Texto do Américo Marques, ex-soldado de transmissões da 3ª CART do BART 6523, com sede em Nova Lamego (Gabu), destacado em Cansissé (Jun. 1973 / Set. 1974)
Boa tarde Luís!
Mais uns escritos, muito simples e sem conteúdo que doa, a recordar, como acontece com outros relatos. Unicamente descrevo um bocado da vivência, que em parte todos viveram. O ir, chegar e sobreviver – até regressar. Numa África que nos foi comum.
© Américo Marques
Américo Marques
A Estibordo do Niassa
Após ter ido de Viana do Castelo (B C 9) para formar batalhão até Penafiel e desta até Lisboa para embarcar no Niassa. E, como se tivesse acordado, dou comigo sentado no castelo da proa a estibordo do meu transportador marítimo. Num fim de tarde de Junho de 1973, quando avistei reconfortante vegetação – que me fez lembrar rapidamente a vida verde das montanhas e dos campos minhotos. Neste caso, as rendas verdes de Viana. Cidade pequena, dotada pela natureza com um rio calmo um mar muito iodado, e uma montanha que é destino de peregrinos. No resto é como outra qualquer. Composta de cedros, acácias, pinheiros, carvalhos, esquilos e miradouro para um deslumbrante horizonte. Quando o sol namora o mar, ao fim da tarde.
Depois deste devaneio ou divagação que me confundiu, resultante de um estado psicológico muito frágil (porque enjoei), deixei-me aconchegar pelos sendeiros de terra vermelha de Bissau. Envolvimento irreversível. Fazendo nascer em mim uma ligação que é neste momento - passados 33 anos - uma saudade maior que o oceano que nos separa... Fisicamente como é óbvio. Porque na mente a Guiné só não é a minha primeira terra porque existe uma outra, chamada Portugal.
E assim, já muito picado, fui andando, indo e me envolvendo com a realidade da Guiné. Foi quando nos enviaram para o Cumeré, para ouvir as boas vindas do supremo, o General A. Spínola. No dia seguinte, carregados de petiscos, bombarda e o Racal, foi dar ordem às botas até Mansoa. Cumprir o terrível I. A. O, que se estendia também às zonas de Nhacra e Dugal.
Passadas duas semanas, toca a carregar de novo o equipamento de campismo para definitivamente ficarmos acampados… Ah, mas não fomos à pata! Fomos enlatados num ferry, uma LDG, até ao Xime. Hall de entrada, via berliet, para as terras do Gabu.
Aqui tracei (mal) ou alterei o meu destino mais imediato. Como o bazuqueiro era amigo e companheiro de trabalho e como pertencia a outro grupo de combate que não o meu, pedi para trocar. Saiu-me a fava! Pois deixei de poder ficar em Nova Lamego. Que tinha comércio de gente ibérica, cinema, raparigas das nossas e vinho Lagosta. E de novo lá vou com as ferramentas. Desta vez para a vida paleolítica de Cansissé, acompanhado na viagem por muitos macacos que, para meu espanto, ladravam.
Ao chegar, embora nos tenham recebido com uma enorme festa, eu sou mal tratado (mas aceitei as caneladas) pois os 2 operadores de rádio que já cantavam; estaaaa´na mala… ficam encornados! Aguardavam dois transmissões e só chega um, e de maca, devido a estar com uma carga de paludismo.
Acreditem, que cá o doente teve pena do Lisboeta e do Alpalhão. Este grupo de combate até tinha o título de Os Duros de Cansissé, que chatice não os livrar das noites de escuta (até ao último dia) no Racal TR28.
Era só operações!... Na primeira, devido a levar a antena do STORNO à vista, o capitão chamou-me nomes feios, daqueles que se chama aos do apito... Desde o nascer do sol até ao pôr do mesmo. Quando assim não era, tinha que se cortar palmeiras - ai as minhas mãos! - para novos abrigos, pois o inimigo tinha armamento terrível. Nem os jactos escapavam. Eu que escutava nos diferentes rádios sei o que comunicavam, em cifra ou em codartemar.
Mas o pior era comer tripa seca (dobrada), tomar banho à bidonville; andar à pancada a escorpiões e aos tiros a serpentes. Iluminados com petróleo, que se metia em garrafas da cerveja Sagres e cuja torcida era feita de gaze, que nem sempre havia devido a ter duas estafadas Mercedes, constantemente avariadas. Obrigando durante as colunas que alguém tivesse que ir para trás, de bicicleta (emprestada!), por picadas não batidas até ao Destacamento ou a Canjadude, para trazer óleo. Neste caso, e que me lembre, o meu conterrâneo foi um dos valentes voluntários a fazer de aguadeiro (género o grande Joaquim Agostinho) para nós.
Escrever sobre sofrimento, situações sangrentas ou mortes dos da minha CART e das outras, não o faço, pois é provável que possa contar estórias sobre esta nossa História, no seu ponto mais dramático. E essa, só diz respeito ao colectivo do BART 6523. Nunca a uma vontade (embora normal) individual de prosar.
Concluo com uma grande necessidade de descarga emocional: nenhum Soldado devia ser sujeito a submeter-se - pois fomos obrigados a arrumar as armas e acatar ocontrolo do PAIGC - a um inimigo que tinha razão. E nós não sabíamos e foi uma grande humilhação. Por isso e só por isso. E por conseguinte, fomos escorraçados e hostilizados com palavras e gestos de desprezo, durante o percurso da viagem sem retorno, do Cumeré, local de concentração, até ao aeroporto. Naquela manhã de 9 de Setembro de 1974. Dia do Fim!
Junho 2006
Américo Marques
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 23 de junho de 2006
Guiné 63/74 - P900: O 25 de Abril em Nova Lamego (A. Santos, Pel Mort 4574/72)
1. Há dias pedi ao António Santos o seguinte: "Gostava que nos contasses como é que foi em Nova Lamego, em 1974, a ‘passagem de testemunho’ ou a ‘troca de galhardetes’ entre as NT e o PAIGC… Tens fotos dessa época, a seguir ao 25 de Abril ? Como é que os fulas e futafulas reagiram ? E os comerciantes, brancos e outros, como é que se portaram ? Alguém me disse (o Américo Marques) que chegou a haver manifestações dos civis contra as NT... Houve problemas com o PAIGC ? Tens memórias desse tempo ? Por exemplo, aerogramas ?"
2. Resposta pronta do A. Santos (ex-sold trms, Pelotão de Morteiros 4574/72, Nova Lamego, 1972/74)
Amigo Luís:
Em resposta ao teu pedido, sobre Abril em NL [Nova Lamego]:
Houve alguma confusão mas, como é lógico, ninguém me tira da cabeça que houve mãozinha do PAIGC.
No 1º de Maio [de 1974], NL acordou com muitas montras partidas, portas arrombadas e muita pilhagem, claro que houve muitos estragos, materiais e fisicos:
(i) materiais: tudo o que se podia levar para casa marchou, sendo os alvos principais as casas tradicionais do comércio guineense e as casas de libaneses;
(ii) físicos: 4 ou 5 mortos e vários feridos, não sei precisar.
De início a tropa tentou segurar a sublevação mas, como não estava a conseguir, o Coronel, comandante do CAOP2, mandou avançar os paraquedistas, que estavam ali à mão e o resultado foi o atrás descrito.
Quanto aos Fulas, sempre me dei bem com eles e vice versa, inclusive alguns até considerava como amigos. Recordo que principalmente as mulheres diziam que o branco não devia vir embora.
Após esse dia só houve mais uma tentativa, mas não me recordo de haver males fisicos, depois os ânimos serenaram, os militares do PAIGC começaram aparecer fardados, alguns até eram lá do sítio, e ostentavam a arrogancia própria dos vencedores,peito inchado... Na grande maioria, ao passar uns pelos outros nem nos cumprimentavamo, uns aos outros... Havia tensão no ar, mas nunca passou disso.
Todo o tempo de guerra dá cabo dos nervos aos seus intervenientes, mas, Luís, o período que mediou de finais de 1973 até depois do 25 Abril deu cabo dos meus. Na altura não avaliei a situação, como é natural, mas hoje passados estes anos todos é que sei o quanto me fez mal à saúde.
Um abração
A. Santos
2. Resposta pronta do A. Santos (ex-sold trms, Pelotão de Morteiros 4574/72, Nova Lamego, 1972/74)
Amigo Luís:
Em resposta ao teu pedido, sobre Abril em NL [Nova Lamego]:
Houve alguma confusão mas, como é lógico, ninguém me tira da cabeça que houve mãozinha do PAIGC.
No 1º de Maio [de 1974], NL acordou com muitas montras partidas, portas arrombadas e muita pilhagem, claro que houve muitos estragos, materiais e fisicos:
(i) materiais: tudo o que se podia levar para casa marchou, sendo os alvos principais as casas tradicionais do comércio guineense e as casas de libaneses;
(ii) físicos: 4 ou 5 mortos e vários feridos, não sei precisar.
De início a tropa tentou segurar a sublevação mas, como não estava a conseguir, o Coronel, comandante do CAOP2, mandou avançar os paraquedistas, que estavam ali à mão e o resultado foi o atrás descrito.
Quanto aos Fulas, sempre me dei bem com eles e vice versa, inclusive alguns até considerava como amigos. Recordo que principalmente as mulheres diziam que o branco não devia vir embora.
Após esse dia só houve mais uma tentativa, mas não me recordo de haver males fisicos, depois os ânimos serenaram, os militares do PAIGC começaram aparecer fardados, alguns até eram lá do sítio, e ostentavam a arrogancia própria dos vencedores,peito inchado... Na grande maioria, ao passar uns pelos outros nem nos cumprimentavamo, uns aos outros... Havia tensão no ar, mas nunca passou disso.
Todo o tempo de guerra dá cabo dos nervos aos seus intervenientes, mas, Luís, o período que mediou de finais de 1973 até depois do 25 Abril deu cabo dos meus. Na altura não avaliei a situação, como é natural, mas hoje passados estes anos todos é que sei o quanto me fez mal à saúde.
Um abração
A. Santos
Guiné 63/74 - P899: Diga se me ouve, escuto! (Renato Monteiro)
Foto do arquivo pessoal de © Luís Graça (2005)
Tenho este texto guardado, há um ano, com uma enorme gana de o publicar... Não o fiz por respeito à vontade (tácita) do seu autor, que eu conheço de Contuboel, dos brevíssimos meses de Junho e Julho de 1969, e de quem perdi depois, completamente, o rasto (mas não o rosto)... O rosto vim a reconhecê-lo na contracapa de um livro: enfim, uma estória singela de encontros e desencontros já aqui evocada no post anterior...
O Renato, que faz parte da nossa tertúlia, ainda não disse quem era: dei-lhe um tratamento de privilégio... Mas já agora ficam a saber mais alguma coisa sobre o misterioso homem da piroga:
Embarcou para a Guiné em 18 de Fevereiro de 1969, fazendo parte da Cart 2479 / BART 2866... Passou por Contuboel (Junho/Julho)(1) e Piche, acabando por mudar de companhia, por motivos disciplinares... Sem entrar em detalhes, por razões de confidencialidade e respeito pela privacidade do meu amigo, julgo que caso destes não eram tão raros quanto isso no nosso tempo... Já aqui o João Tunes falou do caso dele (2)... A porrada valeu ao Renato a mudança de companhia: foi colocado no Xime e depois no Enxalé, na CART 2520 (1968/70)... Por pouco tempo, já que o paludismo apressou-lhe o fim da comissão: evacuado do Hospital 241 foi transferido para o HMP, em Lisboa, em 4 de Setembro de 1969.
Tudo para justificar a quebra de um compromisso e dar a conhecer, ao resto da tertúlia, mais um camarada da Guiné, com uma históira de vida e uma sensibilidade singulares, um homem desalinhado como eu, e sobretudo que sabe oôr em palavras muito daquilo que sentimos e vivenciámos na tropa e na guerra, ou não fosse ele um poeta e um artista. O Renato vai-me perdoar por lhe retirar um pouco do seu mistério... (LG)
Texto do Renato Monteiro (ex-furriel miliciano, CART 11, Contuboel e Piche, 1969/ CART 2520, Xime e Enxalé, 1969):
Diga se me ouve, escuto!
Amigo Luís:
Apesar dos inúmeros apagões (alguns intencionais) sobre o capítulo da minha história (desde o embarque ao regresso), tenho a ideia de, nesse tempo, ser sempre dos últimos a chegar à formatura. A falta de pontualidade acabava sempre por constituir motivo sério de repreensão (inúmeras vezes repetida) pelo Comandante da Companhia: -- Ó Monteiro, um dia destes, dou-lhe uma porrada”.
É bem provável que te recordes do sujeito: um tipo excessivamente baixinho, que nunca foi capaz de fazer uma meia volta - volver sem criar a impressão de mover-se numa matéria adesiva, impedindo a rotatividade livre dos calcanhares e por filtrar as sílabas e as vogais através do cornetim nasal, em vez do uso comum das cordas vocais quando comunicava com o pessoal...
