domingo, 25 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5160: Tabanca Grande (182): Fernando Silva da Costa, ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74)

1. Mensagem de Fernando Silva da Costa, ex-Fur Mil TRMS da CCS/BCAÇ 4513, Aldeia Formosa, 1973/74, com data de 22 de Outubro de 2009:

Caro companheiro,

Na expectativa de engrossar o leque de informações que estão espelhadas no site da Tertúlia dos Antigos Combatentes, venho fornecer os meus dados:

Fernando Silva da Costa
Furriel Miliciano – Transmissões
CCS – BCAÇ 4513
Aldeia Formosa – Guiné
De : Março 73 a Setembro 74
Moro em Lisboa
E-mail: fscosta2001@gmail.com

Um forte abraço, e parabéns pelo trabalho desenvolvido.

NOTA: Se achar necessário estou à disposição para facultar contactos de outros militares que estavam também em Aldeia Formosa.


2. Nova mensagem de Fernando Costa, com data de 24 de Outubro de 2009:

Exmos. Senhores,
Por lapso tinha enviado este mail para outro endereço. Peço desculpa pelo erro.
Gostaria de saber se vão incluir a informação anexa ao site supra mencionado.

Realço que tenho em meu poder algumas fotos do dia em que as nossas tropas entregaram Aldeia Formosa ao PAIGC onde se procedeu ao arrear da bandeira portuguesa e se hasteou a bandeira deles.


3. No mesmo dia foi enviada esta mensagem ao nosso novo camarada:

Caro camarada Fernando Costa:

Muito obrigado pelo seu contacto.

Presumo pelas suas palavras que quer fazer parte da nossa tertúlia, até porque enviou as fotos da praxe.

Quanto às fotos de que fala, concerteza que estamos interessados em publicá-las, até porque esses acontecimentos pós 25 de Abril interessa-nos particularmente e ainda não estão devidamente documentados no Blgue.

Só peço que cada foto traga a respectiva legenda. Basta que as numere, e que à parte faça referência ao que cada uma documenta.

Aguardo notícias suas para o apresentar formalmente à tertúlia.

Receba um abraço do camarada

Carlos Vinhal
Co-editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


4. Ainda no mesmo dia Fernando Costa dava resposta à nossa mensagem:

Camarada Carlos Vinhal,

Agradeço a sua rápida resposta à qual passo a dar seguimento.

Os dados que enviei relativamente à minha estada na Guiné são, para se assim o entenderem, os espelharem na Tertúlia. Para isso enviei duas fotos e os dados necessários.

Relativamente às fotos da passagem das nossas tropas para o PAIGC no dia em que o quartel de Aldeia Formosa foi entregue, seguem anexas com a seguinte legendagem:
[...]
Esperando que este material tenha o interesse necessário para o publicarem, sou com elevada consideração,

Fernando Costa


Foto 1 > Preparação das bandeiras para a cerimónia

Foto 2 > As duas bandeiras já estão preparadas para se arrear a Portuguess e hastear a do PAIGC

Foto 3 > Os dois Comandos em continência no acto de troca de bandeiras. Estão na foto o Comandante do BCAÇ 4513, Ten Cor César Emílio Braga de Andrade e Sousa, e o 2.º Comandante Major Duarte Dias Marques

Foto 4 > Tropas do PAIGC

Foto 5 > Fur Mil Fernando Costa com a bandeira do PAIGC

Foto 6 > Fur Mil Fernando Costa com dois militares do PAIGC

Foto 7 > Transporte de homens e material em LDG de Buba para Bissau

Fotos e legendas: © Fernando Costa (2009). Direitos reservados.



5. Comentário de CV:

Caro Fernando Costa

Bem-vindo ao Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, Caserna Virtual de ex-combatentes da Guiné, também conhecida por Tabanca Grande. Obrigado pelo teu contacto e apresentação à tertúlia.

És um dos companheiros que tiveram a sorte de fechar a guerra. As fotos que enviaste e que neste poste da tua apresentação formal ficam publicadas, são o registo de mais um momento histórico, tanto para Portugal como para a jovem Guiné-Bissau, que estava a nascer como país independente.

Esperamos que este seja o ínício de uma longa colaboração da tua parte nesta página dedicada aos ex-combatentes da Guiné.

Como já deves ter reparado, pus de lado qualquer tratamento formal da minha parte para contigo, porque sendo a tertúlia composta por camaradas que calcorreram os mesmos trilhos, picadas e bolanhas, que atravessaram os mesmos rios e foram ferrados pelos mesmos mosquitos, tratamo-nos todos por tu. Nesta caserna virtual estão todos em igualdade de circunstância, não interessando o antigo posto militar, a formação escolar ou a profissão.

Apesar do tratamento informal, é ponto de honra o respeito pela diferença de opinião e pelas opções religiosas e políticas.

Poderás inteirar-te das nossas "normas de conduta" e "daquilo que (não) somos", inscrito no lado esquerdo da nossa página.

Deixo-te, em nome da tertúlia, o habitual e indispensável abraço de boas-vindas.

O teu novo amigo e camarada
Carlos Vinhal
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 22 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5142: Tabanca Grande (181): António Amaral Brum, ex-Soldado da CCAÇ 3326, Mampatá e Quinhamel (1971/73)

Guiné 63/74 - P5159: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (13): O Comando de Agrupamento (I Parte)

1. Mensagem de Fernando Gouveia, ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70, com data de 23 de Outubro de 2009:

Caro Carlos:
São passados quarenta dias desde o meu último escrito no blog (no caso um comentário).

Impus a mim mesmo esta quarentena, após o triste caso que nessa altura ocorreu.
Pude então verificar quão pertinente é o prazo de quarenta dias (a tal quarentena) para tirar a limpo qualquer caso de possível doença, etc.
Felizmente tudo ficou resolvido pelo melhor.

Aí vai mais uma estória para a série A Guerra Vista de Bafatá para publicares se assim o entenderes, mas não sem que antes refira duas coisas:

1.º - Desde logo, há quarenta dias atrás (13 de Setembro), registei sensibilizado o teu comentário ao meu comentário.

2.º - Que consideres a mudança do meu endereço electrónico, agora do Gmail, pois o anterior, da TVTEL, vai ser cancelado dado que a ZON comprou a TVTEL.

Um abraço para ti e para todos os outros camaradas.


A Guerra Vista de Bafatá
13 – O Comando de Agrupamento – 1.ª parte

Por Fernando Gouveia

Prometi que desta vez iria falar da vida interna do Comando de Agrupamento mas o que me levou a fazê-lo foi sobretudo a vontade de contar alguns factos relacionados com os muitos majores que por lá passaram, cada qual o mais esquisito mas, desde já refiro, que lá estiveram Majores, óptimas pessoas.

Irei começar por todo o resto do pessoal e só posteriormente falarei dos Majores. Já noutras estórias falei nas personalidades dos dois Comandantes que tive: os Cor Hélio Felgas e Neves Cardoso, bem diferentes um do outro. Nunca o Cor Felgas tiraria o lugar, previamente marcado num Dakota, a uma jovem esposa dum Alferes, acabada de chegar da Metrópole, que ia de Bissau para Bafatá ter com o marido, obrigando-a a ficar sozinha em Bissau. Nunca o Cor Felgas delegaria no Alf Of de Informações, sem para isso estar preparado, o planeamento de uma Operação de apoio à vinda, por estrada, do BCAÇ 2851 de Mansabá para Bafatá. Fê-lo o outro Comandante e só aceitei tal ordem por ter visto planear muitas Operações ao Cor Felgas.

O Cor Felgas talvez tivesse aspirações a substituir o Gen Spínola mas o Cor Neves Cardoso enquanto no COP de Nova Lamego só aspiraria a substituir o Cor Felgas no Agrupamento, aliás o que veio a acontecer quando o Cor Felgas acabou a comissão.

O Cor Felgas e o Ten Cor Teixeira da Silva, Chefe do Estado Maior do Comando de Agrupamento.

