Queridos amigos,
Em boa hora se voltou à secção de Reservados da Biblioteca da Sociedade de Geografia. Ficara para trás este cotejo efetuado em 1925 por um oficial do Exército que no essencial debita factos sem apreciações pessoais até que chegamos à prisão de Abdul Indjai, aí ele intervém calorosamente e não se nega a dar opinião.
Há um dado muito curioso da análise deste personagem que possuía uma tropa de choque muito especial e que a pôs ao serviço de Teixeira Pinto. Dos poucos depoimentos que possuímos sobre membros da Liga Guineense (que foi abruptamente distinta, isto numa época em que as organizações de ideário republicano eram acarinhadas) há quem diga abertamente que Abdul Indjai permitia todos os saques pelas povoações onde passava, o que contundia com os interesses dos comerciantes que se viam despojados de matéria-prima para exportação.
Ele podia, enquanto régulo do Oio, enviar a sua tropa de choque ao serviço do colonizador, mas aterrorizava as populações de todas as vilas acima de Mansoa. É muito fácil andarmos à procura das causas do martírio quando teimosamente fingimos que o valoroso braço direito de Teixeira Pinto agia como o mais prepotente pilha-galinhas, afrontando uma ordem civilizacional que a administração portuguesa da Guiné procurava instituir. Vamos continuar, há mais surpresas.
Um abraço do
Mário
A pacificação da Guiné de 1834 a 1924 (1)
Mário Beja Santos
Como é sabido, a Biblioteca da Sociedade de Geografia possui uma secção de Reservados onde tenho tido a felicidade de encontrar algumas peças preciosas. Houve agora oportunidade de regressar a este filão de manuscritos, e deparou-se-me um dossiê intitulado Res 1 – Pasta E-21, que se intitula Apontamentos Relativos às Campanhas para a Pacificação da Guiné de 1834 a 1924, compilados pelo Tenente-Coronel de Infantaria João José de Melo Miguéis, Bolama, com data de 6 de agosto de 1925, Repartição Militar da Colónia da Guiné, 1.ª Secção. É então Governador Velez Caroço.
Trata-se de um inventário minucioso, o oficial procurou esmerar-se, manda o bom-senso que não se vai escrever por atacado toda a sua narrativa, e não há nada como explicar porquê. Começa por nos dizer que desde a descoberta da Guiné até ao ano de 1834 não encontrou nos arquivos da Repartição quaisquer elementos respeitantes a operações militares.
Tudo começa em 8 de janeiro de 1834, realizou-se o Auto de Ratificação da Praça de Bolor, sítio de Etame, pertencente a Cacheu, de uma parte o provedor de Cacheu, Honório Pereira Barreto e da outra Jaguló, rei e senhor do território de Bolor, que cedeu o território denominado Baluarte.
Estamos agora em 9 de outubro de 1856, é feito um contrato entre o tenente-coronel Honório Pereira Barreto, governador da Guiné, e os gentios de Nagas, representados pelo régulo de Cadi e por Nhaga, pai do régulo de Nagas, por o gentio desejar restabelecer as relações com a praça de Cacheu que há cinquenta anos se achavam suspensas, por causa de uma guerra que houve entre as mesmas. Neste contrato é celebrada a paz entre a praça de Cacheu e o gentio de Nagas, podendo os habitantes de Cacheu negociar nas terras de Nagas, ficando reservado aos portugueses a navegação e comércio do braço do rio de Farim, que se chama Armada, não sendo concedida esta vantagem a estrangeiros.
Com data de 6 de março de 1857 estabelece-se uma convenção entre o governo da Guiné e os Felupes de Varela. Esta convenção foi feita por motivo do governador da Guiné, Tenente-Coronel Honório Pereira Barreto, ser herdeiro do seu falecido pai, o Major João Pereira Barreto, de uns territórios que os Felupes de Varela da margem direita da barra de Cacheu, em tempos tinham cedido a este senhor. O governador Barreto, como os Felupes não desejassem que este território fosse para os franceses, cedeu-o ao Governo de Portugal, ficando desde esta data de 6 de março ratificado a favor da nação portuguesa. Dois anos depois, celebra-se o tratado de concessão à nação portuguesa pelos Felupes de Jufunco (Cacheu) de todo o seu território.
O Tenente-Coronel Miguéis recorda em 1870 foi proferida sentença a favor de Portugal pelo presidente norte-americano Ulysses Grant, ficava esclarecida a questão de Bolama.
