 1963.
Mobiliza-se o apoio popular guineense e os quadros cabo-verdianos vão se espalhar pelas zonas de luta, Conacri, Dakar e Ziguinchor. Iludiram-se contenciosos seculares entre guineenses e cabo-verdianos, Amílcar Cabral será assassinado fruto dessas discórdias. O golpe de Estado de 14 de Novembro de 1980 clarifica a profunda dissensão e o fim da fórmula de unidade Guiné-Cabo Verde. Perante dois países tão distintos, no ADN, na espiritualidade, no conceito identitário, Ricardino Teixeira vai investigar as relações entre a sociedade civil e o Estado, num momento em que se enveredou pelo reconhecimento e se legitimou a democracia representativa e participativa.

Foi este o trabalho de campo que ele desenvolveu, junto de organizações cabo-verdianas e guineenses. No final, não subsistem dúvidas que há pontos de aproximação, embora, em muitíssimos casos, o quadro de aspirações é radicalmente distinto. Cabo Verde entrou no multipartidarismo sem dramas nem golpes militares, o PAIGV deu lugar ao Movimento para a Democracia, aceitaram-se as regras do jogo. Os inquéritos destacam inúmeras contradições no que é a fragilidade da sociedade civil, o seu grau de dependência dos humores dos poderes do dia e, inevitavelmente, da cooperação e dos apoios da diáspora. As perceções do Estado na Guiné-Bissau recordam os abusos de poder, o poder real na mão dos militares, a pulverização partidária e a ascensão da etnia Balanta, a especificidade dos grupos de mandjuandades, uma mobilização de solidariedade e cultura. A perceção da sociedade civil em Cabo Verde tem outros matizes, basta pensar nas manifestações culturais da Tabanka, do Batuko e do Funana, tem demorado a que as organizações da sociedade civil se dissociem dos interesses partidários em contenda, o PAIGV e o MpD.

E afinidades? É o combate à pobreza, a procura da satisfação das necessidades elementares da população, o uso do microcrédito num esforço de criar empresas que contrariem a elevada percentagem de desemprego; há a promoção dos valores ambientais, as lutas pela igualdade de género, a valorização da expressão musical, os direitos humanos, a procura de participação de jovens e mulheres nas decisões políticas.

E assim chegamos às relações entre a sociedade civil e o Estado, os inquiridos não se cansam de relevar a falta de recursos, a pressão dos partidos políticos, as sequelas do partido-Estado, o desapontamento face ao oportunismo político dos partidos no uso da sociedade civil. O autor sumula estas queixas dizendo “observa-se em todas as colocações que a defesa da democracia e criação de novos espaços públicos, voltados para a revitalização das organizações da sociedade civil é colocada como uma falta na relação com o Estado”. Vários inquiridos na Guiné-Bissau lembram que este relacionamento estará sempre profundamente inquinado enquanto não houver reforma do Estado. Já nas considerações finais, o autor lembra que há aproximações entre as organizações de massas e grupos de base dos dois países no que tange ao aumento de desigualdades, às questões de género, ao desemprego, aos riscos ambientais e ao imperativo de que as organizações e grupos da sociedade civil devem permanecer equidistantes dos partidos. O investigador deixa diferentes questões em aberto que cabe aos outros responder, como é o caso das necessidades locais e como elas são perspetivadas pelas agências de financiamento e pelos grandes centros de cooperação internacional.

Temos aqui uma estimulante base de trabalho para conhecer na atualidade o grau de mobilização nas relações entre a sociedade civil e o Estado nos dois países, geograficamente próximos e com identidades tão distintas.
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de Dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19341: Notas de leitura (1135): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (66) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19347: Parabéns a você (1550): Adelaide Barata Carrelo, Amiga Grã-Tabanqueira

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Nota do editor

Último poste da série de 27 de Dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19337: Parabéns a você (1549): José Pedro Neves, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 4745/73 (Guiné, 1973/74)

domingo, 30 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19346: Blogpoesia (600): "Horas serenas...", "Adro de areia" e "Ventania e tempestade", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Horas serenas...

Horas serenas deste Domingo frio de Dezembro.
Um bar quentinho, repleto de famintos.
São motocas vivos em digressão.
Aqui páram. Dão ao dente, como leões.
Saboreiam viver. Em fraternidade.

Há sorrisos e gargalhadas.
As mesas cheias.
Há chilreios da pequenada.
Dá gosto vê-los.
Não sou um deles.
Minha origem é outra.
Àparte a língua,
Nos acolhem bem.

Olho lá fora.
Aquele céu cinzento,
Quase gelado.
O que ele esconde.
Do que passou,
Há dezenas de anos,
Ainda cheira a pólvora.
Tantas tragédias
Que o tempo apagou.
Só ele o sabe...

Bar dos Motocas, arredores de Berlim, Potsdam
16 de Dezembro de 2018,
11h10m
JLMG

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Adro de areia

Uma ermida de pedra,

com adro de areia, na borda do mar,
Nasce e morre ao tom das marés.

Lá mora o Senhor, realeza do mar.
Recebe quem vem, de barco ou a pé.

Serve o que tem e não cobra vintém.
Chora e ri conforme o que vê.
Por vezes, se zanga com quem promete e não vem.

Habituei-me a vê-lO, quando vou de comboio.
Digo-Lhe adeus, até outra vez.
É o Senhor em cima da pedra,

às vezes, adro de areia, no meio do mar...

Berlim, 17 de Dezembro de 2018
13h12m
Jlmg

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Ventania e tempestade

Sopra a ventania sobre os telhados e as colinas da cidade.
Chove impiedosamente.
Parece o fim do mundo.
Não há guarda-chuva que resista.

As aves recolhidas nos seus ninhos,
Aguardam orando venha depressa, de novo, a calma.
Têm fome os seus filhotes.

O Tejo ruge em fúria, contra os cascos das embarcações, ameaçando-lhes a integridade.

De ambos os lados, se acumularam multidões de gente que quer voltar à sua vida de trabalho.

Inclemente, o vento uiva contra os mastros e postes da iluminação.

Raios fulgurantes de trovões rasgam o céu, amedrontando os mais arrojados e indiferentes.
Já há quem reze, em surdina, à Santa Bárbara...