Chefes do Estado Maior houve também dois na minha comissão: Primeiro o Ten Cor Ferreira Coelho, do AGR 1980 e depois o Ten Cor Teixeira da Silva do AGR 2957. O primeiro, sempre de ar cansado, ou farto da Guiné, num determinado dia chamou-me e admoestou-me por me ter visto a jogar iuri (uri, ori ou orim) com um furriel (para ele um inferior), que por acaso era o Furriel Carlos Miguel (o fininho), que todos devem ter visto na TV. Que me teria acontecido se ele viesse a saber das almoçaradas (convívios, portanto) que regularmente fazíamos sempre que ia à caça ou quando o pessoal de Transmissões recebia algum petisco da Metrópole, contando que o único Oficial presente era eu?

Numa almoçarada com o pessoal das Transmissões, nas traseiras do pavilhão da arrecadação. Comeu-se polvo cozido que um deles recebeu da Metrópole no estado de seco, lógico.

O segundo Chefe do Estado Maior foi o Ten Cor Teixeira da Silva, nada militarista, para quem a guerra não fazia sentido, e das pessoas mais cultas que por lá passou. Com ele, melómano convicto, faziam-se sessões de música clássica, tendo aprendido com ele, nessa altura, que um bom gira-discos teria que ter uma cabeça com o peso máximo de um grama. Também costumava dizer que para se ouvir boa música se tinha que estar de bata branca e numa sala despojada de muitos adereços. E o que ele delirava quando eu dava uma sessão de slides, principalmente com bajudas… Se eu pudesse andar por aí como o Gouveia… Lamentava-se ele.

Um dia, estando os dois juntos do mapa onde se marcava a actividade IN com lápis dermatográficos, pediu-me que lhe chegasse um lápis de determinada cor. Como os ditos até estavam mais perto dele do que de mim, achei muito estranho. Se fosse um Major, para não se mexer, até podia compreender. Logo ele me explicou que era daltónico, etc. etc. Ainda lhe cheguei a perguntar como tinha conseguido entrar para a Academia Militar mas não lembro que resposta me deu.

Hierarquicamente a seguir havia os Majores, um na Secção de Operações e outro na de Material e Pessoal, tendo no entanto passado por lá muitos. De todos eles falarei por último.

A seguir vinham os três Alferes. Eu, na Secção de Informações e os outros dois na Secretaria Geral e nas Transmissões. No AGR 1980 na Secretaria estava o Alf Ribeiro e nas Transmissões o Alf Vaz. No AGR 2957 estavam respectivamente os Alf Costa e Martins. Há que destacar a simpatia dos dois primeiros que me receberam muito bem quando, ainda periquito, cheguei a Bafatá. Por lá passaram também os Alf Correia, outro Vaz (suponho), que veio a casar com uma libanesa giríssima e o Santos com quem partilhei o quarto nos dois últimos meses da minha comissão.

Duas vistas das paredes do quarto que partilhei com o Alf Mil Santos. No fim da comissão deu-me para isto.

Depois, os Furriéis distribuídos pelas Secções. Como já referi fui encontrar lá o Fur Carlos Miguel, actor, que mais tarde viria a aparecer em séries de TV mais como cómico (o Fininho). Outro Furriel, que por lá passou, vindo de Nova Lamego, irá protagonizar a próxima estória (de faca e alguidar).

Cabos e Soldados (Metropolitanos e Africanos), eram vinte ou trinta. Uns eram Condutores outros apoiavam as Secretarias e a maior parte fazia a guarda ao aquartelamento. Destaco aqui o Cabo Russo encarregado da Arrecadação que sempre me acompanhou na caça às chocas (perdizes), aos coelhos (que por acaso eram lebres pequenas) e a toda uma série de aves, cada qual a mais linda e exótica.

Com o Cabo Russo. Um cinto de chocas e uma cartucheira IN. (Foi desta foto que tirei a parte para a inscrição na Tabanca Grande.

Depois de uma caçada. Uma das aves, um faisão real, foi a ave mais espectacular que capturei.

Fotos e legendas: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados.


Na 2.ª parte desta estória, a meu ver mais interessante, descreverei os nossos Majores com algumas passagens hilariantes.

Até para a semana camaradas.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4769: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (12): O Mercado de Bafatá

Guiné 63/74 – P5158: Filatelia(s) (8): Envelope comemorativo do 5º Centenário da morte do Infante D. Henrique - 25 de Junho de 1960 (Henrique Matos)


1. O nosso camarada Henrique Matos, foi o 1º comandante do Pel Caç Nat 52, Porto Gole e Enxalé, 1966/68, enviou-me em 21 de Outubro de 2009, um envelope comemorativo do 5º Centenário da morte do Infante D. Henrique, com data do 1º dia de circulação - 25 de Junho de 1960 -, o selo postal e o carimbo alusivo à efeméride:

2. No ano de 1960, apenas foram emitidos e postos em circulação 2 selos postais na Guiné. Um, com desenho de José Moura, litografado na Casa da Moeda, em papel esmalte, policromo, com denteado 13 ½ e o valor facial de 2$50, comemorativo do 5º Centenário da morte do Infante D. Henrique e, um segundo selo, com desenho de Neves e Sousa, litografado na Litografia da Maia – Porto -, em papel esmalte, policromo, com denteado 14 ½ e o valor facial de 1$50, comemorativo do 10º Aniversário da Comissão de Cooperação Técnica na África ao Sul do Sahará (segundo catálogo de selos Postais das Colónias Portuguesas – 2008 - da AFINSA PORTUGAL).

Camarada Magalhães Ribeiro,

Tal como tu, também não sou um coleccionador de selos. Sou mais um ajuntador de selos, hobby que tem andado esquecido.

Em relação à Guiné tenho com interesse o envelope que anexo.

Podes utilizar conforme entenderes.

Abraço,
Henrique Matos

Envelope comemorativo do 5º Centenário da morte do Infante D. Henrique, com selo e carimbo

Selo do 10º Aniversário da Comissão de Cooperação Técnica na África ao Sul do Sahará

Documento: © Henrique Matos (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. poste anterior desta série em:

Guiné 63/74 - P5157: Histórias de heroísmo (1): Sold nº 939 Paulo: Olha os cabrões, já me f... a arma! (José Colaço)

1. Texto do José Colaço, ex-Sold Trms, CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), membro da nossa Tabanca Grande desde Junho de 2008 (*).


Olha, os cabrões, já me foderam a arma!

O título é forte mas o Paulo merece... Na descrição do texto direi a razão, mas os nossos editores têm toda a liberdade de o alterar se verem que ofende a moral pública.

No dia 3 de Agosto de 1964, os trabalhos da construção do quartel [de Cachil] podiam ser dados como concluídos. As explorações à mata do Cachil por ordem do CTIG tinham deixado de ter interesse, parece que o ponto fulcral era agora abrir o caminho Catió-Cufar.

É recebido uma mensagem no subsector do Cachil para a companhia, a 557, dispor de quase todo os efectivos, para participar na tentativa de limpar Cufar, zona onde o inimigo estava muito bem instalado. (A sorte foi que o inimigo nunca se lembrou de atacar o quartel num desses dias).

Nesta operação estavam também envolvidas outras forças, a companhia de Catió e os fuzileiros do sétimo destacamento que nesse dia pelo menos foram contemplados com uma baixa, o sargento vago mestre, o homem levou uma bazucada no ventre e levantou, num autêntico voo. Morte imediata com aquela zona do corpo desfeita.

A operação para a CCaç 557 era só por um dia. Principal razão: a insegurança em que o quartel do Cachil ficava. Havia camaradas que se ofereciam para trocarem e irem para o mato com todos os perigos que sabiam iam encontrar, mas o receio de ficarem no quartel ainda era maior.

As tropas da CCaç 557 saíram ao romper da manhã, embarcadas nas lanchas LDP e LDM e lá seguiram pelo rio Cumbijâ até à zona programada para o desembarque. As viaturas de Catió só iam até onde fosse considerado zona de segurança. A partir dai era a autopenantes.

