sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25038: Notas de leitura (1655): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (6) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Dezembro de 2023:

Queridos amigos,
Os autores observam a evolução da situação político-militar entre 1966 e 1967, do lado português renascera a motivação com a chegada do helicanhão e do Alouette III, para suporte das operações de superfície, do lado do PAIGC remodelaram a estratégia introduzindo sistemas antiaéreos, nomeadamente na península do Quitafine; a propaganda do PAIGC brandia nos areópagos internacionais de ter autoridade em metade do território, um hábil mantra propagandístico, de muito difícil contestação, quer forças especiais quer as forças em quadrícula quando atingiam um objetivo podiam destruir os meios existentes mas tinham rapidamente que retirar, a guerrilha montava dispositivos que iam de emboscadas ao uso de morteiros. Para o Comando-Chefe e para a Força Aérea havia problemas delicados como os que foram postos pela Operação Estoque, bombardear horas a fio os tais lugares que dispunham de sistemas de defesa antiaérea punham problemas humanitários, o bombardeamento podia-se saldar numa autêntica carnificina da população civil, daí terem-se lançado panfletos a pedir a esta população que se deslocasse do local. Evidentemente que o fator surpresa ficou comprometido.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (6)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.

Capítulo 2: Eles não conseguiram parar a nossa luta


Recapitulando a evolução dos acontecimentos de 1966 para 1967, observam os autores que do lado português se ganhara confiança com a chegada do Alouette III, do Fiat e da possibilidade de utilizar na atividade operacional o helicanhão. Do lado do PAIGC, e após o tremendo susto provocado pela entrada em cena do helicanhão, Amílcar Cabral readaptou a estratégia do PAIGC, a guerra expandiu-se, apareceu na propaganda do PAIGC um conjunto de territórios tratados como zonas libertadas, onde o partido nacionalista alegadamente dominava e governava através de políticas rudimentares abarcando a economia, a saúde, a educação, apareceram mesmo os chamados armazéns do povo. Já em 1966, o PAIGC reivindicava a libertação de mais de metade do território, uma estatística veementemente contestada pelas autoridades portuguesas, mas de difícil refutação, as próprias forças portuguesas sabiam perfeitamente que mesmo quando desalojavam ou destruíam instalações precárias dos guerrilheiros, milícias e populações, mal abandonavam os locais esses mesmo guerrilheiros, milícias e populações regressavam, alterando o seu posicionamento, procurando assim também enganar os meios aéreos e não serem atingidos por bombardeamentos.

Seja como for, estas zonas ditas libertadas representavam uma componente essencial do PAIGC na sua estratégia mais ampla, divulgada como o progresso militar e a capacidade administrativa política que legitimava o movimento de libertação. Amílcar Cabral afirmava: “Nas nossas regiões libertadas temos agora os ingredientes de um Estado. O nosso povo tem uma personalidade política e vida económica e cultural, é o povo que governa o povo.” A natureza desta mensagem dava confiança a quem estava sob a égide do PAIGC, começaram a surgir filmes e reportagens que se publicavam e mostravam em diferentes países, e toda esta dinâmica encorajava o apoio de benfeitores estrangeiros, foi a alavanca para o sucesso do PAIGC a longo prazo.

A única forma de Portugal refutar ou procurar contrariar a propaganda do PAIGC quanto a reivindicações de domínio territorial tinha de se exprimir através da ocupação militar, criando destacamentos de diferentes dimensões e intervindo militarmente, na tentativa de desmantelar as posições do PAIGC. Em 1966, as forças portuguesas tinham adotado uma estratégia predominantemente “posicional”, fortificando as guarnições não só nas principais povoações como criando ou reforçando destacamentos e povoações em autodefesa, procurando intimidar a guerrilha por meio de emboscadas ou minas, ou contrariando emboscadas e minas por parte do PAIGC. Como explicou o Chefe de Estado-Maior do Exército, General Câmara Pina, durante uma visita em Abril à Guiné: “Para nós, é fundamental neste momento garantir a segurança das populações; é por isso que empregamos as nossas forças em missões mais estáticas, independentemente da utilização operacional das forças especiais.”

Um jornalista britânico que visitou na época a Guiné teve uma leitura menos positiva da situação, escrevendo que as forças terrestres portuguesas estavam acantonadas e sitiadas em 60 vilas, povoações e quartéis fortificados, só a reagir às ações do PAIGC, deixando à Força Aérea a iniciativa para projetar rapidamente a presença portuguesa em áreas dominadas pelos rebeldes.