Ouvindo Carlos Paredes
Berlim, 9h23m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19297: Blogpoesia (599): "Esquecidos no mundo", "Escuro de breu..." e "Nevoeiro de Lisboa", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P19345: In Memoriam (332): Armando Duarte Lopes (1920-2018): antiga glória do futebol guineense, morreu no passado dia 18 o "Búfalo Bill"; foi a enterrar na sua terra natal, o Mindelo, ilha de São Vicente, Cabo Verde (Nelson Herbert Lopes, EUA)



Gâmbia > Bathurst > 1953 > Comemorações da entronização da Rainha Isabel II, de Inglaterra > Foto da seleção de futebol da Província Portuguesa da Guiné > De pé, da esquerda para a direita, Antero Bubu (Sport Bissau e Benfica; capitão), Douglas (Sport Bissau e Benfica), Armando Lopes (UDIB), Theca (Sport Bissau e Benfica), Epifânio (UDIB) e Nanduco (UDIB); de joelhos, também da esquerda para a direita: Mário Silva (Sport Bissau e Benfica), Miguel Pérola (Sporting Club de Bissau), Júlio Almeida (UDIB), Emílio Sinais (Sport Bissau e Benfica, Joãozinho Burgo ( Sport Bissau e Benfica) e João Coronel (Sport Bissau e Benfica).

No 1º jogo, a seleção da Guiné ganhou à seleção da Gâmbia por 2-0, com golos de Joãozinho Burgo; no 2º jogo, as duas seleções empataram 2-2 (com golos, pela Guiné, de Mário Silva e Joãozinho Burgo). Antiga colónia inglesa, a Gâmbia acedeu à independência em 1965.

Legenda de João Burgo Correia Tavares: vd. livro Noberto Tavares de Carvalho -  "De campo a campo: conversas com o comandante Bobo Keita", Porto, edição de autor,  2011, p. 41.

Caboverdiano, da Ilha do Fogo, onde nasceu em 1929, Joãozinho Burgo era mais novo do que o Armando Lopes (n. 1920) mas dez anos  mais velho que o Bobo Keita (n. 1939). O auge da sua carreira é em 1960, com o apuramento da seleção de futebol da Guiné para a fase de qualificação para a disputa da taça Kwame Nkrumah.

Vencedora da Série D, a seleção guineense foi disputar a final em Acra, capital do Gana: além de Joãozinho Burgo, fizeram parte dessa equipa Bobo Keita, Júlio Semedo (Swift, guarda-redes), Antero 'Bubu', Vitor Mendes ('Penicilina'), 'Djinha', João de Deus, 'Chito', Luís 'Djató', 'Nhartanga' (que jogará depois em Portugal), entre outros...

O Joãozinho Burgo deixou de jogar na época de 1966/67, para de seguida ir tirar o curso de treinador, ainda em 1967, em Setúbal (onde teve como colegas de curso o José Augusto, o Coluna e o Cavém)

O Bobo Keita  (1939-2009), embora sportinguista de coração, assinou e jogou pelo Sport Bissau e Benfica, clube do seu pai, alfaiate... O mais interessante era verificar a grande popularidade que tinha o futebol nessa época, nomeadamente em Bissau, mas também no interior (Mansoa e Bafatá, por ex.).

O futebol, tal como o exército,  também foi um viveiro de militantes, combatentes e dirigentes ao PAIGC (Júlio Almeida, Júlio Semedo, Bobo Keita, Lino Correia...). Era interessante saber porquê...

O pai do nosso amigo e grã-tabanqueiro Nelson Lopes Herbert, de seu nome Armando Duarte Lopes, foi também, pois, uma antiga glória do futebol cabo-verdiano e guineense ("Armando Bufallo Bill, seu nome de guerra, o melhor futebolista da UDIB - União Desportiva e Internacional de Bissau. Também jogou no Sport Bissau e Benfica, de longe a melhor equipa de futebol da província,  e foi internacional pela selecção guineense.

Trabalhou depois na administração de portos da Guiné, e inclusive na   porto fluvial de Bambadinca, entre 1969 e 1971, na altura em que eu estive em Bambadinca, na CCAÇ 12 (julho de 1969/março de 1971). Tenho pena de o não ter conhecido pessoalmente, mas seguramente que nos cruzámos algumas vezes....


Foto: © Armando Lopes / Nelson Herbert (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].





Armando Duarte Lopes (Mindelo, 1920 - Mindelo, 2018),antiga glória do futebol de Cabo Verde e da Guiné


Fotos: © Nelson Herbert Lopes  (2018. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



Monte Cara, Mindelo, S Vicente, Cabo Verde  >  Monte Cara é uma montanha na parte ocidental da ilha de São Vicente, Cabo Verde. Assemelha-se a um rosto humano olhando para o céu, daí o seu nome, o que significa 'Montanha do rosto'. Foto (e legenda) de cronologia da página do Facebook do nosso amigo Nelson Herbert. (Reproduzida aqui com a devida vénia).


1. Mensagem, com data de 26 do corrente, nosso amigo e grã-tabanqueiro Nelson Herbert Lopes [jornalista, nascido em Bissau, filho da antiga glória do futebol cabo-verdiano e  guineense, Armando Duarte Lopes, o "Búfalo Bill; vive nos EUA, onde trabalha ou trabalhou na VOA - Voice of America):

Meu Caro Luis

Espero que tenha tido um bom Natal cheio de surpresas agradaveis.

Estas linhas apenas para lhe deixar saber que infelizmente o meu “Velho” Armando Duarte Lopes faleceu no passado dia 18 de Dezembro com 98 anos de idade... e foi a enterrar na última sexta feira no seu Mindelo natal. Não resistiu a uma paragem cardíaca...

Um abrço e um Feliz Ano Novo.

Nelson Herbert

2. Comentário do nosso editor Luís Graça:

Tínhamos até agora uma meia dúzia de referências ao pai do nosso amigo Nelson Herbert Lopes (*). Chega agora ao fim da sua viagem terrena. 

Cabo-verdiano do Mindelo, nasceu em 1920 (ou em 1922 ?)  fez o serviço militar na sua terra natal, no RI 23. em 1943, na altura em que também lá estava, como expedicionário, o meu pai, meu velho e meu camarada, Luís Henriques (1920-2012):  ambos tinham uma paixão pelo futebol, e ainda é possível que se tenham conhecido...(**)

O RI 23 foi também a unidade onde prestaram serviço, como expedicionários durante a II Guerra Mundial,  o Ângelo Ferreira de Sousa (1921-2001), pai do nosso camarada Hélder Sousa, e o Porfírio Dias (1919-1988), pai do nosso  camarada Luís Dias. (*)

Ao filho Nelson Herbert e demais família e amigos, ficam aqui registadas as condolências dos amigos e camaradas da Guiné que se sentam sob o poilão da Tabanca Grande. (***)

3. Mensagem de Nelson Herbert, de 20 de outubro de 2011,  21:05 (***)

Assunto: Futebol e Nacionalismo

Caro Luis

"As equipas de futebol deram bastantes militantes ao PAIGC... Era interessante saber porquê...No caso do Bobo Keita, foram decisivas as viagens ao estrangeiro (Ghana, Nigéria...) com a seleção nacional, até 1960, ano em que ele passou à clandestinidade"... E eis (mais) um capítulo da história da Guiné ainda por aprofundar !!!