Lá seguimos até encontrar o confronto com o inimigo. Era uma zona de mato como é normal, mas havia naquele local uma seara de milho, o que dava para ocultar a nossa progressão mas não protegia nada do fogo inimigo, que estava bem instalado e armado com um poder de fogo muito forte.

Houve da nossa parte um pequeno recuo, mas o pessoal não se apercebe de momento que o ilhéu 2º sargento Conde estava ferido com dificuldades de locomoção, mas pior estava o soldado nº 938 António Pires Martins Belo, mais conhecido entre nós pelo alentejanito, devido ao seu porte físico. Ele gritava com dores sem se poder deslocar e isolado.

Entretanto dois elementos do inimigo apercebem-se da situação do nosso camarada, e rastejam para tentar resgatar o António. E é aqui que surge o primeiro acto de coragem dos soldados nº 939, Dionísio da Conceição Paulo, e nº 917, António de Jesus Guilherme.

Foi feita uma barreira de fogo, os referidos soldados rastejam por baixo dessa barreira de fogo, o Paulo carrega o António Belo às costas, sempre a rastejar até conseguir trazer o camarada António para junto de nós, e o Guilherme trouxe a G3 do António Belo, sempre protegidos pela barreira de fogo.

Mas, além do azar, em tudo por vezes também a sorte nos acompanha e neste caso o António Belo teve alguma sorte: primeiro os camaradas que num acto destemido, com risco da própria vida, [fazem tudo} para salvar o companheiro o amigo; a seguir a equipa médica do helicóptero que no local lhe fez duas ou três transfusões de sangue senão o António Belo tinha-se finado.

O António Belo foi operado no Hospital 241 em Bissau onde permaneceu cerca de cinquenta e poucos dias, a seguir foi enviado para a metrópole para tratamentos e recuperação, não regressando mais à Guiné. O António hoje vive feliz em Castelo de Vide, casou, é pai, tem uma filha e um filho que trabalham e moram em Lisboa.

Bem, agora vamos esclarecer a história do titulo. O Paulo, assim que pôs o amigo em porto seguro, continuou como uma fera ferida, enraivecida, no seu ataque e defesa, mas a certa altura ouve um um barulho estranho na zona da culatra da G3 e simultaneamente a arma encrava. Olha para o carregador e vê no mesmo uma bala cravada. Reacção:
- Olha os cabrões, já me foderam a arma!

Seria normal até entrar em pânico mas a reacção foi esta... A seguir pega na arma do António Belo e continuou no seu acto de bravura.

Foi condecorado com a cruz de guerra, não sei de que ordem ou classe. O 2º sargento Conde, também evacuado para a Metrópole, não regressou à companhia, encontrei-o por acaso uma única vez num jogo de futebol Benfica-Sporting mas devido ao movimento e a ele já estar sentado só nos cumprimentámos.

Um alfa bravo, Colaço.

[ Revisão / fixação de texto / título: L.G.]

2. Comentário de L.G.:

A tua história merece que demos início a uma nova série, Histórias de Heroísmo... Palavra que usamos sempre com cautela, com pudor, com acanhamento e às vezes até com culpa!... Seria idiota, por preconceito, ou por um qualquer complexo (de culpa, de superioridade, de inferioridade seja o que for), não contarmos aqui as histórias dos nossos... heróis (da terra, do ar e do mar). Que os houve, seguramente, ao longo destes anos todos de guerra. De um lado e do outro, do nosso lado e do lado do PAIGC. Originalmente, a palavra herói, na língua grega, queria dizer, filho de um deus ou de uma deusa, e de um ser humano (homem/mulher), alguém que, pela genética, tinha qualidades sobre-humanas... O heroísmo é, pois, segundo os dicionários, "o conjunto de qualidades e acções que elevam um homem à classe de herói"...

Os heróis que conhecemos na Guiné eram de carne e osso, vulgares, mortais, com um buraco entre as pernas como os outros, nem melhores nem piores do que os outros, filhos de uma qualquer Maria e de um qualquer José... Como os teus camaradas, os Sold nº 939, Paulo, e nº 917, Guilherme...

Não quero aqui teorizar sobre o heroísmo na guerra. Quero apenas, como editor, agradecer-te mais esta história e desejar bom sucesso para as seguintes. A porta fica aberta. Deixemos aos leitores (devidamente identificados!) a tarefa de opinar, avaliar, criticar, malhar, comentar...

Quanto às ofensas à moral pública, José, que apareça o primeiro... filho da mãe que se atreva a atirar-te a primeira... pedra! Quanto ao Belo, vai daqui um quebra-costas valente, lá para Castelo Vide onde ele vive, espero que feliz e com saúde.

LG

___________

(*) Vd. postes relacionadas com o José Colaço e a CCAÇ 557:

2 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2912: Tabanca Grande (73): José Botelho Colaço, ex-Soldado de Trms da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65)

20 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2970: Ilha do Como, Cachil, Cassacá, 1964: O pós-Operação Tridente (José Colaço)

29 de Julho de 2008 >Guiné 63/74 - P3099: Os Nossos Regressos (13): Fundeámos ao largo, com as luzes de Cascais...(José Colaço, Cachil, Bissau, Bafatá, 1963/65))

9 de Outubro de 2008 >Guiné 63/74 - P3287: Controvérsias (2): Repor a realidade vivida, CCAÇ 557, Cachil, Como, Janeiro-Novembro de 1964 (José Colaço)

19 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3334 O meu baptismo de fogo (14): Cachil, Ilha do Como, meia-noite, 25 ou 26 de Janeiro de 1964 (José Colaço)

11 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3598: O segredo de... (4): José Colaço: Carcereiro por uma noite

16 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4196: Blogpoesia (39): CCAÇ 557, Missão cumprida na Guiné (José Colaço/Francisco dos Santos)

1 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4765: Convívios (153): Almoço/Convívio: CCAÇ 557, Cahcil, Bissau e Bafatá 1963/65 - (José Colaço)

18 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5125: José Augusto Rocha: da crise estudantil de 1962 à Op Tridente, Ilha do Como, 1964 (José Colaço / Luís Graça)

Guiné 63/74 - P5156: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (6): O périplo da 816 em dois anos de Guiné - Bissorã




1. Mais uns salpicos do Rui Silva, ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67, enviados em mensagem do dia 23 de Outubro de 2009:




BISSORÃ – OLOSSATO – MANSOA
O périplo da 816 em 2 anos de guerrilha na Guiné Portuguesa


BISSORÃ (I)

- 8 de Junho de 1965 a 26 de Setembro de 1965 -

Depois de 13 dias em Brá, após termos chegado a Bissau (26 de Maio de 1965), e eu em cima de uma Mercedes militar, sentado sobre os dois sacos de campanha e com a G3 entre as pernas, junto à minha Secção, rumamos a Bissorã logo de manhã cedo. A operacionalidade da Companhia começaria aí. Um amigo deixado em Brá, aquando dos preparativos para a saída, ainda me perguntou para onde ia. Para Bissorã, disse eu. Manga de chocolate, respondeu ele. Fiquei a magicar: Manga de quê? De chocolate? Que c…..o quis ele dizer? Não percebi, nem houve tempo a especificações. Quem inventou o termo chocolate com aquele propósito? Nunca cheguei a saber. Manga, sim: manga de ronco, manga de banana, manga de catota, manga de arroz, etc., etc. Manga já era do puro crioulo.

Depois de uma breve paragem em Mansoa onde os quadros ouviram da pessoa do Comandante Operacional da zona, das vicissitudes que nos aguardavam, lembro-me dele dizer que dali para a frente era de esperar de tudo: minas, fornilhos emboscadas, etc., logo uma Secção põe-se a picar à frente e o resto do Grupo de Combate, apeado, formando 2 colunas, uma em cada lado da estrada, que aqui já era em terra batida (vulgo picada). O resto da Companhia, mais alguns penduras, em progressão auto. Viagem paulatina por causa das picas, já se vê.

