segunda-feira, 28 de novembro de 2005

Guiné 63/74 - P297: Guidage, a CCAÇ 4150 e a CAV 3420 (Salgueiro Maia) (Albano Costa)

O Albano e restantes camaradas com antigos comandantes e guerrilheiros do PAIG em Quebo (Aldeia Formosa), em Novembro de 2000.

© Albano Costa (2005):

Texto do Albano Costa:

Amigo Luís Graça

Nem sempre pode ser como nós desejamos, mas eu estou sempre informado, quero agradecer a minha entrada neste magnífico blogue, e vou tentar divulgá-lo o mais possível pelos colegas.

Mas há uma pequena correcção a fazer, a minha companhia [CCAÇ 4150] não se chegou a encontrar com a CCAV 3420, do Salgueiro Maia. Foi pedido à sua CCAV para ir a Guidage (já no fim da comissão - eu julgo que não ficou registado nos anais militares esta passagem da CCAV 3420, e já agora se alguém souber que me informe), para reforçar as tropas lá existentes que se encontravam bastante cansadas, e depois é que foi para lá a nossa CCAÇ 4150. Estivemos lá até ao fim, mas eu vou enviar um artigo publicado no Público Magazine, de 5 de Novembro de 1975, que acho interessante, muita gente desconhece, e é bom lembrar.

Também quero informar que foi um prazer ter estado com o A. Marques Lopes. Tivemos uma amena conversa mais um colega que quero trazer para a tertúlia que se chama Allen. Iremos encontrar-nos mais vezes e quem sabe trazer mais colegas, também eles apaixonados pela Guiné.

Quanto ao trazer para a tertúlia elementos do PAIGC, isso era muito bom. Eu quando estive na Guiné há cinco anos - tenho registo do CD que emprestei ao A. Marques Lopes e muitos de vocês já o viram, para ele se deliciar a ver aquelas belas imagens -, tivemos lá contactos com elementos do PAIGC, mas confesso que na altura só queria era ver a Guiné.

Mesmo assim, deu para sentir que eles gostavam muito de trocar opiniões connosco. Lembro-me de um elemento que na altura da guerra era da zona sul e que disse que era o responsável do PAIGC, e um colega nossa logo diz «este era quem nos mandava atacar quando estavamos no Xime». Eu lembro-me foi um momento bonito, e depois também me lembro do discurso de um comandante de Buba (ao que sei, infelizmente já falecido), ainda novo, que dizia: "povo português, povo guineense, somos irmãos, mesmo sangue, diferentes só na cor, voltem sempre que serão bem recebidos"... Por isso o que é preciso encontrarmo-nos uns aos outros, que logo mais vêm outros a seguir. Tenho a certeza que vai ser muito enrequecedor para todos.
Vamos a isso, e vou tentar contactar alguém que possa informar sobre elementos do PAIGC na Guiné.

Um Abraço
Albano Costa

domingo, 27 de novembro de 2005

Guiné 63/74 - P296: BCAÇ 2884 (Pelundo, 1969/71), o primeiro batalhão do João Tunes

1. Alferes milicianos da CCS do BCAÇ 2884, com sede no Pelundo, em alegre e descontraído convívio, no dia 1 de Janeiro de 1970.

João Tunes, ex-alferes de transmissões, é o segundo da esquerda, de costas e de quico na cabeça, abraçando um camarada (talvez o médico ou o capelão) ...


A camaradagem e a cumplicidade entre milicianos foram fundamentais para a sua sobrevivência (física e mental) no teatro de operações da Guiné. Davam-lhes força para enfrentar oficiais fascistas e incompetentes como aquele que puniu o nosso camarada e amigo com um dia de prisão, agravada para três, por ordem do Com-Chefe.

© João Tunes (2005):

Texto do João Tunes:

Camarada João Varanda,

Parabéns pelo excelente texto sobre os "quatro oficiais" assassinados no Pelundo (1). Julgo até que adianta bastante nos dados históricos sobre a guerra na Guiné. Embora não concorde integralmente com o modo decisivo como dás como adquirido que, com o eventual sucesso no chão manjaco, a guerra podia estar ganha. 

Julgo que a norte, poderia haver uma mudança importante na correlação de forças, mas parece-me voluntarista demais dizer-se que o PAIGC, com a entrega de um bigrupo, ia cair como um baralho de cartas. E no sul e leste? Sobretudo no "reino do Nino" como se ia dar a volta? Evidentemente que a zona de penetração a partir do Senegal era a mais fácil de conter, pois Sengor sempre jogou com um pau de dois bicos. Mas por onde o PAIGC penetrava a partir da Guiné-Conacry, a música era e seria sempre bem diferente. Enfim, nestas coisas, impossível é haver unanimidade. Mas, repito, o teu texto é um documento valiosíssimo. Parabéns.

Obrigado por finalmente teres avivado a minha memória, lembrando-me o número do meu Batalhão do Pelundo. É isso, BCAÇ 2884, sob comando desse Tenente-Coronel de pacotilha Romão Loureiro (antes da Guiné, o tipo havia feito a maior parte da sua carreira "militar" na União Nacional, tendo chegado a Presidente da Câmara de Viseu... e foi fazer aquela comissão para poder ascender a Coronel, mas [...] sabia tanto de guerra como eu sei da cultura de alcagoitas)(2).

Abraços.
João Tunes
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Notas de L.G.

(1) Vd. post de João Varanda, de 26 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXIII: A morte de três majores e de um alferes no chão manjaco

(2) Sobre este militar de opereta, vd. o retrato (de antologia!) que lhe faz o João Tunes no seu blogue Bota Acima > Abril 7, 2004 > Jogo de Cartas. É uma peça (fundamental) para se compreender a prepotência, a incompetência e a arrogância de alguns (não sei se muitos) oficiais superiores que conhecemos no teatro de operações da Guiné (eu conheci!) e que muito terão contribuído para precipitar o fim da guerra... De facto, o mérito não foi só do PAIGC!

sábado, 26 de novembro de 2005

Guiné 63/74 - P295: CCAÇ 2636 (Có, 1969/71) (4): A acção psicossocial (João Varanda)


Texto do João Varanda (ex-furriel miliciano da CCAÇ 2636, Có 1969/71).

© João Varanda (2005)

A CCAÇ 2636 vivia Có nas suas 24 horas (1). A moral da companhia era sempre muito elevada, os sucessos já tinham surgido de forma muito significativa, a autoconfiança era enorme e tudo apontava para a continuação da boa estrela que nos estava a acompanhar. A nossa entrega era total, assim fomos compreendendo que muito havia a fazer encaixando-nos no sistema para que tudo se tornasse mais fácil. Para a Companhia era certo que em tempo de guerra teríamos de ser pau para toda a obra, tínhamos muito trabalho pela frente, por isso era extremamente necessário pôr mãos a toda aquela obra.

Colocada a tropa no terreno, as nossas acções na área foram sempre muito objectivas. O inimigo não se furtava a um contacto decisivo, naquele sector eram as nossas forças que comandavam e, como o inimigo não se colocava a descoberto, era por isso importante trabalhar na vertente social da campanha.

Vou respigar de memória alguns episódios para enaltecer o valor da campanha de apoio social, moral e médico que demos, à margem dos combates, às populações e aos nossos próprios homens.

Como Có era uma pequena e exígua tabanca, a dureza do conflito sobrepunha-se à sua riqueza e importância territorial, sustentando-se mesmo assim uma economia de mercado que permitia, sem dificuldade, assegurar a sobrevivência de uma população de poucas exigências. Seguindo a orientação de Spínola, conseguimos construir uma pequena urbe, abrindo caminhos, desenvolvendo a economia, melhorando o nível de vida das gentes locais.

Sobre a vertente social da campanha deixamos umas breves notas do conjunto de actividades encetadas a vários níveis de actuação:

1 – A tenda de campanha a CCAÇ 2636 possuía posto de socorros permanente para efeitos operacionais, constituindo uma mais valia não só para as tropas que ali viviam em ambiente de combate intenso, como também para as populações africanas, que usufruíam dos seus serviços assistenciais.

A equipa, tulelada pelo Furriel Miliciano do Serviço de Saúde António Silva Pratas e três Cabos enfermeiros, compenetrados da sua missão e sempre animados do melhor espírito de colaboração, desempenharam sempre tais funções com muito mérito e dedicação.

Era gratificante presenciar esse quadro diário. Muito cedo pela manhã, a população acampava junto ao Posto de Socorros em filas permanentes de mulheres, homens e crianças com a orientação do chefe de tabanca ou a um seu delegado que, por vezes, servia ao mesmo tempo de intérprete quando tal se justificasse. A maioria da população necessitava de acompanhamento clínico, devido a doenças endógenas de foro tropical, com base no paludismo. A prescrição era na maior parte das vezes com base em comprimidos ou injecção, para os africanos a aceitação da injecção era melhor, sem pruridos de qualquer natureza, coxas e rabos eram mostrados à espera de penetração da agulha. Toda a medicação era fornecida gratuitamente pelas Forças Armadas.

Ainda na vertente da saúde, diariamente se visitavam várias tabancas em busca de casos e de situações mais complexas ou mais raras que necessitavam de observação, diagnóstico ou tratamento. Casos que existiam, esconsos, envergonhados, escondidos na sombra de alguma miséria profunda. Nestes e em todos os outros que se impusesse, era providenciada imediata evacuação para Bissau, por via terreste, com escolta, ou por via aérea, conforme a urgência e a gravidade da situação encontrada.

Sobre os cuidados de saúde ministrados às populações, algumas outras reflexões compete aqui traçar. A primeira, para revelar a grande competência e, fundamentalmente, a extrema dedicação de todos os que connosco trabalharam, com parcos meios à sua disposição, com pessoal desprovido de formação, com largas de dezenas de consultas e tratamentos diários, com situações clínicas invulgares em muitos casos para abordarem. Eles foram, no seu ofício, heróis assumidos desta guerra particular.

A segunda nota é para descrever, em poucas palavras, situações vividas no terreno para provar a nossa ligação sentimental e efectiva aquela gente, tão profunda que nunca poderíamos regatear qualquer tipo de colaboração, partindo quase sempre essa iniciativa da nossa parte. Mais do que o imperativo da missão, era a solidariedade verdadeira que nos movia. Dos muitos exemplos, escolho o daquela bajuda que iria ser mãe pela primeira vez.

Cerca das 3 horas da manhã, o chefe da tabanca contacta com o quartel transmitindo a necessidade de apoio médico à dita bajuda que, com o passar das horas, não dava sossego nem tranquilidade na tabanca. De imediato um camarada de serviço de segurança ao quartel foi ao abrigo subterrâneo à procura do primeiro que estivesse à mão para dar apoio e resolver a situação. Escusado será dizer a azáfama do pessoal dos serviços de saúde perante aquele caso que nunca se nos tinha deparado.

Após uma mini-reunião prestou-se-lhe os primeiros socorros e tomou-se a medida adequada, que era evacuação para Bissau para o Hospital Civil. Assim, e de imediato, a bajuda foi colocada no primeiro veículo à mão (por acaso o jipe cedido pelo Capitão Medina e Matos) e lá foi na companhia de um enfermeiro, um homem de transmissões e um atirador de metralhadora.

Estrada fora, lá foram os nossos camaradas, com as luzes do veículo nos máximos, num acto de desprezo pelo adversário, a todo o gás, direitos a João Landim, com o homem das transmissões a contactar com os fuzas para nos proporcionarem àquela hora a disponibilidade da jangada para fazermos a travessia rumo a Bissau. Cerca das 5 horas da manhã, esta malta dava entrada com a bajuda no hospital e, enquanto no guichet de atendimento entregávamos a papelada para tratamento de dados, ela seria mãe de um rapagão a quem foi dado o nome Mamadú Baldé.