Não vale a pena adicionar, a estas, outras características inerentes ao sujeito para perceber como, a partir de certa altura, o regime, com um número cada vez mais insuficiente de quadros permanentes não teve outro remédio senão mandar para as urtigas os manuais de selecção de pessoal para as três frentes... Em determinada fase do campeonato, os recursos humanos deixaram de se preocupar com a questão dos perfis: servia qualquer um.
Como não alterei, em nada, esta inclinação espontânea para o desalinho,
acabei por propiciar o cumprimento da promessa nasalada do capitão, cedo demais, em Piche, para onde fôramos transferidos.
Após 10 diz de detenção domiciliária, em situação de incomunicável, acabei por ser recambiado para o Xime, com um grande sentimento de luto, sobretudo em relação aos africanos do meu pelotão (com quem trocava imensas estórias) para além de me ver afastado do companheirismo de um ou outro camarada, especialmente do Furriel Cunha (mais conhecido por Canininhas) que, tendo sensivelmente a mesma estatura da do capitão, não era tão baixinho quanto aquele!
Natural do Barreiro e filho de um palhaço, herdara do pai um grande humor (que muito ajudou a contrariar a propensão para uma revolta amarga que me deixava a falar sozinho) sendo, ainda, dotado de uma aptidão fora de série para tocar qualquer instrumento. (Hoje não faz outra coisa do que andar pelo país fora, a concertar orgãos e pianos gripados...). Desde a aterragem no Aeroporto da Portela (1969) vi-o apenas três vezes: uma com o propósito de me facultar o Diário da Companhia ( a CART 2479); outra para me ceder algumas fotos tiradas por si na Guiné (algumas das quais figuram na Fotobiografia) e uma outra a pretexto de beber um copo...
Seguramente que a personalidade do Canininhas, vertida para a literatura, não careceria de muita elaboração ficcional, bastando quase só transcrevê-lo... E, pergunto-me se não terá sido ele o autor da foto da Piroga do Geba, já que uma das suas fixações era, para além de perfilhar uma gazela (!), adquirir uma câmara fotográfica...
Como tu, é difícil recordar o terceiro camarada que se encontrava connosco e a quem , afinal, se fica a dever este inesperado reencontro entre nós e, com uma certa memória de mim próprio...
Ao contrário da maior parte das pessoas que conheço (e crê, não me vanglorio desta particularidade) nunca mais cuidei em revisitar os antigos companheiros... Sequer os que integravam a Companhia sediada no Xime que incorporei.
Salvo os graduados, a maior parte era constituída por malta recrutada no Alentejo, tendo como comandante um homem com quem apenas troquei duas ou três brevíssimas conversas, uma das quais em torno de livros que líamos e autores que apreciávamos.... Igualmente miliciano, de formação católica, de quando em quando, procedia a uma breve cerimónia no centro da parada, junto a um padrão ou coisa do género, onde lia umas passagens da bíblia a muito poucos (meia dúzia ?) de soldados que, voluntariamente, o acompanhavam...
Ao que julgo, era professor de Química e, apesar de não recordar o seu nome (imagina, como trabalhei para a evaporação destas memórias) conservo dele a
melhor das lembranças... Aceitava pacificamente a minha tendência para o
desalinho (se é que dava por isso) e eu respeitava-o.
A partir do Xime, como sabes, a par das incursões que se faziam em direcção (por vezes mais aparentes do que efectivas) às bases ou acampamentos dos Turras (devidamente assinalados no mapa da tua página), mantínhamos um contacto regular com Bambadinca para o reabastecimento logístico.
Guiné-Bissau > Zona Leste > Estrada Xime - Bambadinca > 1997 > Ponte do Rio Undunduma. A segurança desta ponte era vital para as NT. Ficava a 4 km de Bambadinca e a 7 do Xime. No célebre ataque a Bambadinca, em 31 de Maio de 1969, a guerrilha tentara dinamitá-la. Desde Junho de 1969 a ponte era defendida por 2 secções da CART 2520 (Xime) e, mais tarde, por um Gr Comb da CCAÇ 12 (a partir do final do ano de 1969), alterando com o Pel Caç Nat 52, comandado pelo Alf Mil Beja Santos (transferido de Missirá para Bambadinca em Novembro de 1969, sendo substituído em Missirá pelo Pel Caç Nat 54, do Allf Mil Correia). Havia apenas abrigos individuais, extremamente precários: bidões de areia com cobertura de chapa de zinco, e valas comunicando entre os abrigos individuais.
Foto: © Humberto Reis (2005) (com a colaboração do Braima Samá, professor primário em Bambadinca, em 1997)
A Ponte de Rundunduma, próximo daquela aldeia (e que se encontra igualmente ilustrada na tua página), foi ocupada inicialmente pela secção de que fazia parte.
A Ponte de Rundunduma, próximo daquela aldeia (e que se encontra igualmente ilustrada na tua página), foi ocupada inicialmente pela secção de que fazia parte.
No dia em que lá chegamos, a preocupação prioritária foi a de cavar uma vala, vertiginosamente, operação deveras penosa mercê da dureza do terreno, e de no dia seguinte tratarmos de construir uns frágeis abrigos, com os usuais bidões, enchidos com pedra e areia cobertos por folhas de zinco.
Imaginarás como nos sentíamos tão vulneráveis, sobretudo à noite, face a uma hipotética investida do IN. A expectativa de sermos atacados, com os parcos dispositivos de defesa e o reduzido número de homens que dispúnhamos, causava-nos uma grande intranquilidade... Alturas houve em que apenas dormitava durante o dia, por temer a probabilidade de virem a incomodar-nos de noite, estando ainda por perceber a que razão de não nos terem visitado... Ora, para serem bem sucedidos, nem precisariam de grande ousadia!
À volta do rio, nos charcos, o insistente coaxar das rãs era-me tão insuportável que a custo simulava junto da Guida a irritação que me provocava o pitoresco e pacífico som daquelas sujeitas quando, mais tarde, as surpreendíamos nos lagos do nosso namoro!
Apesar de partilhar com os demais aquele sentimento permanente face à iminência das emboscadas e flagelações aos aquartelamentos (que acabaram episodicamente por suceder) onde me senti, apesar de tudo, menos desconfortável (se assim posso dizer) foi no Enxalé, para onde fui destacado.
Aí, tive a oportunidade de retomar o contacto com as comunidades africanas, balantas e mandingas, que coabitavam, paredes meias, com o destacamento. Através da leitura recente que fiz a registos dessa altura, soube (para minha surpresa) que cheguei a ter perto de cem alunos aos quais procurava ensinar a falar e a escrever a língua portuguesa utilizando como espaço lectivo um antigo armazém de um colono, que se pôs em fuga no início da Guerra...
Mas o pior de tudo foi ter sido incumbido de gerir a logística e de me ver obrigado a aplicar as formas de camuflar o saldo negativo que ingenuamente (?) herdara do camarada anterior, enquanto aguardava, ansiosamente, pela nossa transferência para a Ilha de Bissau, onde viria a ser internado no Hospital com uma infecção que me proporcionou o regresso, dois meses antes do previsto, a Lisboa.
Logo no início desta longa resenha falava-te da falta de pontualidade em chegar às formaturas. Amigo Luís, essa lacuna mantém-se até hoje. Não apenas em relação às coisas que se comparam com a seca das formaturas, mas também com as que envolvem prazer, como o simples acto de responder-te...
Logo no início desta longa resenha falava-te da falta de pontualidade em chegar às formaturas. Amigo Luís, essa lacuna mantém-se até hoje. Não apenas em relação às coisas que se comparam com a seca das formaturas, mas também com as que envolvem prazer, como o simples acto de responder-te...
Em parte, este deixar para amanhã o que deve ser feito logo, prende-se com a falta de tempo ou, melhor dito, com a forma como o ocupo...
Disso te darei notícia, tão breve quanto possível, aproveitando para responder às tuas últimas palavras.
Um grande abraço,
Renato
Lumiar, 28 - 7- 05
__________
Notas de L.G.
(1) Vd. post de 29 de Junho de 2005 > Guiné 63/74 - LXXXVI: No 'oásis de paz' de Contuboel (Junho de 1969)
(...) "O que eu observo, sob o frondoso e secular poilão da tabanca, é uma típica cena rural: (i) as mulheres que regressam dos trabalhos agrícolas; (ii) as mulheres, sempre elas, que acendem o lume e cozem o arroz; (iii) as crianças, aparentemente saudáveis e divertidas, a chafurdar na água das fontes; (iv) os homens, sempre eles, a tagarelar uns com os outros, sentados no bentém, mascando nozes de cola…
"Em suma, um fim de tarde calma numa tabanca fula de Contuboel que daria, em Lisboa, uma boa aguarela, para exposição no Palácio Foz, no Secretariado Nacional de Informação (SNI).
"E, no entanto, o seu destino, o destino destes homens, mulheres e crianças fulas, já há muito que está traçado: em breve a guerra, e com ela a morte e a desolação, chegará até estas aldeias de pastores e agricultores, caçadores e pescadores, músicos e artesãos, místicos e guerreiros…
"O chão fula vai resistindo, mal, ao cerco da guerrilha. De Piche a Bambadinca ou de Galomaro a Geba, os fulas estão cercados. Mas por enquanto, Bafatá, Contuboel ou Sonaco ainda são sítios por onde os tugas podem andar, à civil, desarmados, como se fossem turistas em férias!
"Contuboel é ainda um oásis de paz, com um raio de uns escassos quilómetros" (...).
(2) Vd. Blogue do João Tunes > Bota Acima > post de 7 de Abril de 2004 > Jogo de cartas
Texto delicioso onde relata as noites, chatas p'ra burro, em que era obrigado a jogar king com o seu comandante, o tenente-coronel Romeira; as bravatas sexuais dos tugas; e a porrada que apanhou por recusar bater num cabo de transmissões sob o seu comando, porrada essa que o levou do Pelundo até ao Catió.
Guiné 63/74 - P898: Saudades do meu amigo Renato Monteiro (CART 2479/CART 11, Contuboel, Maio/Junho de 1969)
Guiné > Zona Leste > Contuboel > Junho de 1969: Passeio de piroga junto à ponte de madeira de Contuboel, sobre o Rio Geba. Furriéis milicianos Luís Manuel da Graça Henriques (CCAÇ 2590 / CCAÇ 12) e Renato Monteiro (CART 2479 / CART 11).
Foto (e legenda): © Luís Graça (2005)
1. Publica-se a seguir (ponto 5) a última mensagem do misterioso homem da piroga, um grande amigo que eu fiz na Guiné embora só tenha com ele convivido durante um mês e três semanas... Depois desaparecemos do mapa e só viemos a reencontrarmo-nos trinta e seis anos depois, graças à nossa página na Internet... Esta estória merece ser contada, sobretudo para os mais novos dos nossos tertulianos que a não conhecem...
Tinha-o reconhecido antes como coautor de um livro que li e apreciei muito sobre a guerra colonial (Renato Monteiro e Luís Farinha - Guerra colonial: fotobiografia. Lisboa: D. Quixote. 1990. 307 pp).
Natural do Porto, apaixonado por Lisboa, professor do ensino secundário, o Renato tem-se dedicado escrita e à fotografia. Publicou recentemente um belíssimo álbum fotográfico sobre os pescadores da Costa da Caparica. Ainda lhe devo, em troca de um exemplar autografado, uma nota de recensão sobre essa publicação...
No início da nossa tertúlia, quando ainda éramos poucos (o Sousa de Castro, o David Guimarães, o Humberto Reis...) eu mandei-lhes esta foto, com o seguinte pedido, em e-mail datada do dia 1 de Maio de 2005, e com a secreta esperança de um dia dar de caras com ele numa esquina da cidade do Porto (....Afinal, ele vivia e trabalhava perto de mim, em Lisboa!):
"Amigos:
"Quem conhece este gajo ? Não o que vai sentado na canoa (que sou eu, ou era eu… ), mas o homem que está na popa, de remo na mão… Esta foto foi tirada em Contuboel, Guiné, no 2º trimestre de 1969… O fulano chama-se Renato Monteiro, ex-furriel miliciano Monteiro, pertencente à CCAÇ 11… Conhecemo-nos em Contuboel, e convivemos durante três meses, no período em que estávamos a formar as nossas companhias (eu, a CCAÇ 12; ele, a CCAÇ 11).
"Quem conhece este gajo ? Não o que vai sentado na canoa (que sou eu, ou era eu… ), mas o homem que está na popa, de remo na mão… Esta foto foi tirada em Contuboel, Guiné, no 2º trimestre de 1969… O fulano chama-se Renato Monteiro, ex-furriel miliciano Monteiro, pertencente à CCAÇ 11… Conhecemo-nos em Contuboel, e convivemos durante três meses, no período em que estávamos a formar as nossas companhias (eu, a CCAÇ 12; ele, a CCAÇ 11).