Camba aqui, camba acolá e entramos em Bissorã. Primeiro, umas poucas moranças do lado direito indiciavam o aproximar da povoação, mais à frente, do lado esquerdo, chamou-me a atenção um canteiro largo e redondo arrelvado-meio careca, com um pequeno busto em monumento (foto adiante)

Foto 1 > Militares da 816 junto de um pequeno monumento a Honório Barreto em Bissorã

Logo do lado direito, casas à moda das da metrópole, em alvenaria ou tijolo e com telhas cerâmicas e uma estação de correios com grandes letras vermelhas a denominar o edifício. A seguir, um edifício majestoso - relativamente - com alpendre e colunas e com uma elegante escadaria a meio. Vim a saber que era o edifício da Administração (espécie de autarquia de Bissorã). Fiquei admirado: Bissorã não parecia ser assim tão atrasada.

Foto 2 > Edifício dos Correios em Bissorã

Foto 3 > Edifício da Administração em Bissorã

Bissorã, é, dentro da província guineense, uma povoação mediana, com algum comércio, relativamente bastante populosa. Cerca de dois a três mil indígenas, talvez. Brancos da metrópole não havia, pois por certo, com o começar da guerra foram regressando a Portugal continental, naturalmente. Viam-se no entanto alguns brancos, poucos, na maioria Libaneses, (do Líbano? Como vieram ali parar? Interroguei-me eu) que viviam da exploração do comércio e do… preto.

Foto 4 > Vista aérea de Bissorã

A população indígena era composta de várias raças ou etnias das muitas que existem na Guiné - terra tão pequenina e com tantos usos e costumes! (outra grande surpresa) -. Assim, por lá havia da Mandinga, Fula, Balanta e pouco mais, com predominância da primeira. Habitam nas suas moranças - construção em blocos de um barro (?) escuro feitos de modo artesanal e cobertas a colmo (?) bem inclinado, supõe-se por causa da água das chuvas escorrerem bem -.
Cada raça tem o seu tipo de cultura e o seu tipo de religião; tinha o seu próprio bairro e a este dava-se o nome de Tabanca que tinha o seu próprio chefe: o Chefe da Tabanca ou Régulo.

Foto 5 > Carta topográfica da zona de Bissorã

Só para ver as diferenças que existiam entre etnias, havia aquela que no dia de enterrar o morto era uma festa de arromba com matança de vaca e tudo, e noutra, mesmo ao lado, chorava-se e lamentava-se de forma comovente o infeliz. Uma enterrava o morto em pé (!) à porta de casa; um buraco redondinho e com a altura do morto (fato por medida), outra levava o morto para longe com posição do corpo enterrado e zona bem referenciados. Mas havia respeito mútuo lá isso havia. Uma raça, a Mandinga, não bebia vinho nem comia carne de porco e outra mesmo ao lado não bebia vinho porque… não o tinha (havia outros álcoois - o vinho de palma por exemplo -) e a carne de porco só a custo e pelo custo, ao Domingo, pois não dava para mais. Cada etnia ou raça seu costume e seu uso.

De Bissorã divergiam várias estradas (leia-se picadas). Para Mansoa, a primeira a conhecermos, pois chegamos daquele lado; para Olossato e que dava acesso também à pista de aviação e mais adiante a carreira de tiro, e ainda mais adiante ainda o Poilão de Maqué, ao que se dizia ser o maior da Guiné; a que dava para Mansabá com Morés ali por perto. A que ia para Barro (lado norte) e a que ia para a outra banda após travessia da ponte do rio Armada, afluente do Cacheu.

Voltando à nossa chegada a Bissorã, logo atravessado o cavalo de frisa, muito perto do canteiro redondo e ajardinado atrás referido, e com os velhinhos da 643 dos Águias Negras a aparecer (Companhia ali sediada já a um tempo), entramos na rua principal onde se iria instalar praticamente toda a 816.
Do lado esquerdo, logo a seguir ao cavalo de frisa ficou a casa que serviria aos Oficiais, mais abaixo e ainda do lado esquerdo, o barracão (outrora armazém de madeiras?) que serviria à caserna dos soldados. Sensivelmente em frente a este, as cozinhas e o refeitório dos soldados tudo feito em tábuas e troncos de palmeiras. Ainda do lado direito a Secretaria do nosso Primeiro, também em casa de alvenaria ou tijolo.

Viam-se por lá muitas casas idênticas às nossas, normalmente térreas, e, claro, essas eram ou foram habitados por brancos.
Mais abaixo, um quiosque-bar feito em madeira, pela 643 suponho, que servia principalmente bebidas frescas. Ai aquela cerveja fresca pelas goelas abaixo quando chegávamos do mato! Nem perdíamos tempo a tirar a G3 pendurada ao ombro, não era amigo Vieira?

Nós, os Sargentos, depois de uma tentativa de alojamento numa pequena casa térrea já muito degradada, atrás do mercado e com chão de terra, (parecia mais um curral), acabamos por ficar numa bela casa com alpendre suportado em colunas e de construção ainda muito nova e com muitas dependências. Em frente a esta e no meio da estrada um fontenário (!) a preceito.

O comércio era constituído, na maioria por lojas de panos e miudezas. Existe lá uma bonita e elegante Capela, de linhas sóbrias, com o seu quê de arquitectura actual, com bonitas imagens, entre elas a da Senhora de Fátima.
Ao domingo havia sempre lá missa desde que o Capelão (o Capelão que gostava muito de jogar Vólei) estivesse em Bissorã.
Este, como tinha de dar a volta por todo o Batalhão, que se distribuía por diversas povoações como Olossato, Mansoa, Mansabá, Encheia, Cutia, etc., só de tempos em tempos é que aparecia por lá. O que muito me fez admirar era que a missa era presenciada por muitos nativos, com alguns a participar activamente (acólitos) daquele acto religioso. Ficaria a saber que na Guiné haviam também nativos fieis à religião Cristã (poucos). Grande parte era muçulmana. E a maior parte nem uma coisa nem outra. Chegou-me a intrigar a postura daqueles ao pôr-do-sol. Crença e respeito absolutos.

Foto 6 > Igreja cristã de Bissorã

Havia também um amplo mercado onde se vendia de tudo. Predominavam os transistores e outros aparelhos de som e música. Frutos e sementes espalhados por o chão também. Os artigos eléctricos iam buscar ao Senegal diziam.
O pai da Rosa, minha lavadeira, lá estava, sempre com muita tralha à frente. Um dia desconfiaram dele e deram-lhe cabo do toutiço.

Tínhamos um campo de futebol, propriedade do clube local Atlético de Bissorã e outro de Voleibol, onde nos entretínhamos de vez em quando a jogar e a alhearmo-nos por momentos da guerra (se é que fosse possível). No Voleibol não posso deixar de recordar aquele mulato forte, de meia-idade, cabo-verdiano, que era a pessoa do Administrador de Bissorã (espécie de regedor de freguesia), pessoa muito simpática, que tinha a admiração de todos e que era um ferrinho, sempre ao fim da tarde, para alinhar em uma das equipas. Dos nativos não havia opinião dele (medo, adiante…)

Foto 7 > Uma equipa da 816 no campo de futebol do Atlético de Bissorã. 1.º plano: Carneiro, Rui, Vieira e Tavares – 2.º plano: Paiva, Nelito, Baião, Martins, Correia e Belchior

Em casa do libanês, senhor Rui, em frente à casa dos sargentos, havia um pezinho de dança de vez em quando. Nem tudo era mau, não senhor.
Perto da povoação passava um rio, um afluente de um dos principais rios da Guiné: o Cacheu. Este rio dividia Bissorã da outra banda. Era o rio Armada

Foto 8 > Crepúsculo no rio Armada

Por lá se entretinha um ou outro tropa, a tomar banho ou a pescar, a pescar não sei o quê, pois não se constava que andasse por ali peixe, e a julgar pela a água barrenta…, só se fosse algum alfaiate que por ali passasse desprevenido (disse alguém de passagem).