Em 24 de janeiro de 1871, foi vítima de uma rebelião de Grumetes na Praça de Cacheu o governador interino daquele distrito, Capitão Álvaro Teles Caldeira. Em 8 de março, uma força composta pelo Batalhão de Caçadores N.º 1 e de marinheiros da Armada Real efetuou um ataque à população de Cacanda (Cacheu), destruindo-a totalmente. Os indígenas desta povoação inquietavam constantemente a Praça de Cacheu, acabando por assassinar o governador do distrito. O Capitão J. A. Marques desenvolvendo um plano de ataque anteriormente combinado, consegue conduzir à vitória todas as nossas forças.
Em 19 de abril, foi lavrado o termo de ratificação e reconhecimento de cessão feita pelos Felupes de Varela de todo o território deste nome, ao governo português. Como também em 3 de agosto de 1879 foi feito um tratado de cessão do território ocupado pelos Felupes de Jufunco à nação portuguesa. Estamos agora em 8 de abril de 1980 e ficamos a saber que foi condecorado com o Grau de Comendador da Ordem de Torre e Espada o Tenente-Coronel Agostinho Coelho por ter sufocado em Bolama uma revolta do Batalhão de Caçadores N.º 1, que tinha por fim constranger o mesmo governador a mandar pôr em liberdade dois oficiais desse batalhão.
Nesse mesmo ano, em 1 de junho, celebrou-se o tratado de paz na povoação de Buba entre os régulos Beafadas, o chefe principal do Forreá, Sambel Tombon e o Governo Português, sendo comandante militar o Capitão de Caçadores N.º 1 da África Ocidental, Tomás Pereira da Terra.
A enumeração de tratados é infindável, mas talvez valha a pena continuar até depois chegarmos ao aprisionamento do régulo do Oio, Abdul Injai, o braço direito de Teixeira Pinto.
Voltamos a 1881 e o autor enumera tratados entre o Governo e os chefes Beafadas de Guinala e Baduk, tratado de paz entre o Governo e os régulos Fula-Forros e Futa-Fulas do Forreá e Futa-Djalon. Regista o autor também conflitos originados pelos Beafadas de Jabadá. Foi celebrado no Presídio de Geba o tratado de paz e obediência do régulo Fula-Preto do Indorna Dembel, Alfa Dacan e o governo da colónia.
Em 1883 ocorre um episódio que aparece versado noutras fontes. Os Fula-Pretos atacaram S. Belchior, aprisionaram cristãos e reduziram a cinzas as suas casas. O responsável pelo presídio de Geba, Alferes Marques Geraldes, organizou uma pequena expedição e foi a Indornal, onde conferenciou com o régulo Dembel, fez a entrega das duas mulheres raptadas e pagou uma indemnização ao governo.
No ano seguinte foi feito um tratado entre o Governador de Cacheu e os régulos de Bolor. Em 16 de abril de 1885, a bordo da escuna Forreá, fundeada no rio das Ilhetas, foi feito um ato de vassalagem ao governo português. Em 11 de outubro do mesmo ano, atacou-se Sambel Nhantá (Cuor, Geba) e foram louvados o Capitão Caetano da Costa Pessoa e o negociante Agostinho Pinto.
Em 15 de janeiro do ano seguinte regista-se um ataque à tabanca de Bijante, no Cubisseco. Em 19 de junho, uma força de 500 Fulas comandada pelo filho de Umbucu investiu contra duas tabancas de Mansomine. Este ataque foi contra as forças de Mussá Molô, de Sancorlã. Era chefe do presídio de Geba o Tenente Francisco António Marques Geraldes que arranjou numa hora uma expedição de 200 homens, atacou as tabancas do régulo de Mansomine, arrasou-as em três horas. Depois Geraldes dirigiu-se a Sancorlã e derrotou Mussá Molô. Geraldes foi então promovido a capitão por distinção. O autor regista que em 1896 havia os seguintes destacamentos na Guiné: Geba, S. Belchior, Sambel Nhantá, Gã Dafé, Contabane e Cacine.
Em 8 de julho de 1919, é declarado o estado de sítio nas regiões dos comandos militares de Bissorã e dos Balantas e na circunscrição civil de Farim, foi nomeado comandante militar o Capitão Augusto José de Lima Júnior. O motivo foi pôr termo à situação anormal criada pela insubmissão do régulo Abdul Injai. O texto que se segue, e que desobedece completamente às considerações até agora neutras que o autor expende ganham um cunho pessoal, vale a pena ler o texto integral, aguça-se a curiosidade do leitor só com o seu texto de arranque:
Um abraço do
Mário
A pacificação da Guiné de 1834 a 1924 (1)
Mário Beja Santos
Como é sabido, a Biblioteca da Sociedade de Geografia possui uma secção de Reservados onde tenho tido a felicidade de encontrar algumas peças preciosas. Houve agora oportunidade de regressar a este filão de manuscritos, e deparou-se-me um dossiê intitulado Res 1 – Pasta E-21, que se intitula Apontamentos Relativos às Campanhas para a Pacificação da Guiné de 1834 a 1924, compilados pelo Tenente-Coronel de Infantaria João José de Melo Miguéis, Bolama, com data de 6 de agosto de 1925, Repartição Militar da Colónia da Guiné, 1.ª Secção. É então Governador Velez Caroço.