Surgiu, entretanto, uma capacidade antiaérea do PAIGC, particularmente nas chamadas zonas libertadas do Sul. Cabral e outros líderes partidários tinham prometido defender e alargar estas áreas libertadas a todo o custo, e uma vez que os portugueses optaram por atacá-los principalmente pelo ar, os guerrilheiros do PAIGC teriam de lhes resistir. E, para esse efeito, concentraram os seus meios e atividade de defesa antiaérea em certos pontos do Sul, onde o PAIGC estava mais entrincheirado. De 1963 a 1965, quase dois terços de todos os incidentes antiaéreos relatados ocorreram no Setor Sul. Houve uma ofensiva aérea de três dias para neutralizar posições antiaéreas na região do Cantanhez (Operação Resgate, de 17 a 20 de dezembro de 1965), esta operação foi a primeira centrada em procurar neutralizar as defesas antiaéreas do PAIGC, o sucesso foi relativo, não foi destruído o poder dos guerrilheiros. Ao longo da primeira metade de 1966, os insurgentes continuaram a expandir e consolidar a sua presença nas penínsulas do Cantanhez e do Quitafine. O Quitafine teve grande importância para a guerrilha, assegurava transporte costeiro e fluvial, área influente para corredores de ligação à República da Guiné, por isso estava no topo das prioridades para a defesa antiaérea do PAIGC.

O Coronel Abecasis observou que os militantes de Cabral começavam a desafiar a FAP com arrogante ousadia, a Operação Resgate provocara danos a várias aeronaves portuguesas que sobrevoavam a região. As posições antiaéreas do PAIGC também ameaçavam as operações aéreas portuguesas de apoio às guarnições de Cacine e Cacoca. No total, os disparos antiaéreos relatados pela FAP aumentaram de 103, durante 1965, para 110, em 1966, e novamente dois terços ocorreram na zona Sul da Guiné. Ao mesmo tempo que acelerava o ritmo da atividade antiaérea, o PAIGC melhorava o seu arsenal. Inicialmente, havia guerrilheiros com armas ligeiras, em meados de 1964 os insurgentes estavam equipados com metralhadoras antiaéreas (AAMGs) de 7,6 mm e 12,7 mm, depois o Bloco Comunista nos anos seguintes fez a entrega de canhões antiaéreos de 14,5 mm da série ZPU, de design soviético: o ZPU-1, de cano único, e o ZPU-2, de cano duplo, e o ZPU-4, de quatro canos, o que veio ampliar significativamente o alcance da defesa aérea do PAIGC.

Este sistema da defesa antiaérea funcionava sobre rodados, limitava-se em grande parte para operações bem-definidas, usavam-se estradas ou trilhos no Sul. A ameaça antiaérea aumentou em termos de alcance e sofisticação com um aumento correspondente de risco para as aeronaves da FAP (ver o quadro n.º 4 e o gráfico dos incidentes relatados).

A Zona Aérea lançou uma série de operações para mitigar a ameaça no Sul da Guiné, começando com a Operação Estoque, em agosto de 1966, destinada a destruir ou desmantelar a organização do PAIGC na península do Quitafine. A operação foi concebida como um ataque de 12 horas em duas fases. Na primeira fase, que durou das 19 até à meia-noite de 9 de agosto, C-47 modificados com bombardeiros noturnos tentaram neutralizar as posições antiaéreas do PAIGC, a iniciativa era considerada essencial para uma segunda etapa, como a que consistiu principalmente numa operação de reconhecimento na superfície e missões de intermissão nos corredores de abastecimento e infiltração a partir da República da Guiné. Participaram também na operação da Força Aérea, além dos C-47 e dos T-6, os recém-chegados Fiat. O Quitafine era uma área que albergava significativa população civil e tanto Schulz como Abecasis reconheceram que bombardeamentos indiscriminados podiam resultar em inaceitáveis carnificinas, dando aos sobreviventes uma razão convincente para apoiar a guerrilha. Estoque foi precedida, tal como ocorrera em 1964 na Operação Tridente, do lançamento de folhetos no dia 7 de agosto, aconselhando os não combatentes a desocupar aquela área. Como observou mais tarde Abecasis, o principio da surpresa foi sacrificado por razões humanitárias.

Distribuição e atividade das forças do PAIGC entre maio de 1966 e fevereiro de 1967 (Matthew M. Hurley)
Atividade militar do PAIGC/FAP entre 1963 e 1966 (ataques de morteiro e bazuca, emboscadas, minas e ações defensivas), segundo Matthew M. Hurley
Os sinistrados portugueses em 1966 (mortos e feridos) totalizaram 1266, incluindo ações em combate e acidentes (Coleção José Matos)
Uma escola do PAIGC em zonas libertadas na região norte (Coleção Roel Coutinho)
Tabela com o sistema antiaéreo do PAIGC entre 1963 e 1970
Família na zona libertada de Cubucaré a segurar vestígios de uma bomba de napalm lançadas pela Força Aérea Portuguesa (Coleção Mikko Pyhälä)
Fogo antiaéreo do PAIGC referindo incidentes entre 1963 e 1967 (Matthew M. Hurley)

(continua)
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Notas do editor:

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Último post da série de 1 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25027: Notas de leitura (1654): Notas do diário de um franciscano no pós-Independência da Guiné-Bissau (2) (Mário Beja Santos)

7 comentários:

antonio graça de abreu disse...