Íamos comer a casa do senhor Maximiano, um veterano cabo-verdiano, cuja mulher, a D.ª Maria, era a patroa e era uma simpática senhora, sempre muito atenciosa. Aqui no tacho, lembro-me do Baião, que comia na minha mesa, que ao vermos tão abundante prato à sua frente perguntávamos-lhe se ele estava a fazer um abrigo. Este camaradão, já falecido, não demorou a fazer o cerco à filha do senhor Maximiano (tendências). E um macaco grande sempre preso à porta da tasca, propriedade de um militar da 643. Senti os dentes dele enterrados numa perna pois metia-me sempre com ele, só que uma vez distraí-me.

Foto 9 > Uma refeição no restaurante do senhor Maximiano em Bissorã

Bissorã era assim uma terra simpática só que a sua população estava (para nós) longe de o ser. Sabia-se, e fomos logo informados pela 643, que entre a população havia muito turra e pró-turra (estes a levarem arroz e informações ao inimigo, tudo feito mais do lado da outra banda. O que a tropa fazia (saídas) havia carteiro à frente. A gente que vivia aqui (outra banda), estava a umas centenas de metros do centro de Bissorã, daí alguma liberdade de acção. Os “ÁGUIAS NEGRAS” então, não gostavam nada daquela gente. Tiveram um acidente pouco depois de chegarem a Bissorã, logo à saída da povoação, em que um militar terá perdido uma perna, e chegaram à conclusão que a que isto só podia ter acontecido por mensagem de um Carteiro adiantado.
Bissorã estava cheia de bufos e informadores que colaboravam com o inimigo. Sabia-se e sentia-se isso, e como com o tempo se foi constatando. O olhar de muitos deles era feito de lado, e com dureza, a pressupor que não seríamos persona grata por aquelas paragens.

A nossa estadia em Bissorã coincidiu com o tempo das chuvas. Estas aparecem por volta de Junho e prolongam-se até Outubro. Chove muito. Autênticos tornados, com muita trovoada à mistura. É realmente muito diferente da metrópole. Relampeja muito. Os raios parecem fender o céu em toda a sua extensão, o que impressiona, mas… como estávamos mentalizados para a guerra e a viver com ela, que intempérie poderia aparecer, que nos fizesse assustar?
Como eu gostava de ver cair a chuva em torrente, acompanhada de relâmpagos e consequentes trovões, da janela do meu quarto, olhando, absorto, esquecido da guerra, aquele espectáculo que a natureza proporcionava! Aquela chuva era uma dádiva do céu naquela tórrida temperatura. Com que prazer a sentíamos no corpo quando jogávamos à bola!
Só havia jogo quando chovia!
Recordo-me, dum jogo de futebol, em que chovia tanto tanto que se formou uma espessa toalha de água em todo o campo. Chovia torrencialmente e as quedas seguidas de escorregadelas da malta, sucediam-se umas atrás das outras. Por isso havia muita risota, pois de vez em quando via-se um despistado a deslizar uns bons metros e em posição, qual acrobata, e muitas vezes a atropelar um que até não tinha nada a ver com a jogada e a entrar em despiste também.
Por vezes entrava o jogador na baliza e a bola ficava de fora como a rir-se

Foto 10 > Lavadeiras de Bissorã

A vida em Bissorã continuava. Levantávamo-nos cedo pois o sol cedo se fazia aparecer e a temperatura rapidamente atingia valores altos convidando-nos assim a abandonar a cama. Tomávamos também o pequeno-almoço na casa do senhor Maximiano, que tinha quem pouco simpatizasse com ele, pois corriam rumores acerca da sua conduta e havia até quem aventasse que ele tinha contactos com os terroristas. Jogava, como se costuma dizer com um pau de dois bicos. Pessoalmente, tive razões para formar um conceito nada lisonjeiro para ele, pois, sempre que falávamos da guerra, se bem que ele nunca puxasse o assunto, notava que ele desenvolvia-o e alimentava-o, denotando uma indisfarçável aversão à tropa ou, melhor dizendo, ao ideal desta, se bem que de uma maneira mais ou menos camuflada. No entanto, este meu cepticismo, embora que algo fundamentado, nunca seria confirmado através de qualquer facto ou ocorrência. Podia não passar de pontos de vista... E até comia-se bem no senhor Maximiano (também cabo-verdiano – estes não andavam nas bolanhas-)

O resto da manhã, e por a temperatura ser menos alta que à tarde, era aproveitada para restaurarmos e fortificarmos o quartel e para melhorarmos também as posições de defesa, nomeadamente, abrigos, trincheiras, etc..
O quartel ficava no centro da povoação com as Tabancas a contorná-lo e assim as posições de defesa ficavam naturalmente do lado exterior destas, defendendo assim a integridade de Bissorã e de seus habitantes: a população indígena.
Quando havia um ataque ou qualquer sinal de presença inimiga, tínhamos que cobrir umas boas centenas de metros até chegarmos às nossas posições de defesa, isto é, aos abrigos. Era um risco que teríamos sempre de correr, mas, como a missão está para além daquele, de talude em talude, de árvore em árvore, correndo rapidamente quando em terreno descoberto, acabávamos por chegar com relativa rapidez às nossas posições.

Houve um ataque (mais ou menos esperado) poucos dias depois da nossa chegada. Um morteirista mandou uma granada de morteiro para o ar, e o tubo, julgou ele, foi atrás, mas não, ficou foi enterrado na bolanha (“é verdade esqueci-me do prato!”) e um bazookeiro acertou, com rara pontaria, e a razoável distância (daí o mérito), num poste de iluminação e pôs Bissorã completamente às escuras. Periquitices…

Entretanto melhorávamos também as nossas condições no quartel e assim, os soldados, entre outras coisas fizeram um refeitório novo para eles, em tábuas e troncos de palmeiras, e cobriram-no com colmo, e nós, os sargentos, íamos construindo o nosso bar que acabaria afinal por servir os colegas de outra Companhia que nos viriam substituir, o que não demorou muito. Depois do almoço dormíamos a sesta. A ventoinha eléctrica, pois àquela hora funcionava o gerador, era então uma apetecida e agradável companhia. Como sabia bem aquela soneca e sentir aquela lufada de ar fresco por todo o corpo num meio ambiente de temperatura tórrida.
Alguns, que menos suportavam o calor, chegavam mesmo a ter a ventoinha quase encostada à cara, que até parecia que ao pequeno descuido a hélice levava o nariz à frente,e se bem que alguns parecessem prescindir dela ao princípio, todos acabaram por a ter. Sem uma brisa fresquinha, viesse ela donde viesse, era impossível dormir.

À noite havia ronda. Alternávamos com a 643, isto é, um dia pertencia a nós fazê-la, outro pertencia a eles. A ronda era feita aos postos de sentinela exteriores, (1 milícia atrás de uma árvore com uma Mauser (!) a ver se via bandido) alguns ainda bastante longe do quartel.
Cinco homens num jeep pelo mato fora… era a ronda.
As saídas para o mato (golpes-de-mão) faziam-se normalmente de 3 em 3 dias.

Ali ficámos três meses e meio tratando de dar luta às casas-de-mato de IADOR, BANCOLENE, BIAMBI, QUERÉ, DANDO, CAMBAJO e RUA.

Segue-se OLOSSATO (II)…
P.S. - Devo dizer que algumas das fotos aqui reproduzidas (edifícios dos Correios e da Administração, vista aérea de Bissorã, Carta topográfica, Igreja de Bissorã e rio Armada não são da minha autoria. Aos seus autores, com a devida vénia, peço a devida
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Notas de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4862: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (5): Como se vivia no abrigo da ponte de Uaque

sábado, 24 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5155: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (3): Ninguém ficou para trás

1. Mensagem de José Eduardo R. Oliveira*, ex-Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/65), com data de 21 de Outubro de 2009:

Caro Luís
Estou em casa sozinho porque chove lá fora.
Mas não não durmo na forma.

Vi há pouco um programa de televisão que me impressionou muito.

Depois de leres o anexo vais perceber a frase segiunte:
Se houvesse mais alguns ou algumas como a Conceição ninguém ficaria para trás!