2 – As gentes africanas de Có e subúrbios eram inconfundíveis: de grande estatura e carisma, eram irmãos de sangue e de luta pela mesma causa. Enaltecer os seus predicados seria esgotar toda uma panóplia de adjectivos. Por muito que o tentasse nesta singela crónica, não teria palavras para o fazer.

Naturalmente simpáticos, empenhados, compreensivos e sensíveis a todos os nossos argumentos, entre eles e nós havia uma empatia total, uma identificação absoluta em torno de todo o tipo de problemas desde os operacionais até aos da vivência da tabanca. Tudo se processava entre nós num perfeito sincronismo e entendimento, franco, despido de preconceitos.
Era muito fácil conviver com esta gente. Isto para dizer que, após todas as prestações de consultas de primeiros socorros, a tenda da enfermaria mais parecia um aviário de frangos e galinhas ofertados pelos pacientes, permitindo-nos depois fazer fabulosos pitéus nos momentos mais condicionados pela fome e pelo cansaço. Recusar a oferta de galinha ao africano era ofensa impensável.

3 – No percurso operacional tivemos um comportamento modelar, na área do bem-estar e do apoio social tudo também fizemos para colmatar muitos problemas locais, quer das NT, quer da população em geral. Para o bem-estar do pessoal, ao fim de pouco tempo, construímos um novo conjunto de cozinha, refeitório e cantina/bar para as praças.

Construímos ainda um espaçoso e seguro paiol subterrâneo para as centenas de granadas que jaziam praticamente a céu aberto, um sistema de filtragem de águas para beber e para banhos, uma oficina auto com fossa para lavagem e lubrificação de viaturas, com água corrente, para os nossos Unimog - para os grandes Furriel Marques e Teodoro Simões ( Nanza) nos proporcionarem transporte seguro -, um heliporto para evacuação de feridos e doentes para a capital Bissau, um sugestivo e elegante monumento alusivo à nossa passagem pela aquela terra, evocando os nossos mortos brancos e africanos. O qual, mais de trinta anos depois, ainda se mantém incólume e erecto conforme me relatou o Capitão do PAIGC Eduardo Sanhá que veio, após o final de guerra colonial, cursar Direito na Universidade de Coimbra.

Capinámos os principais troços das estradas envolventes ao destacamento de Có, reparámos aquelas mais necessitadas, construímos ou melhorámos pontes e pontões. Em relação à população africana, dadas as condicionantes da guerra envolvente que limitavam, por razões de segurança, as áreas agrícolas aproveitáveis, disponibilizávamos meios pessoais e viaturas para os enquadrar nas suas safras diárias, permitindo assim uma actividade agrícola e pecuária razoavelmente normal e produtiva.

Para salvaguarda do bem-estar e equilíbrio emocional do pessoal, junto ao improvisado estaleiro de apoio da brigada de engenharia, para a feitura da estrada Có – Pelundo construímos um campo para a prática do futebol, fenómeno universal e abrangente, que servia às mil maravilhas para descomprimir, sendo a sua utilização diária. Largas e longas tardes dedicámos ao jogo da bola.

Ampliamos a tabanca de Có com habitações construídas com uma espécie de argamassa feita de barro e capim seco com cobertura a colmo de palmeira ou chapa de zinco, made in U.S.A., à porta das quais se plantaram duas bananeiras, sinal vivo de África.

Todos estes tipos de apoio às populações autóctones - que em guerra clássica de guerrilha como era aquela é absolutamente fundamental e constante em todos os manuais que tratam o assunto -, eram feitos por nós não só com esse intuito. A nossa ligação sentimental a essa gente era tão profunda, que nunca poderíamos regatear qualquer tipo de colaboração, partindo quase sempre essa iniciativa da nossa parte. Mais do que os imperativos da missão, era a solidariedade que nos movia.

(Continua)
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(1) vd posts anteriores do João Varanda:

15 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXCI: CCAÇ 2636 (Có, 1969/71) (1): De Santa Margarida ao Cupilom...

16 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXCIII: CCAÇ 2636 (Có, 1969/71) (2): "Periquito vai no mato, que a velhice vai p'ra Bissau"...

Guiné 63/74 - P294: CCAÇ 2636 (Có, 1969/71) (3): O espírito de grupo (João Varanda)

Guiné > Região do Cacheu > Có > 1969: As lavadeiras da tropa, na bolanha de Có.

© João Varanda (2005)

Texto do João Varanda (ex-furriel miliciano da CCAÇ 2636).

História da CCAÇ 2636 (Có, 1969/71) > 3ª parte.

Na Guiné, exceptuando o arquipélago de Bijagós (sem interesse militar), o terreno define duas zonas militarmente diferenciadas:

(i) O litoral – da costa até uma linha definida de norte para sul por Cuntima, Jumbembem, Porto Gole, Xime, Xitole eAldeia Formosa;

(ii) O interior – para leste da linha anterior até às fronteiras com o Senegal e a Guiné – Conacri.

Contudo, durante a guerra quer os comandos militares portugueses, quer o PAIGC dividiram o território em três zonas, separando o litoral em Norte e Sul do rio Geba.

A divisão da Guiné em zonas de operações obedeceu à compartimentação do terreno, mas teve em consideração as importantes clivagens étnicas e religiosas dos grupos humanos da Guiné e os apoios que os países vizinhos deram à luta militar.

Foram assim estabelecidas três zonas de Operações:

(i) Zona Norte: São Domingos (fronteira), Farim, Teixeira Pinto (Canchungo), Óio / Moirés, Bissau.

(ii) Zona Sul: Fulacunda (Quinara), Cubisseco, Catió / Cantanhez, Quitafine, fronteira.

(iii) Zona Leste: Bafatá, Gabu (Nova Lamego), Madina, fronteira norte (Pirada), fronteira leste (Buruntuma).

Assim, e perante este quadro, verifica-se o que foi a imensa saga do combate na Guiné – hoje historicamente reconhecida como “o Vietname Português” – no contexto da complexidade, diversidade e riqueza étnicas de uma comunidade como aquela.

Có – e conforme vimos pelo teatro das operações antes da nossa chegada para tampão de zona - foi terra fustigada; no terreno, travava-se então lutas que pareciam eternas, mas a moral da CCAÇ 2636 era muito elevada, já que com os nossos comandos, na pessoa do jovem Capitão Miliciano Manuel Medina Mato e do 2º. Sargento Cruz, em pleno mato, às portas do combate do dia a dia, sentimos sempre o prodígio do apoio dos escalões superiores, traduzido em todas as valências, com oportunidade e eficácia.

Tivemos o privilégio de servir na Guiné na CCAÇ 2636, no período de 28 de Outubro de 1969 a 6 de Setembro de 1971. Foi uma unidade de que guardamos as melhores recordações, a de ter cumprido as suas difíceis e diversificadas missões, com eficiência, dignidade, correcta postura no ambiente político-militar da época. Esse saetimento era partilhado por todos os seus efectivos, continentais, insulares (Açores) ou do recrutamento local.

Foi uma companhia bem comandada por um jovem capitão de infantaria no início da sua carreira, que revelou possuir uma generosidade e dedicação exemplares e uma capacidade de compreensão do conflito, não apenas na sua vertente militar, mas sobretudo nos seus aspectos político-sociais, humanos e psicológicos, aqueles que sem dúvida constituíam a componente nuclear da Guerra da Guiné e condicionaram os desenvolvimentos da situação, os sucessos e os insucessos da luta armada até ao desfecho que se conhece.

Os factos mais salientes revelam-se com a recordação e narrativa de pequenas histórias nas quais os traços militares não relegam para segundo plano os aspectos humanos, as emoções, as alegrias e tristezas, as frustações e os receios que todos os que serviram o País nas Guerras de África bem conhecem e compreendem em toda a profundidade e a quem a leitura destas crónicas reconfortará, lembrará bons e maus momentos e ajudará a uma melhor compreensão dos acontecimentos de que foram protagonistas.

Sublinho, para elogiar, a importância que para nós foi a acção de todo o colectivo militar e o recrutamento local (Milícias ) que formaram o todo da CCAÇ 2636. Alguns deram a sua vida para a paz no Chão Manjaco , chão esse que sentimos e defendemos com inegualável coragem e em plena liberdade de consciência. Sem constrangimentos, obsessões, cedências, estivemos sempre por inteiro com muito ânimo e vontade, mesmo que, a cada dia que passava, a guerra fosse ganhando contornos cada vez mais sérios e cenários que se estendiam cada vez mais no tempo e no espaço.

Com o passar do tempo as hipóteses de tudo ser transitório, passageiro, fácil de gerir, eram cada vez mais distantes e o conflito encaminhava-se para uma situação duradoira, de difícil solução, tanto a nível interno como a nível externo. Não cabe agora e aqui tecer comentários sobre os seus antecedentes, causas e razões que a motivaram, nem tão pouco comentar a sua legitimidade, sob qualquer das suas vertentes mais críticas. Hoje o assunto, por muito debatido e assumido, está fora de discussão.

Confrontados com estas duras realidades, houve que enfrentar os acontecimentos, preparar a guerra, fazer a guerra, com todas as suas incidências. E essa guerra era e foi uma guerra de verdade. Para que a história , a nossa, não o esqueça, deixo uma segunda e não menos relevante palavra de apreço e justificação para os homens da CCAÇ 2636. Não só por eles ou para eles.
Mas porque eles simbolizaram de forma admirável todo o espírito de sacrifício, dedicação e entrega a que toda uma Nação em armas se votou em torno desta guerra. Foram eles que permitiram colher todo este manancial de experiência viva e rica, protagonizando momentos de indescritível beleza, sofrimento, angústia e coragem física e moral, que só um ambiente desta natureza pode exprimir e permitir. Sem reivindicações, subterfúgios, queixumes. Ao nível de verdadeiros heróis, anónimos, simples descomplexados, humildes, mas muito verdadeiros e humanos. Do melhor que temos.

Formámos sempre e em todas as circunstâncias um conjunto sincronizado, harmónico, sinergético, de uma vontade única e de um só querer. O Capitão Manuel Medina Matos, o 2ºs. Sargentos António Cruz e José Rosa Coelho, os Alferes José Américo Martins Ferreira, Luís Mendes, João Manuel Magalhães, e o Baltazar Silva Dias Santos, os Furriéis António Agostinho Ramos, David Rosário Monteiro, Leonel Santos Sousa Morais, Alcides Carolino Trindade, Fernando António Oliveira , José Adalberto Esteves Teles Paiva, José Silva Rodrigues Alves, Francisco Joaquim Pais, Francisco José Salema, Manuel Costa Alves, António Silva Pratas, Manuel Marques, António Armando Teixeira, Diogo José Moura Proença e, eu próprio, João Varanda eram o exemplo que estimulava e convidava os nossos soldados à entrega, ao empenho e à vontade de ir mais longe, permitindo-se avançarmos, mais seguros e confiantes.

Era este o espírito de entrega, de verdadeira missão, que se estendia muito mais para além do soldado combatente. Todos os restantes, que não tinham sido escalados para esta tarefa sublime sentiam, tinham tanto como os outros o direito e a obrigação de tudo fazerem e conseguirem, na retaguarda competente, para apoiarem o sacrifício, solidarizando-se com os operacionais, trabalhando com eles e para eles, sofrendo por vezes as mesmas angústias, os mesmos temores.

