Guiné > Região do Oio > Mansoa > Cutia > Destacamento de Cutia > c. 1970 > Foto enviada pelo César Dias, ex-fur mil sapador, CCS / BCAÇ 2885, um batalhão que esteve em Mansoa e Mansabá desde maio de 1969 a março de 1971, e a que pertencia a CCAÇ 2589, de que o Jorge Picado foi um dos comandantes, de 24/2/1970 a 15/2/1971. Estranhamente, Cutia não vem nas cartas nem de Mansoa nem de Farim. Ficava a nordeste de Mansoa, na estrada Mansoa-Mansabá.
Foto (e legenda): © César Dias (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Bogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009... O VB e o Amadu. Foto: LG (2010) |
Depois do descanso, no quartel, em Brá, fizemos uma reunião entre nós, como fazíamos habitualmente. No dia seguinte pegámos nas armas e fomos para a mata de Nhacra. Muitos tiros, depois regressámos a Brá e no dia seguinte, formámos o grupo com doze comandos. Tinha regressado de férias o Furriel Morais [1], agora o 2º comandante do grupo ["Os Fantasmas"].
Depois da mina de Gobige, em que tínhamos sofrido aquelas baixas todas, nós não estávamos muito animados. Mas o alferes [mil 'comando' Maurício] Saraiva não parou. Com 12 homens e um guia, de nome Mamasaliu Djaló, natural do Oio, preparámo-nos para sair.
De Brá arrancámos em viaturas com destino a Mansoa.
O batalhão [2] de Mansoa tinha preparado uma coluna que nos transportou até Cutia, de onde partimos a pé, Oio dentro, até Tambato.
Quando aqui chegámos, por volta do meio-dia [3] [, quarta-feira, 9 de Dezembro de 1964] , emboscámo-nos na tabanca abandonada, junto ao cruzamento do carreiro que vem de Talicó e de outro que vem de Santambato. Mantivemo-nos ali até ao pôr-do-sol, levantámos a emboscada e prosseguimos para Santambato, sempre no máximo silêncio. Chegados aqui, emboscámo-nos de novo, junto ao caminho que vem de Iaron, com o acampamento de Talicó à nossa direita e o de Sinre à nossa esquerda.
A missão devia durar três noites, progredindo em emboscadas sucessivas. A primeira em Santambato, perto de Cutia, a segunda em Iaron, e a terceira e última à entrada de Bissorã.
Durante a primeira noite não aconteceu nada. De manhã [, quinta-feira, 9 de Dezembro de 1964], o alferes mandou levantar a emboscada. No caminho vimos umas bananeiras, mesmo junto à tabanca abandonada e espalhámo-nos por ali. Como o caminho passava mesmo encostado às bananeiras, passados para aí cinco minutos, ouvimos vozes de uma mulher a aproximar-se. Vinha acompanhada por um homem. A mulher trazia roupa lavada e o homem uma sangra [4] com galinhas.
O alferes disse-nos para ninguém disparar, que eram civis. Assim que chegaram junto de nós, o alferes disparou uma rajada curta para o ar, a mulher deixou cair a roupa e o homem largou a sangra com as galinhas. Eu disse que era melhor sairmos dali, o alferes queria avançar mas concordou comigo.
Regressámos para o local onde nos tínhamos emboscado durante a noite. Dispersou-nos dois a dois e eu, ele e o guia ficámos juntos. Neste local onde estávamos fazia muito frio. Pousei a minha arma no chão, para puxar para baixo as mangas da camisola e o alferes fez o mesmo. Quando me estava a arranjar, vi um homem com uma Mauser, muito perto de nós, a olhar para longe. Ninguém pensaria que, junto a estes pequenos arbustos estivesse alguém, mesmo ali à beira dele. Ele olhava para uma mata mais densa, junto ao rio.
Quando o vi, não deu tempo para falar. Peguei na arma, que era a do alferes, que estava em cima da minha, apontei, o alferes pegou na minha e também apontou. A três metros, à direita do homem estavam companheiros nossos deitados. Um deles, que estava tão perto que nem podia respirar, disparou um tiro. O homem nem mexeu um dedo. Saí do esconderijo e corri para lhe tirar a arma. Largámos a correr, até ao rio.
O alferes queria atravessá-lo através de uma árvore que servia de ponte, e eu achava que não se devia atravessar porque o PAIGC devia lá estar, era uma passagem quase obrigatória. Que era melhor seguirmos pela margem, ao longo do rio. Descemos todos para a água e passámos até à outra margem, com a água muito fria até à cintura. Depois de a atingirmos, encontrámos o caminho para Tambato e ouvimos tiros vindos do lado da ponte. Estavam ali à nossa espera, como eu pensara.
Agora daqui para Cutia, só com apoio aéreo, disse o alferes. Estabeleceu contacto rádio e a resposta foi que só podíamos ter apoio dos aviões à tarde, porque os T-6 estavam todos no sul. Na conversa com a Dornier, foi-nos perguntado se nós tínhamos alguns dos nossos para trás, porque do ar viam fumo de troca de tiros.
Nós não estávamos dispostos a ficar até à tarde, neste local. Pouco tempo depois, ouvi um berro de uma perdiz a levantar voo. O alferes perguntou o que era e eu respondi que podia ser alguém que andava por ali. Quando uma choca levanta voo a berrar é porque alguém está a passar perto.
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Notas do autor e/ou do editor literário (VB):
[1] Furriel Mil. Joaquim Carlos Ferreira Morais.
[2] Nota do editor: Batalhão de Artilharia 645
[3] Nota do editor: 9 de Dezembro de 1964
[4] Cesto com galinhas
[Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos / Parênteses retos com notas / Subtítulos: LG]
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3 comentários:
Meter-se na "toca do lobo", nas matas do Oio, seria já temerário em finais de 1964, não ?!... Para mais com um grupo de comandos, desfalcado, reduzido a metade... Mas o Maurício Saraiva não era um combatente qualquer... O Parreira e o Briote, que o conheceram, podem melhor falar dele... LG
Olá Camaradas
Este abrigo faz-me lembrar o "Castelo" que existia à entrada da tabanca de Mansabá.
A semelhança parece-me grande. Da CArt 3567 que é que se lembra desta abrigo e das suas diferenças.
Um Ab.
António J. P. Costa
Olá camaradas
Esta minha intervenção não é propriamente para fazer prova de vida , mas também serve. Quanto à localização nas cartas, do "resorte de CUTIA", tem de ser feito no mapa de MANBONCO. 12º 10´N. Apesar de lá estar assinalado Cutia, se o traçado da estrada neste mapa correspondia ao daquele tempo em que por lá andámos, a Nova Cutia seria no ponto trignométrico (?) MARU.
Aproveito para desejar a TODOS OS MEUS VOTOS DE UM BOM NATAL E UM MUITO FELIZ NOVO ANO, COM MUITA SAÚDE E FORÇA PARA CONTINUAREM A MANTER ESTA CHAMA VIVA DA NOSSA TABANCA GRANDE. EVIDENTEMENTE QUE ESTES MEUS DESJOS SÃO EXTENSIVOS A TODOS OS FAMILIARES.
Grande Abraço
Jorge Picado
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