segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21594: Os nossos capelães (13): José Marques Henriques, ofm, esteve no CTIG, de 28/4/1974 a 9/10/74 (João Crisóstomo, Nova Iorque)



José Marques Henriques, sacerdote
da Ordem dos Frades Menores (Franciscanos)ofm), 
vigário paroquial da Conceição de Faro e Pechão.
 

1. Do João Crisóstomo (Nova Iorque) recebemos a seguinte mensagem;

Date: domingo, 29/11/2020 à(s) 21:26
Subject: Resposta ao email sobre os capelães

Caro Luís Graça,

Ainda sobre os capelães na Guiné… acabo de receber algo:

A 24 de Outubro enviei um email ao P. José Marques [Henriques] que está no Algarve. Acredito que esse email nem chegou ou o computador dele considerou-o como "junk" e o meu amigo nem o chegou a ver. 

Há dias liguei para o irmão dele (que era do meu curso) e chegou mesmo a ser franciscano mas saiu e vive agora no Algarve. 

E através dele confirmei os contactos e,  depois de falar com ele ao telefone,    enviei novo email, ( de que te fiz conhecimento em Bcc). 

Aqui está a resposta que acabo de receber. A informação não é muita mas mas é mais uma "janela" , a meu ver interessante e elucidativa.

Um abraço de saudades de nós dois para vocês os dois...

João e Vilma

2. Mensagem de José Marques Henriques, enviada ao João Crisóstomo (e que este partilha com a Tabanca Grande);

Subject: Resposta ao email sobre os capelães

Date: November 29, 2020 at 2:15:54 PM EST

Amigo João Crisóstomo, aqui vão alguns dados sobre a minha vida de capelão militar:

Parti para a Guiné como capelão, num avião da força aérea, no dia 27 de abril de 1974 (apenas dois dias depois do 25 de abril). 

Fui colocado no batalhão de cavalaria, em Bula, mas assistindo mais outros dois batalhões, estacionados em Canchungo e Cacheu. 

O meu trabalho desenvolveu-se, portanto, no território dos mancanhas e manjacos. Regressei a Portugal em outubro deste mesmo ano de 1974, num paquete cujo nome não recordo perfeitamente neste momento, mas que julgo ser o Niassa.

Antes de partir para a Guiné como capelão, estive a trabalhar no quartel da Amadora, desde o início de fevereiro de 74, como ajudante do capelão que aí estava colocado. Não fui para a Guiné logo a seguir ao curso, como pretendia, e apesar de ter sido o único a disponibilizar-me para partir para lá, porque fui rejeitado. Colocaram-me na Amadora para me conhecerem melhor. 

Tinha vindo da Guiné para o curso de capelães e, como é natural, durante esse curso dei o meu testemunho sobre o que se estava lá passando, e sobre os reais motivos que estiveram na origem da guerra desencadeada pelo PAIGC contra o regime colonial, mas parece que esse testemunho não agradou a Marcelo Caetano nem aos oficiais superiores do regime, a célebre brigada do reumático

Esta a razão por que só me deixaram partir para a Guiné como capelão, depois do 25 de abril. Aí assisti ao arrear da nossa bandeira e ao içar da bandeira dos Libertadores. O comandante de Bula - o coronel César - não se conformava. Dizia mesmo que tinha vergonha de ser português. 

Perante esta atitude, os capitães de abril e majores, tenentes e alferes, que estavam no terreno, resolveram, através dum abaixo-assinado, proceder ao seu saneamento. O que aconteceu, com a minha anuência. Só pus uma condição: não ser o primeiro a assinar.

Um abraço bem apertado deste teu amigo José Henriques 

3. Comentário do editor LG:

Obrigado, João. Tu nunca "brincas em serviço",  levas as coisas até ao fim e a "carta a Garcia". Agora, e na volta do correio, convida o nosso capelão a juntart-se à Tabanca Grande: tenho um lugarzinho bom para ele, à sombra do nosso poilão, o nº 822.

Recolhemos, na Net, mais os seguinte dados sobre o teu amigo e colega e nosso camarada José Marques Henriques_

(i) é da colheita de 1944 (faz anos a 3 de agosto);

(ii) natural de Ourém;

(iii) foi ordenado padre em 17  de maio de 1970;

(iv) foi missionário na Guiné-Bissau durante 44 anos, antes e depois da independência;

(v) mora em Faro;

(v) é o vigário paroquial da Conceição de Faro e Pechão.

Fonte: Directório da Diocese do Algarve > Pe. José Marques Henriques

Fonte: Jornal Folha do Domingo, (Faro) > 18 de maio de 2020 > Frei José Henriques celebrou 50 anos de sacerdócio, 44 na Guiné e os restantes no Algarve

Tem página no Facebook onde se vê que continua a ser muito acarinhado pelos cristãos da Guiné-Bissau, e nomeadamente os do chão manjaco (, ele esteve como missionário no Canchungo até há uns anos atrás, voltando a Portugal por razões de saúde)... 

Veja-se aqui este testemunho de Rita Gomes, em 22 de maio de 2020:

(...) Pai Henrique, todo o mundo está a sentir a sua falta, o seu ensino, a nossa igreja em Canchungo,  Cacheu nunca mais vai ser a mesma, alguns de nós eram crianças, pre-adolescentes e adolescentes, que saudade,  estou emocionada,  a presença do Senhor naquela época deixou a marca no coração de cada um de nós, que Deus lhe abençoe e protega cada dia da sua vida o nosso Pai Henrique, Amén. (...)
_____________

Nota do editor:



17 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19023: Os nossos capelães militares (9): segundo os dados disponíveis, serviram no CTIG 113 capelães, 90% pertenciam ao Exército, e eram na sua grande maioria oriundos do clero secular ou diocesano. Houve ainda 7 franciscanos, 3 jesuitas, 2 salesianos e 1 dominicano.

