1. Mensagem de José Manuel M. Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71, com data de 25 de Agosto de 2009:
Carlos,
Anexo mais um pedaço da lenga-lenga que reporta algumas passagens da 2679 por terras do leste da Guiné. Já assentámos em Bajocunda, onde os dias tranquilos só esporadicamente serão interrompidos por acções do IN, na forma de flagelações aos aquartelamentos, na colocação de minas, e fazendo emboscadas. Das eventuais emboscadas só uma foi concretizada, e foi a CCA que teve o privilégio de a apanhar. Das restantes duas conhecidas, ambas dedicadas ao Foxtrot, a seu tempo darei notícia do que aconteceu.
História da CCAÇ 2679 - 24
Emboscada na estrada Pirada-Bajocunda
A Companhia de Comandos Africanos ainda permanecia em Bajocunda, dando, naturalmente, apoio operacional. Por esta altura a 2679 estava mais vocacionada para as tarefas da quadrícula e todas as noites enviava um Gr Comb para Tabassi, onde a autodefesa era uma miragem. Por outro lado, mantinha outro destacado em Copá. Os patrulhamentos e emboscadas nocturnas competiam, maioritariamente, aos Comandos. No que respeitava às deslocações em colunas, a 2679 garantia a maior parte delas.
No entanto, uma ocasião calhou a um Gr Comb da CCA fazer uma coluna a Nova Lamego. Tratava-se de uma escolta a uma coluna de reabastecimento, que também incorporava viaturas civis carregadas de mercadoria para Bajocunda, prevenindo o eventual corte da estrada por efeito do crescimento das linhas de água.
Não me recordo qual dos Gr Comb teve esse incumbência, mas lembro que o Teixeira, o sagento careca que usava uma mosca proeminente, participou na viagem.
No regresso, na zona encharcada do pequeno pontão, entre Pirada e Tabassi, onde se abrandava porque o nível da água cobria a estrada e o pontão, ocorreu uma emboscada.
Não estava lá, pelo que não sei com rigor o que aconteceu. Mas ficámos a saber que as NT reagiram pronta e eficazmente, repelindo o IN que retirou em direcção ao Senegal.
Na tropa não houve baixas a registar, mas uma viatura civil Bedford, carregada de mercadoria, deve ter sido atingida por um
rocket que a afectou no rodado traseiro do lado esquerdo, destruindo-o, e impedindo a continuação da marcha. Na cabine, o condutor, um guinéu, não teve oportunidade de se proteger e morreu vítima de alguns tiros disparados para a porta, perfurando-a. Obras de alguns bons atiradores do IN, que estariam a pouca distância. Nada mais foi molestado. A mercadoria foi transferida para viaturas militares e a chagada a Bajocunda aconteceu com o cair da noite.
Não houve notícia de outras baixas e, nessa noite, foi necessário montar segurança no local para salvar o destroço, encaminhando-o no dia seguinte para o aquartelamento, onde se mantinha na data do meu regresso. No auto de abate e destruição, suponho, aquela viatura
estaria carregada com muito mais mercadoria do que efectivamente transportava.
As mazelas
Referi anteriormenteque o Foxtrot andava com um
deficit de pessoal, em resultado de situações de incapacidade temporária, ou, mais raramente, por gozo de férias. Na verdade foram poucos os que gozaram férias durante a comissão, porque sendo o pré uma minguada importância que se esgotava numas cervejolas, poucos podiam contar com o auxílio familiar para se deslocarem à Madeira, ao Continente, ou mesmo na Guiné. Abdicando do direito às férias, o seu contributo à Pátria era maior do que seria exigido, aumentando o castigo dos mais desfavorecidos.
Entretanto, a doença alastrava. O
paludismo, frequentemente, atacava um ou outro. Em Piche tive essa experiência, com febres altas e o corpo quebrado, incapaz e apático para o que fosse. Mas as injecções de Resochina (pronuncia-se resoquina) que o Vitor ministrava, retornava-nos à vida em 4/5 dias. Reincidirei em Bajocunda com novo paludismo, apesar da grande redução de mosquitos relativamente à região do Corubal, e à maior exposição consequente.
Ainda em Piche, uma ocasião, seriam 15h00, tinha regressado de uma coluna ao Gabú e estava a comer uma sopa liofilizada e restos que sobraram na messe, quando me chamaram ao Major de Operações, que tinha notícia de movimentos do IN próximo do Corubal, a SW, e era imperativo que arrancasse nessa direcção.
Foi um frete e uma correria, parecia que aumentava o peso das armas, caregadores e cantis, toc-toc, cantis que se esgotaram de água num esfregar de olho. Na passagem pela bolanha, corria o suor em bica e ressentiam-se as pernas, cavei com as mãos até encontrar lama, de que enchi o cantil e chupei através do lenço, em função de filtro, para, a seguir, voltar a enchê-lo numa água parada, sem quaisquer condições, e saciar-me da sede a que sucumbia. Estas atitudes aconteciam com a consequente ingestão de micro-organismos que nos devassavam por dentro, com o mesmo ímpeto com que os turras queriam limpar-nos o sarampo do corpinho.
Também por isto, viria a passar uma temporada no Hospital, vitima de uma
amibíase, cujas amibas me beberam os glóbulos vermelhos.
Por influência de uma qualquer bactéria, apareceram alguns casos de
testículos inchados, imponentes, que não só constituíam grande sucesso fotográfico, como presenteavam as vítimas com a necessária deslocação à consulta externa.
A par destas maleitas, também abundava a
micose, doença típica da nossa inadaptação ao território e ao clima. As micoses são provocadas por fungos, e era nas virilhas que mais se revelavam. De facto, os nativos usavam o chamado
saco de merda, que consistia nuns calções largos, fechados na cintura e nas pernas, provocando uma caixa de ar envolvente às partes genitais que garantiam alguma frescura e ligeireza. Ao contrário, nós, produtos da civilização, usávamos cuecas apertadas, que roçavam e danificavam as transpiradas virilhas, abrindo caminho aos fungos inimigos e à micose, com o prurido castigador. Disso fui grande vítima sem ganhar juízo. Nem pomadas, nem o iodo, nada me valia, só o clima seco da Europa veio tranquilizar-me.
Inesperada foi a morte do soldado Aguiar, um madeirense atinado, que teve o azar de, no remoto quartel de Bajocunda, sem médico nem meios de diagnóstico, ter sido medicamentado para paludismo, face à elevada febre e à falta de forças que apresentava, de que levou dois tratamentos sem os resultados pretendidos. Evacuado de urgência, entrou no avião combalido. Terá saído em Bissau vítima de
meningite.
Esta narrativa não esgota o rol de mazelas que afectavam a tropa. As do
foro psicológico também eram frequantes, com manifestações inopinadas, mas, felizmente, no Foxtrot não ocorreram para além das divertidas maluqueiras do quotidiano.
Por fim, não se tem falado muito nisso, mas alguns militares deram tratamentos desajustados às
figadeiras, alguns, provavelmente, com reflexos na vida futura.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 7 de Agosto de 2009 >
Guiné 63/74 - P4793: História da CCAÇ 2679 (23): Questão bicéfala (José Manuel M. Dinis)