Em redor de toda esta vivência, é justo sublinhar, e de forma acentuada, o labor desenvolvido por todos os que nos acompanharam nas incidências do mato, do combate. Eles não só nos acrescentaram experiência e saber às nossas arremetidas, mas constituíram também verdadeiros exemplos de abnegação e heroísmo.

Ainda no terreno concreto da luta umas breves palavras para enaltecer todos os que acreditaram na “Guiné Melhor” ao nosso lado: às Milícias que acreditam nos Portugueses, o comportamento das populações e autoridades que connosco partilharam as agruras da comissão, populações nativas e brancas porque estiveram sempre ao nosso lado, por razões eventualmente diversas, talvez, mas com o mesmo acolhimento e apoio.

Todos tinham também uma crença inabalável nos nossos feitos, nos destinos da guerra em curso, na conquista do bem – estar para todos. Sempre e em todas as circunstâncias manifestavam o seu júbilo pelas conquistas realizadas, o seu pesar pelos inêxitos, repartindo com todos nós momentos de grande satisfação e admiração. Construíram em nosso redor um ambiente de elevada estima, reconfortante e estimulante, permitindo-nos fazer esquecer as ansiedades próprias no contexto em que ali nos encontrávamos. Foram a nossa família afastada, neles encontrámos força e ânimo para prosseguir, teimar, lutar e mantermo-nos fieis ao compromisso histórico então travado.

As autoridades locais, com quem tivemos o ensejo de contactar e conviver, foram também exemplares na compreensão da sua e da nossa missão, contribuindo de modo muito significativo para um natural e necessário ambiente de bom entendimento. Sem constrangimentos de qualquer espécie, com ligações funcionais excelentes, o seu contributo para o êxito dos nossos propósitos foi decisivo.

Por isso, toda esta gente, nos seus sectores de actuação e de representação, não poderia deixar de ser citada com muito orgulho e estima da CCAÇ 2636.

Guiné 63/74 - P293: A morte de três majores e de um alferes no chão manjaco (João Varanda)


João Varanda, no destacamento de Tel, na zona de Có-Pelundo, em pleno chão manjaco, região do Cacheu, 1969.

A CCAÇ 2636, uma companhia açoreana, fez na primeira parte da sua comissão a segurança à construção da estrada Có- Pelundo - Teixeira Pinto.

A 14 de Novembro de 1969 um grupo de combate da CCAÇ 2636 foi destacado para Tel.

© João Varanda (2005)

Texto do João Varanda (ex-combatente da CCAÇ 2636, Có/Pelundo e Teixeira Pinto; Bafatá, Saré Bacar e Pirada, 1969/71)



Nota introdutória:

Temos de prestar homenagem a todos quantos combateram e perderam a vida na Guiné-Bissau, tanto da parte portuguesa com da parte do PAIGC. Todos foram heróis e neste escrito sincero acrescento também o Alferes Mosca, em termos que não deixam margem para dúvida. E, ao citá-lo, presto-lhe uma homenagem e faço-lhe a reparação de uma dívida histórica, porque foi esquecido, mesmo sendo um militar notável na companhia dos três Majores - Magalhães Osório, Pereira da Silva e Passos Ramos - que não resistiram ao brutal assassinato feito pelo inimigo, o PAIGC, nas condições mais adversas, nas matas da zona de Pelundo – Teixeira Pinto (1).


MORTE DOS TRÊS MAJORES E UM ALFERES EM 20 DE ABRIL DE 1970 (2)

Em 20 de Abril de 1970, três Majores do Exército Português, acompanhados pelo Alferes Joaquim Palmeiro Mosca e seus acompanhantes, foram brutalmente assassinados na Região de Teixeira Pinto, mais precisamente em Jolmete [a norte do Pelundo, junto ao Rio Cacheu].

Os Majores Passos Ramos, Pereira da Silva e Magalhães Osório e o Alferes Joaquim Palmeiro Mosca morreram no decorrer daquela que é sempre a mais arriscada e aliciante de todas as actividades de um militar: trazer o inimigo para o seu lado. Estes três oficiais (Majores), prestavam serviço no Comando de Agrupamento Operacional (CAOP), com sede em Teixeira Pinto [hoje, Canchungo] (3): o primeiro como chefe do Estado Maior, o segundo como oficial de operações e o terceiro como oficial de informações; o quarto miliar, o alferes Mosca, como operacional. Os três oficiais superiores portugueses tentavam realizar uma operação de aliciamento de comandantes e dirigentes do PAIGC na área.

A acção em que perderam a vida, mortos pelos elementos com os quais se iam encontrar, é exemplificativa do ambiente que se vivia naquele teatro de operações e do modo como ali se conduzia a guerra.

As expectativas criadas pelo General Spínola para a resolução política da guerra, com as conversações que estabeleceu com Senghor para, através dele, chegar a Amílcar Cabral, o convencimento de que a política da “Guiné Melhor” atrairia cada vez maior número de habitantes, incluindo combatentes do PAIGC, a análise que o Estado Maior de Spínola fazia das clivagens étnicas e a situação militar no terreno, ainda favorável às forças portuguesas, haviam criado o ambiente propício para acreditar que alguns elementos daquele partido poderiam abandonar as suas fileiras e aderir à nova política, o que seria um passo para mais tarde trazer Amílcar Cabral.

Estes oficiais acreditavam que isso era possível e montaram uma rede de informações para conseguir chegar até aos dirigentes do PAIGC. O Major Pereira da Silva, oficial de informações, efectuou dez reuniões com eles, o Major Passos Ramos esteve presente em seis, o Major Magalhães Osório em quatro. Os três estiveram na primeira realizada na região de Umpacaca e nas que se realizaram em Pigane, Capunga e Jolmete, onde foram mortos com o Alferes Mosca e seus acompanhantes.

O PAIGC entendeu esta operação como aquilo que ela era: uma tentativa de levar elementos seus à traição e a deserção. O PAIGC o reagiu matando os oficiais portugueses, que seguiam desarmados e sem escolta, mas o facto de os órgãos dirigentes do PAIGC terem decidido eliminá-los em vez de os fazerem prisioneiros, a fim de os apresentar como troféus, revela a insegurança em que as cúpulas do partido se sentiam perante a política conduzida por Spínola e as dúvidas sobre o seu grau de penetração, mesmo no mato com o nosso General Spínola. Ali se iniciou o diálogo mas, entretanto, mantendo nós a posição de força.

No teatro das operações, os vitoriosos da guerra éramos nós e não o PAIGC. A Op Chão Manjaco era vital para nós: era começar a puxar a ponta, contactar Senghor, os bigrupos, usar o prestígio do agrupamento operacional.

Eram quatro pedras basilares, três majores e um alferes, peças fundamentais: - um da intelligence, Perereira da Silva; um operacional, o homem que puxava os cordéis da guerra, o Major Osório; e um major de eleição, sonhador mas pragmático, o Passos Ramos; mais o operacional, o Alferes Mosca. Foram quatro homens, e peças fundamentais da política de abertura ao diálogo com o PAIGC.

De maneira nenhuma o PAIGC nos enganou na questão relativa à Op Chão Manjaco. Luís Cabral mente quando aborda esta questão. O chão manjaco foi completamente dominado por nós e a morte dos nossos três majores e do alferes uma barbaridade cometida pelo PAIGC que, reconheçamos, não tinha outra saída.

E afirmamos que ele mente porque ainda hoje não tem a coragem de dizer: “ Que não tinham outra saída senão decapitarem aqueles grandes Senhores da Guerra, que estavam a prejudicar o PAIGC “. Dizem que queriam prender o General Spínola e assassinaram quatro combatentes portugueses que foram ao encontro de chefes militares do PAIGC, completamente desarmados.

Luís Cabral, não só mente como não assume a responsabilidade do seu partido. Percebemos perfeitamente que o PAIGC, com a corda na garganta como estava, não tinha outra saída: ou decapitava o Comando do Agrupamento Operacional e dava cabo daquele, ou tinha os bigrupos do chão manjaco a combater connosco. O PAIGC foi encostado à parede e não tinha outra saída senão, que foi catastrófica para nós, porque no plano político perdemos a capacidade de diálogo com o PAIGC. O Estado Português, na pessoa do General Spínola, estava no mato em diálogo com o PAIGC. Sentados com uns três ou quatro, estiveram a conversar. As conversas eram na base de que os bigrupos do PAIGC no chão manjaco acreditavam na nossa boa fé. É de acreditar que, se tivéssemos conseguido êxito na Op Chão Manjaco, o PAIGC teria caído como um baralho de cartas.

Tal não aconteceu e, a partir do desaparecimento daquela equipa, tudo começou a correr mal para as nossas hostes.

Manuel dos Santos (Manecas), comandante de artilharia do PAIGC, diz - ainda sobre os três Majores e o Alferes Mosca portugueses - QUE quem no mato falava em nome dos bigrupos do PAIGC eram os Comandantes, André Gomes e o José Sanhé. Contudo ressalva que eles não estavam a negociar com os três Majores e o Alferes Mosca.

O que aconteceu foi que os Majores e o Alferes Mosca iniciaram uma acção, que é um tipo de acção corrente em qualquer guerra, que foi a de tentar aliciar os comandantes do PAIGC na área. Chegaram à fala com eles através das populações que circulavam por ali. É evidente que, tanto eles como nós portugueses, tínhamos agentes entre alguns dos seus quadros.

Veja-se a versão do General João Almeida Bruno, que é bastante elucidativa do que foi passado e vivido no tempo. Ele diz que podia na verdade dizer-se que estávamos empatados com o PAIGC.

A primeira coisa a fazer na Guiné – Bissau era ganhar a iniciativa e, por isso concentrar meios e dispositivos. Logo também nas primeiras directivas do General Spínola percebeu-se que ter liberdade de acção, ou seja capacidade de iniciativa, era um dado essencial na guerra. Não se podia jogar à defesa: a defesa era um estado preparatório para a ofensiva.

Com Spínola concentraram-se meios, ganhámos capacidade de acção e passámos ao ataque. Porque só a ofensiva conduzia à vitória. Aumentou-se a actividade operacional para dominarmos o teatro das operações pelas armas, para que pudéssemos dialogar com o PAIGC numa posição de força.

Isto não foi querer fazer a guerra pela guerra. Paralelamente foi desencadeada uma grande acção chamada "Guiné Melhor”, uma acção de natureza política que estava a ser ensaiada e concretizada no chão manjaco. E foi aqui que se abriu o diálogo com o PAIGC e que se deu o primeiro encontro entre o Governador e Comandante - Chefe das Forças Armadas e o comandante dos bigrupos do PAIGC que actuavam naquela área. Estiveram depois em várias reuniões, não eram agentes duplos, mas faziam a circulação de informações.

E chegaram à fala, houve vários encontros, mas desde o primeiro encontro que a direcção do PAIGC tinha sido advertida pelos comandantes locais de que havia essa tentativa, mas nunca puseram de parte a negociação com Portugal para chegarmos ao fim do conflito.

Consideraram o diálogo como uma acção clássica de antiguerrilha de corrupção ou de aliciamento de responsáveis da parte adversa ao PAIGC com gravadores, com dinheiro, com géneros alimentícios, com coisas. Os gravadores eram bens de consumo que qualquer indivíduo jovem – e nós éramos todos, jovens e todos os jovens gostavam de ter. Era uma tentativa de corrupção material e de aliciamento. Tínhamos lá umas centenas de guerrilheiros, mas aquilo era sobretudo para os responsáveis da guerrilha. Houve até ordem superior do PAIGC para terminar com isso, segundo se recorda (o Manuel dos Santos).