"Sei que nasceu no Porto, em Dezembro de 1946, que fez mais tarde o curso de história e que hoje deve ser professor do ensino secundário. Publicou, juntamente com Luís Farinha, uma Fotobiografia da Guerra Colonial (Lisboa: D. Quixote, 1998; há também uma edição do Círculo de Leitores). Se é o mesmo que eu penso, também esteve ligado ao movimento das rádio locais. Há um fotógrafo com o mesmo nome, não sei se é o mesmo. Já não me lembro do seu 1º nome… A ponte que vocês vêem ao fundo era a de Contuboel, uma ponte em madeira e que na base fazia uma espécie de represa… Um dia o Monteiro mergulhou perto dela e estava a ver que o gajo nunca mais vinha ao de cima… Gostava de o encontrar para lhe mandar esta chapa… Tínhamos muitas afinidades (políticas, culturais, humanas…). A companhia dele foi para Nova Lamego, e perdemos definitivamente o contacto. Sei que voltou da Guiné ainda em 1970, uns meses mais cedo do que eu (que vim em Março de 1971)".
3. Passado uns tempos, o Renato deu caras com a foto, inserida na nossa página na Net (Subsídios para a história da guerra colonial > Guiné (1963/74) > Memória dos lugares > Bambadinca)
Amigo Luis,
Muito surpreendido por me rever numa piroga no rio Geba. Na verdade, não me lembrava desse episódio. Não menos espantado por rever a picada do Xime e outros locais que, passado tanto tempo, ainda se encontram bem presentes na minha memória... Lamento, ao contrário, não ter reconhecido ninguém nas fotos nem, sequer, te referenciar. Não sei a explicação.
Sou, na realidade, co-autor do livro que referes. Fico ao teu dispor para o caso de quereres comunicar, e feliz pela Internet ter possibilitado este reencontro. Um abraço, Renato Monteiro.
... A partir daqui mantivemos algum contacto regular,mas cedo percebi que o Renato tinha voltado a fechar o baú das memórias da Guiné e estava noutra... Com muita pena minha, como devem imaginar!
Muito surpreendido por me rever numa piroga no rio Geba. Na verdade, não me lembrava desse episódio. Não menos espantado por rever a picada do Xime e outros locais que, passado tanto tempo, ainda se encontram bem presentes na minha memória... Lamento, ao contrário, não ter reconhecido ninguém nas fotos nem, sequer, te referenciar. Não sei a explicação.
Sou, na realidade, co-autor do livro que referes. Fico ao teu dispor para o caso de quereres comunicar, e feliz pela Internet ter possibilitado este reencontro. Um abraço, Renato Monteiro.
... A partir daqui mantivemos algum contacto regular,mas cedo percebi que o Renato tinha voltado a fechar o baú das memórias da Guiné e estava noutra... Com muita pena minha, como devem imaginar!
4. Mensagem de L.G., de 11 de Julho de 2005:
"Renato:
"Ainda não te pus na lista do Grupo da Guerra Colonial, porque não sei se estás interessado neste exercício serôdio de contadores de estórias, que estão a chegar ao limiar da sua esperança média de vida à nascença… De qualquer modo, ainda não me disseste por onde andou a tua CART 11 (confirmas ?)… Reconheci-te a ti e aos teus soldados nalgumas imagens da fotobografia…
"Sei que também publicaste dois livros de poemas, mas ao que parece fechaste esse departamento… Estou ansioso para ter tempo para recuperar o tempo perdido em que andámos por aí, tão perto e tão longe… A tua magnífica mensagem merecia outro tratamento, mas o dever chama-me e eu hoje fico por aqui… Um abraço apertado do amigo de um mês e meio, da Guiné, do lugar mais frio da memória… Luís (ex-furriel miliciano Henriques da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, Contuboel, Junho e Julho de 1969).
5. Mensagem do Renato Monteiro, acabada de chegar esta noite, e que no fundo foi o pretexto para este exercício de saudade(s):
Luís:
Acho que da última vez que te escrevi estava a fazer as malas para uma viagem [à Polónia]. Acontece, agora, o mesmo só que para uma incursão breve, ao Porto. Um fim de semana lá.
Tenho acompanhado, com gosto, a comunicação mantida na página. Isto para te dizer que o meu silêncio não deverá ser interpretado como alienação. De forma alguma.
Espero, em breve, ver-te. Como tu, também passo este ano férias cá dentro.
Tenho umas coisas para te enviar que de certo modo explicam este não dizer nada até aqui. E também hei-de precisar da tua memória de Contuboel.
Um grande, grande abraço
Renato
quinta-feira, 22 de junho de 2006
Guiné 63/74 - P897: Pitéus da gastronomia local (Hugo Moura Ferreira)
Texto do Hugo Moura Ferreira, datada de 31 de Maio de 2006 (e que já circulou, por e-mail, pela tertúlia):
Caros Amigos.
Depois de ver o Post Guiné 63/74 - DCCCVIII: A Tertúlia do Porto (Albano Costa) e receber a mensagem do Marques Lopes titulada como Grande Almoço em Jugudul (1), fiquei com água na boca e com muitas recordações da Guiné nas papilas gostativas.
Assim, fui até aos meus arquivos e encontrei algo que certamente vos vai agradar receber. Receitas de culinária da Guiné que vos mando com amizade, que nunca se irão alterar, haja ou não bons ventos trazidos pela História.
Espero que possam tirar partido do que mando e que de vez em quando troquem o "Cozido à Portuguesa" por um bom "Caldo de Mancarra" e um "Chabéu de Galinha".
Um abraço a todos com amizade e votos de boa digestão.
Hugo Moura Ferreira
Ex-Alf Mil Inf(1966/1968)
CCAÇ 1621 (Cufar) e CCAÇ 6 (Bedanda)
_____________
Nota de L.G.
(1) Vd. posts de:
28 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCVIII: A tertúlia do Porto (Albano Costa)
7 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P854: Do Porto a Bissau (26): leitão à moda de Jugudul (A. Marques Lopes)
Foto: © A. Marques Lopes (2006)
Receitas culinárias da Guiné
Fonte: Cozinha e doçaria do Ultramar Português. Lisboa: Ag~encia-Geral do Ultramar, 1969.
Guiné 63/74 - P896: Bafatá: Ataque com 'bazucas' de 75 cl (Mário Cruz, aliás, Shemeiks)
Guiné > Zona Leste > Bafatá > os guerreiros da CCS do BCAÇ 2856 (1968/70)...
Texto e foto do Mário Cruz, que foi furriel miliciano, da CCS do BCAÇ 2856 (Bafatá, 1968/70), juntamente com o Jorge Tavares (1)...
O Mário, mais conhecido pelo seu nome de guerra - Shemeiks - é um tertuliano fugidio, mas sempre bem humorado e melhor acompanhado. Agradeço-lhe o envio do seu notável curriculum vitae, que tomo a liberdade de divulgar, já que é um exemplo, entre outros, de como os cacimbados da Guiné, os apanhados do clima, os sobreviventes da guerra do ultramar também podem tornar-se casos de sucesso (social, profissional, económico, mediático...). Aliás, é a altura de falarmos e divulgarmos das nossas vidas depois da peluda... Quem quer dar o pontapé de saída ? Afinal, a maior de parte conseguiu sobreviver... (LG)
Caros Guerreiros:
Noite agitada no Bafatá com Bazucas a estalar por todo o lado !!!! Se bem me lembro os restos das camisas até pegaram fogo !!!!! E dançámos à volta da fogueira !!!!! Guerra é guerra !!!!!
Shemeiks
- Deutranómalo (Yale University, U S A )
- Master of Wine (London Wine College)
- INSEAD-Marketing MBA (Fontainbleau, Paris)
- Grão Mestre-Confraria de S.Gonçalo (AVEIRO)
- Singing Master(Salzburg Muzik Haus, Austria)
- Acrobatic Ski Teacher-E E E (Escuela Espanuela de Esqui)
- SKIPPER ALTO MAR- Instituto Maritimo Portuário (Lisboa)
- Master Cook-Royal School of Amesterdam (Holland)
- Master Paint - Van Gohg Arbeit Schulle(Holland)
- PUNHETEIRO - Empiric House Training (Since 1957)
- EXPERIMENTADOR OFICIAL das camisas DUREX (Portugal)
- Cod Fisher Adviser-Alesund Knurn (Norway)
-Cork Expert Lector-Amorim Search Lab.(Portugal)
- Dog Trainer-Hot dog Specialist ( U S A )
- EMPRESÁRIO-F D A A M (Fábrica de Descascar Alhos à Mão), Frossos(Portugal)
- F. C. A. Chairman-Fábrica de Correntes de Ar, SA (Ventosa de Baixo-Portugal)
- Broadcast Speaker-BBC (London)
- Enófilo-Comissão Vitivinicola da Bairrada-ANADIA
- Jornalista-Crítico Gastronómico ("PASKIM","O AVEIRO","DIARIO DE AVEIRO")
- TENOR - Cantante da Confraria de São Gonçalo" (AVEIRO)
Shemeiks>
Campus U A (Universidade de Aveiro)
Alameda das Cricas,6
Sala Aromatisada
3810-AVEIRO
__________
Nota de L.G.
(1) Vd. pots de 31 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDVIII: A doce nostalgia de Bafatá (BCAÇ 2856, 1968/70)
Jorge Tavares, ex-Furriel Miliciano, Radiomontador, da CCS do Batalhão de Caçadores 2856 (Bafatá, 1968/1970). Foto: © Jorge Tavares (2005)
Texto e foto do Mário Cruz, que foi furriel miliciano, da CCS do BCAÇ 2856 (Bafatá, 1968/70), juntamente com o Jorge Tavares (1)...
O Mário, mais conhecido pelo seu nome de guerra - Shemeiks - é um tertuliano fugidio, mas sempre bem humorado e melhor acompanhado. Agradeço-lhe o envio do seu notável curriculum vitae, que tomo a liberdade de divulgar, já que é um exemplo, entre outros, de como os cacimbados da Guiné, os apanhados do clima, os sobreviventes da guerra do ultramar também podem tornar-se casos de sucesso (social, profissional, económico, mediático...). Aliás, é a altura de falarmos e divulgarmos das nossas vidas depois da peluda... Quem quer dar o pontapé de saída ? Afinal, a maior de parte conseguiu sobreviver... (LG)
Caros Guerreiros:
Noite agitada no Bafatá com Bazucas a estalar por todo o lado !!!! Se bem me lembro os restos das camisas até pegaram fogo !!!!! E dançámos à volta da fogueira !!!!! Guerra é guerra !!!!!
Shemeiks
- Deutranómalo (Yale University, U S A )
- Master of Wine (London Wine College)
- INSEAD-Marketing MBA (Fontainbleau, Paris)
- Grão Mestre-Confraria de S.Gonçalo (AVEIRO)
- Singing Master(Salzburg Muzik Haus, Austria)
- Acrobatic Ski Teacher-E E E (Escuela Espanuela de Esqui)
- SKIPPER ALTO MAR- Instituto Maritimo Portuário (Lisboa)
- Master Cook-Royal School of Amesterdam (Holland)
- Master Paint - Van Gohg Arbeit Schulle(Holland)
- PUNHETEIRO - Empiric House Training (Since 1957)
- EXPERIMENTADOR OFICIAL das camisas DUREX (Portugal)
- Cod Fisher Adviser-Alesund Knurn (Norway)
-Cork Expert Lector-Amorim Search Lab.(Portugal)
- Dog Trainer-Hot dog Specialist ( U S A )
- EMPRESÁRIO-F D A A M (Fábrica de Descascar Alhos à Mão), Frossos(Portugal)
- F. C. A. Chairman-Fábrica de Correntes de Ar, SA (Ventosa de Baixo-Portugal)
- Broadcast Speaker-BBC (London)
- Enófilo-Comissão Vitivinicola da Bairrada-ANADIA
- Jornalista-Crítico Gastronómico ("PASKIM","O AVEIRO","DIARIO DE AVEIRO")
- TENOR - Cantante da Confraria de São Gonçalo" (AVEIRO)
Shemeiks>
Campus U A (Universidade de Aveiro)
Alameda das Cricas,6
Sala Aromatisada
3810-AVEIRO
__________
Nota de L.G.
(1) Vd. pots de 31 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDVIII: A doce nostalgia de Bafatá (BCAÇ 2856, 1968/70)
Guiné 63/74 - P895: Humor de caserna: 'Matchundadi di branco' e o sentido de humor da nossa caserna (Luís Graça)
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Antigo aquartelamento das NT > Uma planta chamada matchundadi di branco, na expressão local usada pelos antigos milícias... Simbolicamente, é a vida que triunfa sobre a morte, a amizade que renasce da luta, a serenidade da paz que se impõe à lógica da guerra...
Foto: © Pepito (2006)
A propósito da flor que brota, hoje, do chão do antigo aquartelamento de Guileje - que os antigos milícias locais chamam matchundadi di branco, segundo preciosa informação do Pepito -, os nossos tertulianos não se coibiram de dar largas ao seu proverbial sentido de humor, reforçado seguramente pelo seu duro tirocínio em terras da Guiné, sempre em perigos e guerras esforçados...
Aqui ficam algumas bocas de caserna:
(1) Pepito: Semanticamente falando, que o assunto é delicado, a palavra em crioulo matchundadi vem directamente da palavra matcho, que vem de macho e, mais vernaculamente, de caralho...
