segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5163: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (21): A CCAÇ 2791 em Teixeira Pinto - CAOP 1

1. Mensagem de Luís Faria, (*), ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 25 de Outubro de 2009:

Amigo Vinhal
Com um abraço para ti e demais co- Editores segue outro dos capítulos de “Viagem…” há já uns tempitos interrompidos.

À restante Tertúlia um outro abraço, com votos de paz e serenidade, único modo de conseguirmos objectivar com clareza os eventuais caminhos a percorrer na procura da resolução dos nossos problemas.

Luís Faria


Teixeira Pinto – CAOP 1
Por Luís Faria

Chegados ao nosso novo destino - Teixeira Pinto - e libertos da formatura em Parada na apresentação ao Comando do CAOP 1, há (julgo) que distribuir uns abraços por pessoal do 4.º GCOMB que já lá se encontrava desde o princípio do ano, procurar as novas suites e dar uma vista de olhos aos cantos da casa. Depois e certamente… umas súrbias no agradável Bar dos Comandos, que também passaríamos a frequentar.

O quartel tinha pouco a ver com o de Bula. Era muito maior e se bem me recordo, espraiando-se da cidade até ao rio, com melhores instalações e com muita maior densidade populacional militar.

A FORÇA - CCAÇ 2791 a três GCOMB, colocada às ordens do CAOP, estava prestes a iniciar uma nova etapa naquela ZO do Cacheu, que se iria prolongar por aproximadamente cinco meses, entremeados por três semanas em que os três GCOMB foram deslocados para a defesa de Bissau, dos últimos de Julho a terços de Agosto.

Em coabitação no quartel e em termos operacionais de intervenção, havia uma Companhia de Páras (128?, 127?), outra de Comandos (28ª?, 29ª?) e um Destacamento de Fuzileiros Especiais, para além de um Esquadrão Daimmler (não recordo se este coexistia no mesmo espaço, mas estou em crer que não).

Os três GCOMB da 2791 foram integrar estas forças de intervenção, passando a breve trecho a rodar com elas.

Àquela data era lá a sede do CAOP 1, sob o comando do Cor Pára-quedista Rafael Durão (era mesmo durão !!) que não deu descanso à nossa Companhia durante os meses em que lá estivemos, pondo-nos a trabalhar em força mas com contrapartidas, como adiante explicarei.

Ao Cor Durão, que fazia jus ao seu nome, julguei-o como um homem correcto e forte de carácter, e um Militar de grande carisma e competência. Dizia que os camuflados usados em Operações deviam cheirar a mato (mal) e não a lavados, para se confundirem nos odores daquelas matas onde o embrulho era mais que provável, como viríamos a constatar. Tinha razão, mas não era novidade.

O pessoal da 2791 foi usado em alternância com a tropa especial, como se de uma se tratasse. Actuávamos em bi-grupo (raramente completo) nas matas belicosas de um e outro lado da estrada Teixeira Pinto - Cacheu, passando por norma 36 horas em operação e 24 em descanso.

Provas dadas, começamos a ter direito a alimentação e ração de combate especiais e também a reforço de armamento. Se a memória não me atraiçoa, cada Grupo, quando saía, para além da dotação normal, acrescentava duas MG e mais um lança-rockets, não tendo a certeza de um morteiro 60. As rações de combate passaram a ser iguais às dos Fuzileiros.

Dava gozo e prazer vermo-nos com aquele armamento! Sentíamo-nos confiantes e até…importantes! Não esqueçamos que no conceito(?) de alguém(uns(?)) éramos um Bando do Arame (??!!)! Mas pelos vistos… privilegiado, por essas alturas!!

Que diferença de condições e tratamento comparando com Bula, onde fomos usados e abusados sem qualquer apoio ou contrapartida!!!

Em Teixeira Pinto, o Cor Durão exigia mas, como se vê, proporcionava-nos condições e apoio efectivo. Carregando na mão a sua Kallash chegou mesmo a integrar o bi-Grupo da FORÇA numa operação embrulhada, sob comando do Alf Mil Barros (2.º GCOMB), demonstrando ao pessoal a sua confiança e talvez ao mesmo tempo, aquilatando da nossa preparação e competência.

Para fugir daquela pressão toda a que passamos estar sujeitos, e que fez com que a dada altura o horizonte de futuro pessoal passasse (falo por mim) a ser o dia seguinte, meia dúzia de nós resolveu alugar uma vivenda situada na esquina de uma paralela à avenida principal.

Nela e nos intervalos das operações, o stress passou a ser vencido com cerimónias entre camaradas amigos, em que as frescas bazucas e o Casal Garcia, o Demole com ou sem Coca-Cola, e o petisco, passaram a ser omnipresentes. De certo modo festejávamos mais um dia ganho e tentávamos não pensar no dia seguinte.

Nessas ocasiões, a música ouvida, tocada e cantada muitas vezes a(o) desafi(nad)o, era um dos complementos alienadores dos nossos receios e pensamentos sombrios, levando-nos por vezes para momentos (continuo a falar por mim) desenraizados da nossa realidade e da nossa maneira de ser, transportando-nos em visões animadas e coloridas de esperança, umas vezes, sombrias e difíceis de suportar… outras, que nos isolavam e acabrunhavam!

Quando estas últimas aconteciam… aparecia sempre, pelo menos, um amigo que nos dava o ombro e ajudava a ultrapassar esses momentos mais penosos e difíceis.
Andávamos pelos vinte anos, com uma vida já estropiada e um futuro de incertezas.
A nossa adolescência esfumara-se rapidamente para passado!

Um novo homem ia surgindo, arcando para toda uma vida marcas profundas, ganhas durante essa transição brusca, fora de tempo e afinal… sem reconhecimento e pelos vistos sem sentido!

Luís Faria

Luís Faria em Teixeira Pinto

Teixeira Pinto > Avenida Principal

Teixeira Pinto > Igreja Católica
A nossa vivenda em Teixeira Pinto

Teixeira Pinto > "Cerimónia" na Vivenda

Fotos (e legendas): © Luís Faria (2009). Direitos reservados
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4907: Convívios (158): 8.º Encontro da CCAÇ 2791, dia 26 de Setembro de 2009 em Torres Vedras (Luís Faria)

Vd. último poste de 28 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4874: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (20): Adeus Binar, até sempre

Guiné 63/74 - P5162: Controvérsias (39): Nunca se fez um inquérito ao acidente que vitimou o meu avô James e seus companheiros (Sofia Pinto Bull)

Guiné > Região do Oio > Mansoa > Distância, em quilómetros, de Mansoa a algumas das principais povoações, a leste (Bafatá, Bamabadinca, Enxalé), a sul (Porto Gole) e a leste (Bissau, Nhacra, Encheia)... Na foto, o ex-Alf Mil Paulo Raposo, CCAÇ 2405/BCAÇ 2852 (1968/70).

Foto: Paulo Raposo (2006)

Guiné > Região do Oio > Mansoa > Rio Mansoa > Pescadores > "Mansôa é uma linda vila, à qual o rio Mansôa empresta também os seus encantos, dando-lhe um verde imenso, e florido... A história da Guiné, passa por Mansôa, não só por ser um importante centro de comércio, mas também por ser um centro militar de grande importância estratégica, pois era aqui que existia a única ponte que permitia o acesso a Bissau... Inserida na conflituosa região do Óio, e a poucos quilómetros da mítica mata do Morés, Mansôa foi sempre um palco importante na história da Guiné... A partir de 15/12/2003 a jangada que atravessava o rio rio Mansôa, em Joladim, foi substituída por uma excelente ponte, passando a existir um segundo acesso a Bissau" (Fonte: Guiné - História > BCAÇ 2885, por Carlos Fortunato)
Foto: Cortesia de César Dias, ex-Fur Mil Sapador, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71), membro da nossa Tabanca Grande.


