É nesta altura que se começa a afirmar o fotojornalismo, de que o Joshua Benoliel foi um dos pioneiros e, reconhecidamente, o maior do seu tempo.
Temos aqui publicado algumas das fotos dos primeiros meses do embarque das tropas do CEP (Corpo Expedicionário Português), a caminho de França, transportadas por vapores britânicos... Já havia submarinos e a viagem (até Brest, no noroeste da França) não era isenta de riscos...
Treinados em tempo recorde, em Tancos (entre abril e julho de 1916, sob o comando político do então Ministro da Guerra, general Norton de Matos, e a direção operacional do general Fernando Tamagnini de Abreu), os nossos camaradas iam mal equipados para a guerra de trincheiras... E logo em abril de 1917 começaram a morrer os primeiros..."meninos da sua mãe" (como dirá o Fernando Pessoa). (É um dos poemas mais pungentes da nossa literatura: fala-nos não só da guerra e da irremediável solidão da morte mas também, metaforicamente, da perda da infância, do colo materno, da inocência)
Fernando PessoaO MENINO DA SUA MÃE
No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas traspassado
— Duas, de lado a lado —,
Jaz morto, e arrefece.
Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.
Tão jovem! que jovem era!
(Agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
«O menino da sua mãe».
Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lha a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.
De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço... Deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.
Lá longe, em casa, há a prece:
«Que volte cedo, e bem!»
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto, e apodrece,
O menino da sua mãe.
Poesias. Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995). - 217.
1ª publ. in Contemporânea , 3ª série, nº 1. Lisboa: 1926.
Fonte: Arquivo Pessoa (com a devia vébia,,,)
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Nota do editor:
Úttimo poste da série > 7 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25043: Capas da Ilustração Portuguesa - Parte VIII: mais um flagrante do fotógrafo Joshua Benoliel, no embarque do CEP para França: a cena tocante de um camarada que escreve, em cima do joelho, um bilhete-postal de despedida, para a família de um outro camarada
4 comentários:
Bom dia, 100.000 comentários é obra, como diz o editor, mas o que realmente é obra é o Blog e o trabalho e dedicação dos editores.No Blog lembra-se , ou melhor, também se faz História. Continuem com força.
Grande abraço.
Olá Camaradas
Alguém se lembra de ouvir declamar este poema durante a guerra? Dá-me a impressão que se perdeu entre guerras...
Já havia uma canção do Luís Cília, de 1969... Mas o Luís Cília não chegava à Guiné, pelo menos no meu tempo... Nem o Fernando Pessoa era ainda tão conhecido e divulgado como é hoje...
https://www.youtube.com/watch?v=QYmWJRCtxz8
Não sei se o poema era ~foi objeto de censura durante a guerra colonial, mas temos de reconhecer que era "dissolvente", como diria a PIDE/DGS, e fazia mala à moral da tropa...
O genial João Villaret (1913-1961) declamou-o na RTP (a preto e bramco)... Arrepiante...
https://www.youtube.com/watch?v=TozV4x5QbVM
---mas foi antes de 1891... O ator e declamador morreu justamente na véspera da guerra colonial, em 21 de janeiro de 1961
https://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_Villaret
Tó Zé, não se perdeu, o "Menino da Sua Mãe", e a prova é que haverá sempre gente a gostar de poesia, a escreve-la, a declama-la, a divulga-la... Mesmo com censores de lápis azul...
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