(2) Mário Dias: Matchundadi designa especialmente a qualidade própria dos homens no sentido de másculo, valente, varonil, robusto.
(3) Paulo Raposo: Olá, pessoal,estamos sempre a aprender. Assim, e para o futuro quando se toca a sentido dir-se-á: - Ena, com matchundadi! Tá!... Diga se ouve, escuto.
(4) Zé Teixeira: O problema é que para alguns de nós já é difícil pôr o matchundadi de pé,quanto mais em sentido!... Um abraço para toda a gente e boa disposição.
(5) A. Santos: Correcto e afirmativo!!!Eu, dei tanto trabalho ao matchundadi pensando que não se gastava e agora vejo que não é verdade, que chatice... À escuta.
(6) Pepito: Como diz o Mario Dias, na realidade matchundadi também pode ser interpretado como coragem. É um pouco como o que se passa com a palavra colhões que são o que são (ou que foram um dia...), mas que pode ter outro significado quando se diz: é um gajo de colhões.
Guiné 63/74 - P894: Fuzilados do Pel Caç Nat 53 (Paulo Santiago)
1. Mensagem do Paulo Santiago (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 53, 1970/72)
Camarada Luís:
Vi agora o P886 do João Parreira (1) onde vêm dois soldados fuzilados pertencentes ao Pel Çaç Nat 53. Não são do meu tempo. Deverão ter ido para o 53 após Agosto de 1972.
Do meu tempo sei do fuzilamento do Queta Mané, sold 82035466. É mais um nome a juntar à trágica lista.
Paulo Santiago
(ex Alf Mil do Pel Caç Nat 53)
2. Comentário de L.G.:
Paulo Santiago, será que nos cruzámos nalgumas operações ? Creio que estiveste em Bambadinca, entre 1970 e 1972...Quanto ao teu e-mail, muito obrigado. Queremos a verdade e só a verdade... Quanto a ti, já reparei que ainda não fizeste um pedido formal para entrar na nossa caserna... Espero que aceites o convite, já cá temos os comandantes de vários Pel Caç Nat... Cibersaudações. LG
______________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 19 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P886: Terceiro e último grupo de ex-combatentes fuzilados (João Parreira)
Camarada Luís:
Vi agora o P886 do João Parreira (1) onde vêm dois soldados fuzilados pertencentes ao Pel Çaç Nat 53. Não são do meu tempo. Deverão ter ido para o 53 após Agosto de 1972.
Do meu tempo sei do fuzilamento do Queta Mané, sold 82035466. É mais um nome a juntar à trágica lista.
Paulo Santiago
(ex Alf Mil do Pel Caç Nat 53)
2. Comentário de L.G.:
Paulo Santiago, será que nos cruzámos nalgumas operações ? Creio que estiveste em Bambadinca, entre 1970 e 1972...Quanto ao teu e-mail, muito obrigado. Queremos a verdade e só a verdade... Quanto a ti, já reparei que ainda não fizeste um pedido formal para entrar na nossa caserna... Espero que aceites o convite, já cá temos os comandantes de vários Pel Caç Nat... Cibersaudações. LG
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Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 19 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P886: Terceiro e último grupo de ex-combatentes fuzilados (João Parreira)
Guiné 63/74 - P893: 'Matchundadi di branco' e outras blogarias em crioulo (Mário Dias)
Texto do Mário Dias, ex-sargento comando (Brá, 1963/66), em resposta a uma provocação minha: "Obrigado ao Pepito, pela sua delicadeza (e competência) em matéria de tradução do crioulo para o português… Mas, já agora, também gostava de ouvir a opinião do outro meu assessor sociolinguístico, o Mário Dias… Agora digam-me lá se os nossos queridos nharros não tinham sentido de humor… A propósito, este termo (nharro) é actualmente ofensivo ? Usa-se ? Não poderá ter uma conotação racista, aliás como tuga ? Temos de ter cuidado com a língua… Mas aqui, na nossa caserna, cultiva-se o humor"…
Caro Luis e restantes tertulianos:
1. Antes de mais, congratulo-me com o aparecimento de novos militares na nossa caserna. Sem desprimor para os restantes, quero saudar o Beja Santos cujo Presépio de Chicri me encantou e comoveu até às lágrimas. A idade tem destas coisas: torna-nos um pouco piegas. Ou será outra coisa? Estou em crer que as barreiras sentimentais que a nós próprios impomos enquanto novos, devido à nossa condição de machos, se esboroam com a idade.
2. E essa condição de macho vem mesmo a calhar para melhor entendermos a tal matchundadi referida pelo Pepito.
Eu sempre disse ao Luis que o crioulo é uma língua cheia de subtilezas. O Pepito traduziu a matchundadi com o significado implícito no contexto da fotografia da tal flor ou seja: pénis dos brancos.
Porém, e pelo meu entendimento do língua crioula (o Pepito que me emende se estiver errado) matchundadi designa especialmente a qualidade própria dos homens no sentido de másculo, valente, varonil, robusto. Aliás, alguns dicionários de português já registam a palavra machundade nesse sentido, fazendo menção da sua origem na Guiné-Bissau.
Por outro lado, e dado que fisiologicamente o atributo que distingue os machos é o seu aparelho genital, tem esta palavra, subjectivamente, o significado de órgão genital masculino. (Cada um traduza a seu gosto: pénis, gaita, etc. etc.).
3. Quanto ao termo nharro, e dado que actualmente é utilizado com uma certa dose de ternura, de afeição, ninguém, julgo eu, se ofenderá. O mesmo se passa com o tuga que, sendo antigamente uma palavra intencionalmente humilhante, já se tornou de tal forma vulgar para referir os portugueses (culpa do mundial de futebol na Coreia em 2002) que ninguém se ofende. Creio que o sentido das palavras se altera com o rodar dos tempos.
Um abraço para todos.
Mário Dias
Caro Luis e restantes tertulianos:
1. Antes de mais, congratulo-me com o aparecimento de novos militares na nossa caserna. Sem desprimor para os restantes, quero saudar o Beja Santos cujo Presépio de Chicri me encantou e comoveu até às lágrimas. A idade tem destas coisas: torna-nos um pouco piegas. Ou será outra coisa? Estou em crer que as barreiras sentimentais que a nós próprios impomos enquanto novos, devido à nossa condição de machos, se esboroam com a idade.
2. E essa condição de macho vem mesmo a calhar para melhor entendermos a tal matchundadi referida pelo Pepito.
Eu sempre disse ao Luis que o crioulo é uma língua cheia de subtilezas. O Pepito traduziu a matchundadi com o significado implícito no contexto da fotografia da tal flor ou seja: pénis dos brancos.
Porém, e pelo meu entendimento do língua crioula (o Pepito que me emende se estiver errado) matchundadi designa especialmente a qualidade própria dos homens no sentido de másculo, valente, varonil, robusto. Aliás, alguns dicionários de português já registam a palavra machundade nesse sentido, fazendo menção da sua origem na Guiné-Bissau.
Por outro lado, e dado que fisiologicamente o atributo que distingue os machos é o seu aparelho genital, tem esta palavra, subjectivamente, o significado de órgão genital masculino. (Cada um traduza a seu gosto: pénis, gaita, etc. etc.).
3. Quanto ao termo nharro, e dado que actualmente é utilizado com uma certa dose de ternura, de afeição, ninguém, julgo eu, se ofenderá. O mesmo se passa com o tuga que, sendo antigamente uma palavra intencionalmente humilhante, já se tornou de tal forma vulgar para referir os portugueses (culpa do mundial de futebol na Coreia em 2002) que ninguém se ofende. Creio que o sentido das palavras se altera com o rodar dos tempos.
Um abraço para todos.
Mário Dias
quarta-feira, 21 de junho de 2006
Guiné 63/74 - P892: Memórias de Nova Lamego com o Pel Mort 4574/72 (A. Santos)
Guiné > Zona Leste > Gabu > Estandarte do Pel Mort 4574/72 (Nova Lamego, 1972/74)
Texto e fotos: António Santos (2006)
Camarada Luís,
Este é o 3º folhetim da minha história e de parte do pessoal do Pel Mort 4574/72 (1)
Desta vez junto mais umas fotos, a começar pelo nosso estandarte, já velhinho.
(1) Ainda em Bissau, em Brá, nos adidos, antes de rumar a Nova Lamego, já tinhamos ído ao shopping.
(2) Em Nova Lamego, no Cine Gabu, os caramelos são: da esquerda o G.G.G., eu e o Graça.
(3) A capela de Nova Lamego: pela mesma ordem, Graça, Cunha e eu.
(4) E a última por hoje, o café do Jacob, onde passei bons momentos, a ordem continua: eu, um amigo de Pirada, o Graça e um dos cabos criptos do BCAV 3854.
Um abração para ti, extensivo aos tertulianos.
A. Santos
Ex-Sol Trms
Pelotão de Morteiros 4574/72 (Nova Lamego, 1972/74)
_________
Notas de L.G.
(1) Vd. posts de:
8 de Maio de 2006
> Guiné 63/74 - DCCXXXIV: Nunca digas jamais (António Santos, Pel Mort 4574/72, Nova Lamego)
29 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXI: Os cagaços de um periquito a caminho do Gabu (A. Santos, Pel Mort 4574/72)
Guiné 63/74 - P891: Recordando o Xime do Sousa de Castro (A.Santos)
Texto do António Santos (ex-Soldado de Transmissões, Nova Lamego, Zona Leste, Sector L3, , 1972 a 1974, incorporado no Pel Mort 4574/72, para render o Pel Mort 2267/70).
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime
Foto: © António Santos(2006)
Amigo Castro (1), as casernas eram todas parecidas, quando as fotografias fossem captadas de perto como foi o caso da minha que enviei para o blogue (2).
Já que te referes ao teu Xime, não resisto em juntar uma foto para veres se reconheces o teu quartel, mas em 24 Junho de 1974, que está por trás destes dois marmanjos...
Estou abrir uma excepção, pois a minha ideia é enviar as fotos cronologicamente em relacção ao que for escrevendo, porque quanto ao teu chão também tenho uma história para contar mas passou-se no dia 27 de Fevereiro de 1973 e ainda lá estava a tua CART [3494].
Quanto ao Américo Marques, como deves calcular não me recordo do nome, porque na minha fornada saíram à volta de 250 TRMS, mas se ele entrou no turno de 2 Janeiro de 1972 para o BCAÇ 5 então conhecemo-nos. Devo acrescentar, pelo que sei, mais de 50% desta recruta foi para a Guiné.
Ainda mais uma nota: na tua CART [3494] esteve um Cabo enfermeiro que, na época, quando foi para a tropa, morava no Areeiro-Lisboa, que era a minha zona de trabalho na altura.
Um abração
A. Santos
_________
Notas de L.G.
(1) O Sousa de Castro há dias tinha mandado a seguinte mensagem:
"Santos: Por momentos pensei que tivesses tirado a especialidade no Porto. Pois a foto que está publicada no blogue (2) é muito parecida com a caserna do Quartel de TRMS, de Arca D`Água, Porto.
"Para além disso, depois de ler o teu texto inserido no blogue, fiquei deveras impressionado com a descrição que fazes quando chegaste à Guiné: é exatamente aquilo que senti quando em 27 de Janeiro de 1972 pisei solo Guinéu...
"Só que eu fui para o Xime de avião, no Dakota, de Bissau para Bafatá e daí para o Xime com paragem em Bambadinca para mudança de viatura Unimog, onde me juntei à CART 3494, a minha compnhia.
"Se calhar conhecerás o Américo Marques que também foi TRMS Infantaria, tal como tu. É de Viana do Castelo, esteve em Cansissé - Nova Lamego (1972/74).
"O endereço de e-mail dele é: americom@envc.pt ou setras@iol.pt
"Sem mais de momento, grande abraço. Sousa de Castro"
Sousa de Castro (ex-1º cabo de transmissões da CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74)
(2) Vd post de 29 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXI: Os cagaços de um periquito a caminho do Gabu (A. Santos, Pel Mort 4574/72)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime
Foto: © António Santos(2006)
Amigo Castro (1), as casernas eram todas parecidas, quando as fotografias fossem captadas de perto como foi o caso da minha que enviei para o blogue (2).
Já que te referes ao teu Xime, não resisto em juntar uma foto para veres se reconheces o teu quartel, mas em 24 Junho de 1974, que está por trás destes dois marmanjos...
Estou abrir uma excepção, pois a minha ideia é enviar as fotos cronologicamente em relacção ao que for escrevendo, porque quanto ao teu chão também tenho uma história para contar mas passou-se no dia 27 de Fevereiro de 1973 e ainda lá estava a tua CART [3494].
Quanto ao Américo Marques, como deves calcular não me recordo do nome, porque na minha fornada saíram à volta de 250 TRMS, mas se ele entrou no turno de 2 Janeiro de 1972 para o BCAÇ 5 então conhecemo-nos. Devo acrescentar, pelo que sei, mais de 50% desta recruta foi para a Guiné.