3 comentários:

Joaquim Luis Fernandes disse...

Involuntariamente sempre acontecem gralhas. Se o P. José M.Henriques celebrou este ano, em maio, o 50º aniversário da sua ordenação sacerdotal, esta terá ocorrido em maio de 1970 e não em 29 de outubro de 1972, como está referido. Detalhes.

Nos seus escassos 6 messes de capelão na Guiné e no pós 25 de abril, o seu testemunho sobre a sua acção junto dos militares que acompanhou, não poderá ser comparável à de outros, que durante muito mais tempo e por vezes em dramáticos cenários de guerra, testemunharam o sofrimento e acalentaram a esperança.
-Dou o meu testemunho: Quando em finais de janeiro de 1973 fui colocado em Teixeira Pinto no Bat. Caç. 3863, sendo mal acolhido num meio desconhecido e depois de ter sido ameaçado por dois capitães de me "fazerem a folha", quando caí na asneira de lhes manifestar, a seu pedido, o que pensava da guerra da Guiné e das suas causas, os sentimentos de desolação foram tão fortes que me recolhi no meu quarto e chorei amargurado pelo que me poderia acontecer com estes dois inimigos por perto.
Foi ao capelão, o P. João Baltar, que me dirigi pedindo ajuda. Senti a sua camaradagem e amizade e as sua palavras me deram ânimo para seguir em frente. Foi meu confidente e amigo enquanto estive em Teixeira Pinto e muitas foram as conversas que travámos sobre os mais variados assuntos.
Mas decerto, nas suas circunstâncias, o P.José Henriques terá assistido a momentos de grande tensão, como terão sido os da entrega dos quartéis aos guerrilheiros do PAIGC. Aguardemos que um dia nos conte.
Rica de testemunhos, será a sua vida como missionário na Guiné, antes e depois da independência, como revelam alguns testemunhos que conhecemos, de alguns guineenses, para quem ele, foi determinante na sua formação humana e cristã.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Joaquim, és sempre bem aparecido... O teu "olho clínico" não deixa passar nenhuma gralha... Já corrigimos a data... Obviamente, 17 de maio de 1970, a data em que o frei José Marques Henriques foi ordenado sacerdote.

Quanto ao capelão do teu batalhão, João Baltar [da Silva], sabemos que esteve no CTIG de 16/9/71 a 23/6/1974... Não o queres trazer até nós ou recolher um testemunho seu ?

UM abraço fraterno. Cuidemo-nos e um santo Natal!... Luís

Joaquim Luis Fernandes disse...

Caro Luís Graça, quando em 2013, quase 40 anos volvidos do meu regresso da Guiné, iniciei o processo de acordar as minhas memórias desse tempo, uma das personagens que se ergueu foi a do capelão P.João Baltar. Tinha sido meu amigo, confidente e confessor. Muitas foram as conversas que travamos, não tanto no bar, onde nem sempre havia ambiente para tal, mas mais nas nossas passeatas, ao fim da tarde, avenida acima, avenida abaixo, da pacata vila/cidade de Teixeira Pinto.
Nas minhas pesquisas na net para o encontrar, foi com profunda mágoa que encontrei a notícia do seu falecimento em Malema, diocese de Nampula-Moçambique, em 5 de Dezembro de 2011, depois de ter sofrido um AVC que o debilitou e levou à morte.

João Baltar da Silva nasceu em Burgães, Santo Tirso, a 15 de Agosto de 1944. Foi ordenado sacerdote no Seminário de Cucujães a 28 de Julho de 1968.
Integrado na Sociedade Missionária Boa Nova, partiu em Missão para Porto Amélia, (hoje Penha) em Outubro de 1969.
Regressou em 1971 para ser incorporado no exército como capelão militar, tendo partido para a Guiné em 16/9/71 e regressado em 23/6/71. Duas comissões.
Depois da tropa, ainda em 1974, regressou como Missionário a Porto Amélia.
De regresso a Portugal, é em 1982 nomeado para a equipa formadora no Seminário de Valadares.Também exerceu as suas funções como sacerdote e professor, com elevado
prestígio e reconhecimento, em outras localidades, entre elas Cucujães e Cernache.
Em 1987 parte novamente para as Missões em Moçambique, tendo ministrado em Pemba, Maputo,Chibuto,Matola e Malema.
Em 1994 pediu a nacionalidade Moçambicana.

No testemunho dos que com ele conviveram, se depreende ter sido um Missionário dedicado na sua Missão de evangelizador,mas que não ignorava as realidades humanas daqueles a quem se dirigia, estudando as suas culturas, o que eu já me tinha apercebido quando convivi com ele em Teixeira Pinto. Era um profundo conhecedor da cultura Manjaca e chegara a presenciar alguns dos seus ritos animistas.
Consta que ao longo da sua vida, nomeadamente em Moçambique, se referia às suas experiências e amizades de capelão na Guiné.
E é tudo por agora.
Votos de boa saúde e um Natal fraterno, mesmo que confinados.
Um abraço
Joaquim L.Fernandes