E no último encontro dos Majores e do Alferes Mosca, os combatentes doPAIGC tentaram capturá-los, e os nossos quatro homens tentaram defender-se. Para dar uma boa imagem diz ainda Manuel dos Santos (Manecas), que não é verdadeira a versão segundo o qual os Majores e o Alferes Mosca iam desarmados, e que Spínola ficou furioso, porque eram três oficiais com reputação de serem altamente capazes, de serem os melhores operacionais e os seus melhores adjuntos.

Já Luís Cabral é duro na análise sobre os quatro oficiais da Op Chão Manjaco e começa por dizer que Spínola não os conhecia e diz mais que o comandante da região, André Gomes, soube da situação que a tropa portuguesa queria negociar a rendição de tropas do PAIGC afirma esses oficiais acabaram por ser mortos, e que eles tiveram essa informação e souberam mobilizar os homens a leste, através de elementos da população que frequentavam os dois lados.

Eles começaram a fazer a aproximação, depois começaram a aceitar que lhes levassem coisas para lá e começaram eles a mandar também coisas para nós, então o comandante André Gomes resolveu fazer o jogo duplo, após ter sido posto ao corrente da situação. Aceitaram todas as prendas, todas as coisas, deram tudo, recebiam os homens desarmados e iam desarmados e combinaram o dia da rendição das tropas do PAIGC. Tudo ficou combinado e acertado na estrada do Cacheu – Teixeira Pinto, com o General Spínola.

Mas a traição foi grande. Luís Cabral nessa altura mandou para lá os seus principais responsáveis, Luís Correia (Responsável da Segurança Norte), Quintino Vieira (Responsável pela Segurança da Região) e André Gomes (Membro do Comité Executivo do Partido P.A.I.G.C.). Contudo já havia vários combatentes que não estavam a gostar daqueles contactos.

Quando o Luís Correia chegou lá, os interlocutores dos oficiais portugueses disseram: “ Nós temos que dizer a eles, que tu já chegaste, porque eles vão saber a certeza, portanto se não formos nós a dizer, vão pensar que há qualquer coisa nisto tudo “. E então era preciso ter mais cuidado, mais prudência, porque tinha chegado o Homem da Segurança Norte.

Quando se encontraram com o General Spínola, nessa estrada, disseram-lhe que esse Responsável da Segurança tinha vindo ali à região de Teixeira Pinto, para fazer uma cerimónia ali ao Deus da área, que é o Irã da Coboiana, o grande Deus da floresta. Mas ele para fazer essa cerimónia precisava de aguardente de cana.

Era preciso arranjar-lha o mais depressa possível que ele, fazendo a cerimónia, ia-se embora. Então, o General Spínola mandou comprar aguardente de cana e deu-a à malta para a cerimónia.

Havia um aspecto de desprezo pelos ideais do PAIGC, de tal maneira que pensavam ser possível com uma garrafa de uísque, até mesmo com uns brincos, desviar aqueles homens dos seus ideais de libertação e de independência. Os nossos oficiais acabaram por ser mortos porque foram lá para assistir à rendição das tropas do PAIGC. Foi feita uma emboscada e foram mortos.

O acontecido, segundo Luís Cabral, não estava nos planos do PAIGC. Afirma que o plano era prender o General Spínola, mas contudo a malta do PAIGC convenceu-se que o General Spínola não vinha ao acto. Como naquela área não tínhamos abastecimentos regulares, nem coisas para conservar esses oficiais, estavam quilhados, ou apanhavam o General Spínola ou então não saia ninguém dali.

Este depoimento foi datado de 13 de Janeiro de 1995, Luís Cabral vivia em Portugal, foi derrubado em 1979 por um golpe de Estado chefiado por Nino Vieira.

Veja-se o depoimento de Marcelino da Mata, alferes do quadro permanente do exército português, reformado, depoiimento feito em em Lisboa, em 21 de Julho de 1994. Marcelino da Mata fez denodadamente a guerra, partindo da noção de quem tinha medo morria depressa e movimentava-se à vontade no complexo território da Guiné – Bissau. Disse o Alferes Marcelino da Mata: os três Majores e o Alferes iam lá buscar o armamento e mais que todas as noites eles iam lá e os homens do PAIGC traziam armas e entregavam-nas ao nosso exército.

Naquele dia foram lá, estavam à espera de um grupo que vinha entregar material, mas em vez de material encontraram o grupo de André Gomes, que tinha vindo a Jolmete fazer patrulha e que, sem saberem o que é que se passava, mataram-no. Depois de o André Gomes matar os quatro oficiais, o exército português avançou com a guerra.

O Marcelino da Mata e o seu grupo operacional andou quatro dias a seguir as pegadas do André Gomes, acabou com o acampamento deles, mas não apanhou o André Gomes. Havia um rio, o Cacheu, e eles quando se viam apertados pegavam nas pirogas atracadas na orla da mata e fugiam.

Carlos Fabião diz que, entre as variadíssimas hipóteses para o caso dos Majores e do Alferes, ele disse a dele, o que não quer dizer que seja a verdadeira. Não estava na Guiné – Bissau quando foi o problema da morte dos nossos oficiais, mas entendia o que passou.

O PAIGC apercebeu-se de que precisava de tempo para se rearmar, reequipar conseguir arranjar-se no chão manjaco. Então começou a negociar a missão connosco. Penso que, desde o princípio, houve falsidade nos propósitos do PAIGC, porque eles só queriam ganhar tempo. Aquela reunião iria ser a última, em termos operacionais, porque eles já tinham prometido várias vezes a sua rendição e nunca se tinham rendido. Eles iam reunir-se com o PAIGC mas esses encontros eram vulgares. O General Spínola tinha estado em alguns.

O PAIGC ficava sempre em estudar as formas de rendição, mas no momento em que iam fazer a rendição falhava outra vez. Este grupo foi dizer-lhes que era a última conversa que iam ter. Pensa Carlos Fabião que era a última conversa que iam ter os homens do PAIGC. Assassinaram-nos nessa altura.

Em resumo, a propósito desta missão levada a cabo por este grupo restrito de oficiais, eles foram vitimas da sua generosidade e vontade de bem servir, acabaram por encontrar a morte na Guiné – Bissau, atraídos à vil emboscada, sob a direcção do Major Passos Ramos, talvez o oficial mais distinto e brilhante que a sua geração conheceu. Conseguiram estabelecer estreitos contactos com uma fracção muito importante dos combatentes do PAIGC, convencendo-os a abandonar a luta armada contra Portugal e serem integrados no seu exército. Foram brutalmente assassinados quando, completamente desarmados, se preparavam para a última reunião que antecedia a apresentação no Pelundo, das forças da região militar norte do PAIGC que estavam sob as ordens de Aliu Gomes.

Na estrada que liga aquela povoação ao Jolmete foram os seus corpos esquartejados e foram recolhidos pela Companhia de Caçadores nº 2586, do Batalhão de Caçadores nº 2884, comandado pelo Tenente - Coronel de Infantaria Romão Loureiro. Paz às almas destes valorosos filhos da Nação Portuguesa, cujos locais de sepultura se indicam a seguir:

- Major de Infantaria Nº. 50972511, do Comando de Agrupamento Operacional / CTIG, Alberto Fernão Magalhães Osório: Cemitério Paroquial do Baraçal, Celorico da Beira;

- Major de Artilharia Nº. 50692711, do Comando de Agrupamento Operacional / CTIG, Joaquim Pereira da Silva: Cemitério Paroquial de Galegos, Penafiel;

- Major de Artilharia com o C.E.M. Nº. 50275711, do Comando de Agrupamento Operacional / CTIG, Raul Ernesto Mesquita da Costa Passos Ramos: Cemitério Paroquial de Paranhos, Porto;

- Alferes Miliciano de Infantaria Nº. 19516168, do Pelotão de Caçadores Nativos Nº. 59 / CTIG, Joaquim João Palmeiro Mosca , Cemitério Municipal de Redondo, Redondo.

Deixo-lhes um fraterno abraço e um apelo a todos os ex-combatentes para que visitem estes cemitérios e coloquem nas suas campas um cravo vermelho de Abril.

João Varanda
_______

Notas de L.G.

(1) vd. post de 11 de Agosto > Guiné 63/74 - CXLIX: Antologia (15): Lembranças do chão manjaco (Do Pelundo ao Canchungo) [Texto de João Tunes]

(2) Felicito o João Varanda por este texto sobre a morte dos três majores e do alferes do Pel Caç Nat 59, na sequência da Op Chão Manjaco, em que Spínola depositou tantas esperanças de inverter o curso dos acontecimentos... Presumo que ele tenha feitas várias pesquisas documentais sobre estas mortes que nos tocaram a todos naquele tempo. Ele, porém, não cita as fontes que consultou. Seria bom citar essas fontes, fornecendo uma pequena bibliografia... Muitos dos nossos amigos e camaradas de tertúlia sabem pouco ou nada sobre este assunto (já aqui abordado pelo João Tunes, num depoimento emocionado, já que ele era amigo dos três majores, que conheceu em Teixeira Pinto) (1).

(3) Vd. post de Afonso Sousa, de 25 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXI: Coisas sobre Canchungo (antiga Teixeira Pinto)

sexta-feira, 25 de novembro de 2005

Guiné 63/74 - P292: Antologia (28): depoimento de Hélio Felgas (2): as emboscadas

Quando comandou a Op Lança Afiada, algumas vezes a pé (já que o Spínola ou a Força Aérea não lhe dava um helicóptero em exclusivo para ele poder ter, a tempo inteiro, o seu PCV - Posto de Comando Voador), o coronel Hélio Felgas ia fazer 49 anos. Tinha a idade do meu pai. Talvez, por isso, é que eu fico com o coração mole, abstendo-me de fazer juízos de valor sobre o seu desempenho nesta mítica operação. Pelo relatório da operação que aqui publicámos não se fica saber quantas noites ele dormiu no mato, ao lado dos seus soldados, se é que dormiu alguma, no período que de decorreu entre 8 e 19 de Março de 1969.

Nunca fiz nenhum operação com ele, pelo que não me permito criticá-lo, como militar. Fiz uma operação com um tenente coronel, misturado com os nossos nharros, embora de um dia. Isso foi o suficiente para passarmos a ter-lhe respeito. Seu nome: Polidoro Monteiro.

Sei que alguns milicianos do nosso tempo (do meu e do Humberto) não apreciavam o então coronel Hélio Felgas, como pessoa e como militar. A mim só me interessa hoje o que ele escreveu, as suas ideias, o seu testemunho como combatente na Guiné que ele também foi, em duas comissões (1963/64 e 1968/69). O resto fica para os historiadores...

Por outro lado, como velho combatente da Guiné, ele merece o mesmo respeito que qualquer um... Ele estava num quadrante político-ideológico completamente oposto ao meu e, inclusive, defendeu ideias sobre a guerra total na Guiné que ainda hoje me horrorizam. Se algum dia ele tivesse chegado a Com-Chefe, seria tentado a "passar tudo a ferro"...

Em finais de 1968, ele estava em rota de colisão com Spínola. Como comandante da Op Lança Afiada é desautorizado e humilhado por Spínola: reveja-se o episódio das Lanchas de Desembarque no Rio Corubal... Em todo o caso deram-lhe a Torre e Espada, em 1970. Os seus amigos da ala dura do regime, pois claro. Ele faz questão de sublinhar que foi o Chefe de Estado, o Almirante Américo Thomaz, quem o condecorou no 10 de Junho de 1970.