Um grande abraço.
JERO


NINGUEM FICA PARA TRÁS

Ninguém fica para trás é um tema e um título que diz muito aos ex-combatentes.
De vez em quando as televisões e jornais do País pegam nele.
No que nos diz respeito confessamos que nem sempre os compramos. Se é jornal damos uma vista de olhos… Se é televisão dou-lhe uns segundos e se não me agrada passo à frente!

Desta vez fiz uma excepção e não me arrependi.
Está de chuva e estava em casa na tarde de 4.ª Feira, 21 de Outubro.

Por volta das 16H00 passei pela SIC e vi a Fátima Lopes (jornalista que aprecio particularmente pela sua componente humanista) que entrevistava e deixava falar uma senhora de quarenta e poucos anos, que tratava por Conceição.
Rapidamente percebi que se falava da recuperação dos corpos (das ossadas!) dos três pára-quedistas de Guidaje mortos em combate em Maio de 1973.


A Conceição é arqueóloga e nessa qualidade integrou a operação de resgate que teve lugar no Verão de 2008.
A dignidade e coragem com que falava da identificação das ossadas do seu irmão deixaram-me pregado à cadeira… e extremamente comovido.

"Estavam 45 graus de temperatura.Trabalhava perto de uma colega antropóloga. Nunca senti calor, sede ou fome. Sentia-me tranquila e calma. Esperava um “sinal” e aconteceu. Numa comunidade científica eu não podia confessar que esperava “um sinal dó meu irmão"…

As campas já tinham descobertas graças a um velho mapa, e ao equipamento do geofísico, que tinha detectado sinais no subsolo.
À medida que as escavações avançaram, confirmou-se a presença dos esqueletos daqueles soldados e… mais alguns.

Afinal eram 10 campas.

"Ao escavar a quarta campa encontrei uma pequena pedra vermelha muita suja de terra. Limpei-a como arqueóloga mas quando percebi que tinha o feitio de um coração…agarrei-a com mais força. Ali estava “o sinal” do meu irmão! Sem confessar o meu palpite dei a pedra à colega antropóloga e disse-lhe que, depois de identificado o ocupante daquela campa, esse “coração” devia ser entregue à família.
Em Guidage estavam quatro antropólogos, uma arqueóloga, um geofísico, e quatro militares que tinham combatido naquela região, há 35 anos, durante a guerra colonial.
Em 23 de Maio de 1973 tombaram em combate, alem dos três paraquedistas outros cincos militares portugueses e três guineenses
".[1]

"Veio-se o confirmar que as ossadas do meu irmão eram mesmo as da quarta campa, a que tinha o “coração” de pedra, de cor vermelha.
E tive direito a trazê-lo comigo. E hoje uso-o, pendurado num fio de ouro, ao peito. Junto do meu coração
»".

Não era só a entrevistadora que estava comovida. De vez em quando as câmaras focavam a assistência e parecia que as pessoas nem respiravam

Os 3 pára-quedistas que morreram em Maio de 1973 regressaram às suas terras natal um mês depois da Conceição ter voltado da Guiné. No Verão de 2008. Eles e as ossadas dos outros sete militares.

"Não iríamos deixar ninguém para trás", disse convictamente a Conceição.

Finalmente tiveram eles – e as suas famílias - direito a um funeral. Com honras militares e com o preito e homenagem de antigos combatentes.

"As cerimónias fúnebres, com salvas de tiros de canhão impressionaram-nos muito. A minha mãe, hoje com 83 anos, sofreu muito. Mas conseguimos finalmente fechar um capítulo que tinha de ser escrito.
O meu irmão repousa junto de nós
"

E Conceição termina o seu depoimento dizendo:

"Quero participar em mais missões de resgate. Tem que haver vontade de fazer regressar às suas terras natal os militares que morreram na guerra colonial."

[1] O Início do ataque do PAIGC ao quartel de Guidage, no Norte da Guiné deu-se em 8 de Maio de 1973.
Na operação de auxílio, reabastecimento e contra-ofensiva, que durou de 8 de Maio a 8 de Junho de 1973, as forças portuguesas tiveram 39 mortos e 122 feridos. Pelo menos seis viaturas militares de vários tipos foram destruídas e foram abatidos três aviões (um T6 e dois DO27). Só a unidade de Guidaje contabilizou sete mortos e 30 feridos, todos militares. Nos cerca de 20 dias que ficou cercada, Guidaje esteve sujeita a 43 ataques com foguetões de 122mm, artilharia e morteiros. Todos os edifícios do quartel foram danificados. A unidade, que, no conjunto, teve mais mortos foi o Batalhão de Comandos: dez. Sofreu ainda 22 feridos, quase todos graves, e três desaparecidos".
In “Correio da Manhã”, 27 de Julho de 2008



E agora dizemos nós:
Ninguém fica para trás!?
Infelizmente alguns ficaram.
A saga dos pára-quedistas de Guidaje poderia – e deveria – ser o mote para os representantes do Estado Português tratarem com os governos da CPLP(Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) da transladação condigna dos restos mortais dos militares que caíram em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau.

Custará dinheiro? Obviamente.
O nosso Ministério da Defesa não terá disponibilidades para tal!? Sabemos a resposta antecipadamente… Mau grado o interesse… por constrangimentos orçamentais… etc., etc.

Deixamos uma sugestão.
A recente Lei n.º 3/2009, a tal que passou o CEP para SEP, não terá criado algum reforço e/ou disponibilidade orçamental!?

A nossa sugestão é a seguinte. Já que estão com a mão na massa apliquem os valores disponíveis para pagar uma divida de honra que têm com os antigos combatentes.

Há mais de 30 anos que muitas famílias portuguesas esperam o regresso dos seus soldados, da guerra colonial. O Estado português enviou-os para a frente de combate, mas não resgatou os corpos de quem morreu na guerra.

Providenciem pelo seu regresso.
Para que um dia... possamos dizer... finalmente:

Ninguém ficou para trás

JERO
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 19 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5134: Blogues da Nossa Blogosfera (20): JEROALCOA.BLOGSPOT.COM, de José Eduardo Oliveira

Vd. último poste da série de 5 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5054: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (2): Ponte para o regresso

Guiné 63/74 - P5154: Meu pai, meu velho, meu camarada (19): Cabo Verde, 1942: Plano de defesa do arquipélago, de Santos Costa (José Martins)



Cabo Verde > Ilhas do Barlavento > Ilha de São Vicente > 2006 > Ponta João Ribeiro > Restos do sistema de defesa construído durante a II Guerra Mundial. A Ponta João Ribeiro fica hoje a 3 km da cidade do Mindelo. Em frente, a uns escassos 600/800 metros, situa-se o ilhéu dos Pássaros.

Foto: © Pedro Marcelino / Lia Medina (2009). Direitos reservados


Cabo Verde > Ilha de Vicente > Porto do Mindelo > Dois paquetes de cruzeiro atracados no porto, o ilhéu dos pássaros e o Monte Cara ao fundo

Foto: Cortesia de Nelson Herbert (2009). (Editado por L.G.)

1. Mensagem do nosso camarada, amigo e assíduo colaborador do nosso blogue, José Martins, ex-Fur Mil Trms, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70, técnico ofical de comtas, residente em Odivelas:

Boa tarde camaradas

Tendo em conta os vários postes sobre a matéria com fotos históricas em 2009 (Março – 4059; Setembro - 4926, 5019, 5021, 5022 e 5029; Outubro - 5101 e 5109… estes foram os que detectei) (*) , junto texto colhido no espólio do Arquivo Histórico Militar.

Se entenderem que tem relevância, avancem. Poderei também avançar, já que estou a analisar alguns escritos sobre a matéria, sobre o que levou Portugal a entrar (sem entrar) na 2ª Guerra Mundial.

Um abraço
José Martins


2. Documentos > PLANO DE DEFESA DE CABO VERDE (1942)

Despacho de Fernando Santos Costa, Sub-secretário de Estado da Guerra


Aprovadas as presentes directivas para a organização do Plano de Defesa de Cabo Verde com as restrições:

a) As forças metropolitanas destacadas para reforçar a guarnição militar da Colónia de Cabo Verde destinam-se exclusivamente à defesa das Ilhas do Sal e de S. Vicente [ Ilhas do Barlavento].

b) À ilha de S. Tiago [, Ilha do Sotavento, com a capital, Praia,] são apenas afectas 2 companhias de caçadores indígenas da Colónia que deverão ser rapidamente colocadas em estado de completa eficiência.

