"Penso que a sexualidade dos militares no isolamento do mato era uma questão complexa, que por vezes levava a comportamentos algo inesperados e um pouco bizarros", escreveu a enfermeira paraquedista Maria Natércia Pais no livro coletivo, "Nós, enfermeiras paraquedistas" (2014)...
Sexualidade em tempo de guerra...
por Natércia Neves
Um dia aterrei numa povoação 0nde existia um médico que, quando me viu sair do avião, não mais tirou os olhos da minha pessoa. Quando chegou muito próximo de mim, ainda antes de o ferido a evacuar chegar ao avião, com o ar mais natural da vida, disse-me:
− Oh, senhora enfermeiras, deixe-me pôr os olhos em cima de si! Já não vejo uma mulher há tanto tempo....
E ali ficou como que hipnotizado, a olhar-me!
Fiquei em silêncio,um pouco encabulada, e nada disse. A maca com o ferido aproximou-.se, meteram-na dentro do avião. O médico não me disse sequer o que se tinha passado com o militar, nem qual era o seu estado, como era sua obrigação...
E eu também nada perguntei, pois senti que para ele não era oportuno.
Descolámos para Bissau, e o médico ficvou ali a olhar-me até que o avião, com a minha figura lá dentro, saiu do seu ângulo de visão.
Ele não foi desrespeitoso, apenas pediu, e explicou o seu olhar...
Tive um outro caso, em que tive de fazer um qualquer tratamento em terra a um ferido antes de este entrar no pequeno avião DO-27.
Com a maca no chão, ajoelhei-me no solo para executar o que tinha de fazer e, de repente, reparo que alguém também se ajoelhou perto de mim, mas não olhei na sua direção.
Só quando acabei de fazer o meu trabalho é que levantei a cabeça e vi que o meu "vizinho" estava a espreitar para o discreto decote da minha t-shirt branca, quase de gatas. e alheio a tudo o que o rodeava.
Era o comandante dessa unidade que, quando deu conta do meu raparo, tentou disgfarçar e se levantou de imediato desviando o olhar. sem nada dizer. Nem se despediu...
Fonte: Excertos de Natércia - "Sexualidade na guerra". In: "Nós, enfermeiras paraquedistas", 2ª ed., org. Rosa Serra, prefácio do Prof. Adriano Moreira (Porto: Fronteira do Caos, 2014), pág. 344(com a devida vénia)
Último poste da série > 22 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26178: Humor de caserna (82): "Anestesiado... com uísque" (António Reis, ex-1º cabo aux enf, HM 241, Bissau, 1966/68)
7 comentários:
Num outro texto, da Giselda (Antunes, hoje Pessoa por casamento com o nosso Miguel), evocam-se algumas partidas (ou "marotices") que a rapaziada fazia às "senhoras enfermeiras"... Tenho que publicar um excerto desse texto, té porque a Giselda merece, tem uma memória de elefante e o livro, de que é coautora,. está cheio de contributos dela...
Mas é interessante a observação da Giselda: ela confirma que nos quartéis do mato, de pssagem ou quando lá ficavam mais algum tempinho, tinham tratamento VIP, por parte do comando da unidade ou subunidade...O que se compreende: a enfermeira paraquedista era jovem, mulher, bonita, impecável no seu traje militar: bota, calças camufladas, t-shirr branca justa ao corpo, boina verde... Na Guiné, era raro ver-se uma mulher "branca", fora de Bissau... E a enfermeira paraquedista era "tropa", e profissional de saúde, mas antes de mais era "mulher"...
Os jovens militares (e os menos jovens, como os nossos tenentes-coronéis, majores e alguns capitães mais antigos) não estavam de todo habituados à presença feminina no meio castrense e, ali, no perímetro do quartel do mato: estas "camaradas de arnas" automaticamente lhes traziam memórias da metróploe e saudades das suas próprias esposas, namoradas, amigas...
Assisti uma vez a esse espetáculo da chegada de uma enfermeira, que veio de jipe, do heliporto de Bambadinca, até ao bar da messe de oficiais... Que correpio de gente!...Que salamaleques!... Que cavalheirismo!... (Mas, não me lembro, de ouvir "bocas desrespeitosas"!...).
Como os tempos mudam!...Cinquenta anos depois, o nosso médico (alferes miliciano) e o tenente-coronel, comandante da unidade (?), os "protagonistas" destas duas "cenas", teriam um processo disciplinar por "assédio sexual", para mais de uma militar, com um posto inferior (enfermeira paraquedista graduada em furriel)...
Estas duas estórias mais parecem tiradas de comprotamentos mais próprios de militares de "baixa patente", nem sempre coincidentes com mais baixo respeito pelas mulheres, no caso as nossas queridas Enfermeiras Paraquedistas. Nem sempre o machismo latino justifica comportamentos menos respeitosos.
Carlos Vinhal
As nossas jovens enfermeiras paraquedistas foram verdadeiramente "cobaias" numa experiência que durou mais que o período da guerra (1961/74)...O quadro de enfermeiras paraquedistas só foi extinto em 1980 (pelo Dec. Lei nº 309/80, de 14 de agosto). Mas elas (46 corajosas mulheres!) abriram as portas a outras, não só nas Forças Armadas como noutras instituições que, durante séculos, foram domínio exclusivo dos homens...como a magistratura (e até há 100 e tal anos a universidade e a medicina, por exemplo).
Agora só falta a Igreja Católica abrir-lhes. não já a porta dos céus, mas a do sacerdócio... É capaz de ser o último dos tabus... do sexismo.
Quando havia coluna militares Buba-Aldeia Formosa ou vice versa muitas vezes os militares se deslocavam à pista para ver uma mulher branca que era a srª Enfermeira... Depois voltavam e quase desolados comentavam: Só pelo rosto me apercebi que era uma mulher!
Creio que as enfermeiras paraquedistas nem viviam (ou dormiam) na BA 12, em Bissalanca, mas numa vivenda, mais recatada, em Bissau... Afinal, fora da caserna...
E podemos hoje questionar o bom senso e o bom gosto de quem autorizou (!) algumas esposas de oficiais e sargentos a term que "coabitar", nos quartéis do mato, com centenas de homens, jovens, em ambiente de guerra, a transbordarem de testosterona... E uma parte deles já casados (sobretudo as praças), com as mulheres (e nalguns casos já com filhos pequenos) a milhares de quilómetros de casa, e que só voltaram a ver dois anos depois...
Assistimos, em Bambadinca, a cenas caricatas, pícaras, confrangedoras, pungentes, hilariantes, etc. para não usar outros adjetivos mais... contudentes.
Queria expressar desde logo à nossa Ex-Enfermeira Paraquedista Natércia Neves, o meu grande apreço por estes Anjos do Céu, pois sei do que falo, e que ajudaram a salvar muitas vidas, no TO da Guiné . Bem haja e que Deus lhe dê muitas vida e saúde, que bem merece, sinceramente,
Sobre os eventuais piropos que refere, é natural, pois estava ali uma senhora, que pela foto, era muito bonita. Jovem acima de tudo. Se nada dissessem é que era estranho!
Penso que vi uma enfermeira paraquedista uma única vez, quando foram evacuar o nosso Comandante em S. Domingos, no dia 20 de Novembro de 1968, após ter sido ferido em combate, num rebentamento de uma mina por ele accionada seguido de uma emboscada onde perderam a vida , ou foram feridos alguns militares .
Estava na pista numa maca deitado, com os pés ao dependuro, e vestido apenas com as cuecas, furadas com estilhaços de minas na zona genital.
Não filmei nada por razões de , não sei, talvez de pudor, retirei-me quando o Heli chegou e fotografei de fora do espaço de morte.
Se a Senhora o tivesse conhecido e visto quando ele ainda não tinha sido ferido, havia ali um homem com um excelente trato com as senhoras, era um gentleman.
Depois em Maio de 69 no HMP241 em Bissau, quando estive 15 dias internado, vi aquela movimentação infernal dos Helis a chegarem com feridos, e com o apoio das nossas enfermeiras Paras e assim ficou bem marcada esta experiencia.
Nós sempre tivemos companhias femininas, a jantar e conviver connosco na messe de oficiais quer seja em Nova Lamego, Bissau ou S. Domingos.
Havia
O nosso Capitão Médico, Carlos Parreira Pinto Cortez, sempre com a esposa,
O nosso Alferes Figueiredo do Reconhecimento e Informações, quase sempre com a mulher
O novo Capitão Cardoso da CCS, que casou e levou a mulher em lua de mel para SDomingos.
Voltarei mais tarde para falar no Capelão mestre, do QG em Bissau, padre Bartolo, que com 86 anos ainda faz a missa ao Sábado aqui em Vila do Conde.
Este não é padre, acima de tudo é homem.
Hoje , 2024-12-03, 3 anos depois de estar na banca das torturas , na operação ao Cancro do Intestino, Não me lembro, porque estava a dormir...
Virgilio Teixeira
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