Mas vamos ao que interessa. Eu e o Humberto Reis seleccionámos algumas partes do depoimento do nosso brigadeiro (e nosso comandante, enquanto coronel) sobre a guerra da Guiné... Recorde-se a fonte: o livro com o título "Os últimos guerreiros do império", editado pela Erasmo (Amadora, 1995). Hoje publicamos a segunda parte que é sobre as emboscadas (ele diz que sofreu 26 só na Guiné).


As emboscadas

As emboscadas eram feitas quer a colunas motorizadas quer a tropas que se deslocavam a pé Nas primeiras, a explosão de uma mina anticarro sinalizava o começo da cilada (1).

Tenho uma fotografia que mostra o que se passou logo após ter rebentado uma mina sob a roda de um Unimog dos grandes (2). A viatura ficou destruída e sofremos dois mortos e dezasseis feridos. Tirei a fotografia porque o meu jipe também passara por cima da mina sem a fazer rebentar. O lugar do condutor da primeira viatura de uma coluna motorizada era especialmente perigoso (3). Por isso, além dos sacos de terra que se amontoavam ao lado dos pedais e por baixo do assento, havia uma escala de condutores, também chamada «escala de condenados». Não raro vi o condutor de serviço a rezar, antes de a sua viatura começar a rodar à frente da coluna.

As emboscadas começavam sempre por uma rajada repentina de metralhadora. Seguia-se o característico «rasgar» das pistolas-metralhadoras, escondidas sabe-se lá onde; os tiros isolados das armas de repetição; as explosões das bazucas, dos morteiros ou das granadas de mão. Enfim, aquele inferno que poucas vezes durava mais do que uns minutos, mas parecia sempre durar horas.

Quando tudo se calava surgia a preocupação das baixas, transmitidas pelos postos-rádio dos pelotões: «Tínhamos tido baixas? Havia feridos?» . Se a contagem terminava sem novidades, nada se comparava ao optimismo dos nossos soldados, já então lançados na perseguição de fan-tasmas. Sim, porque só raramente se via quern causara toda aquela barulhenta confusão.

Mas, se alguém tivera azar, que raiva e que dor se podiam ler nos semblantes carregados dos companheiros. Não mais poderei esquecer a palidez mortal do portador do meu posto-rádio no dia da sua «estreia».

Por vezes, nas emboscadas tínhamos baixas que era necessário transportar em macas, durante quilómetros. Só quem passou por isso tem ideia do sofrimento e do cansaço que atingiam tanto as vítimas como os seus transportadores. E quando havia mortos, carregá-los às costas durante horas era um factor desmoralizante, que só acabou quando a Força Aérea passou a dispor de meios para os ir buscar (4). Os helicópteros salvaram muitas vidas devido a oportunidade da sua presença.
_____

Notas de L.G.

(1) Sobretudo nos primeiroa anos de guerra. No meu tempo (1969/71), ia um sempre um numerosa equipa de picadores, com um grupo de combate a protegê-los, a "abrir caminho"... Mesmo assim, havia minas que não eram detectadas... No tempo das chuvas, a detecção das minas tornava-se um pesadelo...

(2) Unimog 404, sendo o 411 o mais pequeno (conhecido por "burrinho").

(3) O lugar ao lado do condutor, ocupado em geral por um graduado, era também conhecido como o "lugar do morto". Era onde eu ía, em 13 de Janeiro de 1970, quando a nossa GMC deu um coice que terá durado uma eternidade (5)

(4) Nunca vi nenhum helicóptero a transportar os mortos do nosso lado.

(5) Vd. pots de 23 de Setebro de 2005 > Guiné 63/74 - CCV: 1 morto e 6 feridos graves aos 20 meses (CCAÇ 12, Janeiro de 1971)

Guiné 63/74 - P291: Pelundo: Número do batalhão? Não sei, não me lembro (João Tunes)

Pelundo > Dezembro de 1969 > O nosso artista ao volante do jipe MG-70-86. © João Tunes (2005).

1. Há tempos o João Tunes mandou-me umas fotos do tempo dele, no Pelundo e depois, da porrada que levou, no Catió e arredores...

Por outro laddo, apareceu-nos aí o João Varanda que esteve em Có e prometeu arranjar mais umas fotos... Daí estar a pensar em criar uma página sobre esta região Có - Pelundo - Teixeira Pinto...

Disse isso ao João, ao mesmo tempo que lhe perguntava, sem malícia, se já lhe tinha passado a branca na memória: ele que que esteve na CCS do Batalhão, sediado no Pelundo, não sabe ou quer lembrar-se do númerro do raio do batalhão... Ele lá tem as suas razões que a tertúlia respeita...

Perguntei-lhe também se o João Varanda, de Coimbra, já lhe tinha respondido. Eis aqui a mensagem do nosso querido, frontal e sempre bem-vindo João Tunes, autor do blogue Água Lisa (4). (cuja visita regular eu recomendo aos nossos amigos e camaradas de tertúlia).

2. Caro Luís:

É como dizes, não me lembro mesmo [não, a bold, como faz questão de frisar o autor, em 2ª via]. BCAÇ 2864? BCAÇ 2854? Por aí...

Pois, o João Varanda nada disse, mas pensando nos dados que ele deu, a sua Companhia açoriana não pertenceu ao meu Batalhão, foi sim em reforço à Companhia do meu Batalhão e que ele chama de velhinhos. O que não invalida, pelas datas, que não tenha estado em Có ao mesmo tempo que ele (eu, de tempos a tempos, pela minha missão, ia até lá).

Mas de Có, além de me lembrar bem do quartel, memorizei a estrada em construção (Có-Pelundo-Teixeira Pinto), com segurança especial, os copos (muitos copos bebi em Có, o que não admira, eu até bebi copos onde não havia copos, bebendo pelo gargalo) e o tal capitão miliciano, economista e antifascista, lá de Có (também não lembro o nome, mas estou a ver-lhe a cara) que era um compincha do caraças para cortar na casaca do Marcelo, do Caco e das putas que os pariram.

Já tenho pensado (pouco...) nesta coisa de não me lembrar no nº do meu Batalhão do Pelundo e nem sequer do outro, o de Catió. Acho que foi um filtro qualquer de rejeição que se me meteu na memória depois de lá voltar. Prefiro que assim seja, que esquecer-me dos gajos porreiros com que me cruzei naquela guerra de merda, obrigando-nos a sermos camaradas mais que irmãos.

Lembras-te? Um qualquer cabrão, daqueles gajos de merda, os mal paridos, os egoístas e das peneiras de merda, também os havia de quando em vez e um pouco por toda a parte, na Guiné tinham a vida toda fodida, um gajo na guerra se não consegue ser camarada está mesmo fodido de todo, não enturma e tem de aguentar solitariamente com os cornos solitários e, na guerra, um gajo tem de ser camarada senão não aguenta as solidões dos guerreiros a pensar na terra e nos seus.

E acho que a Guiné nos deu isso a todos, sermos fodidos com os pretos que lá nos queriam, amigos dos pretos amigos e camaradas para o maralhal. Um gajo no mato que trocasse os circuitos, querendo foder camarada, estava ele lixado porque entrava em curto-circuito. Hoje, julgo que nos resta essa humanização, camarada entre camaradas (e que a cada um nos tornou melhores como homens), aspecto positivo, e limparmos a alma do pior que fizemos ao estarmos ali - andarmos a foder pretos por defenderem terra sua. Se conservarmos o melhor e nos reconciliarmos no pior, interiorizando respeito por quem nos combateu e dando-lhes a razão que tinham, então somos mesmo, todos, uns gajos porreiros.

Pois o blogue está a ficar catita, mais malta, mais contributos, a coisa apura-se. E verdade seja dita, o blogue ganhou com a chegada de um talento literário e de uma enorme inteireza de alma recuperada - que grande Briote! Que limpeza de memória, que verticalidade e, sobretudo, que poder de escrita! Um espectáculo, como diria o meu filho mais novo. E o puzzle vai-se completando. Ou muito me engano, ou a procissão ainda vai no adro.

Só te posso agradecer e elogiar a tua obra que nos levou a tantos, levando a mais no futuro (estou certo), a sermos honestos com o nosso passado como forma única de não nos escondermos, sacudindo dos olhos a lama da bolanha para entendermos que estivemos ali, não devendo estar ali, mas estando ali, agora aqui sem esquecer termos estado ali.

Grande abraço para ti. Outros tantos para os restantes e estimados camaradas tertulianos.
João Tunes

quinta-feira, 24 de novembro de 2005

Guiné 63/74 - P290: O heli das nove às cinco, a 15 contos por hora!

Guiné > Zona Leste > Bambadinca > 1969 ou 1970: O heliporto. Havia também uma pista para outras aeronaves (Dornier, mais conhecida por D0). A guerra da Força Aérea era das nove às cinco...

© Humberto Reis (2005)



1. Mensagem de um antigo combatente da guerra colonial, no norte de Moçambique (1971/72), o Melo Silva, que nos pergunta:

Tenho lido o seu blogue sobre a Guiné. Estive em Moçambique. Gostava de lhe perguntar o seguinte:

1- É ou não verdade que os feridos transportados em DO [Dornier], por falta de espaço, tinham que ir encolhidos?

2- Na Guiné a FA também só funcionava até às 17H00, e os Helis não transportavam mortos?

Desculpe o atrevimento.

M.C.

2. Resposta de L.G.:

Caro amigo e camarada:

Obrigado pela sua pergunta. Na Guiné, as evacuações ditas Ypsilon (feridos muito graves) eram feitas de helicóptero, para o Hospital Militar de Bissau. As distâncias eram curtas, a Guiné é do tamanho do Alentejo.

Os nossos helicópteros não estavam, de facto, preparados para andar ao fim da tarde e, muito menos, à noite... No meu tempo (1969/71), e na zona leste, os helicópteros poisavam directamente numa clareira da mata, quando andávamos em operações; ou então a partir do heliporto do aquartelamento mais próximo, se o ferido não morresse até lá... No meu tempo, havia uma enfermeira a bordo...

Os nossos mortos nunca eram helitransportados, mas sim levados, penosamente, em macas improvisadas... O argumento: (i) o helicóptero custava 15 contos à hora (o ordenado mensal de dois alferes, na altura, ou seja, em 1969...); (ii) o serviço de saúde só cuidava dos vivos, não dos mortos.

Como sabe, na Guiné a nossa superioridade aérea acabou no dia em que foi utilizado, pelo PAIGC, o primeiro míssil terra-ar, no inícío do 2º trimestre de 1973... Aí acabou também a guerra da Guiné: o aquartelamento de Guileje é abandonada, em pânico, em Maio de 1973...

Junte-se à nossa tertúlia de ex-combatentes: temos um camarada, fuzileiro, que esteve em Moçambique, o Jorge Santos, autor da página A Guerra Colonial. Um abraço, Luís Graça


4. Resposta do Melo Silva:

Já agora, se o fuzo esteve no Niassa em 71/72, quase de certeza que o conheço.
Eu estava no Lunho, o do Cancioneiro [do Niassa].

Era uma porra, nunca havia a merda da verba para nada, excepto para a chularia em Nampula.

Vocês não tinham Dorniers [DO], aqueles aviãozinhos?
Um abraço.

5. Comentário do nosso tertuliano Manuel Castro:

É verdade, os Helis não voavam a partir do entardecer e também não faziam evacuações de zonas perigosas. Eu próprio fui transportado, em Outubro de 1973 do Olossato até Bissorá, deitado na carroçaria duma GMC. Esta picada, de cerca de 22 Km, foi percorrida em cerca de 5 horas, com os meus camaradas fazendo a picagem e protecção à coluna. Chegado a Bissorã (zona menos perigosa), fui recolhido pelo Heli e transportado para o hospital militar de Bissalanca. Algum tempo antes tinham sido abatidos os primeiros Fiats G-91 e a força aérea tinha deixado de voar para o Olossato. Felizmente estou vivo.