Ainda mais uma nota: na tua CART [3494] esteve um Cabo enfermeiro que, na época, quando foi para a tropa, morava no Areeiro-Lisboa, que era a minha zona de trabalho na altura.
Um abração
A. Santos
_________
Notas de L.G.
(1) O Sousa de Castro há dias tinha mandado a seguinte mensagem:
"Santos: Por momentos pensei que tivesses tirado a especialidade no Porto. Pois a foto que está publicada no blogue (2) é muito parecida com a caserna do Quartel de TRMS, de Arca D`Água, Porto.
"Para além disso, depois de ler o teu texto inserido no blogue, fiquei deveras impressionado com a descrição que fazes quando chegaste à Guiné: é exatamente aquilo que senti quando em 27 de Janeiro de 1972 pisei solo Guinéu...
"Só que eu fui para o Xime de avião, no Dakota, de Bissau para Bafatá e daí para o Xime com paragem em Bambadinca para mudança de viatura Unimog, onde me juntei à CART 3494, a minha compnhia.
"Se calhar conhecerás o Américo Marques que também foi TRMS Infantaria, tal como tu. É de Viana do Castelo, esteve em Cansissé - Nova Lamego (1972/74).
"O endereço de e-mail dele é: americom@envc.pt ou setras@iol.pt
"Sem mais de momento, grande abraço. Sousa de Castro"
Sousa de Castro (ex-1º cabo de transmissões da CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74)
(2) Vd post de 29 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXI: Os cagaços de um periquito a caminho do Gabu (A. Santos, Pel Mort 4574/72)
Guiné 63/74 - P890: Memórias de Mansabá (2): Uma mina no Bironque (Carlos Vinhal)
Guiné > Região do Oio > Mansabá > CART 2732 ( 1970/72) (1)
Foto: © Carlos Vinhal (2006)
Texto do Carlos Vinhal, ex-Fur Mil Art MA CART2732, Mansabá (1970/72)
Mina no Bironque ou um voluntário que apanhou um grande susto
O Furriel B era um camarada com quem eu gostava especialmente de conversar. Éramos os campeões a receber cartas das respectivas miúdas. Tanto a minha como a dele nos escreviam diariamente e assim quando vinha o Correio era ver qual de nós contava mais cartas e aerogramas.
O camarada B levava uma vida sedentária no quartel, porque pertencia ao Pelotão de Artilharia 21, sediado em Mansabá (2). Só actuava durante os ataques do IN ao aquartelamento ou quando por outro motivo qualquer era necessário fazer fogo de obus. Tinha por isso inveja da nossa actividade. Os nossos dias eram todos preenchidos em saídas para o mato, serviço de guarda ao aquartelamento, colunas auto, etc. De quatro em quatro dias havia o chamado dia de descanso que era aproveitado, por exemplo, para reforçar algum pelotão nalguma operação mais complicada no mato, reforçar colunas auto, fazer reparações no aquartelamento, etc.
Ao fim da tarde do dia 16 de Julho de 1971 o meu pelotão, que estava de piquete, ia fazer uma coluna auto ao K3 para levar correio à CCAÇ 2753. Aparentemente tratava-se de mais uma normalíssima coluna, que por se tratar de uma distância tão curta, se faria numa hora, ir e vir. O camarada B que estava cheio de tédio, ao ouvir dizer que se ia fazer aquela coluna, veio ter comigo, sabendo que eu não ia, para me pedir emprestada a minha G3 que era coisa que ele não tinha. Fiquei um pouco surpreso porque não fazia parte das suas funções participar em colunas auto. Ele sossegou-me dizendo que ia como voluntário, ao que eu retorqui que voluntário só para comer e é preciso que se goste da ementa. Muito a custo emprestei-lhe a minha companheira e desejei-lhe boa viagem. Por coincidência ele foi na nossa GMC que era uma viatura muito antiga com cabina fechada, pouco recomendável para a saúde como vamos ver mais à frente e da qual nenhum condutor gostava.
A coluna saiu e no quartel a vida continuou dentro do normal até que, passados alguns minutos, surgiu um pedido de socorro, via rádio, porque uma das viaturas tinha accionado uma mina anticarro no Bironque, provocando um ferido grave e alguns ligeiros. Palavra de honra que me lembrei logo do meu amigo B, mas afastei imediatamente os maus pensamentos para longe.
Saíram logo as equipas de socorro, tanto para acudir aos feridos como para rebocar a viatura acidentada. Ficámos na expectativa até à chegada dos feridos e, para surpresa minha, o mais grave era o Bicho, condutor da referida GMC. A sua viatura que fez explodir a mina com a roda da frente do lado dele e, porque tinha cabina fechada fez com que os seus ferimentos fossem muito graves. Teve uma compressão na coluna por ser impulsionado contra o tejadilho. Ficou também com as pernas muito maltratadas pelos pedaços de metal da viatura projectados pela explosão. Os restantes feridos, magoaram-se ao caírem ao chão na confusão gerada.
Perante o que via, perguntei pelo Furriel B, que apareceu pouco depois, muito pálido e a tremer. Mal me viu deu-me um abraço, lamentando não ter seguido os meus conselhos. Disse-me que não tinha sofrido qualquer ferimento por imensa sorte, embora fosse sentado ao lado do condutor. Não estava lá muito bem dos ouvidos, mas foi uma questão de tempo para a audição voltar ao normal. A minha arma, que ele levava ao colo, apanhou com um estilhaço que danificou o carregador. Eu nem queria acreditar no que via e quando mais tarde vi a GMC, mais incrível me pareceu a sorte do B.
Dei a pensar em mim que andei centenas de quilómetros nesta viatura, sempre sentado no guarda-lamas da frente, agarrado ao farol com as costas no sentido do andamento, para poder conversar com os meus camaradas enquanto nos deslocávamos. Se um dia, por azar, ela actuasse alguma mina comigo sentado eu naquele sítio, não sei onde e como estaria agora.
O B não sofreu nada, mas deve ter tido muitas insónias nos dias que se seguiram e deve ter recebido a maior lição da vida. A minha arma teve direito a um carregador novinho em folha...
Eu, nunca mais pude andar sentado no guarda-lamas da nossa velhinha GMC.
Carlos E. Vinhal
Ex-Fur Mil Art MA
CART 2732,
CTIG, 1970/72
___________
Notas de L.G.
(1) Vd. post de 18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXI: Breve historial da CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)
(2) Bironque ficava na estrada de Mansabá-Farim.
Guiné 63/74 - P889: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (11): Férias em Portugal
Guiné > 1969 > A jangada, de reserva, com sobreviventes da tragédia de Cheche, no Rio Corubal, na retirada de Madina do Boé (1)
Foto: © Paulo Raposo (2006)
XI parte do testemunho do Paulo Raposo (ex-Alf Mil Inf, com a especialidade de Minas e Armadilhas, da CCAÇ 2405, pertencente ao BCAÇ 2852 > Guiné, Zona Leste, Sector L1, Bambadinca, 1968/70 > Galomaro e Dulombi).
Extractos de: Raposo, P. E. L. (1997) - O meu testemunho e visão da guerra de África.[Montemor-o-Novo, Herdade da Ameira]. Documento policopiado. Dezembro de 1997. 31-35.
MINI FÉRIAS em BISSAU
Foi nesta altura (1) que meu pai me foi visitar à Guiné. Como tinha muito medo de andar de avião, seguiu de barco. Era um barco misto, de carga e passageiros, e por esse facto ainda parou em Cabo Verde. A muito custo consegui uma licença para, a pretexto de ir tratar de assuntos da companhia, estar uma semana em Bissau, com ele.
Tanto o Brigadeiro Nascimento como a sua mulher, a Sra. D. Beatriz, que foram uns pais para todos os rapazes de Oeiras, tinham em sua casa um quarto para lá ficarmos. Fizémos cerimónia e instalámo-nos no Grande Hotel. Nunca tinha estado a sós com o meu pai tanto tempo. Conversámos muito naqueles dias.
Durante esta semana fomos visitar no Palácio o Ten Cor Pedro Cardoso, Secretário Provincial. Recebeu-nos muito bem, era uma simpatia. O meu pai tinha relações de amizade com o pai dele. A saída o meu pai deixou um cartão de cumprimentos ao Sr. Governador. Meu pai muito gostava destas cortesias.
Guiné > Bissau > 1969 > O Paulo Raposo com o pai, de férias, no Grande Hotel
Foto: © Paulo Raposo (2006)
Como eu tive de regressar entretanto ao mato, e o avião para Lisboa era apenas duas vezes por semana, o meu pai ainda ficou no Grande Hotel mais dois dias sozinho. Valeram-lhe a amizade e a companhia do casal Ten Cor Pedrosa.
Como disse atrás, o meu pai tinha muito medo de andar de avião e, por isso, andei à procura de alguém conhecido que fosse no mesmo vôo e lhe fizesse companhia. Achei um rapaz amigo que também ia e, como na altura os lugares no avião não eram marcados, pedi a este amigo que lhe arranjasse um bom lugar no avião e o acompanhasse na viagem. Assim o fez.
NOVAMENTE NO MATO
De regresso ao mato, enviaram-nos para outra Tabanca, com a missão usual de a ordenar e armar em Auto Defesa. Já estávamos treinados mas nunca gostei deste trabalho. Esta Tabanca ficava numa zona de paz a sul de Bambadinca (2). Ao todo fiz este trabalho em quatro Tabancas.
Um belo dia vou à sede do Batalhão buscar mantimentos e cruzo-me com o comandante que me dirige esta pergunta:
- Você pode reforçar um aquartelamento, uma vez que a companhia que lá está vai fazer uma operação?
Eu respondo-lhe:
- Meu Comandante, mesmo que eu diga que não posso, o Senhor manda-me na mesma, portanto diga quando nos quer lá.
Poucos dias depois para lá fomos, o local ficava a sul da Tabanca aonde estávamos, na estrada que ia ter à mata de Fiofioli. A companhia foi fazer a sua operação e nós por lá estivemos a fazer de baby-sitter.
Terminado o serviço, regressámos e Nossa Senhora nos valeu novamente. Saímos do aquartelamento de madrugada e passados uns 200 metros, ao começarmos a descer um relevo da estrada, no cimo da subida à nossa frente, dá-se um grande rebentamento e surge um grande tiroteio.
Eu ia logo à frente, atrás dos picadores (picadores eram os rapazes que iam à frente com umas varas, com um ferro na ponta para picar o chão à procura de minas), e deito-me imediatamente para o chão. A árvore atrás de mim fica toda picada com tiros do inimigo. De repente noto que algo se passa de estranho, que havia outro tiroteio cruzado.
Então o que se passara? Vinha na estrada, em sentido inverso ao nosso, uma secção de milícias nativas. O inimigo tinha na estrada uma mina comandada e montara uma emboscada. Como eles chegaram primeiro à mina foram eles a apanhar com a metralha.
Resultado: 3 mortos e três feridos graves evacuados de heli Se tivéssemos sido nós a lá chegar primeiro, tinha apanhado eu e os picadores com aquela mina. Durante toda a tarde andei com o caixão daqueles rapazes noUnimog para os entregar às famílias. Ao fim do dia, por causa do calor, o sangue ainda não tinha coagulado.
Voltámos à nossa rotina das Tabancas em Auto Defesa, de que o Capitão [Jerónimo, da CCAÇ 2405] muito gostava. Deste modo tinha a companhia dispersa, e pensava que não nos chamavam para operações, a nível de companhia.
FÉRIAS
E chegou a altura das minhas férias. Eu recebia ao todo 6.600$, dos quais ficava na Guiné com 2.200$, e ainda me sobrava dinheiro pois não havia aonde gastar. Os restantes 4.400$ ficavam em Lisboa e o meu pai ia levantá-Ios à Estefânia. Nessa altura, o bilhete de ida e volta a Lisboa, na TAP custava 4.000$ (3).
Pedi dinheiro ao meu pai, fiz a marcação das passagens, no Sr. Palma, o representante da TAP, em Bissau. De Bafatá para Lisboa fui na TAG. Ainda na pista e antes de embarcarmos no Heron, diz-me um rapaz que também seguia para Bissau, que aquele avião embora de alta segurança e usado para transporte do Eisenhower durante a guerra, tinha grande turbulência, mesmo com céu limpo. Julguei que ele brincava. Disse-me depois que era da PIDE. Mas era verdade. De Bafatá para Bissau, aquele avião parecia um canguru.
Chegado a Bissau, instalei-me no Grande Hotel para no dia seguinte, de madrugada, apanhar o avião para Lisboa. Com a excitação das férias, nada dormi naquela noite. De madrugada, levantei-me e tomei um táxi para o aeroporto de Biassalanca.
Conforme disse atrás, a TAP só ia a Bissau duas vezes por semana. Quando ia, era o dia do São Boeing. Toda a gente que prestava serviço em Bissau ia ver o avião, para ver quem chegava e quem partia, e encher os olhos com as meninas da TAP.
Já sentadinhos no Boeing 727, voámos para Lisboa. O vôo durou 4 horas que nunca mais passavam. A alegria e a excitação eram tantas, que a bordo fechavam o bar. Vim a saber depois que isto era hábito especialmente nos vôos da Guiné.