1. Comentário, de hoje, de Sofia Pinto Bull ao poste 10 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3292: Controvérsias (3): O acidente de helicóptero que vitimou Pinto Leite (J. Martins / J. Félix / C. Vinhal / C. Dias) (*)

Luís, ao fazer umas pesquisas sobre a Guiné-Bissau, deparei-me com o vosso blog e como não podia deixar de ser procurei info sobre o acidente de 25 de Julho de 1970, o qual vitimou o meu Avô James (Pinto Bull) (**) que, infelizmente, eu nunca viria a conhecer.

E não posso deixar de esclarecer e garantir-lhe (e aos demais participantes/intervenientes do blog) que o acidente ocorreu exactamente na data que mencionei - 25 DE JULHO DE 1970. O meu Pai, inclusivamente, prestava serviço militar na altura na Guiné-Bissau, tendo ele próprio participado nas buscas do aparelho e dos corpos (também o do seu próprio Pai).

Documentos disponibilizados pela COLOREDO (Comissão Eventual para Localização e Recolha de Dcumentação da Marinha sobre a sua Acção nas Operações Militares em África e Timor - 1967/75) com base em documentos nela existentes e no Arquivo Geral da Marinha e em depoimentos prestados por alguns dos intervenientes na operação também o confirmam.

Transcrevo um excerto do livro «O Sonho Desfeito - Quanto Vale a Vida de um Homem?», de Vasco Pinto Leite, irmão do Dr. Pinto Leite, falecido também no acidente:

"(...) Dia 25 de Julho de 1970

"Cerca das 15.00 horas ocorreu a queda de l helicóptero da FAP quando voava de Teixeira Pinto psra Bissau e foi atingido por um forte tornado. (...) pilotado pelo alferes miliciano Pil Av da FAP Francisco Lopes Manso e fazia parte duma formação de 3 helicópteros comandada pelo Cap Pil Av Cubas, que pilotava um dos helicópteros, sendo o terceiro pilotado pelo alferes miliciano Pil Av Coelho.

"O helicóptero sinistrado transportava como passageiros:
- 4 deputados à então Assembleia Nacional (Dr James Pinto Bull, Dr José Pedro Pinto Leite, Dr Leonardo Coimbra e José Vicente de Abreu).
- Capitão de cavalaria Carvalho de Andrade, oficial de ligação do Comando Chefe das Forças Armandas da Província da Guiné.

"Posteriormente viria a verificar-se que o helicóptero tinha caído nas águas do Rio Mansoa, em 20 metros de fundo, a Este da Ilha de Lisboa, ou seja, entre esta e a Ilha de Bissau."


Buscas ocorreram nos dias seguintes (segundo cópias de documentos constantes no livro), terão sido resgatados das águas lodosas dois corpos identificados como sendo do Dr Leonardo Coimbra e do Cap Carvalho de Andrade, e os detroços do aparelho, estes últimos entregues à FAP a 30 de Julho.

Uma das lanchas envolvidas nas buscas, "a LPG Cassiopeia manteve-se na área até ao dia 2 de Agosto, fazendo buscas sistemáticas das águas do Mansoa entre as ilhas de Lisboa e de Bissai mas nada mais viria a encontrar. (...) botes voltaram por vezes às zonas das buscas, em observação, mas nada mais encontraram."

Mas, de facto, e com muita pena minha e concerteza de todos os familiares das vítimas deste desastre, nunca houve nenhum INQUÉRITO. No livro, Vasco Pinto Leite afirma ainda:

"(...) Três dias depois da tragédia, em 28 de Julho de 1970, morre Salazar, e as atenções da Comunicação Social passam para 2º plano o impacto com o desastre da Guiné. Daí para a frente, os brandos costumes portugueses fizeram o resto", inclusivamente "o inquérito que não foi feito", sublinha o autor! (****).

Espero ter elucidado e respondido a algumas dúvidas.

Na imaginação desenho ainda hoje o meu retrato do meu Avô que quis o destino (ou não) que eu nunca tivesse conhecido, e na memória ficam, para além da enorme tragédia, histórias e relatos maravilhosos da minha Avó principalmente, mas também de outras pessoas que tiveram a felicidade de se cruzarem na vida com o meu Avô e com quem também eu me tenho vindo a cruzar!

Sofia Pinto Bull

________

Notas de L.G.:

(*) Vd. também postes de:

11 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3296: Controvérsias (4): O acidente aéreo de 26 de Julho de 1970 (Jorge Picado)

20 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3335: Controvérsias (6): O acidente aéreo de 25 de Julho de 1970 (Carlos Ayala Botto)

10 de Outubro de 2008 (Guiné 63/74 - P3291: (Ex)citações (4): Pinto Leite, em Bambadinca, dois dias antes de morrer em desastre de helicóptero: Não há solução militar)

10 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3866: FAP (7): Troca de lugar no ALL III salvou-me a vida, em 25 de Julho de 1970 (Jorge Caiano, mecânico do Alf Pilav Manso)

(**) Último poste da série > 24 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5153: Controvérsias (31): Afinal quem saiu derrotado na guerra da Guiné? (José da Câmara)


Não confundir o James Pinto Bull com o seu irmão, Benjamim Pinto Bull, de quem se apresenta aqui uma resenha biográfica, adaptada (Cortesia de Wikipédia > Benjamim Pinto Bull)

(i) Benjamim foi o líder da União dos Naturais da Guiné-Portuguesa (UNGP), um movimento que defendia uma evolução, negociada e pacífica, para a Guiné-Bissau.

(ii) Cita o Diário de Notícias, aquando da sua morte recente, que Benjamim Pinto Bull “era daqueles homens como já há poucos, um lutador”.

(iii) Durante a sua vida foi um defensor de uma independência progressiva da Guiné-Bissau, em oposição com a linha (revolucionária) de Amílcar Cabral e do seu PAIGC. Chegou, ao que parece, a tentar negociar nos bastidores do poder de Salazar.

(iv) Nasceu na Guiné-Bissau, no seio de uma das suas mais ilustres famílias.

(v) O seu irmão, James Pinto Bull, foi o histórico deputado da Ala Liberal, que morreu, no acidente de helicóptero, com José Pedro Pinto Leite e outros, em 25 de Junho de 1970, no Rio Mansoa.

(vi) Aos sete anos de idade, Benjamim Pinto Bull foi enviado para França, onde ingressou num seminário. Concluiu o ensino secundário e voltou para Portugal, para um seminário em Viana do Castelo. Nesta cidade estudou grego e latim. Mas não seguiu a vida eclesiástica.

(vii) Já em idade adulta, regressou à sua terra, para trabalhar nas alfândegas. Nesta altura, a Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) seguiu-o e perseguiu-o até à Guiné-Bissau.

(viii) Segue-se o seu o exílio, no Senegal, onde foi acolhido por Léopold Sédar Senghor.

(ix) No Senegal, continuou a luta pela independência do seu país. Léopold Sédar Senghor foi, além de dirigente político e nacionalista, um poeta e um intelectual de grande craveira. Senghor e Pinto Bull tornaram-se grandes amigos.

(x) Abraçando uma nova etapa da sua vida no Senegal, Benjamim promoveu a língua portuguesa, a nível do ensino secundário e do ensino superior. Tornou-se rapidamente no tradutor oficial de Senghor (que, de resto, e ao que parece, na sua árvore genealógica, teria ascendentes portugueses).

(xi) Continuou os seus estudos, formando-se em Filologia Românica em Paris, para depois regressar a Dakar para dar aulas. A sua tese de doutoramento versa sobre o trabalho de Senghor: "Leopold Sédar Senghor e a Negritude".

(xii) Regressa a Portugal em 1984. Foi cônsul do Senegal em Lisboa e leccionou Latim Jurídico e Literatura Africana de Expansão Portuguesa em várias universidades privadas, como a Moderna, a Internacional ou a Lusófona.

(xiii) Em 1989, publicou "Filosofia e sabedoria, O crioulo da Guiné-Bissau". Publicou ainda uma autobiografia – "Memórias de um Luso-Guineense" – com introdução a cargo de Adriano Moreira.

(xiv) Em 1992, num autocarro, a caminho de Loures, Benjamim Pinto Bull defendeu um rapaz de apenas 12 anos que estava a ser insultado. Foi agredido e um soldado da GNR acabou por ser acusado de racismo e violência contra o professor. Um triste, miserável episódio que mereceu a atenção da comunicaçã social, na época, e que levou o então Presidente da República, Mário Soares, a pedir-lhe publicamente desculpas em nome de Portugal.

(xv) Benjamim Pinto Bull faleceu em Lisboa, no dia 25 de Janeiro de 2005.


Do James Pinto Bull, encontrei as seguintes referências bibliográficas, no Portal Memórias de África e do Oriente, Fundação Portugal-África, desenvolvido pela Universidade de Aveiro e pelo CESO :

[13098] Bull, James Pinto
Subsídios para o estudo da circuncisão entre os balantas / James Pinto Bull. In: Boletim cultural da Guiné portuguesa. - Vol. VI, nº24 (1951), p. 947-954
Descritores: Guiné-Bissau Antropologia social e cultural Circuncisão


[13108] Bull, James Pinto
Amor e trabalho / James Pinto Bull. In: Boletim cultural da Guiné Portuguesa. - Vol. VII, nº25 (1952), p.181-187
Descritores: Guiné-Bissau Antropologia social e cultural Contos

[64277] Bull, James Pinto
Amor e trabalho / James Pinto Bull. In: Boletim cultural da Guiné Portuguesa.- vol. 7, nº 25 (Jan. 1952), p. 181- 187
Descritores: Guiné Bissau Trabalho

[80712] Bull, James Pinto
Visita presidencial á Província da Guiné Portuguesa / James Pinto Bull. In: Cartaz. - ano 4, nº 16 (1968), p. 15.
Descritores: Guiné Bissau Chefe de Estado Visita oficial População autóctone

[186325] Bull, James Pinto
Subsídios para o estudo da circuncisão entre os balantas / James Pinto Bull. In: Boletim Cultural da Guiné Portuguesa. - Vol. VI, nº 24 (1951), p. 947-954
Descritores: Guiné-Bissau Mutilação sexual População autóctone

[201234] Bull, James Pinto
A doença do sono / James Pinto Bull. - Contém bibliografia. In: Anuário da Escola Superior Colonial. - (1944-1945), p. 223-233
Descritores: África Doença tropicalTEXTO :


(****) Vd. Decreto-Lei n.º 400/70:

Considerando que no decorrer de uma viagem à Guiné, organizada para informação da Assembleia Nacional, morreram num desastre de helicóptero os Deputados James Pinto Bull, José Pedro Maria Anjos Pinto Leite, José Vicente Abreu e Leonardo Augusto Coimbra;

Atendendo a que a missão que lhes foi confiada se revestia de grande importância para o País;

Usando da faculdade conferida pela 1.ª parte do n.º 2.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:

Artigo único. - 1. Aos familiares que estavam a cargo de cada um dos Deputados James Pinto Bull, José Pedro Maria Anjos Pinto Leite, José Vicente Abreu e Leonardo Augusto Coimbra, e que a requeiram, será atribuída uma pensão do Tesouro do quantitativo correspondente ao subsidio mensal fixado para os Deputados, compreendendo a parte fixa e trinta dias de senhas de presença, a abonar mensalmente, com inicio no dia imediato ao do acidente.

2. O direito e a fruição destas pensões regulam-se pelos princípios estabelecidos no Decreto-Lei n.º 47084 , de 9 de Julho de 1960, não estando, contudo, os seus quantitativos sujeitos a quaisquer deduções, com excepção do selo de recibo.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros. - Marcello Caetano - João Augusto Dias Rosas.

Promulgado em 12 de Agosto de 1970.
Publique-se.

Presidência da República, 21 de Agosto de 1970. - AMÉRICO DEUS RODRIGUES THOMAZ.

Guiné 63/74 - P5161: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (11): Operação Tripas na Cidade Invicta (Luís Borrega)

1. Mensagem de Luís Borrega, ex-Fur Mil Cav MA da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche, 1970/72, com data de 5 de Outubro de 2009:

Caro Camarigo Luís Graça e restantes editores

Nháluda! [boa tarde, em fula]

Vou enviar um pequeno texto, se vocês acharem que vale a pena publicarem... façam-no.


O CÉU É O LIMITE PARA A AMIZADE E A CAMARADAGEM

O título vêm a proposito de uma deslocação que eu fiz à Cidade Invicta.

Um dos Ex-Furriéis da minha Companhia (CCAV 2749), Manuel Costa, Fur Mil Mec Auto, pediu, por sugestão minha, a Medalha das Campanhas de África, mas como ele mora em Braga, disse-lhe que levantava a Medalha em Lisboa, bastando que ele me mandasse uma declaração a autorizar o levantamento, o que ele fez.

Tinha ficado combinado entregar-lha no decorrer do Almoço da nossa Companhia, a realizar este ano. Acontece que nem ele nem eu fomos ao almoço. Por isso no passado dia 19 de Setembro dispus-me a ir levá-la ao Porto. Apanhei portanto o Alfa proveniente de Faro, às 9h23, no Pinhal Novo e desembarquei em Campanhã pelas 12h50.

Já lá estava o Costa e também os ex-1.ºs Cabos Alfredo Lopes e David Gonçalves, ambos da minha Companhia e do meu Gr Comb. Presente também o Eduardo Teixeira Lopes, da CART 3332 (Companhia de intervenção em Piche, connosco).

Estava em marcha a Operação TRIPAS. Corremos os restaurantes limítrofes e nada de Tripas à Moda do Porto. Começei a sentir-me fustrado, então vinha do Sul para comer peixe e carne grelhados?... Não!

Estava um indivíduo encostado à porta de um café e eu disse que éramos um grupo de veteranos de guerra e que procurávamos um restaurante para comer as afamadas tripas. Ficámos surpreendidos pois o indivíduo também era um ex-combatente. Tinha pertencido à 28.ª Companhia de Comandos, sob o comando do Cor Jaime Neves, e tinha estado em Moçambique (salvo erro). Para irmos ao Restaurante Três Unidos no Largo de S. Lázaro e pedirmos ao gerente, senhor Machado, uma Dieta.

Caros amigos, a dieta era um tacho enorme cheio de Tripas à Moda do Porto. Tivemos um almoço espectacular, repetimos e voltámos a repetir e isto bem acompanhado com um tinto maduro de se lhe tirar o chapéu. Depois queriam que ficasse no Porto, o Costa queria que eu fosse para Braga. Lá me consegui safar e apanhar o Alfa às 15h47 e chegar ao Pinhal Novo pelas 19h30. Foi um dia muito bem passado, a recordar tanta coisa!!!

Zona ribeirinha da cidade do Porto, altamente perigosa para Operações gastronómicas.
Foto retirada do site da
Câmara Municipal do Porto, com a devida vénia.

No passado dia 2, resolvi empreender mais uma Operação Gastronómica. Demos-lhe o nome de código PEIXE DA BOLANHA, e fui eu mais o ex-Fur Mil At Inf Eugénio Pereira e o ex-Fur Mil Armas Pesadas, Rogério Lourenço da CCAÇ 3545/BCaç 3883, Batalhão que nos rendeu em Piche em Maio de 1972.

A CCAÇ 3545 foi render a CCAV 2748 em Canquelifá, e foi protagonista da Operação dos Comandos, pois tiveram debaixo de fogo vários dias, cercados pelo PAIGC (Março de 1974). Fomos almoçar ao Restaurante O Pescador, situado em Lagameças, que serve um peixe fresco grelhado espectacular.

Já está combinada outra Operação denominada BARBAS, pois vai ser no Restaurante Barbas, sito na Bolanha da Costa da Caparica, para comer uma Caldeirada de Peixe. Espero que não seja de peixe da bolanha...

E é assim que vou recordando o tempo passado na Guiné cultivando as amizades de então.

Nada é mais importante do que a amizade, nem a fama, nem o dinheiro, nem a morte !!!

Alfa Bravo
Luís Borrega
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 27 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5017: Parabéns a você (28): Luís Borrega, ex-Fur Mil da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche, 1970/72 (Os Editores)

Vd. último poste da série de 17 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4541: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (10): Juvenal, como foste nessa de chamar Vanessa à tua menina ? (Luís Graça)

domingo, 25 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5160: Tabanca Grande (182): Fernando Silva da Costa, ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74)

1. Mensagem de Fernando Silva da Costa, ex-Fur Mil TRMS da CCS/BCAÇ 4513, Aldeia Formosa, 1973/74, com data de 22 de Outubro de 2009:

Caro companheiro,

Na expectativa de engrossar o leque de informações que estão espelhadas no site da Tertúlia dos Antigos Combatentes, venho fornecer os meus dados:

Fernando Silva da Costa
Furriel Miliciano – Transmissões
CCS – BCAÇ 4513
Aldeia Formosa – Guiné
De : Março 73 a Setembro 74
Moro em Lisboa
E-mail: fscosta2001@gmail.com

Um forte abraço, e parabéns pelo trabalho desenvolvido.

NOTA: Se achar necessário estou à disposição para facultar contactos de outros militares que estavam também em Aldeia Formosa.


2. Nova mensagem de Fernando Costa, com data de 24 de Outubro de 2009:

Exmos. Senhores,
Por lapso tinha enviado este mail para outro endereço. Peço desculpa pelo erro.
Gostaria de saber se vão incluir a informação anexa ao site supra mencionado.

Realço que tenho em meu poder algumas fotos do dia em que as nossas tropas entregaram Aldeia Formosa ao PAIGC onde se procedeu ao arrear da bandeira portuguesa e se hasteou a bandeira deles.


3. No mesmo dia foi enviada esta mensagem ao nosso novo camarada:

Caro camarada Fernando Costa:

Muito obrigado pelo seu contacto.

Presumo pelas suas palavras que quer fazer parte da nossa tertúlia, até porque enviou as fotos da praxe.

Quanto às fotos de que fala, concerteza que estamos interessados em publicá-las, até porque esses acontecimentos pós 25 de Abril interessa-nos particularmente e ainda não estão devidamente documentados no Blgue.

Só peço que cada foto traga a respectiva legenda. Basta que as numere, e que à parte faça referência ao que cada uma documenta.

Aguardo notícias suas para o apresentar formalmente à tertúlia.

Receba um abraço do camarada

Carlos Vinhal
Co-editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


4. Ainda no mesmo dia Fernando Costa dava resposta à nossa mensagem:

Camarada Carlos Vinhal,

Agradeço a sua rápida resposta à qual passo a dar seguimento.

Os dados que enviei relativamente à minha estada na Guiné são, para se assim o entenderem, os espelharem na Tertúlia. Para isso enviei duas fotos e os dados necessários.

Relativamente às fotos da passagem das nossas tropas para o PAIGC no dia em que o quartel de Aldeia Formosa foi entregue, seguem anexas com a seguinte legendagem:
[...]
Esperando que este material tenha o interesse necessário para o publicarem, sou com elevada consideração,

Fernando Costa


Foto 1 > Preparação das bandeiras para a cerimónia

Foto 2 > As duas bandeiras já estão preparadas para se arrear a Portuguess e hastear a do PAIGC

Foto 3 > Os dois Comandos em continência no acto de troca de bandeiras. Estão na foto o Comandante do BCAÇ 4513, Ten Cor César Emílio Braga de Andrade e Sousa, e o 2.º Comandante Major Duarte Dias Marques

Foto 4 > Tropas do PAIGC

Foto 5 > Fur Mil Fernando Costa com a bandeira do PAIGC

Foto 6 > Fur Mil Fernando Costa com dois militares do PAIGC

Foto 7 > Transporte de homens e material em LDG de Buba para Bissau

Fotos e legendas: © Fernando Costa (2009). Direitos reservados.



5. Comentário de CV:

Caro Fernando Costa

Bem-vindo ao Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, Caserna Virtual de ex-combatentes da Guiné, também conhecida por Tabanca Grande. Obrigado pelo teu contacto e apresentação à tertúlia.

És um dos companheiros que tiveram a sorte de fechar a guerra. As fotos que enviaste e que neste poste da tua apresentação formal ficam publicadas, são o registo de mais um momento histórico, tanto para Portugal como para a jovem Guiné-Bissau, que estava a nascer como país independente.

Esperamos que este seja o ínício de uma longa colaboração da tua parte nesta página dedicada aos ex-combatentes da Guiné.

Como já deves ter reparado, pus de lado qualquer tratamento formal da minha parte para contigo, porque sendo a tertúlia composta por camaradas que calcorreram os mesmos trilhos, picadas e bolanhas, que atravessaram os mesmos rios e foram ferrados pelos mesmos mosquitos, tratamo-nos todos por tu. Nesta caserna virtual estão todos em igualdade de circunstância, não interessando o antigo posto militar, a formação escolar ou a profissão.

Apesar do tratamento informal, é ponto de honra o respeito pela diferença de opinião e pelas opções religiosas e políticas.

Poderás inteirar-te das nossas "normas de conduta" e "daquilo que (não) somos", inscrito no lado esquerdo da nossa página.

Deixo-te, em nome da tertúlia, o habitual e indispensável abraço de boas-vindas.

O teu novo amigo e camarada
Carlos Vinhal
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 22 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5142: Tabanca Grande (181): António Amaral Brum, ex-Soldado da CCAÇ 3326, Mampatá e Quinhamel (1971/73)

Guiné 63/74 - P5159: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (13): O Comando de Agrupamento (I Parte)

1. Mensagem de Fernando Gouveia, ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70, com data de 23 de Outubro de 2009:

Caro Carlos:
São passados quarenta dias desde o meu último escrito no blog (no caso um comentário).

Impus a mim mesmo esta quarentena, após o triste caso que nessa altura ocorreu.
Pude então verificar quão pertinente é o prazo de quarenta dias (a tal quarentena) para tirar a limpo qualquer caso de possível doença, etc.
Felizmente tudo ficou resolvido pelo melhor.

Aí vai mais uma estória para a série A Guerra Vista de Bafatá para publicares se assim o entenderes, mas não sem que antes refira duas coisas:

1.º - Desde logo, há quarenta dias atrás (13 de Setembro), registei sensibilizado o teu comentário ao meu comentário.

2.º - Que consideres a mudança do meu endereço electrónico, agora do Gmail, pois o anterior, da TVTEL, vai ser cancelado dado que a ZON comprou a TVTEL.

Um abraço para ti e para todos os outros camaradas.


A Guerra Vista de Bafatá
13 – O Comando de Agrupamento – 1.ª parte

Por Fernando Gouveia

Prometi que desta vez iria falar da vida interna do Comando de Agrupamento mas o que me levou a fazê-lo foi sobretudo a vontade de contar alguns factos relacionados com os muitos majores que por lá passaram, cada qual o mais esquisito mas, desde já refiro, que lá estiveram Majores, óptimas pessoas.

Irei começar por todo o resto do pessoal e só posteriormente falarei dos Majores. Já noutras estórias falei nas personalidades dos dois Comandantes que tive: os Cor Hélio Felgas e Neves Cardoso, bem diferentes um do outro. Nunca o Cor Felgas tiraria o lugar, previamente marcado num Dakota, a uma jovem esposa dum Alferes, acabada de chegar da Metrópole, que ia de Bissau para Bafatá ter com o marido, obrigando-a a ficar sozinha em Bissau. Nunca o Cor Felgas delegaria no Alf Of de Informações, sem para isso estar preparado, o planeamento de uma Operação de apoio à vinda, por estrada, do BCAÇ 2851 de Mansabá para Bafatá. Fê-lo o outro Comandante e só aceitei tal ordem por ter visto planear muitas Operações ao Cor Felgas.

O Cor Felgas talvez tivesse aspirações a substituir o Gen Spínola mas o Cor Neves Cardoso enquanto no COP de Nova Lamego só aspiraria a substituir o Cor Felgas no Agrupamento, aliás o que veio a acontecer quando o Cor Felgas acabou a comissão.

O Cor Felgas e o Ten Cor Teixeira da Silva, Chefe do Estado Maior do Comando de Agrupamento.

Chefes do Estado Maior houve também dois na minha comissão: Primeiro o Ten Cor Ferreira Coelho, do AGR 1980 e depois o Ten Cor Teixeira da Silva do AGR 2957. O primeiro, sempre de ar cansado, ou farto da Guiné, num determinado dia chamou-me e admoestou-me por me ter visto a jogar iuri (uri, ori ou orim) com um furriel (para ele um inferior), que por acaso era o Furriel Carlos Miguel (o fininho), que todos devem ter visto na TV. Que me teria acontecido se ele viesse a saber das almoçaradas (convívios, portanto) que regularmente fazíamos sempre que ia à caça ou quando o pessoal de Transmissões recebia algum petisco da Metrópole, contando que o único Oficial presente era eu?

Numa almoçarada com o pessoal das Transmissões, nas traseiras do pavilhão da arrecadação. Comeu-se polvo cozido que um deles recebeu da Metrópole no estado de seco, lógico.

O segundo Chefe do Estado Maior foi o Ten Cor Teixeira da Silva, nada militarista, para quem a guerra não fazia sentido, e das pessoas mais cultas que por lá passou. Com ele, melómano convicto, faziam-se sessões de música clássica, tendo aprendido com ele, nessa altura, que um bom gira-discos teria que ter uma cabeça com o peso máximo de um grama. Também costumava dizer que para se ouvir boa música se tinha que estar de bata branca e numa sala despojada de muitos adereços. E o que ele delirava quando eu dava uma sessão de slides, principalmente com bajudas… Se eu pudesse andar por aí como o Gouveia… Lamentava-se ele.

Um dia, estando os dois juntos do mapa onde se marcava a actividade IN com lápis dermatográficos, pediu-me que lhe chegasse um lápis de determinada cor. Como os ditos até estavam mais perto dele do que de mim, achei muito estranho. Se fosse um Major, para não se mexer, até podia compreender. Logo ele me explicou que era daltónico, etc. etc. Ainda lhe cheguei a perguntar como tinha conseguido entrar para a Academia Militar mas não lembro que resposta me deu.

Hierarquicamente a seguir havia os Majores, um na Secção de Operações e outro na de Material e Pessoal, tendo no entanto passado por lá muitos. De todos eles falarei por último.

A seguir vinham os três Alferes. Eu, na Secção de Informações e os outros dois na Secretaria Geral e nas Transmissões. No AGR 1980 na Secretaria estava o Alf Ribeiro e nas Transmissões o Alf Vaz. No AGR 2957 estavam respectivamente os Alf Costa e Martins. Há que destacar a simpatia dos dois primeiros que me receberam muito bem quando, ainda periquito, cheguei a Bafatá. Por lá passaram também os Alf Correia, outro Vaz (suponho), que veio a casar com uma libanesa giríssima e o Santos com quem partilhei o quarto nos dois últimos meses da minha comissão.

Duas vistas das paredes do quarto que partilhei com o Alf Mil Santos. No fim da comissão deu-me para isto.

Depois, os Furriéis distribuídos pelas Secções. Como já referi fui encontrar lá o Fur Carlos Miguel, actor, que mais tarde viria a aparecer em séries de TV mais como cómico (o Fininho). Outro Furriel, que por lá passou, vindo de Nova Lamego, irá protagonizar a próxima estória (de faca e alguidar).

Cabos e Soldados (Metropolitanos e Africanos), eram vinte ou trinta. Uns eram Condutores outros apoiavam as Secretarias e a maior parte fazia a guarda ao aquartelamento. Destaco aqui o Cabo Russo encarregado da Arrecadação que sempre me acompanhou na caça às chocas (perdizes), aos coelhos (que por acaso eram lebres pequenas) e a toda uma série de aves, cada qual a mais linda e exótica.

Com o Cabo Russo. Um cinto de chocas e uma cartucheira IN. (Foi desta foto que tirei a parte para a inscrição na Tabanca Grande.

Depois de uma caçada. Uma das aves, um faisão real, foi a ave mais espectacular que capturei.

Fotos e legendas: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados.


Na 2.ª parte desta estória, a meu ver mais interessante, descreverei os nossos Majores com algumas passagens hilariantes.

Até para a semana camaradas.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4769: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (12): O Mercado de Bafatá

Guiné 63/74 – P5158: Filatelia(s) (8): Envelope comemorativo do 5º Centenário da morte do Infante D. Henrique - 25 de Junho de 1960 (Henrique Matos)


1. O nosso camarada Henrique Matos, foi o 1º comandante do Pel Caç Nat 52, Porto Gole e Enxalé, 1966/68, enviou-me em 21 de Outubro de 2009, um envelope comemorativo do 5º Centenário da morte do Infante D. Henrique, com data do 1º dia de circulação - 25 de Junho de 1960 -, o selo postal e o carimbo alusivo à efeméride:

2. No ano de 1960, apenas foram emitidos e postos em circulação 2 selos postais na Guiné. Um, com desenho de José Moura, litografado na Casa da Moeda, em papel esmalte, policromo, com denteado 13 ½ e o valor facial de 2$50, comemorativo do 5º Centenário da morte do Infante D. Henrique e, um segundo selo, com desenho de Neves e Sousa, litografado na Litografia da Maia – Porto -, em papel esmalte, policromo, com denteado 14 ½ e o valor facial de 1$50, comemorativo do 10º Aniversário da Comissão de Cooperação Técnica na África ao Sul do Sahará (segundo catálogo de selos Postais das Colónias Portuguesas – 2008 - da AFINSA PORTUGAL).

Camarada Magalhães Ribeiro,

Tal como tu, também não sou um coleccionador de selos. Sou mais um ajuntador de selos, hobby que tem andado esquecido.

Em relação à Guiné tenho com interesse o envelope que anexo.

Podes utilizar conforme entenderes.

Abraço,
Henrique Matos

Envelope comemorativo do 5º Centenário da morte do Infante D. Henrique, com selo e carimbo

Selo do 10º Aniversário da Comissão de Cooperação Técnica na África ao Sul do Sahará

Documento: © Henrique Matos (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. poste anterior desta série em:

Guiné 63/74 - P5157: Histórias de heroísmo (1): Sold nº 939 Paulo: Olha os cabrões, já me f... a arma! (José Colaço)

1. Texto do José Colaço, ex-Sold Trms, CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), membro da nossa Tabanca Grande desde Junho de 2008 (*).


Olha, os cabrões, já me foderam a arma!

O título é forte mas o Paulo merece... Na descrição do texto direi a razão, mas os nossos editores têm toda a liberdade de o alterar se verem que ofende a moral pública.

No dia 3 de Agosto de 1964, os trabalhos da construção do quartel [de Cachil] podiam ser dados como concluídos. As explorações à mata do Cachil por ordem do CTIG tinham deixado de ter interesse, parece que o ponto fulcral era agora abrir o caminho Catió-Cufar.

É recebido uma mensagem no subsector do Cachil para a companhia, a 557, dispor de quase todo os efectivos, para participar na tentativa de limpar Cufar, zona onde o inimigo estava muito bem instalado. (A sorte foi que o inimigo nunca se lembrou de atacar o quartel num desses dias).

Nesta operação estavam também envolvidas outras forças, a companhia de Catió e os fuzileiros do sétimo destacamento que nesse dia pelo menos foram contemplados com uma baixa, o sargento vago mestre, o homem levou uma bazucada no ventre e levantou, num autêntico voo. Morte imediata com aquela zona do corpo desfeita.

A operação para a CCaç 557 era só por um dia. Principal razão: a insegurança em que o quartel do Cachil ficava. Havia camaradas que se ofereciam para trocarem e irem para o mato com todos os perigos que sabiam iam encontrar, mas o receio de ficarem no quartel ainda era maior.

As tropas da CCaç 557 saíram ao romper da manhã, embarcadas nas lanchas LDP e LDM e lá seguiram pelo rio Cumbijâ até à zona programada para o desembarque. As viaturas de Catió só iam até onde fosse considerado zona de segurança. A partir dai era a autopenantes.

Lá seguimos até encontrar o confronto com o inimigo. Era uma zona de mato como é normal, mas havia naquele local uma seara de milho, o que dava para ocultar a nossa progressão mas não protegia nada do fogo inimigo, que estava bem instalado e armado com um poder de fogo muito forte.

Houve da nossa parte um pequeno recuo, mas o pessoal não se apercebe de momento que o ilhéu 2º sargento Conde estava ferido com dificuldades de locomoção, mas pior estava o soldado nº 938 António Pires Martins Belo, mais conhecido entre nós pelo alentejanito, devido ao seu porte físico. Ele gritava com dores sem se poder deslocar e isolado.

Entretanto dois elementos do inimigo apercebem-se da situação do nosso camarada, e rastejam para tentar resgatar o António. E é aqui que surge o primeiro acto de coragem dos soldados nº 939, Dionísio da Conceição Paulo, e nº 917, António de Jesus Guilherme.

Foi feita uma barreira de fogo, os referidos soldados rastejam por baixo dessa barreira de fogo, o Paulo carrega o António Belo às costas, sempre a rastejar até conseguir trazer o camarada António para junto de nós, e o Guilherme trouxe a G3 do António Belo, sempre protegidos pela barreira de fogo.

Mas, além do azar, em tudo por vezes também a sorte nos acompanha e neste caso o António Belo teve alguma sorte: primeiro os camaradas que num acto destemido, com risco da própria vida, [fazem tudo} para salvar o companheiro o amigo; a seguir a equipa médica do helicóptero que no local lhe fez duas ou três transfusões de sangue senão o António Belo tinha-se finado.

O António Belo foi operado no Hospital 241 em Bissau onde permaneceu cerca de cinquenta e poucos dias, a seguir foi enviado para a metrópole para tratamentos e recuperação, não regressando mais à Guiné. O António hoje vive feliz em Castelo de Vide, casou, é pai, tem uma filha e um filho que trabalham e moram em Lisboa.

Bem, agora vamos esclarecer a história do titulo. O Paulo, assim que pôs o amigo em porto seguro, continuou como uma fera ferida, enraivecida, no seu ataque e defesa, mas a certa altura ouve um um barulho estranho na zona da culatra da G3 e simultaneamente a arma encrava. Olha para o carregador e vê no mesmo uma bala cravada. Reacção:
- Olha os cabrões, já me foderam a arma!

Seria normal até entrar em pânico mas a reacção foi esta... A seguir pega na arma do António Belo e continuou no seu acto de bravura.

Foi condecorado com a cruz de guerra, não sei de que ordem ou classe. O 2º sargento Conde, também evacuado para a Metrópole, não regressou à companhia, encontrei-o por acaso uma única vez num jogo de futebol Benfica-Sporting mas devido ao movimento e a ele já estar sentado só nos cumprimentámos.

Um alfa bravo, Colaço.

[ Revisão / fixação de texto / título: L.G.]

2. Comentário de L.G.:

A tua história merece que demos início a uma nova série, Histórias de Heroísmo... Palavra que usamos sempre com cautela, com pudor, com acanhamento e às vezes até com culpa!... Seria idiota, por preconceito, ou por um qualquer complexo (de culpa, de superioridade, de inferioridade seja o que for), não contarmos aqui as histórias dos nossos... heróis (da terra, do ar e do mar). Que os houve, seguramente, ao longo destes anos todos de guerra. De um lado e do outro, do nosso lado e do lado do PAIGC. Originalmente, a palavra herói, na língua grega, queria dizer, filho de um deus ou de uma deusa, e de um ser humano (homem/mulher), alguém que, pela genética, tinha qualidades sobre-humanas... O heroísmo é, pois, segundo os dicionários, "o conjunto de qualidades e acções que elevam um homem à classe de herói"...

Os heróis que conhecemos na Guiné eram de carne e osso, vulgares, mortais, com um buraco entre as pernas como os outros, nem melhores nem piores do que os outros, filhos de uma qualquer Maria e de um qualquer José... Como os teus camaradas, os Sold nº 939, Paulo, e nº 917, Guilherme...

Não quero aqui teorizar sobre o heroísmo na guerra. Quero apenas, como editor, agradecer-te mais esta história e desejar bom sucesso para as seguintes. A porta fica aberta. Deixemos aos leitores (devidamente identificados!) a tarefa de opinar, avaliar, criticar, malhar, comentar...

Quanto às ofensas à moral pública, José, que apareça o primeiro... filho da mãe que se atreva a atirar-te a primeira... pedra! Quanto ao Belo, vai daqui um quebra-costas valente, lá para Castelo Vide onde ele vive, espero que feliz e com saúde.

LG

___________

(*) Vd. postes relacionadas com o José Colaço e a CCAÇ 557:

2 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2912: Tabanca Grande (73): José Botelho Colaço, ex-Soldado de Trms da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65)

20 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2970: Ilha do Como, Cachil, Cassacá, 1964: O pós-Operação Tridente (José Colaço)

29 de Julho de 2008 >Guiné 63/74 - P3099: Os Nossos Regressos (13): Fundeámos ao largo, com as luzes de Cascais...(José Colaço, Cachil, Bissau, Bafatá, 1963/65))

9 de Outubro de 2008 >Guiné 63/74 - P3287: Controvérsias (2): Repor a realidade vivida, CCAÇ 557, Cachil, Como, Janeiro-Novembro de 1964 (José Colaço)

19 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3334 O meu baptismo de fogo (14): Cachil, Ilha do Como, meia-noite, 25 ou 26 de Janeiro de 1964 (José Colaço)

11 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3598: O segredo de... (4): José Colaço: Carcereiro por uma noite

16 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4196: Blogpoesia (39): CCAÇ 557, Missão cumprida na Guiné (José Colaço/Francisco dos Santos)

1 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4765: Convívios (153): Almoço/Convívio: CCAÇ 557, Cahcil, Bissau e Bafatá 1963/65 - (José Colaço)

18 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5125: José Augusto Rocha: da crise estudantil de 1962 à Op Tridente, Ilha do Como, 1964 (José Colaço / Luís Graça)

Guiné 63/74 - P5156: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (6): O périplo da 816 em dois anos de Guiné - Bissorã




1. Mais uns salpicos do Rui Silva, ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67, enviados em mensagem do dia 23 de Outubro de 2009:




BISSORÃ – OLOSSATO – MANSOA
O périplo da 816 em 2 anos de guerrilha na Guiné Portuguesa


BISSORÃ (I)

- 8 de Junho de 1965 a 26 de Setembro de 1965 -

Depois de 13 dias em Brá, após termos chegado a Bissau (26 de Maio de 1965), e eu em cima de uma Mercedes militar, sentado sobre os dois sacos de campanha e com a G3 entre as pernas, junto à minha Secção, rumamos a Bissorã logo de manhã cedo. A operacionalidade da Companhia começaria aí. Um amigo deixado em Brá, aquando dos preparativos para a saída, ainda me perguntou para onde ia. Para Bissorã, disse eu. Manga de chocolate, respondeu ele. Fiquei a magicar: Manga de quê? De chocolate? Que c…..o quis ele dizer? Não percebi, nem houve tempo a especificações. Quem inventou o termo chocolate com aquele propósito? Nunca cheguei a saber. Manga, sim: manga de ronco, manga de banana, manga de catota, manga de arroz, etc., etc. Manga já era do puro crioulo.

Depois de uma breve paragem em Mansoa onde os quadros ouviram da pessoa do Comandante Operacional da zona, das vicissitudes que nos aguardavam, lembro-me dele dizer que dali para a frente era de esperar de tudo: minas, fornilhos emboscadas, etc., logo uma Secção põe-se a picar à frente e o resto do Grupo de Combate, apeado, formando 2 colunas, uma em cada lado da estrada, que aqui já era em terra batida (vulgo picada). O resto da Companhia, mais alguns penduras, em progressão auto. Viagem paulatina por causa das picas, já se vê.

Camba aqui, camba acolá e entramos em Bissorã. Primeiro, umas poucas moranças do lado direito indiciavam o aproximar da povoação, mais à frente, do lado esquerdo, chamou-me a atenção um canteiro largo e redondo arrelvado-meio careca, com um pequeno busto em monumento (foto adiante)

Foto 1 > Militares da 816 junto de um pequeno monumento a Honório Barreto em Bissorã

Logo do lado direito, casas à moda das da metrópole, em alvenaria ou tijolo e com telhas cerâmicas e uma estação de correios com grandes letras vermelhas a denominar o edifício. A seguir, um edifício majestoso - relativamente - com alpendre e colunas e com uma elegante escadaria a meio. Vim a saber que era o edifício da Administração (espécie de autarquia de Bissorã). Fiquei admirado: Bissorã não parecia ser assim tão atrasada.

Foto 2 > Edifício dos Correios em Bissorã

Foto 3 > Edifício da Administração em Bissorã

Bissorã, é, dentro da província guineense, uma povoação mediana, com algum comércio, relativamente bastante populosa. Cerca de dois a três mil indígenas, talvez. Brancos da metrópole não havia, pois por certo, com o começar da guerra foram regressando a Portugal continental, naturalmente. Viam-se no entanto alguns brancos, poucos, na maioria Libaneses, (do Líbano? Como vieram ali parar? Interroguei-me eu) que viviam da exploração do comércio e do… preto.

Foto 4 > Vista aérea de Bissorã

A população indígena era composta de várias raças ou etnias das muitas que existem na Guiné - terra tão pequenina e com tantos usos e costumes! (outra grande surpresa) -. Assim, por lá havia da Mandinga, Fula, Balanta e pouco mais, com predominância da primeira. Habitam nas suas moranças - construção em blocos de um barro (?) escuro feitos de modo artesanal e cobertas a colmo (?) bem inclinado, supõe-se por causa da água das chuvas escorrerem bem -.
Cada raça tem o seu tipo de cultura e o seu tipo de religião; tinha o seu próprio bairro e a este dava-se o nome de Tabanca que tinha o seu próprio chefe: o Chefe da Tabanca ou Régulo.

Foto 5 > Carta topográfica da zona de Bissorã

Só para ver as diferenças que existiam entre etnias, havia aquela que no dia de enterrar o morto era uma festa de arromba com matança de vaca e tudo, e noutra, mesmo ao lado, chorava-se e lamentava-se de forma comovente o infeliz. Uma enterrava o morto em pé (!) à porta de casa; um buraco redondinho e com a altura do morto (fato por medida), outra levava o morto para longe com posição do corpo enterrado e zona bem referenciados. Mas havia respeito mútuo lá isso havia. Uma raça, a Mandinga, não bebia vinho nem comia carne de porco e outra mesmo ao lado não bebia vinho porque… não o tinha (havia outros álcoois - o vinho de palma por exemplo -) e a carne de porco só a custo e pelo custo, ao Domingo, pois não dava para mais. Cada etnia ou raça seu costume e seu uso.

De Bissorã divergiam várias estradas (leia-se picadas). Para Mansoa, a primeira a conhecermos, pois chegamos daquele lado; para Olossato e que dava acesso também à pista de aviação e mais adiante a carreira de tiro, e ainda mais adiante ainda o Poilão de Maqué, ao que se dizia ser o maior da Guiné; a que dava para Mansabá com Morés ali por perto. A que ia para Barro (lado norte) e a que ia para a outra banda após travessia da ponte do rio Armada, afluente do Cacheu.

Voltando à nossa chegada a Bissorã, logo atravessado o cavalo de frisa, muito perto do canteiro redondo e ajardinado atrás referido, e com os velhinhos da 643 dos Águias Negras a aparecer (Companhia ali sediada já a um tempo), entramos na rua principal onde se iria instalar praticamente toda a 816.
Do lado esquerdo, logo a seguir ao cavalo de frisa ficou a casa que serviria aos Oficiais, mais abaixo e ainda do lado esquerdo, o barracão (outrora armazém de madeiras?) que serviria à caserna dos soldados. Sensivelmente em frente a este, as cozinhas e o refeitório dos soldados tudo feito em tábuas e troncos de palmeiras. Ainda do lado direito a Secretaria do nosso Primeiro, também em casa de alvenaria ou tijolo.

Viam-se por lá muitas casas idênticas às nossas, normalmente térreas, e, claro, essas eram ou foram habitados por brancos.
Mais abaixo, um quiosque-bar feito em madeira, pela 643 suponho, que servia principalmente bebidas frescas. Ai aquela cerveja fresca pelas goelas abaixo quando chegávamos do mato! Nem perdíamos tempo a tirar a G3 pendurada ao ombro, não era amigo Vieira?

Nós, os Sargentos, depois de uma tentativa de alojamento numa pequena casa térrea já muito degradada, atrás do mercado e com chão de terra, (parecia mais um curral), acabamos por ficar numa bela casa com alpendre suportado em colunas e de construção ainda muito nova e com muitas dependências. Em frente a esta e no meio da estrada um fontenário (!) a preceito.

O comércio era constituído, na maioria por lojas de panos e miudezas. Existe lá uma bonita e elegante Capela, de linhas sóbrias, com o seu quê de arquitectura actual, com bonitas imagens, entre elas a da Senhora de Fátima.
Ao domingo havia sempre lá missa desde que o Capelão (o Capelão que gostava muito de jogar Vólei) estivesse em Bissorã.
Este, como tinha de dar a volta por todo o Batalhão, que se distribuía por diversas povoações como Olossato, Mansoa, Mansabá, Encheia, Cutia, etc., só de tempos em tempos é que aparecia por lá. O que muito me fez admirar era que a missa era presenciada por muitos nativos, com alguns a participar activamente (acólitos) daquele acto religioso. Ficaria a saber que na Guiné haviam também nativos fieis à religião Cristã (poucos). Grande parte era muçulmana. E a maior parte nem uma coisa nem outra. Chegou-me a intrigar a postura daqueles ao pôr-do-sol. Crença e respeito absolutos.

Foto 6 > Igreja cristã de Bissorã

Havia também um amplo mercado onde se vendia de tudo. Predominavam os transistores e outros aparelhos de som e música. Frutos e sementes espalhados por o chão também. Os artigos eléctricos iam buscar ao Senegal diziam.
O pai da Rosa, minha lavadeira, lá estava, sempre com muita tralha à frente. Um dia desconfiaram dele e deram-lhe cabo do toutiço.

Tínhamos um campo de futebol, propriedade do clube local Atlético de Bissorã e outro de Voleibol, onde nos entretínhamos de vez em quando a jogar e a alhearmo-nos por momentos da guerra (se é que fosse possível). No Voleibol não posso deixar de recordar aquele mulato forte, de meia-idade, cabo-verdiano, que era a pessoa do Administrador de Bissorã (espécie de regedor de freguesia), pessoa muito simpática, que tinha a admiração de todos e que era um ferrinho, sempre ao fim da tarde, para alinhar em uma das equipas. Dos nativos não havia opinião dele (medo, adiante…)

Foto 7 > Uma equipa da 816 no campo de futebol do Atlético de Bissorã. 1.º plano: Carneiro, Rui, Vieira e Tavares – 2.º plano: Paiva, Nelito, Baião, Martins, Correia e Belchior

Em casa do libanês, senhor Rui, em frente à casa dos sargentos, havia um pezinho de dança de vez em quando. Nem tudo era mau, não senhor.
Perto da povoação passava um rio, um afluente de um dos principais rios da Guiné: o Cacheu. Este rio dividia Bissorã da outra banda. Era o rio Armada

Foto 8 > Crepúsculo no rio Armada

Por lá se entretinha um ou outro tropa, a tomar banho ou a pescar, a pescar não sei o quê, pois não se constava que andasse por ali peixe, e a julgar pela a água barrenta…, só se fosse algum alfaiate que por ali passasse desprevenido (disse alguém de passagem).