Em finais de Março de 1973, em cima da mesma GMC, tinha morrido o 1º cabo Guerrinha, por falta de evacuação. Sem uma perna, desfeita por uma mina antipessoal, esperou desesperadamente 7 longas e angustiantes horas que a evacuação, sucessivamente prometida, chegasse. Nunca chegou! Infelizmente o Guerrinha não está vivo.

Um abraço. M.Castro

Guiné 63/74 - P289: O Hélio Felgas do nosso tempo

1. Texto do A. Marques Lopes (coronel DFA, na reserva, e membro da nossa tertúlia):

Pois, caros camaradas tertulianos, conheci bem o então tenente-coronel Hélio Felgas, quando ele, no meu tempo por aquela zona, era comandante do agrupamento sediado em Bafatá.

Foi ele um dos culpados da minha estadia nocturna na bolanha de Sinchã Jobel e das desgraçadas operações que, depois, lá se fizeram. Foi ele que se mostrou grandemente preocupado se eu tinha ou não trazido a G3, quando regressei, e me levantou um problema sério:

- Você esteve 24 horas no campo do inimigo!.... - Consciencioso, como se vê, teórico (!) da guerra subversiva, chegou a dar esta cadeira na Academia Militar e passou à reserva como brigadeiro.

Não conheço o livro que o Luís e Humberto Reis referem, nem sabia que ele passou compulsivamente à reserva. De qualquer forma, não terá sido ouvido porque a sua história e comportamentos eram por demais conhecidos. E o Spinola conhecia-o bem.

Mantenhas
A. Marques Lopes

2. Texto do David Guimarães (ex-furriel miliciano da CART 2716, Xitole, 1970/72):

Sei que o comandante de Batalhão que estava em Bambadinca [BCAÇ 2852, 1968/70], antes de a gente os substituir [BART 2917, 1970/72], tinha apanhado uma porrada - pois no ataque que tiveram, em Maio de 1969, o General foi lá e encontrou a situação dos morteiros como eu já te disse, em massa e não instalados... Não sei se é verdade, foi o que me contaram...

Bem, aquela coisa [Op Lança Afiada] não foi como eles contam e não conquistaram nada ... O Fiofioli lá continuou... E isso de comer mais porco ou menos porco, enfim, foi o que nós fizémos... Sei que era a juventude e todos fizemos merda... Agora o que não aceito é que contem uma história de merdas e se vangloriem do que nem chegou a acontecer...

Como é óbvio os turras também seríamos nós, um pouco. Eles viviam na terra deles e defenderam-na com unhas e dentes até à independência... Depois eles tomaram como traidores os que andaram do nosso lado... Bem, será que não tiveram razão? Não sei...

Sabes, eu tenho que ser delicado e num blogue não posso dizer que um dos senhores tenentes coronéis que participou na Op Lança Afiada andava a tirar fotografias, obrigando ao General Spínola a ordenar ao seu ajudante de campo para ir falar com ele e pô-lo no sítio... Era o que se dizia no Xitole...

Quanto ao Coronel Felgas não sei, nem ouvi falar nele na altura...

Bem, quanto ao Spínola era uma bestinha mas também diziam que era um grande General...


3. Anteriormente eu tinha comentado para o David:

A rapaziada da tertúlia ainda não pegou na história do Fiofioli, tirando tu... Tu já viste a monumental churrascada que foi aquela merda ?! Os gajos do BCAÇ 2852 deitaram fora as rações e mataram e comeram os porcos todos dos balantas e beafadas! Milhares! Até vacas trouxeram, vivas, para o Xitole... Queimaram e esfoçaram tudo o que apareceu... E tudo para quê ? No final, arrebanharam uns 17 gatos pingados, quase tudo mulheres!... Que heróis!...

O relatório é uma maravilha e então as conclusões são do melhor! Recordas-te alguma vez de ouvir dizer que o coronel Hélio Felgas (Bafatá) tinha apanhado uma porrada do Spínola, jna mesma altura dos gajos do BCAÇ 2852 ? Eu sei que isto não é do teu tempo, mas podes ter conversado sobre isto com a velhice... Gostava que me confirmasses ...

Guiné 63/74 - P288: Antologia (27): Depoimento do brigadeiro Hélio Felgas (1): os aquartelamentos

Guiné > Zona Leste > Subsector de Geba > Destacamento de Banjara > 1968 >

O destacamento não tinha população civil e era defendido por um pelotão da CART 1690.

Distava 45 km de Geba, o que tornava qualquer acção de socorro, por via terrestre, problemática. Não havia água nem luz. Os abrigos, subterrâneos, eram debaixo de árvores seculares... O perímetro do destacamento era demarcado por uma frágil fiada de arame farpado.

Este tipo de destacamento, improvisado, tosco, sem qualquer infra-estruturas de apoio aos nossos soldados (refeitório, casas de banho, camaratas..), era corrente na Guiné. Eram os próprios militares, com as suas mãos e fraco equipamento (pás, picaretas, serras manuais...), com pouco ou nenhuma ajuda da engenharia militar, que o iam fazendo e melhorando, privilegiando primeiro a segurança e só depois o conforto (mínimo)... Mas havia ainda "buracos" piores do que este... O destacamento (!) que defendia a ponte do Rio Undunduma, na estrada Xime-Bambadinca...

© A. Marques Lopes (2005)

Iniciamos hoje (eu e o Humberto Reis) a publicação de um pequeno depoimento do brigadeiro Hélio Felgas (n. 1920), que fez duas comissões na Guiné, durante a guerra colonial (Bula, 1963/64; Mansoa, Tite, Bafatá, 1968/69).

Na última comissão, ele começou por chefiar o Estado-Maior do Sector de Mansoa, depois passou ao Comando do Batalhão de Artilharia de Tite, no sul e, por fim, ficou à frente do "Sector Leste, que abrangia cerca de metade do território e incluía batalhões das três armas combatentes, os quais, naquele tipo de guerra, actuavam concertadamente".

Entre esses batalhões que actuaram na Zona Leste, contava-se o já nosso conhecido BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). Quando ele, como o posto de coronel, comandou a controversa Op Lança Afiada (8 a 19 de Março de 1969) (1), era então comandante do Agrupamento 2957 (sediado em Bafatá, mais tarde CAOP 2). Repare-se que o brigadeiro nunca identifica as unidades a que se refere, conforme mandam as boas regras militares...

A CCAÇ 2590/CCAÇ 12 foi colocada, em Julho de 1969, na Zona Leste, como unidade de intervenção, afecta ao Agrupamento 2957 e pronta a actuar em qualquer dos cincos sectores da Zona leste, com destaque para o Sector 1 (Bambadinca), mas também o Sector L2 (Geba) e o Sector L3 (Galomaro). O Coronel Hélio Felgas era, para os todos os efeitos, o nosso comandante de zona. Nunca me foi apresentado...

Este depoimento vem inserido no livro "Os últimos guerreiros do império" (Amadora: Erasmo, 1995), donde constam entrevistas com (ou depoimentos de) diversos militares que se destacaram como valorosos combatentes: o Comandante Rebordão de Brito, o Coronel Caçorino Dias ou o Alferes Marcelino da Mata são exemplos, entre outros. Já aqui apresentámos o relato, contido nesse livro, da Op Ametista Real, comandada por Almeida Bruno, à frente do batalhão de comandos africanos (2).

Autor: Vários
Editora: Erasmos
Local: Amadora
Ano: 1995
Colecção: Memória do Tempo
ISBN 972-8301-03-0
290 pp.


Fonte: 4.ª Companhia de Caçadores Especiais (4CCE) > Bibliografia sobre a guerra colonial.

O Brigadeiro Hélio Felgas, condecorado com a Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito (1970), passou compulsivamente à reserva, a seguir ao 25 de Abril de 1974. No seu depoimento, ele considera-se vítima de saneamento político-militar. Fica esta informação para quem quiser ler e analisar o livro com mais detalhe.

Recorde-se que o Brigadeiro Hélio Felgas, que é também um homem da palavra, como escritor e conferencista, foi Professor Catedrático da cadeira de Estudos Militares, na Academia Militar e, nessa qualidade, foi professor de muitos dos homens que estavam por detrás do Movimento das Forças Armadas (MFA), incluindo capitães de Abril como o Otelo Saraiva de Caravalho.

Com a devida vénia e o nosso respeito por este antigo combatente da Guíné, publicamos a seguir a primeira parte do seu depoimento, interessante sobretudo para aqueles de nós que estiveram na mesma altura e na mesma zona (caso, por exemplo, dos camaradas do BCAÇ 2852 e da CCAÇ 12).

A última parte do depoimento ("algumas considerações acerca da Guiné Portuguesa") deve merecer uma especial atenção por parte dos nossos amigos e camaradas: ele aqui é intencionalmente polémico, comparando a Guiné com o Vietname... Nessa parte do livro (pp. 135 e ss.) , ele revela - 27 anos depois ! - algumas ideias do relatório que terá enviou, no final do ano de 1968, ao General Spínola, "onde defendia que a concessão da independência à Guiné Portuguesa não iria agravar, antes pelo contrário, a situação em qualquer das outras Províncias Ultramarinas" (p. 135).

Mas voltemos ao princípio:

“Conheci praticamente toda a antiga colónia portuguesa e da forma que menos se esquece: a pé e de jipe. Nas 84 operações que comandei, percorri 7000 km de más estradas, piores picadas e pantanosas bolanhas (arrozais). Nelas sofri 26 emboscadas, além de meia dúzia de flagelações aos aquartelamentos e tabancas (aldeias nativas) onde pernoitava".

Dos aspectos que o autor melhor recorda haveria quatro aqueles que "mais vezes interrompem o agora sossegado sono do combatente reformado"... Eram eles:

(i) os improvisados aquartelamentos;
(ii) as emboscadas sofridas;
(iii) os ataques aos acampamentos do IN (ele utiliza a palavra "adversário); e
(iv) as longas e penosas ‘nomadizações’.


Os aquartelamentos
"Antes da guerra a Guiné só dispunha de uma pequena unidade militar em Bissau . Com o início das hostilidades foi necessário arranjar aquartelamentos um pouco por toda a parte. Adaptaram-se construções administrativas e comerciais, construíram-se pavilhões pré-fabricados, telhados de zinco e capim rodeados por bidões cheios de terra. Existiam, igualmente, simples abrigos cavados no chão e cobertos por camadas de troncos cruzados como em Bissássema, Nova Sintra ou em Madina do Boé, ou modestos bunkers com paredes cimentadas, onde eram rasgadas seteiras, como em Braia.

O furriel miliciano de transmissões Carlos Fortunato, da CCAÇ 13 - Os Leões Negros, junto a um palmeira cortada por uma roquetada, nas proximidades de um caserna da "Outra Banda", pertencente ao aquartelamento de Bissorã (1970)

© Carlos Fortunato (2005).

"Não é difícil avaliar o desconforto destes aquartelamentos, onde os nossos militares viviam, frequentemente mais do que um ano, sujeitos a constantes bombardeamentos e flagelações. Em Madina do Boé a ‘festa’ , como os soldados lhe chamavam, era quase diária. Fiquei admirado, na primeira vez que lá pernoitei, ao ouvir, antes de anoitecer, diversos gritos de ‘Está na hora! Está na hora!’.

