sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22549: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (125): O nosso Blogue foi contactado por uma sobrinha-bisneta de Cunha Gomes, Régulo da Tabanca de Binhante (Teixeira Pinto) nos anos 70 (Jorge Picado)

Nesta foto, publicada por Jorge Picado em 18 de fevereiro de 2010, identificado pela sua sobrinha-bisneta Luísa, vemos Cunha Gomes, o então Régulo de Binhante, a ser entrevistado, em 25 de junho de 1971. A populção, manjaca, tinha sido alvo de um "ato terrorista" do PAIGC.

Binhante, (...) ficava sensivelmente a meio do percurso de Teixeira Pinto - Pelundo, distando pouco mais do que 5 quilómetros de cada e os elementos do PAIGC, do Churo ou Coboiana, foram lá! Portanto no dia 25 pela manhã, lá tive de acompanhar os camaradas, possivelmente da CCaç 2660, que foram fazer o levantamento da ocorrência e ajuizar dos estragos, para que na medida do possível e, quanto mais depressa, se obtivessem os meios para recompor a situação.  Das minhas breves notas respigo “Colecta e roubo em Binhante – Incendiaram 14 moranças, grandes estragos POP. Ameaças e sevicias, levaram POP como carregadores. 4 Sacos arroz na Gouveia em nome do CAOP. Assinei eu. Binhante 2 vezes”(...)  (*)

Foto (e legenda): © Jorge Picado (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Comentário de uma nossa leitora (guineense, presumimos, ou luso-guineense), que se identificou como Luísa, publicado no dia 15 de Setembro de 2021 no Poste 5838[*], do nosso camarada Jorge Picado, de 18 de Fevereiro de 2010:

Boa noite Sr. Jorge.

Após algumas pesquisas sobre Binhante, a terra natal da minha mãe, deparei-me com este blogue e devo dizer que fiquei surpreendida com a casualidade. O senhor que está a ser entrevistado na foto é o meu tio-bisavô, chama-se Cunha Gomes e era o régulo de Binhante. A informação dada pela minha avó coincide com o que o senhor Jorge narra na descrição da foto. Obrigado por partilhar estas relíquias que me permitem conhecer a identidade da minha família.

Os melhores cumprimentos!
Luísa

2. Referindo-se à foto, dizia Jorge Picado no poste P5838:

Na imagem são bem evidentes os sinais de habitações destruídas pelo fogo. Pode-se ver parte duma casa, representada por uma parede – feita em adobos de lama – e rachada no canto, com sinais de fumo por cima duma abertura – janela ou porta –, sem telhado e os restos de cibes queimados, em segundo plano, que suportavam exteriormente a cobertura, sinais mais do que suficientes de ter sofrido um incêndio recente. 

Além disso há dois militares – um metropolitano sentado com gravador ao lado e um guineense, talvez cabo, segurando o microfone na mão direita – registando o depoimento dum nativo – que pela veste e pés calçados demonstra um certo estatuto, chefe de tabanca (?) – acompanhado de outros naturais, um dos quais – o do chapéu – revela uma cara carrancuda. 

Repare-se na forma tradicional de transporte natural dos bebés por estas mães que, pelas suas vestes, mostram igualmente possuir um certo estatuto social. Seriam as mulheres do que está a ser entrevistado? Quem seria o militar sentado? De alguma das subunidades do CAOP 1? Ou do PIFAS de Bissau? As mesmas interrogações faço sobre o que segura o microfone, mas como poucos são aqueles desse tempo que militam na Tabanca, não creio poder chegar a qualquer conclusão.

Localização da Tabanca de Binhante a norte de Teixeira Pinto. 

© Infogravura Luís Graça & Camaradas da Guiné - Carta de Teixeira Pinto 1:50.000


3. Respondendo ao comentário, escreveu Jorge Picado:

Luísa

Desculpe tratá-la apenas pelo seu único nome, pois é pena não se ter identificado melhor.

Se por ventura voltar a este postado e verificar esta minha resposta, verificará que  ainda por cá permaneço.

Fiquei muito sensibilizado por esta partilha que deixei para memória futura, ter servido para, ao fim de mais de 10 anos, alguém com raízes naquele território, que nos marcou profundamente, ter visto um seu antepassado, identificando-o para que não ficasse no anonimato, como tantos outros.

Repare-se que as minhas notas foram colocadas 39 anos depois dos acontecimentos, quando resolvi finalmente falar pela primeira vez de acontecimentos que tinha "enterrado num buraco mais profundo do meu cérebro" e a minha memória já apresentava muitas falhas. Por isso as minhas lacunas e interrogações.

Obrigado por esta surpresa que me deixa MUITO FELIZ.
Bem haja.
JPicado


********************

4. Comentário do editor CV:

Está provado que o mundo é pequeno e que o nosso Blogue, sendo grande, continua a trazer-nos a cada passo novas surpresas. (**)

Desta vez foi o contacto da nossa leitora Luísa, uma sobrinha-bisneta do régulo de Binhante dos anos 70, que viu no nosso Blogue uma referência a este seu antepassado que provavelmente nem conheceu.

Esperamos que a Luísa volte ao nosso contacto e nos fale dela, das suas raízes guineenses e do que ouviu dizer do seu tio-bisavô Cunha Gomes.

Por outro lado, o nosso camarada Jorge Picado há-de sentir-se mesmo muito feliz por uma das suas memórias trazer até nós, passados mais de 50 anos, alguém ligado, por laços familiares, a uma personalidade por ele referenciado.