Curiosamente, depois do bar ter fechado, nós que já estávamos um bocado apanhados pelo clima, continuávamos a tocar nas campainhas do avião, mas sem sucesso.
Nesta altura dirijo-me ao que eu julgava ser um comissário, e digo-lhe que não são formas de tratar o pessoal que estava no buraco. Era o co-piloto, o Ricardo Silva Pires, e caímos nos braços um do outro. Hoje é um prestigiado comandante da TAP. Eu vivi até aos meus 10 anos na Rua João Penha, em Lisboa, e ele vivia mesmo do outro lado da rua. Chegava-se a casa dele através de umas escadinhas, aonde julgo que hoje há um bar. Todos os dias o pai dele, que trabalhava na Papelaria Fernandes, nos levava para o Liceu Pedro Nunes.
Depois de dormitar um pouco para pôr em ordem o equilíbrio, chegámos por fim a Lisboa. Passada a alfândega, depois de termos escondido as garrafas de whisky, que custavam 75$ na Guiné (3), lá estava toda a família e os amigos. Naquele tempo era assim. Menciono apenas alguns, a família Albarraque, Cardoso de Oliveira, Campos Rodrigues e Palma Carlos.
Meu pai mostrou-me o relógio dele. Desde a sua estada na Guiné ainda não tinha mudado as horas do relógio. Ainda não se tinha desligado da sua estadia em Bissau. Foi uma grande alegria ir para casa, tomar banho,dormir na minha cama, comprar o jornal, que subira de preço, para 1$50, e poder sair à rua sem perigo. Foram quatro semanas estupendas passadas no mês de Maio.
A 5ª e última semana já não sabia ao mesmo. Comecei a contar os dias e novamente recomeçava a ansiedade. No princípio de Junho, à 1 da manhã, regressei no mesmo avião da TAP.
Durante estas férias morre a minha avó Ana, que vivia connosco. Parece que esteve à minha espera. Era uma Senhora muito especial, não sabia dizer mal de ninguém. Embora tivesse ficado privada de sair por efeito de uma trombose que tinha tido, tinha o quarto sempre repleto de visitas. Sempre foi assim toda a vida.
No aeroporto outra vez as despedidas, mas já não íamos para o desconhecido, já sabíamos o que nos esperava. De novo a família e os amigos de sempre a despedirem-se de nós. Vim depois a saber que depois de eu entrar para o avião, pois naquela altura assistia-se a tudo do varandim do 1º andar do aeroporto, o meu pai ficou agarrado a uma coluna, a chorar como uma criança.
A viagem de regresso nada tinha de alegre. Dormi até chegarmos a Cabo Verde, de madrugada, para uma escala do avião. Comandava o avião o comandante Simões, visita de sempre da família amiga Simões de Almeida e Palma Carlos, relações que já vinham do tempo dos meus avós.
_____________
Notas de L.G.
(1) Vd. post anterior, de 7 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P853: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (10): A retirada de Madina do Boé
(2) Provavelmemnte tabancas do regulado do Corubal, situadas a leste da estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole
(3) Vd. post de 1 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXII: Cem pesos, manga de patacão, pessoal! (2)
(...) Humberto Reis:Já não me lembro da maioria dos preços mas tenho uma ideia de que uma viagem na TAP em Março de 1970, Bissau-Lisboa-Bissau, me custou à volta de 6 contos e nós ganhávamos cerca de 5.
"O pré dos soldados era de 600 pesos os de 2ª, 900 pesos os de cá e os cabos 1200 pesos. Eu sei dessa diferença pois tinha no meu Gr Comb o Arménio (o vermelhinha) que foi como soldado, visto que levou cá uma porrada (foi apanhado numa rusga pela PM no Porto quando já estávamos no IAO em Santa Margarida) que lhe lixou a promoção (...).
"Sei bem, isso não me esqueceu, que o visque era mais barato que a cervejola: 2,50 simples contra 3,00 ou 3,50, além de que dava direito, o whisky, a gelo. As cervejas nunca estavam suficientemente geladas pois os frigoríficos da messe, a petróleo, não tinham poder de resposta para a quantidade de pedidos." (...)
Guiné 63/74 - P888: Antologia (44): O presépio de Chicri (Beja Santos)
Foto: © Mário Armas de Sousa (2005)
Texto do Beja Santos, novo membro da tertúlia dos Amigos & Camaradas da Guiné, publicada na revista artciencia.com, revista de arte, ciência e comunicação. Trata-se de "uma revista electrónica, trimestral, cujo objectivo é agregar e divulgar trabalhos de investigadores e autores, cujos interesses se situem na intersecção das áreas arte-ciência-comunicação. Os textos podem ser escritos em português, castelhano, italiano, inglês ou francês". O Beja Santos pertence ao respectivo conselho editorial e deu-nos autorização expressa para publicar este texto que nos honra, a todos nós, ex-combatentes. É mais um momento tocante da vida da nossa caserna virtual. É uma história com moral, sobre o valor da solidariedade humana, em tempo de guerra, cruel...
Estranhamente, o episódio aqui evocado não consta da actividade operacional do mês de Dezembro do BCAÇ 2852, a que o Pel Caç Nat 52, comandado pelo Alf Mil Beja Santos, estava adido: vd. História do BCAÇ 2852 (Guiné, 1968/70): Bambadinca: BCAÇ 2852. 1970. Cap II. 13-24. (Documento policopiado, classificado como reservado).
De qualquer modo, este episódio com o diligrama faz-me lembrar um outro já aqui evocado por mim e de que resultou a primeira vítima mortal na minha companhia, a CCAÇ 12 (1) (LG)
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artciência.com (ISSN 1646-3463) Ano I. Número Dois. Fevereiro-Abril 2006
O PRESÉPIO DE CHICRI
Beja Santos
Que bom teres vindo! Feitas as contas, faz hoje 36 anos que nos vimos pela última vez. Graças ao Abudu, descobrimos finalmente o teu primo Álvaro Semedo, e assim chegámos à tua casa na Brandoa. Senta-te. Se não te impressionares, gostava de te contar tudo o que se passou no dia em que todos te julgámos perdido.
A 19 de Dezembro de 1968, decidi que partiríamos a 22 para patrulhar Chicri. Só no fim de Novembro me apercebi da importância estratégica de Missirá e Finete. Os guerrilheiros de Madina do Cuor abasteciam-se atravessando o Geba em dois pontos: Perto de Samba Silate, ao lado de Bambadinca, no Sul, ou em Mero, a Oeste. Mais a Sul, junto ao Xime, o PAIGC transportava a sua artilharia pesada e as suas munições. Eles aterrorizavam-nos, nós tínhamos que pagar com a mesma moeda. Por isso, íamos a Chicri.
Não era a primeira vez que eu lá ia. Era uma terra próspera, abandonada, as madeiras da tabanca ainda espetadas no ar e, olhando ao longe, como num amplo anfiteatro, o Geba refulgia, serpenteando entre o Xime e Bambadinca. Um trilho fino atravessava a tabanca entre estacas calcinadas, restos de paredes de adobe, mais além ficava a construção monumental da destilaria do cabo-verdiano Simão. Chicri fora enorme, povoada por Mandingas e Futafulas.
Tu tinhas-me dito, semanas antes, quando íamos numa operação perto de Madina: "Chicri não parece um presépio?" Recordo-te isto agora porque em vésperas do patrulhamento tu pediste-me para ir a Bafatá comprar figurinhas de barro para o nosso presépio de quartel. Quando me fizeste a proposta, achei estranho. Éramos 150, dos quais só nove cristãos. Eu sabia que tu tinhas sido educado numa missão em Bissau, mas surpreendeu-me a ideia do presépio. E lá foste a Bafatá, com o Teixeira das transmissões e o Barbosa da cantina. O Teixeira vive agora em Darmstadt e o Barbosa, a última vez que falámos, tinha um estabelecimento em Aveiro.
Na madrugada do dia 22, a patrulha abandonou Missirá, deixaras o presépio armado na messe e seguias à frente com a tua arma temível, o dilagrama. Percorremos os lamaçais de Gã Gémeos, depois Ganturé e Mato Madeira. Não sei se te recordas mas não havia vestígios nenhuns de presença humana. Porém, em Maná, topámos com indícios de um trilho recentemente aberto, entre o alto capim que circundava a velha tabanca dos Balantas. Entrámos no trilho. De Maná seguimos para Mato Cão. Na foz do Gambiel, tivermos um percalço com um enxame de abelhas. Vejo como tu estás atento, sinto que te espantas por ter guardado tudo. Seguimos depois para Chicri. Estávamos numa zona de guerrilha. Tinham-se passado 15 horas a andar e a tropa estava derreada.
Regressámos a Missirá para descansar e saímos de novo, na madrugada de 23. Queria regressar a Chicri antes do amanhecer. Tal como na véspera, tu insististe em vir. Eu tinha 23 anos, era o alferes de Missirá e Finete, território encravado nos arrozais, na outra margem de Bambadinca e matas do Ôio. Tinha à minha responsabilidade centena e meia de soldados, e muitas centenas de civis. Guerrilha paga-se com contra-guerrilha, terror com terror. Era o que eu me preparava para fazer.
Tu, lembro-me muito bem, estavas sorridente, tinhas preparado o presépio a um canto da messe, ao lado do armário onde guardávamos os pratos e os talheres. A nossa consoada seria em Missirá. No dia de Natal, iríamos à capela de Bambadinca e almoçaríamos em Finete, com a família do régulo Malâ.
Portanto, eram sete da manhã da antevéspera de Natal quando, em Chicri, 30 homens com uma bazuca e dois morteiros entraram num terreno de combate. Sete horas com muita humidade e o dia a despontar. Havia uma poalha luminosa nos palmeirais. Os indícios avolumavam-se: Encontrámos vestígios de uma fogueira, restos de caju e peixe, uma patorra bem desenhada na areia. Marchávamos silenciosamente, na testa da coluna o picador, depois o guia, a seguir eu e o José Jamanca com o bornal das munições. O mato engolia-nos na sua galeria silenciosa. Lembro-me de ter pedido ao Jamanca para ir chamar o Teixeira e o Campino da bazuca. Tu vieste, também, e o Cibo Indjai, o picador que lia na terra como na palma das mãos e que me avisou que podíamos estar próximos de um acampamento de guerrilha. Deixou-se de fazer a picagem do terreno, progredíamos lentamente. As fardas ensopavam-se nos corpos. Um Sol brutal escoava-se pela ramaria. Quebá Soncó pediu-me o cantil. "Quebá, onde estamos?" Só responderam os seus olhos devorados pelo medo. Era um caminhar sonâmbulo, sem se ouvir o piar das aves, com o estômago revoltado. De relance, vi as horas. Tu pediste-me um cigarro. E, de repente, na curva da picada, guia, picador e Cibo atiram-se para o chão. A pouco mais de cinco metros, um homem fardado de caqui amarelo, um chapéu de cowboy preso por atilhos olha-me estuporado e tão confuso como eu. Num segundo, medimo-nos de alto a baixo. Depois, dois tiros num só eco.
Aquele homem que eu nunca vira levou a mão ao ombro direito, os dedos tintos de sangue. Eu continuei a disparar e ele caiu lentamente como um fardo, a meio da picada. Seguiu-se o tiroteio caótico, gritos, o estoiro das granadas, o desabar das folhas, dos ramos, as armas a cuspir fogo. Os guerrilheiros abandonavam o terreno.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > 1969 ou 1970 > Pessoal do 2º Grupo de Combate da CCAÇ 12 atravessando em coluna apeada a bolanha de Finete na margem direita do Rio Geba.
Foto: © Humberto Reis (2006).
Chegara o momento da caça ao homem. Nós avançámos, tu começaste a usar a tua arma temível. E quando eu estava a avaliar os estragos e a preparar o ataque, ouviu- se um urro medonho, e eu só me lembro de te ver numa rodilha de carne dilacerada, em rios de sangue. Soubemos logo o que aconteceu. Meteras um cartucho de bala real, prepararas a tua condenação. Ergui a tua cabeça e tu disseste-me baixinho: "Alferes, dá-me um tiro para acabar tudo". Afastei-te a espingarda, o Jolá rasgou-te o dólman, tirou-te os restos das botas. Tu estavas muito mal, o braço esquerdo todo rasgado, buracos no peito, estilhaços nas pernas, pensei que tinhas perdido os dois olhos, tal o mar de sangue. À nossa volta, na zona de combate, estava tudo juncado de comida, panos, esteiras, granadas, cartucheiras, tudo o que os guerrilheiros tiveram de abandonar para fugir rapidamente.