Na hipótese de a Colónia não poder tomar à sua conta todas as despesas com a sua guarnição militar privativa, o Ministério da Guerra tomará sobre si parte dessas despesas.

Procurar-se-á prover num oficial superior da arma de infantaria (major ou tenente-coronel) o comando militar da Ilha de S. Tiago que, simultaneamente, exercerá o comando das 2 companhias indígenas de caçadores. É aconselhável que as despesas com este comando corram por conta da Colónia mas, havendo dificuldades, o Ministério da Guerra tomará à sua conta o encargo.

c) A guarnição militar da Ilha de S. Vicente é constituída pelas tropas ali presentemente estacionadas, reforçada, logo que seja possível, com uma bateria de artilharia de campanha de 75 mm. A bateria antiaérea de 40 mm será elevada a 6 peças logo que as disponibilidades em material o possibilitem.

d) Para a Ilha de Santo Antão não poderão ser deslocados da Ilha de S. Vicente efectivos superiores a uma companhia de atiradores reforçada com um pelotão de metralhadoras pesadas e uma secção de morteiros de 81 mm. Visto não ser possível reunir nesta Ilha efectivos que garantam a sua defesa integral em todas as circunstância devemos apenas contentar-nos com a vigilância do canal em frente do Porto de S. Vicente, tendo como base principal a ocupação de CARVOEIROS.

e) A guarnição da Ilha do Sal será constituída por um Regimento de Infantaria a dois batalhões e uma bateria A.A. [antiaérea] de 40 mm provisoriamente a 4 peças, mas elevada a 6 logo que o permitam as disponibilidades em material. Não sendo possível por dificuldades de reabastecimento ou de vida manter na Ilha os dois batalhões do regimento deve ali ficar apenas o comando do regimento e um batalhão transferindo-se o outro batalhão para a Ilha de Santo Antão, onde permanecerá durante oito meses, recolhendo então a S. Vicente todas as tropas da guarnição desta Ilha.

Nesta hipótese o conceito de ocupação da Ilha de Santo Antão deve prever a vigilância da sua zona Norte e Noroeste e a defesa a todo o custo da sua zona Sul. Em contrapartida o conceito de defesa da Ilha do Sal deve modificar-se no sentido de ser apenas defendido a todo o custo o planalto da zona do aeródromo vigiando-se com elementos não superiores a um pelotão de atiradores cada um dos portos de Santa Maria MARIA e Pedra Lume.

As tropas que guarnecem a Ilha do Sal não devem manter-se na Ilha por um período de duração superior a oito meses. Para esse efeito o Comandante Militar da Colónia fica autorizado a trocar entre si os batalhões e as baterias das guarnições da Ilha de S. Vicente e Sal, bem como as formações de comando dos 2 regimentos se tal se mostrar conveniente. Na hipótese de vir a verificar-se que na Ilha do Sal não pode ser mantido mais que um batalhão a troca far-se-á então no que respeita à Infantaria apenas entre os 2 batalhões do regimento, começando pelo batalhão do Regimento de Infantaria nº 11.

f) Por falta de elementos não é possível destacar para o arquipélago forças de aeronáutica.

g) O Ministério da Guerra procurará assegurar por meios próprios os transportes militares entre as Ilhas do Sal e de S. Vicente bem como o transporte de água entre as Ilhas do Sal e de S. Vicente, bem como o transporte de água entre as Ilhas de Santo Antão e S. Vicente.

h) Procurar-se-á manter no Arquipélago reservas de munições e de combustíveis para dois meses e de víveres para um período de quatro a seis meses.

i) Dever-se-ia procurar instruir na Arquipélago pessoal indígena para pelo menos um ou dois batalhões de infantaria. Concorrer-se-ia para atenuar a crise económica do Arquipélago e, simultaneamente, poder-se-ia ulteriormente substituir por pessoal indígena o pessoal europeu de dois batalhões.

Em qualquer hipótese será sempre possível contar com uma importante reserva de mobilização para a defesa da Ilha.

j) As relações de dependência em todas as circunstâncias entre o Comandante Militar da Colónia, o Governador e o Ministério da Guerra são as estabelecidas no Decreto-lei nº 32.157 da 21 de Julho findo.

Lisboa, 12 de Agosto de 1942
O Sub-secretário de Estado da Guerra
(A) – Fernando Santos Costa (**)
__________ 

 Notas de J.M. / L.G.:

(*) Vd. postes de: 15 de Outubro de 2009 >Guiné 63/74 - P5109: Meu pai, meu velho, meu camarada (18): Do Mindelo a... Bambadinca, com futebol pelo meio (Nelson Herbert / Luís Graça)

12 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5101: Meu pai, meu velho, meu camarada (17): Ilha de S. Vicente, S. Pedro, 1943: Armando Duarte Lopes (Nelson Herbert)

29 de Setembro de 2009 >Guiné 63/74 - P5029: Meu pai, meu velho, meu camarada (16): Expedicionário no Mindelo, S. Vicente,1941/43,1º Cabo Inf Luís Henriques (3) (Luís Graça)

28 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5022: Meu pai, meu velho, meu camarada (15): Expedicionário no Mindelo, S. Vicente,1941/43,1º Cabo Inf Luís Henriques (2) (Luís Graça)

27 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5021: Meu pai meu velho, meu camarada (14): Expedicionário no Mindelo, S. Vicente, 1941/43, 1º Cabo Inf Luís Henriques (1) (Luís Graça)

27 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5019: Meu pai, meu velho, meu camarada (13): Mindelo, ontem e hoje ( Lia Medina / Nelson Herbert / Luís Graça)

9 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4926: Meu pai, meu velho, meu camarada (12): 1º cabo Ângelo Ferreira de Sousa, S. Vicente, 1943/44 (Hélder Sousa)

20 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4059: Meu pai, meu velho, meu camarada (1): Memórias de Cabo Verde, São Vicente, Mindelo, 1941/43 (Luís Graça)
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(**) FERNANDO DOS SANTOS COSTA (1899-1982)

Militar e político que foi figura destacada do regime salazarista. Entre 13 de Maio de 1936 e 6 de Setembro de 1944 ocupou o cargo de Subsecretário de Estado no Ministério da Guerra, de cuja pasta era titular o próprio Presidente do Conselho, Salazar, a quem sucederá à frente do Ministério da Guerra entre 6 de Agosto de 1944 e 2 de Agosto de 1950. Quando a pasta da Defesa substituiu a da Guerra, manteve-se à frente do novo Ministério até 4 de Agosto de 1958, data em que foi afastado do governo. Em 1961 foi promovido a General. (JM)

Vd. a publicação Correspondência do General Santos da Costa (1936-1982). Organização e prefácio: Manuel Braga da Cruz . Editora: Verbo, Lisboa, 2004, 

"O General Fernando Santos Costa foi um dos mais estreitos colaboradores de Salazar e um dos mais longevos ministros dos seus governos. Ao longo dos 22 anos que esteve no Governo, onde ocupou os cargos de subsecretário de Estado da Guerra e de ministro da Guerra e da Defesa, foi a figura mais importante do regime junto do Presidente do Conselho de Ministros. Principal fautor da reestruturação das Forças Armadas e da sua subordinação ao poder político, Santos Costa participou ao lado de Salazar, de modo decisivo, na formulação da política de guerra, desde o deflagrar da Guerra Civil de Espanha até ao início da Guerra Fria, depois do termo da II Guerra Mundial ***), assumindo desse modo relevante papel não só nacional como internacional. A documentação que se reúne nesta obra, com prefácio de Manuel Braga da Cruz, contribuirá seguramente para uma maior compreensão da personalidade de Santos Costa e de suas ideias e orientações políticas"

(***) Portugal e a II Guerra Mundial - Cronologia breve (LG):

1939

17 de Março - Assinado por Salazar e Franco o Pacto Ibérico, Tratado de Amizade e Não Agressão

1 de Setembro - Invasão alemã da Polónia. Início da II Guerra Mundial. Portugal, no dia seguinte, declara a sua posição de neutralidade no conflito europeu.