Trata-se de um inventário minucioso, o oficial procurou esmerar-se, manda o bom-senso que não se vai escrever por atacado toda a sua narrativa, e não há nada como explicar porquê. Começa por nos dizer que desde a descoberta da Guiné até ao ano de 1834 não encontrou nos arquivos da Repartição quaisquer elementos respeitantes a operações militares.
Tudo começa em 8 de janeiro de 1834, realizou-se o Auto de Ratificação da Praça de Bolor, sítio de Etame, pertencente a Cacheu, de uma parte o provedor de Cacheu, Honório Pereira Barreto e da outra Jaguló, rei e senhor do território de Bolor, que cedeu o território denominado Baluarte.
Estamos agora em 9 de outubro de 1856, é feito um contrato entre o tenente-coronel Honório Pereira Barreto, governador da Guiné, e os gentios de Nagas, representados pelo régulo de Cadi e por Nhaga, pai do régulo de Nagas, por o gentio desejar restabelecer as relações com a praça de Cacheu que há cinquenta anos se achavam suspensas, por causa de uma guerra que houve entre as mesmas. Neste contrato é celebrada a paz entre a praça de Cacheu e o gentio de Nagas, podendo os habitantes de Cacheu negociar nas terras de Nagas, ficando reservado aos portugueses a navegação e comércio do braço do rio de Farim, que se chama Armada, não sendo concedida esta vantagem a estrangeiros.
Com data de 6 de março de 1857 estabelece-se uma convenção entre o governo da Guiné e os Felupes de Varela. Esta convenção foi feita por motivo do governador da Guiné, Tenente-Coronel Honório Pereira Barreto, ser herdeiro do seu falecido pai, o Major João Pereira Barreto, de uns territórios que os Felupes de Varela da margem direita da barra de Cacheu, em tempos tinham cedido a este senhor. O governador Barreto, como os Felupes não desejassem que este território fosse para os franceses, cedeu-o ao Governo de Portugal, ficando desde esta data de 6 de março ratificado a favor da nação portuguesa. Dois anos depois, celebra-se o tratado de concessão à nação portuguesa pelos Felupes de Jufunco (Cacheu) de todo o seu território.
O Tenente-Coronel Miguéis recorda em 1870 foi proferida sentença a favor de Portugal pelo presidente norte-americano Ulysses Grant, ficava esclarecida a questão de Bolama.
Em 24 de janeiro de 1871, foi vítima de uma rebelião de Grumetes na Praça de Cacheu o governador interino daquele distrito, Capitão Álvaro Teles Caldeira. Em 8 de março, uma força composta pelo Batalhão de Caçadores N.º 1 e de marinheiros da Armada Real efetuou um ataque à população de Cacanda (Cacheu), destruindo-a totalmente. Os indígenas desta povoação inquietavam constantemente a Praça de Cacheu, acabando por assassinar o governador do distrito. O Capitão J. A. Marques desenvolvendo um plano de ataque anteriormente combinado, consegue conduzir à vitória todas as nossas forças.
Em 19 de abril, foi lavrado o termo de ratificação e reconhecimento de cessão feita pelos Felupes de Varela de todo o território deste nome, ao governo português. Como também em 3 de agosto de 1879 foi feito um tratado de cessão do território ocupado pelos Felupes de Jufunco à nação portuguesa. Estamos agora em 8 de abril de 1980 e ficamos a saber que foi condecorado com o Grau de Comendador da Ordem de Torre e Espada o Tenente-Coronel Agostinho Coelho por ter sufocado em Bolama uma revolta do Batalhão de Caçadores N.º 1, que tinha por fim constranger o mesmo governador a mandar pôr em liberdade dois oficiais desse batalhão.
Nesse mesmo ano, em 1 de junho, celebrou-se o tratado de paz na povoação de Buba entre os régulos Beafadas, o chefe principal do Forreá, Sambel Tombon e o Governo Português, sendo comandante militar o Capitão de Caçadores N.º 1 da África Ocidental, Tomás Pereira da Terra.
A enumeração de tratados é infindável, mas talvez valha a pena continuar até depois chegarmos ao aprisionamento do régulo do Oio, Abdul Injai, o braço direito de Teixeira Pinto.
Voltamos a 1881 e o autor enumera tratados entre o Governo e os chefes Beafadas de Guinala e Baduk, tratado de paz entre o Governo e os régulos Fula-Forros e Futa-Fulas do Forreá e Futa-Djalon. Regista o autor também conflitos originados pelos Beafadas de Jabadá. Foi celebrado no Presídio de Geba o tratado de paz e obediência do régulo Fula-Preto do Indorna Dembel, Alfa Dacan e o governo da colónia.
Em 1883 ocorre um episódio que aparece versado noutras fontes. Os Fula-Pretos atacaram S. Belchior, aprisionaram cristãos e reduziram a cinzas as suas casas. O responsável pelo presídio de Geba, Alferes Marques Geraldes, organizou uma pequena expedição e foi a Indornal, onde conferenciou com o régulo Dembel, fez a entrega das duas mulheres raptadas e pagou uma indemnização ao governo.
No ano seguinte foi feito um tratado entre o Governador de Cacheu e os régulos de Bolor. Em 16 de abril de 1885, a bordo da escuna Forreá, fundeada no rio das Ilhetas, foi feito um ato de vassalagem ao governo português. Em 11 de outubro do mesmo ano, atacou-se Sambel Nhantá (Cuor, Geba) e foram louvados o Capitão Caetano da Costa Pessoa e o negociante Agostinho Pinto.
Em 15 de janeiro do ano seguinte regista-se um ataque à tabanca de Bijante, no Cubisseco. Em 19 de junho, uma força de 500 Fulas comandada pelo filho de Umbucu investiu contra duas tabancas de Mansomine. Este ataque foi contra as forças de Mussá Molô, de Sancorlã. Era chefe do presídio de Geba o Tenente Francisco António Marques Geraldes que arranjou numa hora uma expedição de 200 homens, atacou as tabancas do régulo de Mansomine, arrasou-as em três horas. Depois Geraldes dirigiu-se a Sancorlã e derrotou Mussá Molô. Geraldes foi então promovido a capitão por distinção. O autor regista que em 1896 havia os seguintes destacamentos na Guiné: Geba, S. Belchior, Sambel Nhantá, Gã Dafé, Contabane e Cacine.
Em 8 de julho de 1919, é declarado o estado de sítio nas regiões dos comandos militares de Bissorã e dos Balantas e na circunscrição civil de Farim, foi nomeado comandante militar o Capitão Augusto José de Lima Júnior. O motivo foi pôr termo à situação anormal criada pela insubmissão do régulo Abdul Injai. O texto que se segue, e que desobedece completamente às considerações até agora neutras que o autor expende ganham um cunho pessoal, vale a pena ler o texto integral, aguça-se a curiosidade do leitor só com o seu texto de arranque:
“Será possível que Abdul Injai se revoltasse?
Abdul Injai, Tenente de Segunda Linha pelos serviços prestados ao Governo Português durante as campanhas da Guiné, o grande amigo dos portugueses, o braço-direito de Teixeira Pinto, o cabo de guerra indígena de maior vulto nas guerras contemporâneas, o homem que descansando as fadigas guerreiras no seu regulado continua cedendo ao governo os seus homens para auxiliarem as tropas regulares que sucedem às campanhas de pacificação; este herói a quem o governo, depois de Teixeira Pinto, tudo deve… revolta-se?”
(continua)
Jorge Frederico Vellez Caroço, Governador da Guiné
Honório Pereira Barreto, um resto da sua estátua na Fortaleza de Cacheu
Fortim de Cacheu, gravura do século XIX, Arquivo Histórico Ultramarino
____________Nota do editor
Último poste da série de 8 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22525: Historiografia da presença portuguesa em África (279): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (16) (Mário Beja Santos)
1 comentário:
Aquela estátua de Honório Barreto que está na fortaleza de Cacheu, foi retirada de um pedestal que estava na chamada praça Honório Barreto.
Essa praça passou a ser chamada de Ché Guevara com a entrada de Luís Cabral e o seu saco de gatos o PAIGC, em Bissau.
Esse gesto, a troca de um guineense que tanto fez para a Guiné existir como o país que foi e sobrou o que é, por um nome de alguém estranho a Guiné que só ouviu falar nessa terra mais de 100 anos depois, esse gesto só pode ser de alguém que não tem muito apreço pela história da pátria que lhe calhou.
Aliás, aquele partido único, de tão intriguistas e tão divididos e tão enfurecidos uns contra os outros, não mostraram grande apreço pelos próprios heróis partidários, principalmente se como Honório Barreto houvesse alguma raiz berdiana.
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