Isto passou-se exactamente há 36 anos. Chegou o momento da confidência mais dolorosa: ninguém quis pegar em ti. Não por estares a morrer, mas por seres cabo-verdiano. Nesse dia, eu confirmei na carne quanto pesa um ódio. Tu repetiste: "Não vale a pena, estou perdido. Atira-me na testa". Dizem que é um acorde viril do macho estropiado, pedir a morte quando jorram os intestinos ou se perdem as pernas numa mina. Então, pedi ao Teixeira e ao enfermeiro Sérgio para se porem à frente da coluna e começámos a retirar. O Jau e o Cibo puseram-te às minhas costas. Retirámos aos tombos, eu levava entre os dentes o teu braço esfacelado, e vamos percorrer os quilómetros mais dolorosos da minha vida até chegarmos ao anfiteatro de Chicri. Não sei quanto tempo durou esta viagem alucinante. Finalmente, depositei-te, cheio de ternura, no chão. O Teixeira tentou uma ligação, a ver se conseguia que um helicóptero te viesse buscar. Não se conseguiu a ligação. O Sol estava no zénite. Tomei a decisão de ir a Missirá buscar uma viatura e reforços, improvisou-se uma maca, retirei com seis homens enquanto o resto da coluna seguia para a curva de Ganturé. Nova corrida para o quartel de Missirá. Ainda parámos uns minutos no Gambiel para matarmos a sede. Depois, uma corrida de 10 quilómetros até avistarmos os cajueiros amigos e o arame farpado de Missirá.
Acorria gente de todos os lados. Fez-se um silêncio sepulcral quando me viram, a farda empapada em sangue. Dei ordens. Queria uma viatura, garrafões cheios de água, um colchão, medicamentos. Ao contrário das tragédias gregas, ninguém comentava nem perguntava. Surgiu Malã, sempre resignado, vidente, brumoso. Não foi preciso dizer nada. E partimos, à procura da curva de Ganturé e de um helicóptero bendito.
Tenho outra confissão a fazer-te. Olhando as minhas mãos cheias de sangue, entre a vontade de chegar ao pé de ti e de me atirar para o chão a dormir só me lembrava das figurinhas de barro de um presépio que tu não irias partilhar connosco. Fomos até Bambadinca, onde foste evacuado para o Hospital de Bissau. O médico do Batalhão deu-me poucas esperanças, tinhas perdido muito sangue e era muito grande o estado de choque.
Regressámos a Missirá depois de eu ter feito o relatório dos acontecimentos. Lembras-te do meu abrigo, não lembras? Aquelas centenas de discos e os livros espalhados por toda a parte? Ardeu tudo em Março de 69. Tu rias-te com as minhas óperas e com aquela música, lembras-te?
E assim chegou a noite fria do Natal, fria no meu coração. Perto da meia-noite, o Teixeira veio chamar-me. No nosso refeitório, a um canto, iluminava-se o presépio. Estávamos todos com um nó na garganta. E, então, contei a todos que o teu corpo estropiado iria renascer de tanto sangue inocente derramado.
Estou a falar-te muito devagar, para calar a emoção. Desculpa se estas memórias te ferem. Estamos no Natal, e ter-te aqui, à minha frente, 36 anos depois, é uma grande alegria. Eu sabia que tu ias recuperando, que ficaras cego e aleijado. Depois do 25 de Abril, deram-me notícias de que casaras mas ninguém sabia do teu paradeiro. Esta história de Chicri, eu não sabia o que fazer dela. Receei voltar a ver-te, já que não sabia o que te dizer. Agora, olhando-te de frente, sei que sobreviveste para lembrar aos homens da tua pátria e da minha que houve milhares de presépios de Chicri perdidos ou esquecidos. Mas tenho uma surpresa para ti: as figurinhas de barro que foste comprar a Bafatá estão aqui para as levares.
Como é bom tu teres vindo e trazeres-me o alívio de tantos quilómetros de sangue e sofrimento. Quando vocês bateram à porta, estava precisamente a ler estes versos:
Não seja esta noite, agora e sempre,
Igual às outras noites.
Não seja esta noite, agora e sempre,
Igual às outras noites:
Tumba de carne viva em ódio amortalhada,
Anunciando sangue e pranto e morte.
Não seja esta noite, agora e sempre,
Igual às outras noites.
É bonito, não é? Foram 36 anos de dor que tu vieste hoje apagar. Vamos celebrar, finalmente, um Natal tão adiado. Nunca ninguém poderá saber como é bom poderes estar ao pé de mim!
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Notas de L.G.
(1) Vd. post de 8 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLVI: Setembro/69 (Parte I) - Op Pato Rufia ou o primeiro golpe de mão da CCAÇ 12
(2) Chicri: Vd. mapa de Bambadinca. Chicri ficava acima do Mato Cão.
terça-feira, 20 de junho de 2006
Guiné 63/74 - P887: Tabanca Grande (1): Pedro Lauret, ex-Imediato da LFG Orion e Mário Beja Santos, ex-Alf Mil CMDT do Pel Caç Nat 52
Pedro Lauret, antigo imediato da LFG Orion, à esquerda, ladeado por Ulisses Faria Pereira, ex-grumete electricista... Foto: Público, nº 5571, 26 de Junho de 2005 (com a devida vénia) (1).
1. Na nossa tertúlia, é assim: não é preciso grandes cerimónias para se entrar... Foi o que se passou com o comandante Pedro Lauret com quem fiz uma rápida troca de galhardetes... Quanto ao Ulisses, faço votos para que ele dê sinais de vida e nos dê a honra de se juntar a este já imenso grupo de amigos e camaradas da Guiné...
Pedro: Amor com amor se paga… Tem, à sua disposição, as cartas do sul da Guiné, à escala 1/50.000… Conhece o António Marques Lopes, coronel DFA ? É um dos mais antigos membros desta caserna virtual onde fazemos blogoterapia… e mantemos acesa a chama da revolta pelo silêncio (societal) à volta da guerra colonial que você denuncia no seu texto (acabei de publicá-lo) (2)…
O António faz parte da A25A, delegação do Porto… É autor de alguns dos mais notáveis textos (ou posts) que temos publicado no nosso blogue, desde 25 de Abril de 2005… Espero que você volte… Mas na caserna tratamo-nos todos por tu…
Resposta do nosso camarada da Marinha:
Caro Luís Graça, se passar na inspecção é com todo o gosto que me junto ao pessoal da caserna.
Um abraço.
Resposta na volta do correio, ao desafio do nosso novo marinheiro:
Pedro: Estás dispensado!... Vou pôr-te na nossa mailing list. Passa uma vista de olhos pelo regulamento da caserna...
Um ciber-abraço
O Pedro Lauret não perdeu tempo com salamaleques...
Luís, quero dar-te os parabéns pois o regulamento da caserna está muito bem feito. Subescrevo-o sem hesitação. Um abraço,
Pedro Lauret
2. O caso do nosso camarada Beja Santos foi ainda mais célere... Comecei com cerimónias e acabámos no tu-cá-tu-lá, voltando aos velhos tempos de Missirá, Finete, Mato Cão, Bambadinca...
Beja Santos, ex-alferes miliciano, comandante do Pel Caç Nat 52 (Missirá, 1968/70). Foto tirada em 26 de Novembro de 1994, em Fão, Esposende, num convíviuo de malta que passou por Bambadinca, entre 1968 e 1971.
Foto: © Humberto Reis (2006)
Caro Mário:
Recebi, gostei muito e vou divulgar de imediato pela tertúlia [a dramática e comovente história do teu soldado cabo-verdiano gravemente ferido pela explosão de um dilagrama]. Estive três dias fora, só ontem inseri uma das tuas coisas [a lenda do alferes Hermínio de Jesus]…
Mas uma vez que este teu último texto, o presépio de Chicri, já foi publicado em revista, será que posso inseri-lo no blogue ? Preciso da tua autorização e/ou da revista… Um abração. Luís
O Beja Santos respondeu-me de imediato: Tens o meu OK!
Amigos e camaradas: a nossa caserna fica hoje mais rica, com a entrada do Pedro Lauret e do Beja Santos... A entrada de cada novo amigo ou camarada é sempre um momento bonito... Há trinta e tal anos atrás, seria celebrado mais ruidosamente, com umas valentes rajadas de G3... Agora estamos mais calmos, mais sábios, menos folgosos, mais amigos do ambiente, mais respeitadores do erário público, quiçá mais pacifistas, seguramente mais velhos... Espero que eles se sintam em casa, nas suas sete quintas, no seu meio (aquático, terrestre, aéreo, cibernáutico...) e que continuem sobretudo com essa imensa vontade de partilhar connosco a sua excepcional experiência como homens e como operacionais...
Mário e Pedro: É também um privilégio contar convosco!... Vocês são mais dois pesos pesados da guerra que nos calhou em sorte... Conto convosco para nos ajudarmos, uns aos outros, a reconstituir o puzzle da nossa memória colectiva... Temos essa obrigação, perante nós próprios, o povo português, o povo guineense e a nossa história parcialmente comum...
__________
Notas de L.G.
(1) Vd. post de 15 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P878: Antologia (42): Os heróis desconhecidos de Gadamael (Parte I)
(2) Vd. post de 14 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P876: É revoltante o silêncio em torno da guerra colonial (Pedro Lauret, imediato do NRP Orion, 1971/73)
1. Na nossa tertúlia, é assim: não é preciso grandes cerimónias para se entrar... Foi o que se passou com o comandante Pedro Lauret com quem fiz uma rápida troca de galhardetes... Quanto ao Ulisses, faço votos para que ele dê sinais de vida e nos dê a honra de se juntar a este já imenso grupo de amigos e camaradas da Guiné...
Pedro: Amor com amor se paga… Tem, à sua disposição, as cartas do sul da Guiné, à escala 1/50.000… Conhece o António Marques Lopes, coronel DFA ? É um dos mais antigos membros desta caserna virtual onde fazemos blogoterapia… e mantemos acesa a chama da revolta pelo silêncio (societal) à volta da guerra colonial que você denuncia no seu texto (acabei de publicá-lo) (2)…
O António faz parte da A25A, delegação do Porto… É autor de alguns dos mais notáveis textos (ou posts) que temos publicado no nosso blogue, desde 25 de Abril de 2005… Espero que você volte… Mas na caserna tratamo-nos todos por tu…
Resposta do nosso camarada da Marinha:
Caro Luís Graça, se passar na inspecção é com todo o gosto que me junto ao pessoal da caserna.
Um abraço.
Resposta na volta do correio, ao desafio do nosso novo marinheiro:
Pedro: Estás dispensado!... Vou pôr-te na nossa mailing list. Passa uma vista de olhos pelo regulamento da caserna...
Um ciber-abraço
O Pedro Lauret não perdeu tempo com salamaleques...
Luís, quero dar-te os parabéns pois o regulamento da caserna está muito bem feito. Subescrevo-o sem hesitação. Um abraço,
Pedro Lauret
2. O caso do nosso camarada Beja Santos foi ainda mais célere... Comecei com cerimónias e acabámos no tu-cá-tu-lá, voltando aos velhos tempos de Missirá, Finete, Mato Cão, Bambadinca...
Beja Santos, ex-alferes miliciano, comandante do Pel Caç Nat 52 (Missirá, 1968/70). Foto tirada em 26 de Novembro de 1994, em Fão, Esposende, num convíviuo de malta que passou por Bambadinca, entre 1968 e 1971.
Foto: © Humberto Reis (2006)
Caro Mário:
Recebi, gostei muito e vou divulgar de imediato pela tertúlia [a dramática e comovente história do teu soldado cabo-verdiano gravemente ferido pela explosão de um dilagrama]. Estive três dias fora, só ontem inseri uma das tuas coisas [a lenda do alferes Hermínio de Jesus]…
Mas uma vez que este teu último texto, o presépio de Chicri, já foi publicado em revista, será que posso inseri-lo no blogue ? Preciso da tua autorização e/ou da revista… Um abração. Luís
O Beja Santos respondeu-me de imediato: Tens o meu OK!
Amigos e camaradas: a nossa caserna fica hoje mais rica, com a entrada do Pedro Lauret e do Beja Santos... A entrada de cada novo amigo ou camarada é sempre um momento bonito... Há trinta e tal anos atrás, seria celebrado mais ruidosamente, com umas valentes rajadas de G3... Agora estamos mais calmos, mais sábios, menos folgosos, mais amigos do ambiente, mais respeitadores do erário público, quiçá mais pacifistas, seguramente mais velhos... Espero que eles se sintam em casa, nas suas sete quintas, no seu meio (aquático, terrestre, aéreo, cibernáutico...) e que continuem sobretudo com essa imensa vontade de partilhar connosco a sua excepcional experiência como homens e como operacionais...
Mário e Pedro: É também um privilégio contar convosco!... Vocês são mais dois pesos pesados da guerra que nos calhou em sorte... Conto convosco para nos ajudarmos, uns aos outros, a reconstituir o puzzle da nossa memória colectiva... Temos essa obrigação, perante nós próprios, o povo português, o povo guineense e a nossa história parcialmente comum...
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Notas de L.G.
(1) Vd. post de 15 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P878: Antologia (42): Os heróis desconhecidos de Gadamael (Parte I)
(2) Vd. post de 14 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P876: É revoltante o silêncio em torno da guerra colonial (Pedro Lauret, imediato do NRP Orion, 1971/73)
segunda-feira, 19 de junho de 2006
Guiné 63/74 - P886: Terceiro e último grupo de ex-combatentes fuzilados (João Parreira)
Foto: © João Parreira (2005)
Texto, com data de 9 de Junho de 2006, enviado pelo João Parreira , ex-Furriel Miliciano, CART 730 (Bissorã) e Comandos (Brá), 1964/66 (1)
Caro Luís Graça,
Penosamente estou a abordar novamente o assunto que ultimamente tenho trazido a lume, ou seja dar a conhecer mais nomes de camaradas guineenses - que obtive de fonte que considero fidedigna - e que por razões que só eles sabiam, decidiram lutar ao nosso lado, com excepção de um civil, e que mais tarde, já em tempo de paz, pagaram com a vida, ao serem fuzilados (2).
Constata-se que foi praticado um variado leque de execuções, tal como soldados de infantaria e artilharia, milícias, comandos, fuzileiros, marinheiros, enfermeiros, condutores, e talvez mais. Todos eles tinham variadas patentes.
Não me compete fazer qualquer juízo ou comentário, nem se está certo ou errado, pois os actos ficam com quem os mandou praticar, no entanto não compreendo como foram escolhidos e qual foi o critério desses fuzilamentos.
Que mais teriam feito para merecer tal destino?
Por certo foram muitos mais os guineenses que lutaram a nosso lado e que por lá ficaram com as suas famílias, felizmente, digo eu, sem que nada lhes acontecesse.
No que concerne à tendência de cada um de nós, tertulianos ou não, é óbvio que o que estava errado para uns estava certo para outros e vice-versa. Ao fim e ao cabo dentro do ponto de vista de cada um, todos têm as suas razões.
No post nº DCCCVI (3) não completei a última frase, que agora julgo oportuno acabar, ou seja: "Brevemente irei enviar mais nomes de outros fuzilados já depois da guerra terminar, que não assassinos dos comandos"... Eu queria dzier: "... que não assassinos dos comandos, como alguns lhe chamaram".
Na véspera do 10 de Junho [de 2006], não posso deixar de frisar que estes militares também morreram por terem defendido a Pátria Portuguesa.
Outros militares executados:
Soldado de Infantaria Uri Jaló (Esquadrão/Bafatá)
Sold Inf Sello Jaló (Farim)
Sold Inf Mamadu Bobó Jaló (Farim)
Sold Inf Alfa Baldé (Pel Caç Nat 53)
Sold Inf Mama Samba Candé (Pel Caç Nat 53)
2º Sargento Fuzileiro Especial Domingos Ensá Djassi (Dest Fuz Esp nº 21)
2º Sarg Fuz Esp Luntam Indjai (Dest Fuz Esp nº 21)
2º Sarg Fuz Esp Braima Sani (Dest Fuz Esp nº 21)
2º Sarg Fuz Esp Califa Baldé (Dest Fuz Esp nº 21)
Marinheiro Mamadu Aliu Seidi (Dest Fuz Esp nº 21)
2º Sarg Fuz Esp Adulai Dabó (Dest Fuz Esp nº 22)
2º Sarg Fuz Esp Marçal Sambu (Dest Fuz Esp nº 22)
2º. Sarg Fuz Esp Mário Adjabá (Dest Fuz Esp nº 22)
Marinheiro Calido Baldé (Dest Fuz Esp nº 22)
Comandante de Milícia Calilo Dabó (Empada)
Cmdt Mil Bawali Tcham (Empada)
Cmdt Mil Aladje Seco Camará (Jabadá)
Cmdt Ansumane Mané (Gampará)
Cmdt Mil Sambaro Candé (Mansabá)
2º Cmdt Mil Mam Braima Seidi (Mansabá)
Soldado Milícia Mama Djam Jaló (Mansabá)
Sold Mil Mori Baldé (Mansabá)
Sold Mil Uri Baldé (Mansabá)
Sold Mil Aliu Baldé (Mansabá)
Sold Mil Braima Candé (Farim)
Sold Mil Saco Baldé (Cuntima)
1º Sargento comando Zeca Lopes (1ª. C.C.A./C.O.E.)
Furriel cmd Luis Assaul (2ª Companhia de Comandos Africanos)
Fur cmd Amarante Sadjá (2ª Comp Cmds Africanos)
Sold Inf Augusto Amen Sanhá (3ª Comp Comandos Africanos)
Sold Inf Constantino Aliu Sani (4º Curso Comandos)
Sold Bacarzinho (5º Curso Comandos)
Fur Grad Inf Salazar Saliu Queta (CCAÇ 5) (3)
1ºCabo Inf Mama Saliu Jaló (CCAÇ 5)
Sold Inf Demba Ganó (CCAÇ 11)
Sold Inf Malam Sani (CCAÇ 14)
Sold Inf Bará Dabó (CCAÇ 14)
Fur Grad Inf MalanTuré (CCAÇ 21) (5)
Civil Malam Cassapai (Administração de Catió, Catió)
E assim termino a triste missão que me impus a mim próprio.
Um abraço
João Parreira
____________
Notas de L.G.
(1) Vd post de 3 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74- CCCXXX: Velhos comandos de Brá: Parreira, o últimos dos três mosqueteiros
(2) Vd. posts anteriores, de:
23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)
31 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXXII: Mais ex-combatentes fuzilados a seguir à independência (João Parreira)
(3) Vd. post de 27 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCVI: O colaboracionismo sempre teve uma paga (6) (João Parreira)
(4) Vd. post de 6 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCIX: Salazar Saliú Queta, degolado pelos homens do PAIGC em Canjadude (José Martins)
" (...) Em conversa com alguém que esteve lá contigo nos últimos dias - creio que o Capitão Miliciano Silva de Mendonça, de que já te enviei o contacto -, sei que pagaram aos africanos seis meses de pré e, como se o contrato de trabalho de muitos anos e muita lealdade tivesse terminado, disseram-lhes, em nome de quem nunca os conheceu e viveu junto deles, vão à vossa vida.
"Também em conversa tida com o Capitão Figueiredo Barros, soube que o Salazar Saliú Queta, Soldado Africano da Psico-social, foi sumariamente executado, por degolação, assim que o PAIGC tomou conta do aquartelamento. Este relato foi feito pelo Fernando Saliu Queta, filho do nosso nharro" (...).
(5) Mensagem posterior, de 21 de Junho, do João Parreira, a esclarecer o seguinte: "É que entrou em contacto comigo um camarada nosso que me disse que esteve com ele e nessa altura o Malan era 1º. cabo, e que por isso não podia ser o mesmo".
Guiné 63/74 - P885: Guileje, onde hoje floresce a 'matchundadi di branco' (Pepito)
Guinau-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Antigo aquartelamento das NT > Uma planta chamada matchundadi di branco...
Foto: © Pepito (2006)
Mensagem do Pepito, da AD-Acção para o Desenvolvimento (Bissau):
Caro Luís
Como Guiledje é uma fonte inesgotável de conhecimentos, junto envio a foto de uma planta lindíssima que brota do chão do Quartel e a quem os antigos milícias africanos de Guiledje chamam sugestivamente de ...matchundadi di branco.
Comentário de L.G.:
(i) Obrigado, Pepito... É um deslumbramento!
(ii) A tua/nossa Guileje tem sido um caixinha de surpresas...
(iii) Já agora, para o teu serviço ser completo, diz-nos o que quer dizer, em crioulo, matchundadi... Traduz à letra, não queremos eufemismos...
O bom amigo do Pepito, meio encaralhado, lá me esclaraceu, logo a seguir:
Caro Luís
Semanticamente falando, que o assunto é delicado, a palavra em crioulo matchundadi vem directamente da palavra matcho, que vem de macho e que vem vernaculamente do caralho...
abraços
pepito
Comentário de L.G.:
Assim é que é: em bom vernáculo, do crioulo da Guiné, é que a gente se entende!... Matchundadi di branco, para os nossos queridos nharros, não é mais do que o caralho ou a piça do branco ! ... Quem disse que os guineenses não tinham sentido de humor ? Assim sendo, o título deste post devia ser Guileje, onde floersce o 'matchundadi di branco'...
Foto: © Pepito (2006)
Mensagem do Pepito, da AD-Acção para o Desenvolvimento (Bissau):
Caro Luís
Como Guiledje é uma fonte inesgotável de conhecimentos, junto envio a foto de uma planta lindíssima que brota do chão do Quartel e a quem os antigos milícias africanos de Guiledje chamam sugestivamente de ...matchundadi di branco.
Comentário de L.G.:
(i) Obrigado, Pepito... É um deslumbramento!
(ii) A tua/nossa Guileje tem sido um caixinha de surpresas...
(iii) Já agora, para o teu serviço ser completo, diz-nos o que quer dizer, em crioulo, matchundadi... Traduz à letra, não queremos eufemismos...
O bom amigo do Pepito, meio encaralhado, lá me esclaraceu, logo a seguir:
Caro Luís
Semanticamente falando, que o assunto é delicado, a palavra em crioulo matchundadi vem directamente da palavra matcho, que vem de macho e que vem vernaculamente do caralho...
abraços
pepito
Comentário de L.G.:
Assim é que é: em bom vernáculo, do crioulo da Guiné, é que a gente se entende!... Matchundadi di branco, para os nossos queridos nharros, não é mais do que o caralho ou a piça do branco ! ... Quem disse que os guineenses não tinham sentido de humor ? Assim sendo, o título deste post devia ser Guileje, onde floersce o 'matchundadi di branco'...
Guiné 63/74 - P884: Por onde parará o Cristo de Guileje? (Pepito)
Guiné > Guileje > s.d. > Imagem de Cristo inscrutada numa árvore. Fonte: Afonso e Gomes (2002) (1)
Mensagem do Pepito (AD - Acção para o Desenvolvimento, Bissau):
Caro Luís
Desde que me abalancei nesta Iniciativa de Guiledje me tenho deparado com uma dúvida que ainda não consegui esclarecer. No livro editado pelo Diário de Notícias "Guerra Colonial", da autoria de Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes (1), vem referido com foto que junto envio, a existência do "Cristo de Guiledje".
Sucede que todas as pessoas a quem perguntei não me confirmam a existência desse Cristo incrustado na base de uma árvore. Será que algum tertuliano se lembra da sua existência?
abraços
pepito
___________
Nota de L.G.:
(1) AFONSO, Aniceto; GOMES, Carlos Matos - Guerra Colonial. Lisboa: Ed. Notícias 2002.
Mensagem do Pepito (AD - Acção para o Desenvolvimento, Bissau):
Caro Luís
Desde que me abalancei nesta Iniciativa de Guiledje me tenho deparado com uma dúvida que ainda não consegui esclarecer. No livro editado pelo Diário de Notícias "Guerra Colonial", da autoria de Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes (1), vem referido com foto que junto envio, a existência do "Cristo de Guiledje".
Sucede que todas as pessoas a quem perguntei não me confirmam a existência desse Cristo incrustado na base de uma árvore. Será que algum tertuliano se lembra da sua existência?
abraços
pepito
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Nota de L.G.:
(1) AFONSO, Aniceto; GOMES, Carlos Matos - Guerra Colonial. Lisboa: Ed. Notícias 2002.
Guiné 63/74 - P883: Convívio de ex-cadetes da EPI, Mafra, 1 de Julho de 2006 (Paulo Raposo)
O Paulo Raposo volta pedir-me que divulgue a realização do encontro de ex-camaradas que passaram por Mafra, e de que ele é co-organizador, com o Rui Felício:
GRANDE ENCONTRO DA 2ª INCORPORAÇÃO DE 10 DE ABRIL DE 1967
Curso de Oficiais Milicianos
Escola Prática de Infantaria (EPI)
Mafra
1 de Julho de 2006
Programa
10.00 - Concentração junto da Porta de Armas
10.45 - Homenagem aos mortos
11.00 - Colocação de uma placa assinalando o encontro:
"Homenagem à EPI
Curso de Oficiais Milicianos 2ª Inc. 1967
10 de Abril de 1967
1 de Julho de 2006"
12.00 - Missa campal na Parada, em princípio presidida pelo Reverendíssimo Sr. D. Januário
12.45 - Fotografia dos presentes
13.00 - Almoço no refeitório do quartel
Preço do pessoa> 15 a 20 € (está dependente do número de participantes)
TRAZ A FAMÍLIA E PASSA PALAVRA A OUTROS EX-CADETES DESTA INCORPORAÇÃO.
TRAZ TAMBÉM UMA BOINA COM ARMAS DE INFANTARIA E O EMBLEMA DA ESCOLA
Organizadores: Rui Felício / Paulo Raposo (1)
.
Envia a tua inscrição para: abr1967epi@gmail.com
Contacto na EPI: 2º Comandante Ten Cor João Mendes
Tel > 261 815 055
Paulo Lage Raposo
____________
Nota de L.G.
(1) O Rui Felício e o Paulo Raposo fazem parte da nossa tertúlia e são ex-Alf Mil da CCAÇ 2405, pertencente ao BCAÇ 2852 > Guiné, Zona Leste, Sector L1, Bambadinca, 1968/70 > Galomaro e Dulombi).
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