____________

Notas do editor

[*] - Vd. poste de18 DE FEVEREIRO DE 2010 > Guiné 63/74 - P5838: Estórias de Jorge Picado (12): A minha passagem pelo CAOP 1 - Teixeira Pinto (VII): Colecta e roubo em Binhante

Último poste da série de 18 DE JUNHO DE 2021 >
Guiné 61/74 - P22295: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (124): O "periquito" Henrique Matos, 1º cmdt do Pel Caç Nat 52, que eu conheci no Enxalé em 1966 (João Crisóstomo, Nova Iorque)

6 comentários:

Anónimo disse...

Hélder Valério Sousa (By email)
quinta, 16/09/2021, 00:33

Luís e Carlos

Espero, muito sinceramente, que as vossas saúdes se aguentem.
Tenho acompanhado as evoluções dos tratamentos do Luís e não me tenho referido a eles porque para apoquentamentos já chegam os tratamentos e falar deles é repetir as chatices.

Entretanto devo dizer que tanto este comentário do Jorge Picado como o comentário que o motivou é mais uma daquelas coisas que, por si só, justificam amplamente o Blogue.
É tudo o que se queira: reposição da memória, local de afetos, blogueterapia e até, neste caso, reencontros.

Muito bom.
Abraços e um até breve.

Hélder Sousa

Anónimo disse...


Luís Graça (by email)
16/09/2021, 09:33


P/ teu conhecimento, Jorge, mandei-te o comentário do Hélder.

Já agora aproveita pra te dizer que almocei no domingo, na Costa NOva, com o nosso Zé António Paradela. Hà um ano e tal que não nos víamos...Está mais animado (...)

Anónimo disse...

Jorge Picado
16/09/2021, 22:23 (há 23 horas)
para mim

Amigo Luís

Estou contente pela tua recuperação, ainda que te faltem alguns tratamentos para finalizar. Custou, mas vai acabar bem.

Eu estou na Costa Nova e teria gostado de te ver, quanto ao Zé António vou sabendo, por intermédio do meu cunhado, a evolução do seu estado de saúde.

Sobre o assunto do poste, naturalmente que a população seria manjacos, ainda que nesta altura do "campeonato", já não possa ter a precisão para o afirmar categoricamente.

Ontem à noite fiquei mesmo "passado"quando li a comunicação do Carlos e fui procurar o comentário. Que pena tenho de a pessoa não se ter identificado melhor...
Grande abraço e as rápidas melhoras.

Jorge

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Jorge, em relação ao que se passou em Binhante, em junho de 1971, é tecnicamente um "ato terrorista"... O PAIGC (e, portanto, a sua direção política) caucionava atos terroristas como estes, e ainda por cima nas barbas da NT... Isso passou-se no chão manjaco, mas no chão fula usava-se a mesma arma, o terror... Sou testemunha de "atos terrorisyas" do PAIGC no meu tempo, não só em relação a tabancas fulas mas também balantas do setor L1, "menos colaborantes" com a guerrilha...

É verdade que nós fazíamos o mesmo, em relação às "populações do mato", isto é, sob controlo do PAIGC, pelo menos no setor L1 que eu conheci: prisioneiros civis, destruição de moranças e meios de vida (arroz, gado, etc.), montagem de armadilhas em alvos civis, etc... Até tarde, até ao início dos anos 70, ou seja, até ao Spínola, não havia uma clara dissociação do binónimo guerrilha-população...

Anónimo disse...

Caros camaradas:

Vou comentar comentando parte do comentário do Luís : " Até tarde, até ao início dos anos 70, ou seja, até ao Spínola, não havia uma clara dissociação do binómio guerrilha-população". Ora aqui está uma frase que bem escalpelizada reafirma a teoria dos que defendem que a guerra da Guiné pode dividir-se em dois períodos distintos: pré e pós Spínola. Eu perfilho desta opinião.

Um abraço

Carvalho de Mampatá

Anónimo disse...

Boa noite!
Passo a apresentar-me, chamo-me Luísa Gomes Cassamá e sou uma jovem portuguesa de origem guineense. Apesar de nunca lá ter estado, os meus pais tentaram sempre transmitir-me todos os aspetos ligados à cultura guineense, mais especificamente Manjaco, etnia da qual faço parte.
Muito agradeço a este blogue, e ao Sr. Jorge que folgo em ouvir, espero que todos se encontrem bem e com saúde.
O incidente do fogo e esta foto são relembrados pela minha avó, ainda que já não possa mais ver. Ela diz que o PAIGC cometia estes atos quando não encontrava jovens que pudessem combater, porque eles fugiam para a mata quando se apercebiam da sua chegada.
Sobre o meu tio bisavô, Cunha Gomes, sei que foi o sucessor do meu bisavô Umpapetcheman Gomes aquando o seu falecimento. Foi-me dito também, que não ficou muito tempo como régulo, acabando por ser assassinado na mata pelos “portugueses”. Foi substituído pelo meu avô, Trebe Gomes até a sua morte em 1993, sendo o último régulo de Binhante.
Gostaria de expressar a minha enorme gratidão por todos aqueles que combateram na guerra do Ultramar. São um orgulho nacional, não deve ter sido nada fácil verem-se numa frente de combate num outro país, combatendo numa guerra que não era vossa, e por pura sobrevivência. Com o passar dos anos, tenho conhecido muitos antigos combatentes, que me contam imensas histórias da Guiné-Bissau e por vezes de Teixeira Pinto (atual Canchungo).
Por favor, não hesitem em contar as vossas histórias, que por aqui lerei sempre.
Os melhores cumprimentos!