1940

Começam a afluir a Portugal dezenas e dezenas de milhares de refugiados, na sua maioria judeus, e nomeadamente em trânsito para os EUA.

6/7 de Junho - A Alemanha invade a França que irá capitular. Reafirmação da "estrita neutralidade" de Portugal. Conhecimento dos planos (secretos) da "Operação Félix" (invasão de Espanha e, eventualmente, Portugal, para a conquista e ocupação de Gibraltar, vital para o controlo do Mediterrâneo). Os ingleses fazem todos os esforços para manter a neutralidade da Península Ibérica.

Dezembro - Plano de retirada do governo português para os Açores na hipótese (temida pelos ingleses e levada a sério por Salazar) de invasão do país pela Alemanha e pela Espanha. O arquipélago dos Açores chegará a ter quase 3 dezenas de homens em armas, com equipamento inglês.

1941

22 de Junho – A URSS é invadida pela Alemanha. Aumenta a germanofilia em Portugal. nomeadamente. Estreitam-se os laços económicos com a Alemanha.

Dezembro - Declaração de guerra dos Estados Unidos contra as pptências do Eixo, após o ataque japonês a Pearl Harbour. Reforça-se em Portugal o receio de ocupação, pelos Aliados, das ilhas atlânticas. Aumenta a importância estratégica dos Açores. Em 1941 Portugal perde 4 navios, três dos quais da marinha mercante, incluindo o Cassequel, de 122 m, da Companhia Colonial de Navegação. No final do conflito, terã perdido 18 mil t, o equivalente a 7% do total da arequeação bruta

1942

Março - Racionamento de bens essenciais, na sequência de Bloqueio económico imposto pelos Aliados. Portugal é obrigado a aceitar, no verão desse ano, um acordo comercial favorável aos interesses do seu velho aliado que lhe garante a independência da metrópole e das ilhas adjacentes bem como a soberania das colónias.

Novembro/Dezembro - A sorte das armas começa a virar-se para os Aliados.

1943

Janeiro - Capitulação dos alemães em Estalinegrado.

Maio – Queda da Tunísia a favor dos aliados. Ameaça sobre os Açores, vital para o abastecimento de aviões provenientes da América. Negociação com os ingleses e depois com os americanos.

Agosto - Cedência das bases das Lajes, nos Açores. O Governo Britânico compromete-se a dar apoio e auxílio militar a Portugal, em caso de ataque. Modernização das nossas Forças Armadas.

Junho - Portugal cancela a exportação do volfrâmio, face ao braço de ferro mantido com a Inglaterra. O principal cliente deste minério, essencial para a indústria de armamento, tinha sido a Alemanha.

1944

Maio - II Congresso da União Nacional. Delineada a estratégia de sobrevivência do regime de Salazar.

6 de Junho – O tão esperado Dia D (Desembarque nas praias da Normandia pelas forças aliadas).
Novembro - Acordo (secreto) de concessão de facilidades militares nos Açores, assinado por Portugal e os Estados Unidos.

1945

30 de Abril – Morte de Hitler em Berlim. Três dias de luto oficial decretados pelo governo português.

Maio – Capitulação das tropas alemãs.

6 e 9 de Agosto - Lançamento de bombas atómicas sobre Hiroxima e Nagasáqui, que irão apressar a rendição japonesa (a 2 de Setembro)

27 de Setembro – O território de Timor volta à administração portuguesa, depois da ocupação japonesa (mas também australiana e holandesa).

Guiné 63/74 - P5153: Controvérsias (38): Afinal quem saiu derrotado na guerra da Guiné? (José da Câmara)

1. Comentário de José da Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73, deixado no dia 23 de Outubro de 2009 no poste 5139*:

Caros camaradas,
Mais uma vez fomos espicaçados por um livro (que não li) que nos dá como derrotados na Guerra da Guiné.
Juntamos a isso um comentário que, para além de mal educado, não debate a teoria do artigo, e opta pelo insulto.

Matar o mensageiro não elimina aquilo que, sem se compreender bem porquê, alguns desses guerreiros do ar condicionado continuam interessados em divulgar: as inverdades da nossa guerra.
As atitudes derrotistas de alguns desses senhores ofendem, a avaliar pelos comentários, muitos de nós que nos interessamos por estas coisas.

Então, se nós perdemos a guerra, ou estávamos em vias disso, porque permitiram que nós continuássemos a matar e a morrer depois?
Será que, por isso mesmo, lhes tenho que chamar cobardes e assassinos?
Não o farei porque isso não trará de volta o soldado da minha Companhia, único amparo de uma mãe viúva e de uma irmãzinha de dez anos de idade. E, como ele, muitos outros que empaparam com o seu sangue o solo da Guiné.

Não o farei porque isso seria dar importância demais a alguém que, por obrigação e ética militares, tinha o dever de, no mínimo, contar a verdade. É na verdade que está a nossa honra, enquanto filhos de Portugal.

Não, senhores da guerra, se alguém saiu derrotado daquela contenda foram os senhores: porque não nos respeitaram na altura da guerra e, hoje, ofendem-nos.
Todos nós sabemos que um dos grandes problemas que nós tinhamos era a fixação de quartéis facilmente identificavéis. As nossas saídas eram vigiadas e, em muitos casos, até seguidas. Para o PAIGC era fácil atacar-nos.

Em contrapartida nós não tinhamos essas possibilidades em relação ao nosso inimigo. Tínhamos que trabalhar, e muito, para atingir os nossos objectivos, os nossos sucessos, que foram muitos.

Perguntas legítimas que podemos fazer aos senhores que nos ofendem:

1 - Quantos quartéis nossos foram tomados pelo PAIGC?
2 - De quantas zonas foram as nossas tropas expulsas pelo PAIGC?

Depois, comparem as vossas respostas com aquelas que têm para as seguintes perguntas:

1 - Quantos acampamentos IN foram tomados, melhor dizendo, passados a pente fino pelas nossas tropas?
2 - Quantas zonas de acção foram limpas pelo PAIGC?
3 - Onde e quando foram as nossas tropas impedidas de actuar no TO da Guiné?

Tenho a certeza que o prato da balança favorece, e de que maneira, o lado das nossas tropas.

Um abraço,
José Câmara
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 15 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5111: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (8): Guerras palacianas

Vd. último poste da série de 24 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5151: Controvérsias (30): O despertar dos Combatentes (Mário Pinto)

Guiné 63/74 - P5152: Em busca de... (100): Informações sobre António Vieira, 1º Cabo RT COMANDO - 15ª Companhia de Comandos (Valdemar Pinto)

1. De um nosso leitor e Amigo, Valdemar Pinto, ex-Soldado Pára-quedista, recebemos a seguinte mensagem em 19 de Outubro de 2009:

APELO

Olá Camaradas,

Sou ex-Soldado Pára-quedista, tenho 49 anos, e procuro informações, fotografias e tudo o que diga respeito ao meu tio, morto em combate na Guiné.

Dados dele:
António Vieira
1º Cabo RT COMANDO
NIM: 03161466
15ª Companhia de Comandos
Morto em 30-08-69

Ele para mim era mais do que um tio, não há palavras para descrever o que sinto por ele.

Sei que cá na terra jamais o encontrarei, mas noutra vida eu tenho a certeza que o verei.

São 40 anos sem o ver, pode ser uma parvoíce minha, mas há 40 anos atrás disse para mim mesmo que havia de ir para a guerra para vingar a morte dele...

Coisas de criança, tinha apenas 9 anos, mas foi sempre o meu sonho ir ao Ultramar.

Deu o que deu.

Obrigado pela atenção deste camarada Pára-quedista.

Envio uma foto dele.

Um abraço,
Valdemar Pinto

Foto: © Valdemar Pinto (2009). Direitos reservados
Guião de colecção: © Carlos Coutinho. Direitos reservados
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: