sábado, 4 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24821: As nossas geografias emocionais (15): o reordenamento de Nhabijões (ou Nha Bidjon), 300 casas de zinco que terão custado mais de 2700 contos (c. 700 mil euros a preços de hoje), fora a mão-de-obra, civil e militar, e ainda os custos indiretos e ocultos


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca / CAOP 2) > Nhabijões (ou Nha Bidjon) > c. 1973 > Vista aérea do reordenamento de Nhabijões: o maior ou um dos maiores do CTIG, com 300 casas de zinco...(Fonte:  CECA, 2015, pág. 276)


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca / CAOP 2) > Nhabijões (ou Nha Bidjon) > 197 2> Vista aérea do reordenamento de Nhabijões (Fonte:   "Diário de Lisboa",   31 de Agosto de 1972, com a devida vénia)


1. Ao tempo do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) /CAOP 2), o redordenamento de Nhabijões tinha, a defendè-lo, um pelotão (da CCS) mais um 1 Esq do Pel Mort 2268, com morteiro 81. 

Continuou, no tempo do batalhão, que veio a seguir, o  BART 3873 (1972/74), com 1 pelotão (da CCS) mais 1 Esq do Pel Mort 2268... E por fim, no final da guerra,  com o BCAÇ 4616/73 (1974),  havia só 1 pelotão (da CCS).

Ainda lá estive, uma semana ou duas, a comandar um pelotão de "básicos" da CCS... Uma noite apareceu alguém, no destacamento, a gritar, histérico, "Turras no Nha Bidjon"... Veio,  em meu socorro, o piquete de serviço, de Bambadinca, comandado pelo Beja Santos (que estava em fim de comissão, e era uma força da natureza).

No final, não fora nada: os gajos do PAIGC entravam e saíam a seu bel prazer em Nhabijões, iam visitar os parentes, beber vinho de palmeira ou aguardente de cana, dormir com as bajudas, recolher as compras feitas em Bambadinca na loja do "tuga" Zé Maria (a quem chamávamos "turra"), estudar as rotinas da tropa  e, quando muito bem lhes apeteceu, puseram duas minas A/C, à saída do reordenamento, accionadas por duas viaturas nossas no dia 13 de janeir0 de 1971...

Nhabijóes tem 55 referências no nosso blogue. É um dos topónimos míticos da guerra no leste. O reordenamento foi um dos maiores sucessos da política spinolista "Por Uma Guiné Melhor"... 

Mas também pagámos (a CCAÇ 12 e a CCS/BART 2917) um alto preço por este êxito: recordemos as duas minas A/C accionadas no dia 13 de janeiro de 1971, vitimando mortamente o sold cond auto da CCAÇ 12, Manuel da Costa Soares, e ferindo, com gravidade,  o alf mil sapador Luís Moreira (da CCS/BART 2917), os fur mil Joaquim Fernandes e António F. Marques (este, esteve dois anos no hospital), os sold Ussumane Baldé,  Tenen Baldé, Sherifo Baldé, Sajuma Baldé (todos da CCAÇ 12, 4º Gr Comb) e ainda um soldado da CCS / BART 2917 (cujo nome não me ocorre agora). 

No meu caso, foi o meu dia de sorte, ia na GMC, no lugar do morto, que accionou a segunda mina, a explosão deu-se n0 rodado duplo, traseiro, do meu lado...  Já aqui escrevi, "ad nauseam": 

(...) "Eu também nunca mais esquecerei aquela data e aquele nome. Nunca mais esquecerei a correria louca que fiz com um Unimog 404, carregado de feridos, pela estrada fora, de Nhabijões até Bambadinca, até ao nosso aeródromo onde nos esperava o helicóptero para uma série de evacuações ipsilon. 

"Ainda hoje não sei explicar por que razão fui eu, além do condutor, o único do meu Gr Comb (a duas das secções) que fiquei praticamente incólume mas inoperacional: umas contusões na cabeça (por projecção contra a parte inferior do tejadilho da GMC); a G-3 danificada; tonto e cego de tanta poeira; etc." (...) 


2. Da história da CCAÇ 12, reproduzo estes excertos:

(...) "A partir deste mês, novembro de 1969, 1 Gr Comb da CCAÇ 12 passaria a patrulhar quase diariamente as tabancas de Nhabijões cujo projecto de reordenamento estava então em estudo, a cargo da CCS/BCAÇ 2852.

"Nhabijões era considerado um centro de reabastecimento do IN ou pelo menos da população sob seu controle. As afinidades de etnia e parentesco, além da dispersão das tabancas, situadas junto à bolanha que confina com a margem sul do Rio Geba, tornava-se impraticável o controle populacional. 

"Impunha-se, pois, reagrupar e reordenar os 5 núcleos populacionais, dos quais 4 balantas (Cau, Bulobate, Dedinca e Imbumbe) e 1 mandinga, e ao mesmo tempo criar "polos de atracção" com vista a quebrar a muralha de hostilidade passiva para com as NT, por parte da população que colabora com o IN." (...)

A CCAÇ 12 participaria directamente neste projecto de recuperação psicológica e promoção social e económica da população dos Nhabijões, fornecendo uma equipa de reordenamentos e autodefesa, constituída pelos seguintes elementos (que f
oram tirar o respectivo estágio a Bissau, de 6 a 12 de Outubro de 1969):
  • alf mil at inf António Manuel Carlão (1947-2018) (originalmente o cmdt do 2º Gr Comb, que passou a ser comandado por um fur mil);
  • fur mil at inf  Joaquim Augusto Matos Fernandes (comdt da 1ª secção 4º Gr Comb):
  • 1º cabo at inf Virgilio S. A. Encarnação (cmd da 3ª secção do 4º Gr Comb);
  • e sold arv at inf Alfa Baldé (Ap LGFog 3,7, do 2º Gr Comb)
e ainda 2 carpinteiros (na vida civil):
  • 1º cabo at inf Sousa (?)
  • e 1º cabo aux enf Carlos Alberto Rentes dos Santos.
A CCAÇ 12, além de ficar desfalcado de seis importantes elementos operacionais (e dois grupos de comnbate desfalcados),  participou ainda indirectamente neste projeto.  criando as condições de segurança aos trabalhos.

Numa primeira fase estava previsto levar a efeito:
  • a desmatação do terreno;
  • a fabricação de blocos de adobe;
  • a construção de 300 casas de habitação com portas, janelas e cobertura de zinco;
  • a construção de equipamentos sociais  (1 escola, 1 mesquita, fontes, acessos, etc.).
(...) "Durante este período a CCAÇ 12 realizaria várias acções, montando nomeadamente linhas descontínuas de emboscadas entre os núcleos populacionais de Nhabijões, além de constantes patrulhas de reconhecimento e/ou contacto pop.

"A partir de Janeiro/70 seria destacado um pelotão da CCS/BCAÇ 2852 a fim organizar a autodefesa de Nhabijões. Admitia-se a possibilidade do IN tentar sabotar o projecto de reordenamento, lançando acções de represália e intimidação contra a população devido à colaboração prestada às NT.

"A partir de abril de 1970, o reordenamento em curso passaria a ser guarnecido por 1 Gr Comb da CCAÇ 12. Na construção de novo destacamento estiveram empenhados o Pel Caç Nat 52 e a CCAÇ 12, a 3 Gr Comb, durante vários dias.

"A segunda fase do reordenamento (colocação de portas e janelas e cobertura de zinco em todas as casas, abertura de furos para obtenção de água, etc.) começaria quando o BART 2917 passou a assumir a responsabilidade do Sector L1 (em 8 de junho de 1970).

"A partir de Julho, a CCAÇ 12 deixaria de guarnecer o destacamento de Nhabijões, tendo-se constituído um pelotão permanente da CCS/BART 2917 enquadrado por graduados da CCAÇ 12." (...)


3. Uma estimativa grosseira do cust0 deste reordenamento aponta para 2700 contos, em 1972 (300 casas de zinco x 9 mil escudos).

Este valor, em 1972, equivaleria, a preços de hoje, a €703.942. Não se incluem os custos de mão de obra, gratuita (civil e militar) nem outros custos indiretos e ocultos (planeamento, formação, ferramentas, segurança,  etc.)... Falta ainda contabilizar a escola, a mesquita, as fontes e outros equipamentos sociais como o posto sanitário, os caminhos, etc.  (**)

O jornalista do "Diário de Lisboa", Avelino Rodrigues (que vim a conhecer pessoalmente há uns anos), convidado especial de Spínola, para ver as "obras" do seu consulado, escreveu (**):

(...) "As aldeias de zinco, ordenadas e reluzentes, surgem por todo o lado, com a colaboração dos nativos que ambicionam casa melhor, à prova de incêndio e mais parecida com a casa dos brancos, embora menos defendida do calor do sol.

"Dantes só os régulos conseguiam ter casas de zinco. Mas agora 70 reordenamentos foram executados desde 1969, e muitos outros estão em construção, Nove contos cada, não contando a mão-de-obra gratuita. 

"Só na época seca de 1972, de janeiro a junho, foram construídas pelo exército 1642 casas de zinco e 689 casas de c0lmo, além de 42 escolas e 5 postos sanitários. Há reordenamentos de 200 ou 300 casas. 

"Os primeiros eram aldeias estratégicas onde se juntava a populção dispersa de várias tabancas, perto dos quartéis que asseguravam a defesa, e evitavam as infiltrações do PAIGC.  Neste momento   - garantiram-me em Bissau - os reordenamentos são instalados onde houver terreno arável, e, de preferència, nos locais indicados pela população.

"Segundo a doutrina do general Spínola, o reordenamento é um dos dois 'grandes marcos' da política de desenvolvimemto da Guiné" (...)

(...) "Infelizmente ainda tenho que dar tiros,  - explicou-me o outro dia o general - mas a guerra não se ganha aos tiros". (...) (***)
____________

Notas d0 editor:

(**) Vd. poste de 10 de maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23252: 18º aniversário do nosso blogue (14): até meados de 1971, o Serviço de Reordenamentos do BENG 447, com o apoio das unidades militares e as populações locais, construiram 8 mil casas cobertas a colmo e 3880 cobertas a zinco

8 comentários:

Valdemar Silva disse...

Seria interessante saber como é que está agora a vida neste reordenamento de Nhabijões, se cativou a população ou aconteceu como p.ex. em Bafatá que as casas do tempo colonial foram abandonadas à ruína.
Talvez os nossos amigos Cherno Baldé e o Patrício saibam nos informar.

Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Valdemar, vê o vídeo feito pelo Paulo Cacela, ainda há pouco tempo, e de que já aqui falámos...

Talvez indiretamente encontres algumas respostas para a tua pergunta.. A mim pareceu-me que o "reordenmamento" foi "reordenado" pela população...Vê lá mais para o meio do vídeo (que tem 56 minutos de duração)...

https://www.youtube.com/watch?v=2F0drcu70vk&t=252s

Tabanca Grande Luís Graça disse...

No meu tempo (1969/71) a população de Nhabijões, maioritariamente balanta (havia um núcleo mandinga), era estimada em 1200. Hoje deverão ser 3 ou 4 vezes mais ... E depois há os parentes que regressaram do mato. E os vizinhos ao lado, Samba Silate, fugiram todos para o "mato" na sequência da repressão que se abateu contra eles. (Nessa ocasião foi preso o Padre Grillo, italiano, do PIME .)

Valdemar Silva disse...

Luís, já vi o vídeo.
Ah!, estradas do nosso tempo, e com aquele tempo das chuvas não nos lembramos da paisagem.

Pois, lá está a "grande tabanca" obra feita em tempo de guerra, mesmo com telhado de zinco está habitada.
Não fora o ataque a Canquelifá, o meu Pelotão seria destacado para a segurança a construção de uma tabanca/reordenamento.

Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Os de Samba Silate ainda eram mais e tinham a melhor e maior bolanha de todo o sector L1. Ficou abandonada anos e anos...

Começaram a regressar ainda em 1973, a partir do Enxalé, apresentando-se à NT, sendo então alvo de represálias por parte do PAIGC que chegou a flagelar a sua tabanca, a pouco e pouco reconstruida.

Estas e outras, o PAIGC não conta na sua gloiriosa "história da libertação" da Guiné ... A nós compete-nos dizer a verdade, doa a quem doer...

Cherno Baldé disse...

Caro Valdemar,

Nhabijões sobreviveu a guerra, aliás não podia ser de outra maneira, tendo em conta o investimento feito para a melhoria das condições de habitação de forma gratuita.

A realização de obras de construção deste tipo, com o emprego da mão de obra local, ajudou muito na especialização de certos grupos, nomeadamente balantas, nos trabalhos de construção de casas em todo o país.

Nunca estive em Nhabijões, mas sei que, actualmente é uma localidade muito valorizada na zona com a participação da igreja católica que ai criou centros de formação profissionalizantes em diferentes áreas e que atraiem jovens de toda a região leste e mesmo por além.

Cordialmente,

Cherno Baldé

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Obrigado, Cherno. Fiquei muito feliz por aquelas magníficas bolanhas (a de Nha Bidjon e provavlemente a outra a seguir, a de Samba Silate, esta abandonada no meu tempo) a serem trabalhadas por gente jovem e possante... O trabalho na bolanha é duríssimo e tem que ser comunal ou comunit+ario... Ali é que está a segurança alimentar da Guiné...O caju pode ser, a médio, longo prazo, uma perigosa armadilha. Tal como o era a cultura da mancarra imposta pelo colonialismo... Caju e mancarra náo enchem barriga... E arroz tem de ser importado ? Qual é hoje o preço do arroz, que compras em Bissau ?...

Saúde para ti e os teus. Luís

Cherno Baldé disse...

Caro Luis Graça,

Hoje a agricultura nao é o que era antes e mesmo durante a guerra colonial (1963-1974), a juventude, de todas as etnias, so pensa em vir para as cidades ou emigrar para a Europa. Enquanto isso, as bolanhas estao abandonadas e sem aproveitamento como resultado do Caju dependencia.

O arroz, em grande parte importado, desequilibra a ja débil economia do pais e o saco de arroz mais barato (Nhelen ou partido) custa XOF 17 000 (26.68 Euros), enquanto o de melhor qualidade começa nos XOF 22 500 (34.30 Euros) ou seja o mesmo preço do arroz local, um paradoxo dificil de explicar para um pais tao fértil e com tanta terra aravel disponivel.

Forte abraço,

Cherno Baldé