Continuar a vender a banha da cobra. Há quem goste.
Para este período, recomendo o testemunho honesto, fundamentado e conhecedor do piloto José Nico, a Batalha do Quitafine.

Abraço,

António Graça de Abreu

Valdemar Silva disse...

(1966-1972)

Em 1973 já centenas de tabancas e alguns destacamentos tinham sido abandonados. A população e tropa "recolheram-se" nas grandes localidades, até houve abandono completo de Guileje com a tropa e a população em marcha pela mato com os seus haveres.

Valdemar Queiroz

Joaquim Luis Fernandes disse...

Muito reles esta publicação!
O que pretenderam e pretendem os seus autores? Fazer historiografia sobre a guerra colonial na Guiné? Não o creio! Pelo que se lê, não passam de correias de transmissão da propaganda do PAIGC, repassada de mentiras, enquanto a guerra durou e se prolongou ao longo de décadas, com tão maus resultados para a vida do sofredor povo guineense.


Com que então, em 1966, a tropa portuguesa estava acantonada nos redutos dos seus quartéis e daí não saia para dar luta ao guerrilheiros do PAIGC,que eram senhores de mais de metade do território, considerado zonas libertadas, que o PAIGC governava, abarcando a economia, a saúde, a educação, onde não faltavam os armazéns do povo!
Só faltou dizer que apenas as FAP davam combate ao PAIGC, mas sem qualquer sucesso, e que o Exército e Marinha nada faziam. Tolices.

Razão tinha Dom Settímio Ferrazzetta, quando assistindo à desgraça em que tinha caído o povo guineense, proclamava:"A Verdade vos Libertará"

Mas pelos vistos, parece continuar muita gente agarrado à mentira e a fazer dela o seu modo de vida.

Haja esperança num futuro melhor.

Abraços
JLFernandes

Valdemar Silva disse...

Isto é propaganda do PAIGC;
"Nas nossas regiões libertadas temos agora os ingredientes de um Estado. O nosso povo tem uma personalidade política e vida económica e cultural, é o povo que governa o povo, Amílcar Cabral"

A realidade e a nossa posição oficial:
" Como explicou o Chefe de Estado-Maior do Exército, General Câmara Pina, durante uma visita em Abril à Guiné: “Para nós, é fundamental neste momento garantir a segurança das populações; é por isso que empregamos as nossas forças em missões mais estáticas, independentemente da utilização operacional das forças especiais.” "

E outro facto é o mapa da zona leste de Buruntuma, Galomaro, Saltinho com estrada e a fronteira da Guiné-Conacry como referência, em 1971/72 só existirem Cabuca e Canjadude com força militar e população, quando dois/três anos antes do abandono de Madina, Cheche e Beli havia centenas de tabancas com população, algumas apenas com milícia em auto defesa.

Valdemar Queiroz

Joaquim Luis Fernandes disse...

Camarada Valdemar Silva, a que mapa te referes no último parágrafo? Ao que está no post, peça de propaganda do PAIGC?
Nos levantamentos topográficos da década de 50, não existem nessa região do Leste, essas centenas de tabancas a que te referes. Podes esclarecer?

Para melhor informação e compreensão da atividade operacional no terreno, na região de Oio, em 1966, (uma região do interior com forte atividade e implantação da guerrilha, com epicentro em Morés) recomendo a leitura do livro, Tatuagens da Guerra da Guiné, do capitão Luís Riquito, que comandou a CCAÇ816, sediada em Olossato.

Votos de boa saúde
Abraço
JLFerandes

Valdemar Silva disse...

Caro Joaquim Luís Fernandes, refiro-me à área do triângulo formado pela estrada Buruntuma, Nova Lamego, Bafatá, Bambadinca e Xitole, Saltinho e linha de fronteira da Guiné-Conacri.
Embora conhecesse (1969-70) grande parte dessa região até ao rio Corubal, Madina, Cheche e Beli já tinham sido abonadas, apenas encontrei Cabuca e Canjadude.
Evidentemente que não contei as tabancas que aparecem no mapa do post P19510 dentro dessa área, que eu delimitei no triangulo com a face esq. a estrada Buruntuma-Bambadinca, a base Saltinho e Xitole e a face dit. a fronteira da Guiné-Conacri.
Não contei todas as tabancas registadas, mas parece se são mais de cem.

Bom ano de 2024 com saúde como deve ser.
Valdemar Queiroz*

*o ser Valdemar Silva e Valdemar Queiroz é pelo facto do registo ser com o último nome Silva, mas por haver manga de Silvas eu na tropa fiquei conhecido por Queiroz.

Jose Matos disse...

Caros amigos
Gostava apenas de fazer um esclarecimento dado que nenhum dos comentadores leu o livro. Este 2º volume, tal como o primeiro é um trabalho histórico baseado em documentação histórica da época. Não é um livro de opiniões, nem de vivências pessoais na Guiné. É de facto um livro histórico e o mais completo feito até hoje sobre a guerra na Guiné do ponto de vista aéreo. O livro vende-se no wook, portanto, podem comprar e avaliar.

Att

Jose