"Logo a seguir começou mais um bombardeamento que, dessa vez, felizmente não causou vítimas. O único canhão sem recuo de que dispúnhamos era insuficiente para calar o fogo do adversário que só findava quando as munições acabavam ou quando resolviam regressar à Guiné-Conakry".

Hélio Felgas, brigadeiro

In: Os últimos guerreiros do império. Amadora: Erasmos. 1995. 131-132.

(Continua)
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(1) Vd. posts publicados anteriormente:

14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas

15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli

(2) Vd. post de 16 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CLXXV: Antologia (16): Op Ametista Real (Senegal, 1973) Tratou-se de um ataque, em Maio de 1973, a uma base do PAIGC, no Senegal, com o objectivo de aliviar a pressão sobre Guidage. Segundo o autor, Almeida Bruno, o IN sofreu 67 mortos e as NT 14 mortos (dos quais dois alferes), onze desaparecidos, mais tarde confirmados como mortos, e 23 feridos graves (dos quais três oficiais e sete sargentos). Ao IN foram ainda destruídos 22 depósitos de material de guerra.

quarta-feira, 23 de novembro de 2005

Guiné 63/74 - P287: Convívios do pessoal do BCAÇ 2852 e da CCAÇ 12: Resende (1999) (Humberto Reis)

Fotos que o Humberto Reis me mandou em 17 de Agosto de 2005, e que só agora chegam ao conhecimento da tertúlia. Aqui vão, com legenda. Os créditos fotográficos são do fotógrafo de serviço...

Faço votos para que estes camaradas, aqui identificados, apareçam aqui um dia destes a bater à porta da nossa tertúlia... Por minha parte, recordo com saudade, o pessoal da minha companhia, a CCAÇ 12: o Valente (ferido em combate), o Ramos, o Encarnação, o Galvão (ferido ao meu lado num operação na região do Xime, de que haveremos de falar um dia destes), o Patronilho, para além, obviamente, do Vacas de Carvalho, das Daimlers (que foi meu vizinho aqui, em Alfragide) e do pessoal do BCAÇ 2852, incluindo o nosso major Cunha Ribeiro, o eléctrico, o tal que um dia me disse, a mim e aos meus nharros:
- Se esta merda fosse uma fábrica minha, eu despedia-vos a todos, cambada de malandros!... (Andávamos a abrir valas, no perímetro do quartel, sob o sol escaldante da Guiné... E a pior coisa que podiam fazer a uma fula era dar-lhe uma enxada, uma pá e/ou uma picareta... Idiossincrasias dos fulas, que me diziam: - Trabalhar é bom para a mulher e para o tuga... Em contrapartida, era preciso andar à porrada com eles, debaixo de fogo, para eles se calaram por uns segundos!).

Claro que hoje recordo este (e outros episódios do nosso convívio quotidiano em Bambadinca) com um sorriso nos lábios... Porque recordar é viver. Falhei este almoço em Resende, em 1999, na casa de campo do Pinto dos Santos, de quem afinal também sou vizinho (vd. A Nossa Quinta de Candoz). Luís Graça

© Humberto Reis (2005).

Luís: Aqui vai uma foto de um almoço em Resende, na quinta do Pinto dos Santos, ex-furriel miliciano de Operações e Informações da CCS do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/72), realizado em 29 de Maio de 1999.

Identificam-se sentados na zona da relva e da esquerda para a direita :

(i) eu (e a Teresa); o ex-1º cabo Valente (o nosso barbeiro, da CCAÇ 12), residente no Porto; o ex-alferes miliciano Vacas de Carvalho, do Pelotão Daimler, residente em Lisboa;

(ii) no 1º degrau da escada reconhece-se o anfitrião, residente no Porto-Miramar e em Resende;

(iii) no 2º degrau, de barbas, o ex-soldado radiotelegrafista da CCAÇ 12, Ramos, residente na Quinta do Anjo, em Palmela;

(iv) no 3º degrau, o ex-1º cabo Galvão, da CCAÇ 12, residente na Covilhã; a seguir o ex-major de operações do BCAÇ 2852, o Cunha Ribeiro (mais conhecido por "o eléctrico" ou "o tiques") , residente no Porto;

(v) e no último degrau, ainda sentado, o ex-1º cabo Encarnação da CCAÇ 12 e residente em Massamá; o que está de pé, com a mão no corrimão da escada, é o ex-soldado condutor auto da CCAÇ 12 Patronilho, residente em Azeitão; dos restantes não me lembro dos nomes.


© Humberto Reis (2005).

Eis a segunda foto do almoço de Resende, com uma vista espectacular do Douro, tirada do quarto onde fiquei instalado lá no Turismo Rural (ou de Habitação?), do Pinto dos Santos.

Reconhecem-se da esquerda para a direita: (i) o Vacas de Carvalho; (ii) o Pinto dos Santos a conversar com o Cunha Ribeiro, que está de costas; (iii) o ex-furriel miliciano Lopes, dos Reabastecimentos, do BCAÇ 2852, residente em Linda A Velha; (iv) o ex-fur mil sapador do BCAÇ 2852 Bernardo, residente em Leiria; (v) e, de polo amarelo, o ex-1º cabo enfermeiro da CCAÇ 12 Sousa, residente na Trofa.

Guiné 63/74 - P286: Antologia (26): A geração do stresse pós-traumático de guerra (Luís Graça)


© A. Marques Lopes (2005)

Dois jovens portugueses, "passando férias" em Banjara, algures na Zona Leste da Guiné, por volta de 1967 (enquanto os seus colegas americanos se batiam pela liberdade e morriam no Vietname, como tordos...).

Na altura estes tugas estavam alegremente a capinar o terreno e deitar abaixo árvores para montarem a tenda... Como se vê, naquela época ainda não havia qualquer sensibilidade ecológivca...

[ Banjara, destacamento da CART 1690, sediada em Geba, e de que o nosso A. Marques Lopes foi alferes miliciano atirador... Banjara ficava na estrada Bissau-Mansabá-Bafatá. Mais a norte, ou melhor, a nordeste, ficava Cantacunda, o sítio da Guiné onde o PAIGC, de um só vez, apanhou 11 militares portugueses, à mão, e matou outro...] (1)
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Por sugestão do nosso amigo e camarada Jorge Santos (ex-fuzileiro, autor da página sobre A Guerra Colonial e membro da nossa tertúlia), aqui fica um belíssimo, comovente e frontal testemunho de um oficial médico da Marinha - como presumo que seja o autor destas histórias da botica, escritas na Revista da Armada, sob o pseudónimo Doc - que um dia encontrou, na urgência de um hospital, um ex-combatente da Guiné, das tropas especiais, com visíveis problemas de stresse pós-traumático de guerra, e que o soube ouvir, apoiar e encaminhar, mesmo sendo ainda um jovem interno do internato complementar da sua especialdade (não diz qual...).

Curiosamente, reparo agora que nunca falámos aqui, nesta tertúlia, desse problema que se chama stresse pós-traumático de guerra (2). L.G.
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Histórias da botica (14): o combatente. Revista da Armada. 348, (Dezembro de 2001).
(Com a devida vénia e os nossos agradecimentos à esta excelente publicação da nossa Marinha e ao autor do texto. Subtítulos da minha responsabiliddae. L.G. ).

Há não muito tempo, numa Urgência de um grande hospital da capital alguém gritava:

- Olhe que eu já matei por Portugal!! – era um homem de meia idade, desgrenhado e de barba por fazer. Aproximei-me dos gritos. No caminho um enfermeiro saía irritado afirmando: mais um doido. É o terceiro hoje!

De perto o homem, apesar da agitação, tinha um ar digno. Era alto, com um ar sólido de quem é capaz de mover montanhas, a barba, já grisalha, assentava sob uma tez morena, de homem do campo. Olhava directamente nos olhos da sua interlocutora: uma médica, por quem eu não tinha muito apreço – no geral, conflituosa e pouco estimada por todos os outros naquela equipa de urgência. Era até conhecida, entre os mais novos, pela peçonhenta, uma vez que da sua pele emanava um brilho pouco natural, certamente graças aos muitos cremes de beleza, com que besuntava a face.

Tratava-se de uma discussão por papéis, em que a peçonhenta argumentava de maneira agressiva, afirmando que a “ficha” do paciente não existia. Este defendia-se dizendo que não sabia nada de “fichas”, esperava haviam já 3 horas e queria ser atendido. Então, com a humildade própria de um simples interno, avancei e disse, a tão ilustre clínica, que ia atender o senhor. Que se acalmasse, que outros doentes com “fichas” no devido lugar esperavam por ela.


Um ex-operacional das tropas especiais

Fui movido pela curiosidade, antevendo a história que tal homem produziria. Queria saber afinal quem ele matou e porquê? Conversámos, então, num corredor movimentado, onde todos passavam demasiado apressados para nos ouvir.

Queixava-se de insónias, há já uma semana que não conciliava o sono...

Tinha combatido nas tropas especiais da guerra de África, na Guiné. Já fora casado mas a mulher deixara-o. Os seus dois filhos viviam com a mulher, que lhes dizia que o pai não prestava. Desde o final da guerra, tinha tido vários empregos, mas não os conservara. Vivia de biscates e morava numa caravana, velha, num parque de campismo dos subúrbios.

- Mas agora não dorme exactamente porquê? – perguntei eu, tentando ser objectivo.

Não dormia porque era como se tudo fosse real. Ainda sentia os cheiros de África, a humidade no tarrafo, o capim na face, o camuflado colado ao corpo, o peso, frio, da metralhadora nas mãos... Mas o pior, o pior, era a sensação de medo...

A emboscada e o sangue do António, que ainda sentia nas mãos, o amigo que segurara nas mãos, até ao último estertor. Era véspera de Natal, tinham ido tomar banho a um riacho próximo, quando foram atacados...O António era o primeiro da fila – percebe, doutor – os turras apontaram a quem vinha à frente...

Tudo lhe voltava, num ciclo infindável de medo, agressividade e sofrimento...

Achava que não tinha tido do país, por quem arriscou a vida, qualquer reconhecimento. Afinal, quando voltou não lhe tinham reservado o trabalho, para o qual "era preciso ter o serviço militar cumprido", outro, um revolucionário exilado em Paris na época colonial, tinha ocupado o lugar...

Casou, mas divorciou-se, pouco tempo depois. Não conseguia explicar à mulher a ansiedade da espera, os gritos da refrega, nem o sangue do amigo morto, que lhe salpicara a cara. Se tinha pesadelos? Não, tinha poucos pesadelos, porque dormia pouco...Eram mesmo os dias que o enervavam...


Na Guiné, longe do Vietname...

Tudo isto, achava ele, não interessava a ninguém no país actual, E não compreendia nada...não compreendia um país em que as ruas se enchem de dejectos de cães e senhoras com nome de cão, como Lalá e Bibi, artificiais e secas, preenchem os serões de televisão. Não percebia, ainda, porquê pouco se falava do António, nem de todos os que partiram por servirem, a custo da própria vida, uma causa que lhes havia sido imposta...Não compreendia, finalmente, porquê, no nosso país se obliterava como se de um segundo se tratasse, uma guerra que marcou gerações...Pelo menos no Vietname há filmes, as pessoas revêm o seu sofrimento, parece haver reconhecimento – dizia com dor no olhar.

Lembrei-me, recentemente, deste Combatente. Nestas férias de Verão vi que na parada de um antigo quartel, onde existe uma placa com os nomes dos mortos em acção, nos vários conflitos em que o regimento participara, tinham construído um lago de aspecto nada condizente com o lugar, nem com o respeito merecido por aqueles que já partiram e cuja memória dignifica o lugar.