Íamos comer a casa do senhor Maximiano, um veterano cabo-verdiano, cuja mulher, a D.ª Maria, era a patroa e era uma simpática senhora, sempre muito atenciosa. Aqui no tacho, lembro-me do Baião, que comia na minha mesa, que ao vermos tão abundante prato à sua frente perguntávamos-lhe se ele estava a fazer um abrigo. Este camaradão, já falecido, não demorou a fazer o cerco à filha do senhor Maximiano (tendências). E um macaco grande sempre preso à porta da tasca, propriedade de um militar da 643. Senti os dentes dele enterrados numa perna pois metia-me sempre com ele, só que uma vez distraí-me.

Foto 9 > Uma refeição no restaurante do senhor Maximiano em Bissorã

Bissorã era assim uma terra simpática só que a sua população estava (para nós) longe de o ser. Sabia-se, e fomos logo informados pela 643, que entre a população havia muito turra e pró-turra (estes a levarem arroz e informações ao inimigo, tudo feito mais do lado da outra banda. O que a tropa fazia (saídas) havia carteiro à frente. A gente que vivia aqui (outra banda), estava a umas centenas de metros do centro de Bissorã, daí alguma liberdade de acção. Os “ÁGUIAS NEGRAS” então, não gostavam nada daquela gente. Tiveram um acidente pouco depois de chegarem a Bissorã, logo à saída da povoação, em que um militar terá perdido uma perna, e chegaram à conclusão que a que isto só podia ter acontecido por mensagem de um Carteiro adiantado.
Bissorã estava cheia de bufos e informadores que colaboravam com o inimigo. Sabia-se e sentia-se isso, e como com o tempo se foi constatando. O olhar de muitos deles era feito de lado, e com dureza, a pressupor que não seríamos persona grata por aquelas paragens.

A nossa estadia em Bissorã coincidiu com o tempo das chuvas. Estas aparecem por volta de Junho e prolongam-se até Outubro. Chove muito. Autênticos tornados, com muita trovoada à mistura. É realmente muito diferente da metrópole. Relampeja muito. Os raios parecem fender o céu em toda a sua extensão, o que impressiona, mas… como estávamos mentalizados para a guerra e a viver com ela, que intempérie poderia aparecer, que nos fizesse assustar?
Como eu gostava de ver cair a chuva em torrente, acompanhada de relâmpagos e consequentes trovões, da janela do meu quarto, olhando, absorto, esquecido da guerra, aquele espectáculo que a natureza proporcionava! Aquela chuva era uma dádiva do céu naquela tórrida temperatura. Com que prazer a sentíamos no corpo quando jogávamos à bola!
Só havia jogo quando chovia!
Recordo-me, dum jogo de futebol, em que chovia tanto tanto que se formou uma espessa toalha de água em todo o campo. Chovia torrencialmente e as quedas seguidas de escorregadelas da malta, sucediam-se umas atrás das outras. Por isso havia muita risota, pois de vez em quando via-se um despistado a deslizar uns bons metros e em posição, qual acrobata, e muitas vezes a atropelar um que até não tinha nada a ver com a jogada e a entrar em despiste também.
Por vezes entrava o jogador na baliza e a bola ficava de fora como a rir-se

Foto 10 > Lavadeiras de Bissorã

A vida em Bissorã continuava. Levantávamo-nos cedo pois o sol cedo se fazia aparecer e a temperatura rapidamente atingia valores altos convidando-nos assim a abandonar a cama. Tomávamos também o pequeno-almoço na casa do senhor Maximiano, que tinha quem pouco simpatizasse com ele, pois corriam rumores acerca da sua conduta e havia até quem aventasse que ele tinha contactos com os terroristas. Jogava, como se costuma dizer com um pau de dois bicos. Pessoalmente, tive razões para formar um conceito nada lisonjeiro para ele, pois, sempre que falávamos da guerra, se bem que ele nunca puxasse o assunto, notava que ele desenvolvia-o e alimentava-o, denotando uma indisfarçável aversão à tropa ou, melhor dizendo, ao ideal desta, se bem que de uma maneira mais ou menos camuflada. No entanto, este meu cepticismo, embora que algo fundamentado, nunca seria confirmado através de qualquer facto ou ocorrência. Podia não passar de pontos de vista... E até comia-se bem no senhor Maximiano (também cabo-verdiano – estes não andavam nas bolanhas-)

O resto da manhã, e por a temperatura ser menos alta que à tarde, era aproveitada para restaurarmos e fortificarmos o quartel e para melhorarmos também as posições de defesa, nomeadamente, abrigos, trincheiras, etc..
O quartel ficava no centro da povoação com as Tabancas a contorná-lo e assim as posições de defesa ficavam naturalmente do lado exterior destas, defendendo assim a integridade de Bissorã e de seus habitantes: a população indígena.
Quando havia um ataque ou qualquer sinal de presença inimiga, tínhamos que cobrir umas boas centenas de metros até chegarmos às nossas posições de defesa, isto é, aos abrigos. Era um risco que teríamos sempre de correr, mas, como a missão está para além daquele, de talude em talude, de árvore em árvore, correndo rapidamente quando em terreno descoberto, acabávamos por chegar com relativa rapidez às nossas posições.

Houve um ataque (mais ou menos esperado) poucos dias depois da nossa chegada. Um morteirista mandou uma granada de morteiro para o ar, e o tubo, julgou ele, foi atrás, mas não, ficou foi enterrado na bolanha (“é verdade esqueci-me do prato!”) e um bazookeiro acertou, com rara pontaria, e a razoável distância (daí o mérito), num poste de iluminação e pôs Bissorã completamente às escuras. Periquitices…

Entretanto melhorávamos também as nossas condições no quartel e assim, os soldados, entre outras coisas fizeram um refeitório novo para eles, em tábuas e troncos de palmeiras, e cobriram-no com colmo, e nós, os sargentos, íamos construindo o nosso bar que acabaria afinal por servir os colegas de outra Companhia que nos viriam substituir, o que não demorou muito. Depois do almoço dormíamos a sesta. A ventoinha eléctrica, pois àquela hora funcionava o gerador, era então uma apetecida e agradável companhia. Como sabia bem aquela soneca e sentir aquela lufada de ar fresco por todo o corpo num meio ambiente de temperatura tórrida.
Alguns, que menos suportavam o calor, chegavam mesmo a ter a ventoinha quase encostada à cara, que até parecia que ao pequeno descuido a hélice levava o nariz à frente,e se bem que alguns parecessem prescindir dela ao princípio, todos acabaram por a ter. Sem uma brisa fresquinha, viesse ela donde viesse, era impossível dormir.

À noite havia ronda. Alternávamos com a 643, isto é, um dia pertencia a nós fazê-la, outro pertencia a eles. A ronda era feita aos postos de sentinela exteriores, (1 milícia atrás de uma árvore com uma Mauser (!) a ver se via bandido) alguns ainda bastante longe do quartel.
Cinco homens num jeep pelo mato fora… era a ronda.
As saídas para o mato (golpes-de-mão) faziam-se normalmente de 3 em 3 dias.

Ali ficámos três meses e meio tratando de dar luta às casas-de-mato de IADOR, BANCOLENE, BIAMBI, QUERÉ, DANDO, CAMBAJO e RUA.

Segue-se OLOSSATO (II)…
P.S. - Devo dizer que algumas das fotos aqui reproduzidas (edifícios dos Correios e da Administração, vista aérea de Bissorã, Carta topográfica, Igreja de Bissorã e rio Armada não são da minha autoria. Aos seus autores, com a devida vénia, peço a devida
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Notas de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4862: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (5): Como se vivia no abrigo da ponte de Uaque