Repare que a seleção de que Bobo Keita fazia parte, contava igualmente com um dos elementos fundadores do PAIGC, refiro-me pois ao cabo-verdiano Júlio Almeida (guarda redes, que deduzo estar na foto a que fez referência) , então técnico agrário da Granja de Pessubé, [onde trabalhou com] Amílcar Cabral !!!

A indicação e a consequente transferência de Júlio Almeida do futebol mindelense para a UDIB de Bissau foi iniciada, a pedido do clube guineense - creio que [no ínício dos] anos 50- pelo meu pai [ Armadndo Lopes], na altura de férias em S. Vicente, a ilha de natal de ambos.

Convém não perder de vista que, ante a então apertada vigilância da PIDE, a "bola" foi por sinal a via encontrada por Amílcar Cabral para a conglomeração, na periferia de Bissau, de guineenses e cabo-verdianos em redor de ideais nacionalistas.

E falando ainda de futebol, recordo ter lido em tempos no blogue um poste que fazia referência ao papel dos soldados portugueses na Guiné, na "massificação" do futebol naquela antiga província ultramarina.

Obrigado por partilhar!

Mantenhas

Nelson Herbert
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Notas do editor:

(*) Vd. por exemplo postes de;



sábado, 29 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19344: Os nossos seres, saberes e lazeres (300): Viagem à Holanda acima das águas (5) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Outubro de 2018:

Queridos amigos,
O genial holandês é o mais transversal dos pintores europeus, admirado por gente de todas as idades, os seus bosques, troncos de árvore, moinhos, cenas campestres, molhos de feno, cafés iluminados, seres humanos serenamente retratados, naturezas mortas, arvoredo retorcido... E também os autorretratos, os mais novos assombram-se com a vocação tardia, a adesão entusiástica a vários movimentos até atingir a especificidade do génio, aquela textura que nos permite identificar prontamente o atormentado Van Gogh, desde os tons escuros do mundo campestre onde iniciou a sua aventura até aos céus estrelados e aos seus amarelos fulgurantes da Provença, onde ele procurava tranquilidade.
O viandante vibra com Van Gogh e partilha exclusivamente convosco as alegrias que viveu na visita ao Museu Kröller-Müller, onde Van Gogh é o artista mais visitado, o que se compreende.

Um abraço do
Mário


Viagem à Holanda acima das águas (5)

Beja Santos

Permita-se ao viandante abonar um lugar-comum sobre a obra de Van Gogh: toda ela está marcada por uma abordagem emotiva muito especial e por uma enorme carga visionária, fez da realidade reelaborada o testemunho da sua vida e do seu pensamento, parece um mano-a-mano da correspondência que trocou com o seu irmão Theo, de valor excecional para entender o homem e o artista. Van Gogh foi uma vocação tardia, mas a arte e a religião foram fatores determinantes na sua existência. Começará empolgado pelas atividades campestres, era admirador das gravuras inglesas, observava atentamente a solidão das paisagens, as condições de vida difíceis dos proprietários agrícolas. Na sua correspondência com Theo ele descreve detalhadamente a atmosfera específica destas paisagens, poucos artistas fizeram tantos autorretratos como ele e dedicaram atenção a figuras da vida quotidiana, caso do tecelão ou deste funcionário ferroviário, tudo suavizado por um fundo floral e humanizado numa barba imensa, encaracolada, sobressai o seu génio no contraste entre o azul e o verde, tudo mais é harmonia e tranquilidade.




Foi durante os seus dois anos de estadia em Paris que Van Gogh pintou a maioria dos cerca de 20 autorretratos conhecidos. A representação humana foi o assunto favorito de Van Gogh antes da paisagem. Terá sido por falta de modelos que Van Gogh se autorretratou mas é óbvio que ele procurava uma resposta para a sua permanente preocupação analítica. Na correspondência para Theo ele descreve muitas vezes o seu aspeto físico. Iremos encontrar nestes autorretratos as mudanças fisionómicas. A cor vai-se aclarando, o seu olhar é cada vez mais frontal, de uma franqueza que nos cativa, porque não há ali rodriguinhos nem postiços, é uma pintura implacável: olhar penetrante. Fica-se agarrado a vê-lo, o tempo deixa de ter importância, é o contraste das cores, a sobriedade das pinceladas que lhe dão a indumentária, aquele fundo esverdeado que põe o pintor face a face com o seu interlocutor.



Tudo na Natureza o empolga, os ninhos de pássaros, as folhas mortas, as ervas secas, a cor da terra, as tonalidades do musgo. O interesse do genial pintor pela Natureza vem da juventude, ele vivia em comunhão com a terra, sente-se a sua forte atração pelo poder da germinação, pelo trabalhador que lança a semente à terra, é uma Natureza que vibra. Um dos pontos altos desta exaltação passará pela Provença, aí os seus tons amarelados tornam a Natureza mais vibrátil do que nunca.




Se pinta bosques, o ofício da tecelagem, interiores de restaurantes, prados, perspetivas de povoações com uma fortíssima dimensão campestre, Van Gogh nunca perdeu de vista o património edificado. É célebre o seu quadro “O Moinho de la Galette”. Van Gogh queria estudar na Academia de Antuérpia, entusiasmou-se com os quadros de Rubens, descobriu e entusiasmou-se com as estampas japonesas. Em 1886, ei-lo em Paris, conhece a arte de Delacroix, Millet, Daumier e outros. É a descoberta também dos impressionistas como Cézanne, Seurat e Gauguin, este será mesmo convidado a visitá-lo em Arles. A sua arte vai perdendo peso e ganhando em luminosidade com acentos coloridos. A ponte é só luminosidade, o fio de água é de um azul deslumbrante. Sempre a Natureza em hossana!




O mundo camponês, os eriçados troncos de árvore, as casinhas que parecem andar para as nuvens, a sobriedade de uma refeição com batatas… É o Van Gogh da terra ao céu constelado de estrelas, o que é escuro é para mostrar labor, o trabalho silencioso. Van Gogh conhecerá crises, adensará o seu caráter insociável, mas quando lemos a sua correspondência para Theo sente-se que ele é cada vez mais exigente, apesar do seu estado psíquico instável, das alucinações e do comportamento agressivo. Estes casos, pinta no quarto com a janela aberta, deixou-nos campos de trigo, prados, paisagens com árvores. Os comedores de batata é uma tela de 1885, para muitos críticos um dos expoentes máximos deste génio holandês. O seu modelo foi o pintor Millet, o pintor que partilhava a vida com a população campesina. Van Gogh pinta voluntariamente estes comedores de batata “em estado bruto”, abstém-se de qualquer refinamento técnico, é muito estrito à escolha das cores, não quer esconder o que há de grisalho na vida sombria destes rurais. O tema foi recorrente, este é o seu último estudo para a tela definitiva que está no Museu Van Gogh em Amesterdão. Aquela lâmpada acesa parece iluminar um fim de dia laborioso, come-se aquilo que se tira da terra, graças ao bom Deus. É com pesar que o viandante se despede de Van Gogh, ainda tem pela frente duas visitas a dois gigantes, Odilon Redon e Barbara Hepworth. Vamos continuar a visita, no interior e exterior do Museu Kröller-Müller.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19318: Os nossos seres, saberes e lazeres (299): Viagem à Holanda acima das águas (4) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19343: Memórias de Gabú (José Saúde) (76): As habituais mensagens Natalícias de antigos combatentes. Realidades de guerra (José Saúde)



1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série. 

     Gabu em memórias 

As habituais mensagens Natalícias de antigos combatentes

Realidades de guerra

O tempo foi, é e será de uma Paz que a humanidade expressamente muito considera.

Uns acreditam piamente no solene momento espiritual; outros, guiam-se pela inatingível
“estrada de Santiago” mostrada no infatigável horizonte boreal que os conduzem ao
mundo das utopias.

Prezo a quadra mágica do Natal e do Novo Ano. Considero e respeito todas as opiniões,
volto a referir com ênfase. Recordo, com um inabalável e contemplativo sentimento
nostálgico, as mensagens que os soldados fixados então nas três frentes de guerra –
Angola, Moçambique e Guiné - transmitiam aos seus familiares e amigos nestas épocas
festivas.

“Daqui fala o soldado…” um combatente que transmitia à plebe que se “encontrava
bem” e lá ficavam os beijos e os abraços para que o povo, carente de sensível saudade,
descansasse a sua alma que se inseria num manto salpicado de tristeza. “O meu rapaz
está bem”, comentava uma desconhecida mãe que entretanto se mostrava refeita de uma
desmedida mágoa pela ausência do caridoso fruto que colocara no mundo. Via-o na
televisão e logo o seu ânimo ressuscitava.

Nesta panóplia de infindáveis mensagens lá surgia um camarada que enviava beijinhos
para o seu recém nascido filho, ou filha, que por ora não conhecia. Partiu para a guerra
com o embrião aconchegado na barriga da sua amorosa companheira.

As imagens televisivas, onde o cenário de guerra mostrava jovens envergando os seus
camuflados e normalmente inseridos numa paisagem onde a vegetação de fundo
apontava para os gigantescos planos de uma África no seu melhor, eram escolhidas a
dedo, sendo que o repórter de imagem não corria um alegado risco que interferisse com
o bem-estar pessoal.

Em Gabu ocorreram reportagens “encaixadas” em tempos de pleno conflito. Todavia, as
realidades da guerra eclipsavam-se por esses momentos de lazer. O combatente sentia
que o seu dever era transmitir que “estava bem” e tudo se confinava a uma auréola de
fértil esperança.

Da então Nova Lamego, hoje Gabu, guardo réstias de memórias dos tempos em que a
televisão, a preto e branco, transmitia “Mensagens de Natal e de um Feliz Ano Novo”
de camaradas que se entregavam ao elevo de uma fantástica “máquina” de filmar que
lançava depois para o ar imagens de sonho e carregadas de confiança.

Mas, tudo o que tem princípio tem fim. Revejo, em lembrança, o período das nossas
comissões militares na Guiné, e das “escarpas” que tivemos de ultrapassar, sendo
algumas delas rotuladas de extrema dificuldade.

Uns partiram rumo a solo guineense e chegaram isentos de mazelas; outros,
infelizmente, morreram em combate, ou numa outra inusitada situação; mas existem
aqueles que revelam danos corporais que um dia levarão para a sua derradeira morada,
cuja consequência direta teve como origem uma mina antipessoal, uma bala que lhe
perfurou o corpo numa maldita emboscada, ou como efeito uma improvável causa que
entrementes lhe causou o desespero.

E com estas indesmentíveis realidades de guerra, sempre merecedoras de reparo, me
despeço dos camaradas que fizeram o favor de me “aturar” ao longo desta minha
“comissão” no blogue em que partilhei convosco escritos sobre o conflito na Guiné,
onde fomos evidentes protagonistas, uns como “heróis” no momento exato em que o
combate acontecera, admitindo, com convicção, que todos foram substancialmente
“heróis”, alguns deles vistos depois como “vilões” por força de um regime que
entretanto libertou soldados entregues à sorte nas antigas províncias ultramarinas.

Desculpem a utilização proibitiva neste espaço dos termos “herói” e “vilão” que, ao que
sei agora, não se compadecem com as regras implícitas no nosso blogue, admitindo
desde logo que esta “obscenidade” era-me totalmente desconhecida. Peço, obviamente,
perdão pelo lapso. Sou humano e como tal reconheço o erro.

Mas permitam-me regressar ao tempo em que Portugal assumia a democracia e nos
deparávamos na rua com militares de cabelos compridos, barbas cerradas, cigarro ao
canto da boca, mal fardados, exibindo vaidosamente uma G3 que pressupostamente não
saberiam a razão do porquê factual da sua existência e, bem pior, maltratando
combatentes que além-mar serviram a Pátria, desconhecendo, ou talvez não, que a
pessoa “torturada” fora alguém que combatera com garra ao lado das NT.

Da Guiné, aquela em que todos nós combatemos, ficarão fundamentais retratos de
homens que para além das suas mensagens natalícias, guardam, embora escassamente,
sinais de literais maus tratos praticados por gentes que jamais saberão o que foram
cenários de uma coerciva guerra a que fomos forçados, engrossando, sem rei nem roque,
as frentes de combate.

Mitigando em temáticas que entendo usufruírem de uma cabal audição, provocando
“ronco” numa Tabanca aberta a todas as opiniões, vejo-me entretanto débil para
transportar jocosamente um tambor cuja emissão de “ruídos” não consegue porventura
ultrapassar a barreira do som. Neste contexto, a batalha ter-se-á ajustado ao copioso
parecer que aqui não houve vencidos e nem tão-pouco vencedores.

Imaginariamente continuarei a palmilhar um trilho que se aperta em cada dia que passa,
mas, por outro lado, isento de minas antipessoais que ferem sensibilidades. Aliás, será
inserido neste pausado caminhar que me deparo com o motivo de tristeza por parte de
quê de direito em não considerar os antigos combatentes como “heróis”, compensando-
os estoicamente pela sua bravura, e não como meras peças descartáveis onde os
“vilões”, ou seja, “plebeus comuns de um universo onde se cruzam opiniões adversas”,
jamais terão cabimento. 


Um abraço, camaradas
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:  


Guiné 61/74 - P19342: Memória dos lugares (384): Tradições do Natal crioulo em Bissau: o "fanal" e o "mbim pidi festa" da meninada do meu tempo (Nelson Herbert)


Desenho de um "capelinha"  feitas pelas crianças de Bissau  no Natal... Segundo Nelson Herbert, era o "fanal2 (que tinha sempre no interior um pequeno presépio montado e uma vela acesa)...

Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso amigo Nelson Herbert [jornalista, de origem guineense e cabo-verdiana, filho da antiga glória do futebol guineense,  Armando Duarte Lopes, o "Búfalo Bill (1920-2018); vive nos EUA, onde trabalha ou trabalhou na VOA - Voice of America]:

Data - quarta, 26/12, 16:00

Assunto - Tradições do Natal crioulo da Guiné (*)

O “esqueleto” da capela [, vd. imagem acima]  era feito do “miolo-esponjado” da cana de bambu [escapa-me agora o nome em crioulo do material também usado na confecção de peças de mobiliário tradicional- (cadeiras e banquinhos - particularmente no Leste da Guiné )] e as “paredes”  eram forradas de papel de seda, meio transparente, e de várias cores.

Ao artefacto que tinha sempre um pequeno presépio montado no interior e uma vela acesa, nós,  a meninada,  dávamos o nome de “Fanal”...

"Kandi foi, kandi foi para Belem..." (quando foi, quando foi para Belem...)  era um dos versos da lírica da “ladainha” que metia ainda referências ao “Menino de Jesus” e demais figuras do “Presépio”... É tudo o que ainda me recordo.

De resto havia um “Ritual” (De Pidi Festa)  que, de porta à porta, pelo Natal, se impunha como o tal arauto de “Boas Festas” pelo “nascimento do Menino” às famílias visitadas... e sempre a troco de alguns “trocados”...

Mbim Pidi Festa !

Nelson  Herbert
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Notas do editor:

(*) Vd,. postes de:

27 de dezembro de  2018 > Guiné 61/74 - P19338: Memória dos lugares (383): Essa tradição do Natal crioulo, descrita pelo Mário Dias, e vivida por ele em 1952, em Bissau, vou ainda encontrá-la em Nova Lamego, 15 anos depois, em 1967!... (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933,1967/69)

25 de dezembro de 2018 >  Guiné 61/74 - P19334: Memórias dos lugares (382): Bissau, 1952, quando lá passei o meu primeiro Natal, aos 15 anos: uma tradição crioula que se perdeu, as crianças de Bissau, vindas do Chão Papel, Alto do Crim, Cupilon, Gã Beafada, Santa Luzia e outros bairros, que inundavam as ruas com as suas casinhas luminosas ou com os “kinkons” articulados e garrafas para marcar o ritmo, "tintim, tintim, kinkon, kinkon"... (Mário Fernando Roseira Dias, compositor musical, ex-srgt 'comando' reformado, Brá, 1963/65)

11 de janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5628: Antropologia (16): Canções antigas do Natal de Bissau (Manuel Amante da Rosa)

Guiné 61/74 - P19341: Notas de leitura (1135): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (66) (Mário Beja Santos)


Ruína de antiga fábrica alemã

Fotografia de Francisco Nogueira, retirada do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Abril de 2018:

Queridos amigos,

É de incontestável importância o relatório assinado pelo Dr. Durval Ribeiro, o funcionário da Sociedade Comercial Ultramarina que visita a Guiné em abril de 1963, fica-se a saber que ainda há movimento predador e pilhagem do Movimento de Libertação da Guiné, surtidas do Senegal, que ainda se nota uma certa paz no centro e à volta de Bissau e que o Sul até à região do Corubal está numa completa polvorosa, os funcionários da Sociedade, uns demitem-se outros estão desanimados, os europeus partem. 

Dir-se-á mais tarde, numa insinuação de que não há elementos concludentes abonatórios, que a Sociedade Comercial Ultramarina estava a ser mais afetada pela lealdade à soberania portuguesa que a Casa Gouveia, esta jogaria no equívoco, na dupla face. Mas não há elementos que substantivem essa insinuação.

Tudo mudara radicalmente, de janeiro para abril de 1963.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (66)

Beja Santos

De 1 a 13 de abril de 1963, o adjunto da administração da Sociedade Comercial Ultramarina vai à Guiné e elabora um relatório de 16 páginas, carreia elementos e informações de inegável interesse. Fora encarregado de observar o que se estava a passar nos diferentes postos da Sociedade, visitar clientes e apurar a situação geral da Guiné, entre outros elementos de missão. 

Não se poupou a viajar, esteve no Sul, em Catió, Bedanda e Cacine e a norte do Geba esteve em Bafatá, Contuboel, Farim, Mansoa, Teixeira Pinto e Cacheu. 

Contactou inúmeros clientes: 

  • Arif Elawar, 
  • Mamud Elawar, 
  • Álvaro B. Camacho, 
  • Alberto C. Barros, 
  • Salim Boulassem, 
  • Jamil Heneni, 
  • Virgílio Reis, 
  • Casimiro Pires, 
  • Hermínio Correia, 
  • João S. Sepúlveda, 
  • Ernesto Lima, 
  • Jamil Wounes, 
  • Pedro G. Santos, 
  • Heni Abi Kalil, 
  • José Kalil, 
  • José Gabriel, 
  • Francisco Correia, 
  • Joaquim Escada, 
  • José Reis, 
  • José Amine, 
  • Mário Lima, 
  • Benjamim Correia, 
  • Taufik Saad, 
  • Carlos Domingos Gomes, 
  • Manuel J. Morais. 

Contacta um grande número de entidades, Governador da Província, altos funcionários, Comandante da Polícia, Chefe da PIDE, oficiais em Catió, Bafatá e Tite, administradores de circunscrição, Presidente da Associação Comercial, gerente do BNU, gerentes da Casa Gouveia e de Barbosa & Comta.

A situação da Província é relatada ao pormenor e quem leu o relatório vai sublinhá-lo amiudadas vezes. Escreve ele o seguinte:

“A actuação subversiva assumiu na Guiné três aspectos distintos que passarei a referir segundo as regiões onde se processaram:

Zona Norte – Na região fronteiriça ao Senegal continuam fazendo sentir-se os efeitos de um grupo cujo móbil tem sido, essencialmente, o saque e a pilhagem. Esse grupo que após as primeiras depredações em Guidage passou a actuar principalmente na região entre S. Domingos e o Litoral, hostilizado, nas suas últimas incursões, pelos nossos nativos, os Felupes, ter-se-á deslocado para Leste, encontrando-se na região do Casamansa, frente à nossa faixa entre Ingoré e Bigene, na qual já se verificaram recentemente roubos de gado.
Na opinião do administrador da circunscrição de Farim, com o qual me avistei, preocupado com a posição do nosso posto de Guidage, cujo encarregado encontrei em Farim, não haveria risco para a nossa empresa, dado que a autoridade administrativa do Senegal, da região que directamente lhe faz face, o tranquilizara a esse respeito.

Com excepção do centro comercial de Susana, abandonado em virtude dos estragos sofridos, várias actividades das populações continuam a processar-se como anteriormente e a insegurança é acidental, dado que os agitadores se encontram do lado de lá da fronteira que atravessam para as suas surtidas de saque, pilhagem e depredação.

Zona Centro – na região compreendida entre os rios Geba e Cacheu, desde o Litoral até à fronteira Leste, embora num clima de preocupação, vive-se em segurança. Em viagem de automóvel, com um motorista nativo e o chefe dos Serviços Industriais, para a zona de Bafatá, para apreciação dos descasques, e com o chefe dos Serviços Comerciais, para a zona de Teixeira Pinto, tudo se afigurou normal durante o percurso, parte do qual foi efectuado de noite. No entanto, esta zona dos limites da circunscrição de Bafatá para Oeste tem merecido especial atenção por parte dos agitadores, distinguindo-se os centros de Bissau e Bissorã e a região do Biombo, não tem sido, felizmente, ultrapassada a fase das reuniões e elaboração dos planos, gorados eficazmente pela intervenção oportuna das autoridades.

Zona Sul – A situação na região ao sul do rio Geba e a oeste do rio Corubal é totalmente diferente. Reina aqui a insegurança, pois que aos agitadores tem cabido a iniciativa das operações e embora a sua actuação se caracteriza pela mobilidade, o domínio geral da região pertence-lhes. 

Tal domínio traduz-se por: assalto ao aquartelamento de Tite; ocupação de Darsalame, que teve de ser bombardeado e deixou de existir como povoação e centro comercial; assalto ao aquartelamento da secção destacada em Salancaur e ao nosso estabelecimento pelo apoio que a Sociedade Comercial Ultramarina tem prestado às nossas tropas de que resultou a retirada da guarnição e o encerramento de todos os estabelecimentos comerciais; abandono da actividade comercial em Unal, Banta e Chequal; recusa das mulheres em efectuar, em alguns locais, como era hábito, os carregamentos de embarcações, cumprindo assim as instruções recebidas dos agitadores, etc.

A estes factos há a acrescentar a perda de duas embarcações, refugiadas na República da Guiné, uma, o Arouca, pertencente a A. Pinho Brandão, e a outra, o Mirandela, a A. S. Gouveia, esta última das melhores unidades do tráfego fluvial da Província, as quais se supõe terem sido assaltadas, o Mirandela já depois de carregado com 80 toneladas de arroz.
Posteriormente, a navegação para o Sul passou a ser feita em comboio, escoltado por uma lancha da Armada, o que torna muito mais moroso o movimento das embarcações.

Com os actuais efectivos militares na Província, afigura-se impossível a eliminação dos grupos subversivos, ou mesmo a neutralização da sua actividade, apesar da acção da viação e de o único batalhão de que se dispunha em Bissau como reserva estar já em operação em Catió, desde Fevereiro, o que terá conseguido criar a tais grupos dificuldades e insegurança que, até então, não encontravam. 

A situação é grave, desprestigiante perante as populações nativas indecisas ou mesmo fiéis. Os reforços que necessariamente terão de ser enviados resolverão o problema do domínio territorial, mas já não eliminarão totalmente as consequências político-económicas de uma situação de domínio do inimigo desde o início deste ano, pois irão chegar tarde. Já no seu regresso da Guiné, em Fevereiro, o nosso Presidente do Conselho de Administração levou ao conhecimento do Governo a necessidade de reforços imediatos, que ao terminar a nossa visita, em 13 de Abril, não tinham sido ainda enviados”.

O relator examina as consequências, nomeadamente o previsível desastre da campanha de arroz, a necessidade imperativa da sua importação, a diminuição da atividade industrial e comercial, o êxodo das populações, e tece considerações sobre a população branca:  

“A população europeia vive, como é óbvio, sob forte preocupação. Vive preocupada com o futuro da própria Guiné, perante a feição que os acontecimentos tomaram. De entre a população nativa é de salientar a atitude dos Fulas e Mandingas que têm patenteado o seu desejo de auxiliar as autoridades na repressão dos movimentos perturbadores, o que já se tem verificado, e o comportamento das tripulações (Manjacos) das embarcações utilizadas no tráfego fluvial e costeiro”.

Expende considerações sobre a confiança na Sociedade por parte das autoridades, comércio e particulares, detalha questões do setor industrial e comercial, procurando avaliar prejuízos havidos nos postos do Sul. Não deixa de referir a luta desenfreada que estava a ocorrer com a prática de preços na compra do coconote, a Sociedade protestara junto da casa Gouveia, por receber coconote com uma percentagem de impurezas superior à fixada.

A situação do pessoal levantava preocupações, é interessante ouvi-lo:

“O encarregado de Cacine acusa já o desgaste da sua permanência junto da fronteira, vai ser substituído. O encarregado de Salancaur demitiu-se por ter sido ameaçado por várias vezes pelos agitadores, supondo-se que devido ao franco apoio prestado aos elementos militares. O encarregado de Cadique pensa em pedir a demissão, embora se encontre presentemente em Bedanda, junto do encarregado deste posto. Está indeciso. Os nossos empregados dos postos do Sul manifestaram a esperança de uma retribuição especial pela posição perigosa que ocupam, o que parece ser de toda a justiça”.

Tece conclusões de caráter geral que enfatizam o que foi anteriormente referido: situação normal e muito preocupante na zona Sul; campanha de arroz fortemente afetada; campanha de mancarra a decorrer normalmente; campanha de coconote com tendência para a concorrência entre os exportadores e produção estimada inferior à dos anos anteriores; sérias preocupações quanto à sementeira na próxima campanha de arroz.

Em 23 de maio, o administrador da Sociedade Comercial Ultramarina envia a Castro Fernandes, administrador do BNU, este relatório assinado pelo Dr. Durval Ribeiro.

Em 31 de maio temos nova carta depois de um silêncio de 2 meses, o gerente informa que continuam operações conjuntas das três armas, com destaque para a ação da Força Aérea que, no Sul da Guiné, quase toda à mercê dos terroristas, empregam bombas de “Napalm”, arrasando sistematicamente os esconderijos dos elementos rebeldes.

Observa do seguinte modo o que por ali se está a passar:

“Exercendo pressão sobre as populações indígenas da referida região, que obrigam a fornecer-lhes alimento e a coadjuvá-los nas suas nefastas actividades, os terroristas prosseguem no abate de árvores para obstrução das vias de comunicação, cortes de estradas por meio de valas, destruição de pontes, queimando, assaltando povoações e estabelecimentos comerciais e, sempre que a ocasião lhes é favorável, armando emboscadas às nossas tropas e chegando mesmo ao ponto de atacarem aquartelamentos militares, como sucedeu em Catió e Bedanda.

O Ana Mafalda, esta semana saído do porto de Bissau com destino a Lisboa, foi alvejado a tiro, no canal de S. João, quando da sua passagem para Bolama, não sendo, contudo, atingido.

Por não ser aconselhável a sua permanência nas áreas dominadas por terrorismo, por falta de cobertura militar adequada, os poucos europeus que ainda habitam o Sul estão a abandonar os seus haveres, retirando para lugares menos expostos.”

(Continua)



Duas fotografias que constam do álbum “Guiné – Alvorada do Império”, 1953, trata-se de uma homenagem ao Governador Raimundo Serrão.

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Nota do editor

Poste anterior de 21 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19313: Notas de leitura (1133): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (65) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 24 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19327: Notas de leitura (1134): “O Homem do Cinema, A la Manel Djoquim i na bim”, por Lucinda Aranha Antunes; edição da Alfarroba, 2018 (2) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19340: Agenda cultural (666): Apresentação da Obra Poética de Vital Sauane - “Mundo di Bambaram”, dia 28 de Dezembro, pelas 18h00, no Centro de Exposições de Odivelas, Rua Fernão Lopes, 2675 -348 Odivelas

C O N V I T E



Dia 28 de dezembro, pelas 18H00

Acompanhamento musical: Mû Nbana, Guto Pires e Sidia Baio

Apresentação da Obra Poética de Vital Sauane - “Mundo di Bambaram”, CENTRO DE EXPOSIÇÕES DE ODIVELAS, Rua Fernão Lopes, 2675 -348 ODIVELAS, ao lado da PSP. 

Recorde-se que o poeta Vital Sauane é natural de Nova Lamegio, licenciado em sociologia pela Universidade Lusófona,  mestre em sociologia pelo ISCTE (2011/13), conhecido empresário de futebol, descobridor de talentos desportivos, e dono da Academia Vitalaise, em Bissau.
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19284: Agenda cultural (665): primeiras fotos da sessão de apresentação do livro do António Martins de Matos, "Voando sobre um ninho de Strelas", ontem, no Hotel Travel Park, em Lisboa (Miguel Pessoa)

Guiné 61/74 - P19339: (In)citações (122): Às Nossas Mães (Virgínio Briote)



Edmonds, Seattle, Washington, USA. monumento às mães dos militares norte-americanos,  que também servem a Pátria, tal como os seus filhos. Iniciativa do U. S. Navy Memorial Fundation.

Fotos (e legenda): © Virgínio Briote  (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Belíssimo texto do nosso camarada, coeditor jubilado Virgínio Briote, postado na página do Facenbook da Tabanca Grande, em 24 de dezembro às 15:03, e  que aqui reproduzidos com a devida vénia:

Às nossas Mães

As nossas Mães que nos criaram, 
que, sempre cheias de cuidados, 
nos viram crescer 
até chegarmos à idade de ir.

Que, na Conde de Óbidos, 

se despediram de nós,
mãos no peito, lenço nas mãos, 
lágrimas a correr.

As nossas Mães. 

Que nos acompanharam com linhas de lágrimas, em aerogramas de saudade e esperança.

As nossas Mães. 

Que, outra vez no cais, recolheram os que regressaram. 

E às centenas de outras Mães 
que recolheram os restos dos filhos que criaram;

e às outras centenas 
que nunca chegaram a saber 
onde ficaram os filhos que para lá foram.


Às nossas Mães 

que estiveram nos Terreiros do Paço 
a receberem as medalhas;

e a todas as Mães da nossa geração, 
que compartilharam a nossa vida.

Virgínio Briote

[fixação de texto: LG]
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Guiné 61/74 - P19338: Memória dos lugares (383): Essa tradição do Natal crioulo, descrita pelo Mário Dias, e vivida por ele em 1952, em Bissau, vou ainda encontrá-la em Nova Lamego, 15 anos depois, em 1967!... (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933,1967/69)


Guiné > Região de Gabu> Nova Lamego > CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Natal de 1967 > O capelão Moita, à civil, à esquerda,  junto de um dos miúdos que transportavam uma "capelinha", uma réplica  em miniatura, com um presépio lá dentro, iluminado por uma vela;   à direita, o Virgílio Teixeira.

Foto  (e legenda): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentário,   ao poste P19334 (*), de Virgílio Teixeira (ex-al mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, 1967/69):

Depois de ler esta bela história do Mário Dias, sobre o Natal em Bissau, talvez me passasse pela cabeça ter visto por alturas do Natal, antes ou depois, porque os Natais eram passados junto do comando e CCS do Batalhão (BCAÇ 1933) estas manifestações, embora não tenha nenhum facto exacto em mente.

Contudo, e a propósito, isto passava-se cá, na minha infância também se cantavam as Janeiras e os Natais, junto das portas dos senhores, com cantigas alusivas que ainda me lembro delas perfeitamente, eram os peditórios para o 'menino Jesus',  quer dizer para nós que fazíamos parte dos grupos, e era até rentável para as guloseimas que não tínhamos. Mas isto é outra história.

Ao ler este texto: "Grupos de 3 ou 4 crianças, transportavam pequenas casas feitas com armações de finas tiras de cana ou material semelhante revestidas com papel de seda de várias cores. Com um coto de vela aceso no seu interior, resplandeciam como se de vitrais se tratasse. E como havia algumas tão bem construídas e belas!... A catedral de Bissau, a casa do governador, o edifício da Administração Civil, ou simples casas saídas da fértil fantasia do seu construtor. Também havia quem desse asas à criatividade e aparecesse com navios, aviões e de quanto a imaginação fosse capaz.

"Iam parando em cada casa, ora à porta quando situada ao rés do passeio, ora penetrando nos pequenos jardins das mais recuadas, e um deles, portador de uma garrafa vazia e de um pequeno ponteiro de ferro batia o ritmo: tintim, tintim. tintim… Então, ao compasso que o “tocador de garrafa” ordenava, todos rompiam nesta cantilena: ( por sinal bem afinados)"

... Lembrei-me do meu Poste,  sobre o Tema 055, em Nova Lamego, na época do Natal, de ver estes grupos de miúdos com umas coisas que na altura disse não saber o que eram.  Pelo ao nosso editor para ver então esse  Poste - que não encontro o número nem a sua publicação, mas era sobre o Nosso Capelão Moita, e cujo texto retirei e coloquei aqui:

(...) Guiné - Portugal 67/69 - Álbum de Temas:  T055 – O Nosso Capelão, Aferes Graduado Moita, o Capelão Padre Moita que se juntou mais tarde ao BCAÇ 1933.

(...) F8 – O capelão Moita junto de um grupo de Djubis com objectos religiosos de Natal, não sei o que é aquilo. NL, Dezembro 67.


Pedia então para o Mário Dias, ou outro camarada que saiba disto, se aquela peça que os miúdos apresentam iluminada, não seria uma dessas referidas.por ele.

Parabéns ao editor por esta publicação, e agora peço que tente desvendar este dilema, podemos estar na presença das tais ´casinhas ou outras coisas´, feitas de qualquer coisa...

E assim acabaram estas festas natalícias....

2. Comentário do nosso editor LG:

Heureca, Virgíliio, é isso mesmo!... Tens olho clínico!... Essa tradição do Natal crioulo, descrita pelo Mário Dias, e vivida por ele em 1952, em Bissau, vais tu ainda encontrá-la em Nova Lamego, 15 anos depois, em 1967!...

Aqui está, como  prometido, o  teu comentário elevado à categoria de poste !... Aqui tens a foto em questão (a nº 8), depois de reeditada para dar mais destaque aos miúdos que seguram nas mãos a "igreja" em minitura, em papel... e um presépio lá dentro!... Não é a a igreja de Nova Lamego, que só tinha uma torre, mas pode ser a de Bissau ou de Bafatá... 

Que coisa linda!...Deviam ser miúdos de famílias cristãs, também as havia em Bambadinca e Bafatá, mas eu na noite de Natal, pelo menos a de 1969, passei-a... destacado na "Missão do Sono" a aguardar as costas dos senhores do comando e da CCS do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70)...

Vê aqui o poste que tu não conseguiste localizar (**)

Lembrei-me, entretanto, que o nosso amigo (e camarada) Manuel Amante da Rosa tem um poste antigo sobre esta tradição, a que eu chamo o Natal crioulo da Guiné (***). Escreveu ele:

Uma "capelinha"...
(...) Muito provavelmente muitos dos membros da nossa Tabanca Grande que tenham passado um Natal na Guiné, terão visto e escutado grupos de crianças que, festeiramente, andavam de porta em porta com pequenos presépios ou casas de papel, iluminadas com vela por dentro, mais uns bonecos articulados, alguns com caricas de garrafas de cervejas pregadas em tábuas de ocasião a chocalhar, acompanhando um coro, por vezes desafinado. São gratas recordações dessa tradição que ainda hoje persistem em Bissau.(...)

O seu relato sobre o Natal de outrora na Guiné bate certo com o que  que já escrevera, quatro anos antes, o Mário Dias (Poste P367, de 18 de dezembro de 2005).

Um "quincom"...
(...) Outrora e até o início dos anos 70 do século passado, era frequente, nas noites de 24 e 31 de Dezembro, as ruas da cidade de Bissau serem percorridas por grupos de jovens guineenses, oriundos dos Bairros periféricos, que consigo transportavam interessantes réplicas de igrejas e capelas. Eram as “Capelinhas”.

Feitas numa estrutura de madeira muito leve, vulgarmente denominada “tara” (Raphia sp. Exsicc. Esp. Santo 766), eram forradas a papel de seda, contendo, no seu interior, várias pagelas de santos e, ao centro, iluminadas por um coto de vela, o que, no breu da noite, conferia ao conjunto um aspecto de particular carinho.

Os grupos de miúdos percorriam as ruas de Bissau, cantando, de casa em casa, saudando, a troco de 5 tostões, com a seguinte cantilena os moradores (...):

A cantinela era a mesma que já o Mário Dias ouvia em 1952...

E era   "acompanhada, sequencialmente pelos famosos bonecos, tipo espantalhos feitos de papelão, presos numa cana ou pequena haste de madeira, com os braços e pernas articulados, graças a um sistema de cordéis interligados, nas costas, dos referidos bonecos. Estes bonecos eram conhecidos pela designação vulgar de Quincões” (...).
__________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 25 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19334: Memórias dos lugares (382): Bissau, 1952, quando lá passei o meu primeiro Natal, aos 15 anos: uma tradição crioula que se perdeu, as crianças de Bissau, vindas do Chão Papel, Alto do Crim, Cupilon, Gã Beafada, Santa Luzia e outros bairros, que inundavam as ruas com as suas casinhas luminosas ou com os “kinkons” articulados e garrafas para marcar o ritmo, "tintim, tintim, kinkon, kinkon"... (Mário Fernando Roseira Dias, compositor musical, ex-srgt 'comando' reformado, Brá, 1963/65)

(**) Vd. poste de 15 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19017: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XLIII: O alf mil capelão Carlos Augusto Leal Moita

(***) Vd. poste de 11 de janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5628: Antropologia (16): Canções antigas do Natal de Bissau (Manuel Amante da Rosa)