Pareceu-me um sacrilégio. Seria como construir um lago de patos sobre os monges sepultados, num qualquer átrio de igreja...Pareceu-me ainda pior, porque esse quartel, agora transformado em parque turístico, é gerido por militares...

Na verdade, acredito, que poucos países revelaram, pelo menos na época actual, tanto desrespeito pelos seus veteranos de guerra. E estou certo, que o Combatente tem razão. No nosso país, nem mesmo aos políticos – a grande maioria [tem]apresentado, de forma implícita ou explícita, pouca simpatia pelos militares - interessam os sofrimentos de um grupo de homens tristes, marcados pelo dor e pela desgraça.

Eu nunca combati. Nunca estive na Guiné. Não posso compreender, na sua totalidade, o sofrimento deste homem, nem de outros como ele...Impressionou-me a história de um homem destroçado, ainda a combater pela vida, tantos anos após o fim da guerra. Pareceu-me um preço patriótico demasiado elevado, num país em que cada vez mais os valores da nação se vergam ao dinheiro, ao voto fácil, à falsidade e à negociata barata.

Sei, que quando penso no Combatente, e na história da sua vida, tenho pena, muita pena de toda uma geração apanhada numa guerra – agora considerada politicamente incorrecta – que os continua a fazer sofrer com tanta intensidade. Tenho pena, também, de pertencer a um país que não distingue entre o poder e os homens simples, quase sempre joguetes inocentes...

E talvez eu seja indigno sequer de falar deste assunto, já que para mim "os turras" e a guerra de África, são apenas vozes e notícias, dispersas, de infância. Fica aqui, pelo menos aqui, este pequeno contributo para que tal injustiça seja reconhecida.

O Combatente, sei de fonte segura, frequenta há pouco tempo uma consulta de psicopterapia, com outros da sua geração que também perderam a juventude na guerra. Nunca recuperará a família, o emprego, mas talvez recupere o respeito dos filhos – um objectivo meritório.

Tem que deixar morrer os sons da batalha dentro de si e aceitar que há outro dia. Tem que perdoar. Só assim poderá fechar, acredito sinceramente, o abismo profundo que lhe dilacera a vida.

Fala-se agora mais nestes assuntos, do que na época em que ouvi o Combatente, no silêncio daquele corredor barulhento... Também houve um filme ou outro, sobre esta forma tão dolorosa de sofrer...Talvez as coisas melhorem finalmente.

Eu desejo, do fundo da alma - para ele e para todos como ele - que atinjam a benção do esquecimento e tenham a força para criar um novo princípio...Do pouco que tenho, ofereço aquilo que mais me custou a conquistar e mais prezo na vida: ofereço-lhes o meu respeito...

Bem hajam pelo sacrifício!!
Doc
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Nota de L.G.

(1) Vd. post de A. Marques Lopes, de 18 de Maio de 2005 > de Guiné 63/74 - XXI: "O ataque e assalto do IN ao destacamento de Cantacunda (1968)

(2) O stresse, como figura, jurídica é recente na legislação portuguesa: a primeira referência conhecida é a que consta na Lei nº 46/99, de 16 de Junho de 1999, respeitante ao “apoio às vítimas de stresse pós-traumático de guerra”.

O conceito de “deficiente das Forças Armadas” passava, então, a ser alargado ao cidadão português, militar ou ex-militar, que fosse “portador de perturbação psicológica crónica resultante da exposição a factores traumáticos de stresse durante a vida militar”, quer no teatro de guerra, quer no desempenho de missões humanitárias e de paz ou de acções de cooperação técnico-militar no estrangeiro.

Ao Estado competia criar uma "rede nacional de apoio" às vítimas de stresse pós-traumático de guerra, no âmbito do Serviço Nacional de Saúde e do Sistema de Saúde Militar, em articulação com as organizações não governamentais (ONG).

A essa rede incumbe "a informação, identificação e encaminhamento dos casos e a necessária prestação de serviços de apoio médico, psicológico e social". Essa rede foi entretanto criada, pelo D.L. nº 50/2000, de 7 de Abril. Por sua vez, a Portaria nº 647/2001, de 28 de Junho, veio estabelecer os termos do respectivo financiamento.

Luís Graça

terça-feira, 22 de novembro de 2005

Guiné 63/74 - P285: O 'malandro do Ribeiro' que arriou a nossa bandeira em Mansoa (Marques Lopes)

O ranger Eduardo Magalhães Ribeiro em Dezembro de 1973, em farda nº 1. Os rangers têm uma associação, a AOE - Associação de Operações Especiais. Entre os camaradas daquela época, o Ribeiro também era conhecido pelo seu nome de guerra, o Cavalo Branco.

© Eduardo Magalhães Ribeiro (2005)

Comentário, fora de horas, às tantas da madrugada, do nosso amigo e camarada A. Marques Lopes (coronel DFA, na reforma, que esteve na Guiné como alferes miliciano, em Geba e em Barro, respectivamente em 1967 e 1968), a propósito do post anterior: Guiné 63/74 - CCCIV: 'Eu estava lá, na entrega simbólica do território' (Mansoa, 9 de Setembro de 1974):


...Mas este malandro do Eduardo Magalhães Ribeiro até é primo da minha mulher. Já estava admirado por ele ainda não ter aparecido aqui... É um ranger. Conta mais, Eduardo!

Entretanto, conto eu aos camaradas que estive várias horas, esta noite, em grande conversa com o Albano Costa e o Allen. E vamos tornar a encontrar-nos na próxima sexta-feira para continuar.

O paisano Eduardo Magalhães Ribeiro, hoje, no Porto.

© Eduardo Magalhães Ribeiro (2005)

Fiquem também a saber que ficou mais ou menos projectada uma visita à Guiné-Bissau em 2006 (entre Janeiro e Maio, porque para época das chuvas já chegou...).

A. Marques Lopes

segunda-feira, 21 de novembro de 2005

Guiné 63/74 - P284: Tabanca Grande: Eduardo Magalhães Ribeiro, ex-Fur Mil Op Esp do BCAÇ 4612/74 - Eu estava lá, na entrega simbólica do território (Mansoa, 9 de Setembro de 1974)

Guiné > Mansoa > 9 de Setembro de 1974 >

O Furriel de Operações Especiais Ribeiro, da CCS do BCAÇ 4612, recolhe a bandeira verde-rubra, na presença de representantes do PAIGC (incluindo a viúva de Amílcar Cabral) e de autoridades militares do CTIG.

© Eduardo Magalhães Ribeiro (2005)

1. Fui hoje contactado, por telefone, por um ex-furriel miliciano, ranger, Eduardo Magalhães Ribeiro (que trabalha no Porto, na EDP) e que esteve na CCS do último batalhão da Guiné, em Mansoa (BCAÇ 4612)...

Ele considera-se o mais periquito dos periquitos da Guiné: foi para a Guiné já depois do 25 de Abril em "missão liquidatária"...

Na realidade, tratava-se de fazer a entrega (simbólica) do território aos novos senhores da Guiné e, ao mesmo tempo, assegurar a retirada, ordeira, digna e segura, das últimas tropas portuguesas. Mansoa, em pleno coração do território, serviu perfeitamente para esse duplo propósito...

Guiné > Mansoa > 9 de Setembro de 1974 >

Um português, Ribeiro, a fazer história...

© Eduardo Magalhães Ribeiro (2005)

Presumo que tenha sido uma experiência não menos dolorosa para muitos jovens portugueses, numa época não isenta de riscos, tensões e contradições... Pessoalmente confesso que não gostaria de lá ter estado, fardado, no pós-25 de Abril de 1974... Fez-se história nesse dia já longínquo de 9 de Setembro de 1974...

O Eduardo diz que ficou famoso pela sua foto a arriar a bandeira verde-rubra , em Mansoa, na presença da Maria Turra (sic), como era conhecida entre os tugas - com o sentido de humor, que é típico da caserna, mas com respeito e até carinho - a viúva do Amílcar Cabral, que assistiu com outros destacados dirigentes do PAIGC a este momento histórico...

Enquanto ansiava por receber as prometidas fotos e estórias do Eduardo, este nosso novo tertuliano acabou por fazer uma primeira remessa, agora mesmo...


2. Texto do Eduardo Magalhães Ribeiro:

Boa noite, amigo ex-combatente da Guiné, Luis Graça.

Tal como combinámos, anexo um pequeno texto e algumas fotos, das 38 que possuo aqui em casa, que vou repartir por 3 ou 4 emails, dada a sua grande ocupação de espaço.

Eu estive na Guiné, em Mansoa, em 1974, na CCS do BCAÇ 4612/74 (o último batalhão que partiu para a Guiné e também o último que de lá saiu), e participei, ali, na entrega do aquartelamento ao PAIGC e na simbólica entrega do território, que incluiu uma muito concorrida cerimónia do último arriar de bandeira nacional, com cerimónia oficial, na Guiné, e o hastear da primeira bandeira da Guiné-Bissau.

Se achares com interesse junta ao blogue.

MANSOA, 9 de Setembro de 1974

Com a revolução de 25 de Abril de 1974, foi dada como terminada aquela que foi designada como Guerra do Ultramar, que Portugal travava em África, nas três conhecidas frentes: Angola, Guiné e Moçambique.

Guiné > Mansoa > 9 de Setembro de 1974 >

Um privilégio que poucos tiveram e que provavelmente poucos quereriam ter... É de imaginar o tipo de sentimentos, contraditórios, que terá assaltado, naquele momento, este digno representante do povo português que foi o nosso camarada Ribeiro...

© Eduardo Magalhães Ribeiro (2005)


Em 9 de Setembro de 1974, com a independência da Guiné-Bissau, foi entregue o território ao PAIGC numa cerimónia oficial que decorreu no quartel de Mansôa.

Estiveram presentes nessa cerimónia: a CCS do BCAÇ 4612/74, comandada pelo Major Ramos de Campos; o CMDT do mesmo batalhão, Coronel António C. Varino; um grupo de combate, um grupo de pioneiros, Maria Cabral (viúva de Amilcar Cabral) e o comissário político Manuel Ndinga, do PAIGC; e, pelo CEME do CTIG, o Ten. Cor. Fonseca Cabrinha.


Guiné > Mansoa > 9 de Setembro de 1974 >

Um dia de sonhos e de esperanças para os guineenses... E de alguma nostalgia para os últimos soldados do império colonial português...

© Eduardo Magalhães Ribeiro (2005)

A bandeira foi arriada por mim, à data Furriel Miliciano de Operações Especiais, Eduardo José Magalhães Ribeiro.

À cerimónia compareceram ainda uns largos milhares de nativos locais, de diversas etnias: papéis, balantas, fulas, futa-fulas, mandingas, manjacos, etc., e umas dezenas de jornalistas de todo o mundo.


Um guerrilheiro do PAIGC hasteia a bandeira da nova República da Guiné-Bissau.

Os inimigos de ontem dão-se as mãos e prometem cooperar, no futuro, numa base igualitária, falando a mesma língua. Sob a bandeira do PAIGC os vários povos da Guiné lutaram pela indepência mas é através da língua portuguesa (oficial) que se entendem...

© Eduardo Magalhães Ribeiro (2005)

Desta cerimónia possuo em minha casa 38 fotografias, mas existe um filme deste acontecimento histórico inserido na série televisiva: Século XX Português, da SIC Notícias – no Episódio sobre a “Descolonização”, acompanhado de uma curta entrevista, que ali dei, sobre os factos então vividos.